sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Origens



Já publiquei aqui um texto sob o título “Sobre genealogia” onde mostrei que minha mulher e eu temos uma ascendência comum no que diz respeito a um de nossos ancestrais, nosso trisavô, paterno meu e por parte de mãe dela. Pode parecer um caso inusitado ou mesmo raro, mas não é nada disso, praticamente todos temos ancestrais comuns. Também escrevi o seguinte: Estudo de genealogia não é uma ciência exata, sabe-se como começa, mas onde acaba quase sempre é uma incógnita.
Então vejamos, todos temos dois pais, quatro avós, oito bisavós, dezesseis trisavós e, numa progressão geométrica de expoente dois vamos alcançar milhões depois de muitas gerações. Mais precisamente, depois de apenas vinte e cinco gerações, e considerando que cada geração seja de 25 anos, ou seja, há pouco mais de seiscentos anos, cada um de nós tem 33.554.432, e a progressão continua de modo que no início da era cristã todos teremos 569 trilhões de ancestrais, algo como cem milhões de vezes a população total do Planeta. Como é um número astronomicamente impossível, visto que todos os habitantes que existem e já existiram representam uma ínfima parcela disso, o que ele significa?
A que conclusão leva esse cálculo de resultado absurdamente grande? Poderão perguntar alguns. A seguinte certeza: quando você casa com aquela namorada que ama seja ela de onde for, até do mais longínquo local do Planeta, pode ficar certo que vocês têm milhares de ancestrais em comum. Não só isso, sabe aquela pessoa horrorosa e mau caráter que você não suporta no trabalho e da qual, parece, todos querem guardar distância? Pois é, ela também tem com você milhares senão dezenas de milhares de antecedentes comuns! O consolo para quem se sente desconfortável com essa infelicidade, é que tanto Gisele Bündchen quanto Sandra Bullock também compartilham herança genética alentada com todos nós. E mais, se tomarmos ao pé da letra que Adão existiu, todos somos descendentes dele, ou seja, no mínimo somos todos primos em graus variados de parentesco. Embora seja apenas um mito a existência de Adão e Eva, cientistas provaram através do DNA mitocondrial que somos todos descendentes de apenas dez “Evas” que viveram na África num período em que a população humana minguou quase até a extinção. Queiramos ou não, nesse caldeirão de cruzamentos e interrelações, temos fatalmente resquícios genéticos de origens em comuns todos nós.
Quando vejo ações de desprezo por classes, “raças” ou outras classificações de pessoas, me veem à mente nossas origens e entendo menos ainda porque alguns se julgam melhores que outros. Volto aqui a dizer, somos como um terreiro de galinhas caipiras, todas de diferentes cores, tamanhos ou feitios, mas, apenas isso: galinhas, não há faisões ou aves do paraíso no nosso meio - para tristeza de todos esses racistas e preconceituosos que existem por aí. Para quem acredita no éden e em Adão e Eva, é mais inverossímil ainda pensar que pode ser diferente do seu vizinho, pois ambos são, em última análise, descendentes dos mesmos pais. JAIR, Floripa, 07/09/11.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Bombas na Austrália



Já publiquei vários textos referentes à energia atômica, seu uso na confecção de armas nucleares, sua exploração para incrementar a guerra fria, e sobre os testes atômicos que as potências nucleares efetuaram nas mais diversas regiões do Planeta, com suas danosas consequências.
Todas as chamadas potências nucleares, nas décadas de cinquenta e sessenta, fizeram testes dessas armas mortais na atmosfera sem qualquer cuidado com o ambiente onde elas ocorriam. Os EUA explodiram dezenas de bombas no atol de Biquíni, pertencente às Ilhas Marshall no oceano Pacífico, a oeste do Havaí, com resultados tão nocivos que até hoje o meio ambiente continua alterado e o povo que lá vivia está impedido de voltar depois de mais de cinquenta anos.
