quarta-feira, 18 de março de 2009

KITTY GENOVESE


Lendo a revista Watchmen número 6, excelente HQ dos anos 80 que embora fictícia traz histórias verídicas, relembrei do caso de Catherine Genovese, conhecida por Kitty Genovese. Kitty realmente existiu e seu assassinato marcou profundamente a sociedade americana, criando até a expressão, "ndrome de Genovese” para descrever a indiferença egoísta das pessoas que evitam 'se envolver' nos problemas das outras, por mais graves que estes sejam. Gravidade que às vezes leva à morte, como no caso de Kitty. Passavam alguns minutos das 3 da manhã do dia 13 de março de 1964, a jovem mulher atrás do volante saiu do carro e iniciou a caminhada de 30 metros em direção ao seu apartamento na Rua Austin, 82 no bairro de Queens, Nova Iorque, quando percebeu um desconhecido em seu caminho. Ela mudou de direção e foi rumo à esquina onde havia uma cabine telefônica policial. Subitamente, o homem agarrou-a e ela gritou desesperada. Moradores de apartamentos próximos ao local acenderam as luzes e abriram as janelas, ao todo 38 pessoas. A mulher gritou novamente: "meu Deus, ele me apunhalou! Por favor, me ajudem!". Um homem em uma janela gritou: "Deixe essa menina em paz”. O agressor andou para longe. As luzes dos apartamentos se apagaram e as janelas foram fechadas. A vítima tentou caminhar rumo ao seu apartamento, mas o agressor voltou e a esfaqueou novamente. "Estou morrendo!”, ela chorou. As janelas se abriram novamente. O agressor entrou num carro e foi embora. As janelas se fecharam, mas logo o agressor voltou. Kitty agora havia se arrastado para a porta da frente de um prédio próximo. Ele a encontrou estendida no chão e a esfaqueou novamente, atacou-a sexualmente, desferiu mais algumas facadas matando-a, levou 49 dólares de sua bolsa e foi embora. Ao todo decorreram 45 minutos desde o primeiro ataque até a morte, só então um vizinho da vítima chamou a polícia. Os policiais chegaram dois minutos depois e encontraram seu corpo sem vida. A vítima foi identificada como sendo Catherine Genovese, 28 anos, que estava voltando de seu emprego como gerente de um bar em Hollis, todos os vizinhos a conheciam. Seis dias depois da morte da jovem, a polícia prendeu um suspeito - Winston Moseley, 29 anos, operador de máquinas em comércios que vivia com sua esposa e os dois filhos. Moseley acabou confessando não apenas ter matado Kitty, mas também duas outras mulheres. Disse possuir "um desejo incontrolável de matar". Ele falou aos agentes que vagava pelas ruas à noite em busca de vítimas enquanto sua esposa, Elizabeth, estava no trabalho. "Eu escolhia mulheres para matar porque elas eram mais fáceis e não lutavam", disse Moseley. Primeiro condenado à cadeira elétrica, ele teve sua pena modificada para prisão perpétua. Décadas depois, após fugas e pedidos de condicional, Winston Moseley continua na cadeia. O caso Genovese tornou-se um símbolo da apatia social não apenas para os americanos dos anos 60, mas para toda uma geração consciente de que a aglomeração das grandes cidades favorece a desumanização 'dos outros’, favorece a inércia dos espectadores e acerba a indiferença para com quem não lhe é próximo, porque o espaço urbano pertence a um povo que não tem nada a ver com eles, um povo de drogados, bêbados, miseráveis e criminosos. Quem circula naquele espaço não faz parte de sua comunidade. As pessoas se enclausuram numa cápsula virtual tornando-se espectadoras passivas das mazelas que as rodeiam. A essa atitude foi dado até um nome "bystander effect" (efeito espectador), fenômeno psicológico no qual indivíduos mostram-se nada propensos a ajudar outras pessoas em situações emergenciais quando percebem que há outros presentes no mesmo local, é o jeito eufemístico de dizer, "não tenho nada com isso". Acho que devemos considerar melhor quando se diz que o ser humano é solidário, é generoso, se preocupa com o bem estar alheio, não é isso que a prática demonstra. JAIR. Floripa, 18/03/09.

12 comentários:

Leonel disse...

Quem acha que o ser humano é essencialmente bondoso e solidário deve ser, na minha opinião, alguém que, por ter predominância dos bons instintos,deseja e acredita que possa ser assim. Mas, infelizmente, as experiências ao longo da vida pode trazer a desilusão e a mudança de ideias. Eu, que dediquei parte da minha vida à leitura de livros e artigos relacionados com os conflitos que marcaram a humanidade, principalmente no século passado,diria que dá para estudar a história da humanidade apenas acompanhando a história das guerras! E aí fica a constatação de que a humanidade nunca conheceu um período significativo de verdadeira paz! Durante toda a nossa existência, estivemos sempre nos recuperando de uma guerra ou nos preparando para outra. Quando não é aqui, é ali, quando não é hoje, será amanhã, quando não é por isso, será por aquilo. Assim, conhecendo a forma como o ser humano age nestas guerras, fica difícil para mim acreditar na bondade e solidariedade humana como características únicas ou dominantes. Mas, a boa notícia é que tais características estão presentes no ser humano da mesma forma que a crueldade e o indiferença. Mesmo nos piores momentos e nas piores condições,também vemos exemplos de coisas positivas acontecendo. Infelizmente, para a pobre Kitty, a indiferença superou a solidariedade. Aliás, esta história é mesmo verdadeira, ou é mais uma das suas?

Leonel disse...

