domingo, 1 de março de 2009

BICHOS URBANOS


Já escrevi sobre jacarés e capivaras convivendo com humanos em ambientes que não são exatamente aqueles que estamos acostumados a vê-los e, muito menos, onde eles estão habituados a viverem. Também lembrei que a distorção no modus vivendi desses animais está associada à maneira com que o ser humano trata a natureza de um modo geral, e o ambiente no qual que vive em particular. Jacarés e Capivaras são, embora animais de famílias distintas, bichos grandes e, por isso mesmo, chamam atenção onde quer que se encontrem, com isso, torna-se fácil enxergá-los, escrever sobre eles e defendê-los. Mas, e os animais menores? Aqueles que cruzam nossas vistas a todo o momento em todos os lugares a ponto de quase não os notarmos, como as aves? Será que também há, a respeito delas, motivo para nos preocuparmos e falar sobre a deterioração de seus ambientes originais e das adaptações que elas se impuseram para sobreviver? Sim, há. Comecemos pelo nosso muito familiar e quase sempre incômodo pardal (Passer hispaniolensis). Pardal é o nome genérico dado aos pequenos pássaros da família passeridae, gênero passer e petronia. Os pardais são aves que foram obrigadas a se tornarem cosmopolitas e adaptarem-se às áreas urbanizadas e à convivência com os seres humanos aqui no Brasil, exatamente porque, na sua origem lá na Europa, elas são insetívoras e, como tal, foram trazidas para cá pelos colonizadores portugueses para combaterem as pragas das lavouras. Seria mais uma piada de português se não tivesse se tornado tão trágico, aqui os pássaros adaptaram-se a viver nas cidades onde não há predadores e a comerem sementes, tornando-se algozes das lavouras as quais esperava-se que defendessem. Além disso, ao invés de fazerem seus ninhos nas falésias e nas árvores como acontecia em Portugal e Espanha, passaram a nidificar nos beirais das casas dos colonos tornando-se verdadeiras “pragas”, no dizer de quem os tinha por agentes exterminadores de outras pragas, estas das plantações. Na minha infância lá em Palmeira no Paraná, quando queríamos observar um sabiá, esse chamado sabiá-laranjeira, - belíssimo pássaro de canto extraordinário e inconfundível que é um dos símbolos do Brasil - adentrávamos a mata fechada, em silêncio e por muito tempo até flagrar o bichinho em seu ambiente, cuidando de filhotes em ninho muito escondido nos esconsos de árvore copada e fechada, ou simplesmente cantando para a fêmea. Hoje, esta ave, porque “esconsos de árvore copada e fechada” deixaram de existir à sua disposição, tornou-se urbana. É comum encontrarmos o animalzinho nidificando em praças, jardins e pomares nos centros urbanos e nas áreas verdes de casas e condomínios. Sua alimentação, que antes era essencialmente minhocas, outros vermes, insetos e frutas que tinham que ser conseguidos a custa de algum esforço, hoje tornou-se uma espécie de fast food avícola. Sabiás urbanos alimentam-se de restos da comida humana. Outra ave modernamente urbanizada é o quero-quero (Vanellus chilensis). O quero-quero é uma ave típica da América do Sul, sendo encontrado desde a Argentina, Chile e leste da Bolívia até a margem direita do baixo Amazonas e principalmente no Rio Grande do Sul onde é conhecido por Sentinela dos Pampas, já que costuma agitar-se, soltar seus gritos característicos e até atacar com bicadas quando percebe alguém se aproximando de seu ninho. Costumava habitar as grandes campinas úmidas e os espraiados dos rios e lagoas, só que, com o avanço das grandes plantações e transformações das campinas em centros urbanos e industriais, obrigou-se a conviver com homens em suas cidades. Tornou-se um inquilino comum de nossas praças, jardins e até campos de futebol como acontece no campo do Coritiba, por exemplo. Lá, nos dias de jogos, tem-se que fazer um rastreio dos ninhos, geralmente construídos no gramado, e transferi-los para outro local a fim de não atrapalharem o espetáculo. Por último, o joão-de-barro, também conhecido por oleiro, que faz sua bela casa de lama sobre os postes e moirões por lhe faltar árvores, desmatadas que foram pela ambição desmedida do homem. Além desses quatro pássaros mais encontráveis e conhecidos, existem muitos outros como o canário-da-terra, o bico-de-lacre, a rolinha-fogo-apagou que convivem quase naturalmente com os seres humanos e suas aglomerações. De tal forma que a grande maioria das pessoas já os incorporou ao visual do dia-a-dia, que não consegue identificar, ali naquele pássaro, um migrante compulsório que foi expulso da área que lhe era própria para viver e procriar; ave deslocada como acontece com as pessoas que por motivo da seca, por exemplo, se veem obrigadas a migrar do campo para as cidades onde, o mais das vezes, passam a ter uma vida degradada vivendo em cortiços e favelas. Nossas pequenas aves, canoras como o canário e o sabiá, estrangeiras como pardal, que gostam de lugares amplos como o quero-quero são vítimas de nosso descaso para com a natureza e de nossa ganância pelos bens materiais sem o contrapondo da conservação do meio-ambiente, portanto, o mínimo que podemos fazer por elas é não perturbá-las, é deixá-las viver em paz, mesmo sendo em ambiente que lhes foi imposto, ambiente não escolhido por elas. Se quisermos deixar um mundo melhor e, minimamente habitável para nossos netos, respeitemos as pequenas aves urbanas, até o vilipendiado pombo não tem culpa de viver entre nós. JAIR, Floripa, 01/03/09.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei da descricao de "Zoofavelados" dada aos animais urbanos no texto anterior e o "fast food avicula" deste texto...