Mas, acho que a pior consequência desses diabólicos testes resultou das experiências engendradas e executadas pela Grã Bretanha no território australiano. Verdadeiro crime ambiental de grandes proporções que inviabilizou a vida normal de tribos inteiras de nativos. Primeiro, é preciso que esclareça que a Austrália é um país democrático, parlamentarista, independente, integrante da Comunidade Britânica e, como tal, pertence à área de influência da Inglaterra. Sendo assim, parece, quando a Albion se viu apta a explodir seus artefatos mortais, escolheu aquele país porque possui vastos territórios desérticos, o assim chamado Outback. Habitados apenas pelos nativos, - conhecidos mundialmente por aborígenes - e por dromedários, cangurus, dingos, cobras, lagartos e emus, seres perfeitamente descartáveis segundo a ótica dos arrogantes ingleses.
Os testes nucleares britânicos ocorreram em Maralinga entre 1955 e 1963, até hoje um lugar interditado à vida no sul da Austrália. Sete grandes testes nucleares foram realizados, com potência aproximada variando de 1 a 27 quilotons equivalentes de TNT. Para comparação, a bomba de Hiroxima tinha 20 Kt. O sítio também foi usado para centenas de experimentos menores, muitos dos quais tinham a intenção de investigar os efeitos de incêndio ou explosões não-nucleares em armas atômicas. Construíram no local simulacros de bases com instalações como hangares, alojamentos, pistas e pátios onde foram colocados aviões sobrantes da guerra como os famosos e românticos P51, por exemplo. Militares “voluntários” foram colocados a uma certa distância das explosões para aquilatar os efeitos da radiação. Não é preciso dizer que a essas pessoas não foi explicado o perigo que corriam.
Além dos testes maiores, um grande número de experimentos menores também foram realizados, de junho de 1955 e prorrogado até maio de 1963. Embora os testes principais fossem realizados com um pouco de publicidade, os testes menores foram feitos em sigilo absoluto. Estes testes menores deixaram um legado perigosíssimo de contaminação radioativa na área de Maralinga. O resultado dessas experiências de baixa potência se assemelha ao que acontece no caso de explosão de uma “bomba suja”. Bomba que usa explosivo convencional para espalhar material radioativo mortal ao redor, constituindo-se num artefato barato, mas de enorme e duradoura letalidade.
As séries de quatro ensaios de menor impacto foram denominadas Cats, Tims, Rats e Vixen. Ao todo, esses “estudos” incluíram 700 testes, envolvendo experimentos com plutônio, urânio e berílio. A operação Cats envolveu 99 ensaios, realizados em duas áreas, Maralinga e Emu Field de 1953 a 1961. Nos testes foram usados “gatilhos” de nêutrons, envolvendo o uso de polônio 210 e urânio, e geraram, segundo foi divulgado depois, "quantidades relativamente grandes de contaminação radioativa." A operação Tims ocorreu em 1955-1963, e envolveu 321 ensaios de urânio e de berílio, bem como estudos de compactação de plutônio. A operação Rats investigou dispersão explosiva de urânio, quando 125 ensaios tiveram lugar entre 1956 e 1960. A operação Vixen, em ensaios entre 1959 e 1961 investigou os efeitos de um incêndio acidental de uma arma nuclear, e envolveu um total de cerca de 1 kg de plutônio. E, para que acha que 1 Kg de plutônio é pouca coisa, é só lembrar que acidente com césio 137 no Brasil foi causado por apenas 0,093 quilogramas daquele elemento, e que o plutônio é milhares de vezes mais radioativo e letal que o césio. Além disso, a meia-vida do césio 137 é 30 anos, enquanto o plutônio só decai para metade de sua radioatividade em 24.100 anos.
O local foi contaminado com material radioativo com tal magnitude que uma limpeza inicial foi tentada em 1967. A Comissão Real McClelland, depois de um exame dos efeitos dos testes, apresentou o seu relatório em 1985, e constatou que o perigo de radiação significativa ainda existia em muitas das áreas de teste Maralinga. Recomendou outra de limpeza, que foi concluída em 2000 a um custo de US$ 108 milhões. Até hoje prossegue o debate sobre a segurança do local e os efeitos a longo prazo sobre a saúde da tribo aborígene proprietária daquela terra. Em 1994, o governo australiano pagou uma indenização no valor de US$ 13,5 milhões para os aborígenes, pessoas que tiveram que mudar-se de lá. Essa indenização visava apenas cobrir os efeitos nocivos sobre o terreno, nada se falou nos efeitos sobre a saúde das pessoas afetadas.