Correção: no meu comentário, na segunda frase, onde se lê "...ao longo da vida pode...", leia-se "...ao longo da vida podem..."

JAIRCLOPES disse...

Caro Leonel,
Trata-se de fato acontecido, está registrado nos veículos de comunicação da época e ficou na mente de quem viveu naquela década. Eu lembro muito bem que O Cruzeiro repercutiu a notícia e, para mim, que vivia numa cidade pequena onde todos se conheciam,e, acredito, existia solidariedade explícita, era uma coisa totalmente estranha, incompreensível até. Esse fato ficou dormente na minha cabeça por muitos anos e, vez ou outra, aparecia alguma referência na imprensa que me deixava angustiado. Agora, finalmente, passei para o papel e me livrei da angústia. Abraços, JAIR.

Anônimo disse...

50 anos depois...continuam a existir similares casos...e outros mascarados tais como o fato de não ofertar a população remédio, ou quando este é ofertado...o são com prazo de validades vencidos ou com composições que diferem da originalmente aprovada...e oue dizer das centenas que recorrem a emergência/urgencias de hospitais em todo o Brasil e mundo...onde na maioria das vezes vem a óbito...e o que podemoos comentar a respeito da presunção/despreparação/status/arrogancia de médicos que realizam cirurgias loucamente equivocadas...amputando perna direita...enquanto deveria ser a esquerda...o quem sabe fazendo cirurgia em lado incorreto de cérebro..ou extrair seio sem necessidade por erro de diagnótico laboratorial...ou que tal...operar o útero ao invés do braço???...isto tudo são formas mais rudes...pois a apatia do bem estar e bem querer humano se fez próxima...não de distantes janelas à noite...
Saulo

Anônimo disse...

Aos que visitam este blog...percebam que o sangue/conflito/guerras marcam a maioria dos temas..~.
Acredito que estes temas não tem isso como objetivo...porém o ser humano tem uma forte relação com esses aspectos...desde os ataques de tubarões...que ora incentivados por nossas visitas a casa deles...ora por jogarmos sangue na água para facilitar a sua (tubarão) pesca dita desportiva...e ora por modificarmos selvagemente o maior dos biomas: o planeta Terra...
O ser humano em sua busca por Ter, se alimenta de sangue, é movido por sangue...que podemos traduzir como guerras, disputas economicas que trazem desconjunturas e misérias desumanas a um gigantismo populacional, e o que dizer da inúmeras formas de escravidão...sejam elas na antiga concepção negra Africa-América, ou na existente no interior brasileiro (canaviais/carvoarias/madeireiras/mineração e garimpagem/salário mínimo que não cobre o mínimo/etc), e o que dizer das fábricas chinesas...!!!
O "Ter" Humano em sua maioria é Sangue!!!

Anônimo disse...

O Anônimo acima sou eu também:
Saulo

Ruy disse...

Jair, lembra vc do lance relatado no texticulozinho “Motoqueiro Fantasma”, evento ocorrido no velho burgo e, supostamente, tendo como protagonista um ex-amigo nosso (ex porque já faleceu), cujo, como motociclista apresentava-se peladão às prendadas mocinhas velhoburguenses, chacoalhando-lhes o *adamastor em adiantado estado de ereção, quando as encontrava em lugares ermos e mal iluminados? Puiszé, o dito cujo levou vários curridões dos citadinhos que acorriam ao menor grito da donzela da vez importunada (?!) pela adamastórica aparição do motoqueiro peladão. E a chusma de valetes que se formava pra escorraçar o taradão o faziam porque, diferentemente da sociedade novaiorquina — do caso da Kitty Genovese, que era uma sociedade altamente industrializada e por isso regida pelos laços frouxos da solidariedade orgânica, segundo E. Durkheim —, a nossa pequena sociedade palmeirense, ainda não tomada pelos vícios da industrialização kapitalista que desumaniza o homem na produção em série, aviltando-o pela exploração da mão-de-obra e tornando-o apenas uma peça a mais na engrenagem produtiva, repito, essa nossa pequena comunidade ainda vivia sob o signo da solidariedade dita mecânica (E. Durkheim), onde quase todos se conhecem, ou seja, era como se formássemos uma grande família. Talvez isso explique o fato de numa cidade grande, como vc bem acentuou, seja mais fácil fechar uma janela ao se ouvir um grito de socorro do que abri-la para prestar alguma forma de ajuda ao vivente desesperado.
*adamastor: mesma coisa que órgão sexual masculino, karáleo!
Grande abraço,
Ruy.

Anônimo disse...

... talvez aqueles que se distacam do resto da populacao, e que fazem um esforço para ajudar os que precisam.. sao os verdadeiros herois... e uma especie rara em nossas sociedades....

aparecida Gomes disse...

Esta passando agora no ID

aparecida Gomes disse...

Esta passando agora no ID

herlon disse...

Esse relato sobre a garota Kitty muito me chamou a atençao,ainda mais que relata fato quase que, "corriqueiro",fazendo alusão aos altos índices criminais dos grandes centros, porém chama atenção também a um outro problema aqui abordado: "a inércia". É terrivel pensar que posso precisar de ajuda,mais terrivel ainda pensar na possibilidade de nao tela.Reduzo-me condiçao de fragilidade.

herlon disse...

Esse relato sobre a garota Kitty muito me chamou a atençao,ainda mais que relata fato quase que, "corriqueiro",fazendo alusão aos altos índices criminais dos grandes centros, porém chama atenção também a um outro problema aqui abordado: "a inércia". É terrivel pensar que posso precisar de ajuda,mais terrivel ainda pensar na possibilidade de nao tela.Reduzo-me condiçao de fragilidade.