Antes da escolha, o sitio Maralinga era habitado pelos povos aborígenes Pitjantjatjara e Yankunytjatjara, para quem a área tinha um "grande significado espiritual". Muitos foram transferidos para um novo assentamento em Yulata, e foram feitas tentativas de restringir o acesso ao sitio Maralinga.
Na década de 1980 alguns militares australianos e habitantes aborígines da terra estavam sofrendo cegueira, feridas e doenças como o câncer. Eles "começaram a juntar as coisas”, percebendo que suas aflições tinham a ver com a exposição aos testes nucleares. Grupos como a Associação de Veteranos e do Conselho Pitjantjatjara pressionaram o governo, até que em 1985, este concordou em realizar uma comissão real para investigar os danos que foram causados.
O triste dessa história é que a Austrália é um país cujas forças armadas, embora modernas, são apenas simbólicas, não têm armas nucleares e nem se propõem a construir tais artefatos. E os povos nativos, os quais, por lei, não têm obrigação de servirem as forças armadas, são as maiores vítimas dessas mortais incongruências dos britânicos mancomunados com o poder público australiano que, até a década de 1980, nem sequer considerava os aborígenes como seres humanos. JAIR, Floripa, 22/09/11.

domingo, 25 de setembro de 2011

O Vulcão

Silva Jardim

Os vulcões são fenômenos sismológicos naturais, geralmente de ações violentas e dramáticas, que estão relacionados com o movimento das placas tectônicas do Planeta. Atualmente existem cerca de 800 vulcões ativos conhecidos, mas milhares outros estão extintos definitivamente, ou não entram em atividade a muitos anos de modo que não se conhece sua periodicidade ou se podem ser considerados inativos para sempre. O Yellowstone National Park, localizado no Wyoming, Montana e Idaho, nos EUA, é um caso típico: sabe-se que o parque está situado numa hiper, super, mega cratera de vulcão que já entrou em erupção 9 vezes nos últimos 600 milhões de anos, mas não se tem certeza se está extinto ou não. De qualquer forma, a história da Terra e da vida sobre ela está intimamente relacionada com as atividades telúricas que incluem os vulcões, além de terremotos, tsunamis, ciclones, furacões e outros cataclismos.
Estando ligados à evolução do Planeta não significa que os vulcões estejam ligados à história do homem propriamente, ou seja, na maioria dos casos, nunca se tornaram “sujeitos da história”, no entanto, alguns por se situarem em locais onde as pessoas acabaram se estabelecendo para morar, influíram marcadamente no progresso da civilização humana.
Os casos mais conhecidos da relação dos vulcões com cidades e homens, entre outros, são: A erupção do Monte Pelée de 1902, na Martinica, uma das mais devastadoras de que se tem conhecimento, tendo causado a morte de quase 30.000 pessoas e a destruição total da cidade de Saint-Pierre, situada no sopé da montanha; O Krakatoa, no dia 27 de Agosto de 1883, a ilha de mesmo nome, localizada no estreito de Sunda, entre as ilhas de Sumatra e Java, na Indonésia, desapareceu quando o vulcão de mesmo nome - supostamente extinto - entrou em erupção. É considerada a erupção vulcânica mais violenta que o homem moderno já testemunhou. As erupções e explosões duraram 22 horas e o saldo foi de mais de 37 mil mortos. Sua explosão atirou pedras a aproximadamente 27 km de altitude e o som da grande última explosão foi ouvida a cinco mil quilômetros; O Kilauea vulcão localizado no Parque Nacional de Vulcões do Havaí, nos Estados Unidos, é considerado o vulcão mais ativo do mundo e tanto destrói edificações, florestas e estradas, como constrói novos “terrenos” de lava úbere as quais serão ocupados em seguida; Por último, o Vesúvio, que no dia 24 de agosto de ano 79 de nossa era, entrou em erupção de forma catastrófica lançando pedras e cinzas, sepultando as cidades de Pompéia e Herculano situadas nas suas faldas.
Plínio, o velho, historiador romano, morreu na erupção, mas seu sobrinho também chamado Plínio, descreveu a ação destrutiva do Vesúvio a qual soterrou as duas cidades com o que os geólogos e vulcanólogos atuais chamam de fluxo piroclástico. A avalanche de cinzas e detritos em alta temperatura alcançou as cidades de modo formidável, cobrindo tudo com uma camada de 15 metros de espessura, matando todas as pessoas que não fugiram e conservando os móveis, utensílios, casas e locais de trabalho e lazer tal como se encontravam naquele momento. Pompéia e Herculano permaneciam como que dentro de uma cápsula do tempo quando foram “descobertas” por arqueólogos e se tornaram inestimáveis objetos de estudos dos usos e costumes romanos, bem como atrações turísticas importantes para a Itália e o mundo. Até os cadáveres das pessoas deixaram impressões ocas no interior da cinza solidificada como cimento, de modo que os espaços preenchidos com gesso reproduziram o corpo dos indivíduos no momento da morte. As figuras tridimensionais assim produzidas são algo meio bizarro, mas de grande apelo turístico.
Pois esse mesmo Vesúvio de tão marcada fama e tão destacado fautor de catástrofes foi causador de uma morte que, de certa forma, influenciou indiretamente na história da República brasileira.
Antônio da Silva Jardim, nascido em agosto de 1860 na Vila de Capivari, no estado do Rio de Janeiro foi um advogado, jornalista e ativista político brasileiro, que teve atuação importante nos movimentos abolicionistas e republicanos no país. Em 1891 candidatou-se a deputado federal e foi derrotado. Embora republicano convicto, idealista e determinado resolveu, então, retirar-se temporariamente da política e viajar para o exterior para descansar, clarear as ideias e repensar o seu futuro e o do Brasil.
Aos 31 anos de idade, visitou Pompéia e, curioso por conhecer o vulcão Vesúvio, mesmo tendo sido avisado de que ele poderia entrar em erupção a qualquer momento, escorregou, caiu e foi tragado por uma fenda que se abriu na cratera da montanha – deixando o motivo dessa morte envolvido em mistério, pois a imprensa da época insinuou que ele poderia ter suicidado por desilusão política.
Contudo, a morte de Silva Jardim teria sido um acidente, segundo seu amigo e guia na malfadada excursão, Joaquim Carneiro de Mendonça, testemunha do fato. Em homenagem ao jornalista morto, foi determinado que o município fluminense de Capivari passaria a ter o atual nome de Silva Jardim. Sem contar que em inúmeras cidades do país existem praças, ruas e avenidas com o nome do desditado político.
Assim, um vulcão lá na Europa distante, teria influenciado os rumos da República brasileira ao ceifar a vida de um ativista político que era uma esperança importante por seus pronunciamentos e atitudes diante dos novos desafios que a nação enfrentava. Embora no Patropi estejamos a salvo desses formidáveis fenômenos, o Vesúvio adentrou - e talvez alterou - nossa história para sempre. JAIR, Floripa, 21/09/11.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Cachorros II



Já publiquei vários textos sobre cães, desde considerações sobre os formidáveis vira-latas até algumas curiosidades a respeito dos cães selvagens brasileiros, passando por características de raças variadas e histórias de fidelidade canina. Gosto de cães e, independente de considerá-los, como reza o adágio, “os melhores amigos do homem”, tenho por eles uma admiração muito especial por causa de sua fidelidade. Quem assistiu ao filme “Sempre ao Seu Lado” (2009) com Richard Gere, percebeu a que grau de fidelidade ao dono pode chegar um cachorro, mesmo porque o filme foi baseado na história real de um professor japonês.
Mas, a relação homem-cão é muito antiga, remonta há dez mil anos quando as primeiras tribos humanas começaram a deixar o nomadismo de caçadores-coletores e passaram a se fixar na terra tornando-se pastores-agricultores, isto é, praticamente desde os primeiros alvores do que chamamos civilização. Sabe-se que esses homens primitivos domesticaram o lobo asiático e dele, através de seleção genética, foram criando as primeiras “raças” que acabaram dando a origem às centenas que conhecemos na atualidade.
Para nós pode parecer estranho que os Homo daquele tempo tenham domesticado o lobo, contudo, devemos lembrar que o animal – selvagem ou não – procura fundamentalmente duas coisas: alimento e segurança. Portanto é razoável supor que os primeiros aglomerados humanos produziam rejeitos que atraiam os animais, principalmente em épocas de escassez. Ossos e restos de comida deviam ser convidativos aos lobos famintos. Uma vez que os animais se aproximavam, os mais mansos podiam ser capturados e mantidos em cativeiro, ou mesmo apenas dentro do perímetro da aldeia onde recebiam alimentos, se sentiam seguros e podiam procriar sem problema. E, como não existe almoço grátis, os homens obtinham uma fonte de proteínas segura para os dias difíceis e usavam os animais como fonte de calor nas noites invernais, além de contar com eles como sentinelas de suas casas. Era uma simbiose perfeita em que ambos ganhavam e que continua existindo em certas sociedades primitivas até hoje.
Pois bem, sempre chamou-me a atenção a irresistível atração entre populações pobres e os cães. Onde existe gente pobre existe cachorros em quantidades significativas. Mendigos atraem cães e são atraídos por eles também. Morei aqui em Floripa num condomínio recém formado em um bairro de classe média baixa. Ao me mudar não havia muitos moradores no condomínio, de modo que havia bem poucos cachorros ainda. Fiquei observando como evoluiria a população canina então. Não foi preciso esperar muito, a comunidade tinha duzentas casas e quando umas cento e cinquenta estavam ocupadas já havia uma quantidade de cães que empatava com o número de ocupações. E daí para frente o número de cachorros só fez aumentar. Não sei como está hoje, porque de lá me mudei, mas garanto que quando saí havia mais cães que famílias.
Para contrariar minha assertiva que cães e pobres se atraem como pólos opostos de imãs, conto que quando estive em Cuba há cinco anos, esperava encontrar muitos cachorros nos bairros pobres de Havana, enganei-me. Apesar da extensa e visível pobreza das classes operárias de Cuba, pude observar que os canídeos eram quase inexistentes pelas ruas e casas. Sempre que visito outros países costumo escrever minhas impressões primeiras sobre o que vejo de peculiar, exótico, curioso ou mesmo comum na sociedade. Em virtude, produzi um texto meio jocoso: “Donde están los perros?” quando voltei daquela Ilha Caribenha. Confesso que não me atrevi a publicá-lo por que poderia parecer meio preconceituoso com as pessoas de lá, mas, principalmente, preconceituoso com os cachorros. Não tenho dúvidas que não sou habilitado a falar sobre o regime político da Ilha. E mais ainda, é impossível escrever qualquer coisa sobre Cuba sem acrescentar uma opinião política a tudo que disser, e política não é minha praia.
Mas, sem qualquer ranço ou viés político, os cães são os animais sem os quais a humanidade não teria tomado o rumo que tomou no decurso civilizatório que nos tornou o que somos hoje. Os cães sofreram um processo evolutivo artificial que os tornou, cada vez mais, seres adaptados às necessidades e idiossincrasias humanas em todos os níveis e consoantes todas nossas exigências do dia-a-dia. Desde o cãozinho ornamental cheio de fitinhas e laçarotes das madames até os cães pastores que contribuem para a segurança de rebanhos em qualquer parte do mundo, passando por sentinelas e condutores de deficientes visuais, ou, nas guerras onde eles foram condicionados a levar explosivos para baixo de tanques inimigos, como fizeram os russos, canídeos dão uma contribuição fundamental para quase tudo que fazemos. Até mais que isso, os cães são nossas companhias e nossos cúmplices em toda nossa história, nós e eles partilhamos uma vida comum e não há como referir-se a cultura dos povos e nações sem fazer referência a importância que eles tiveram e tem no rumo da civilização que construímos. Estejamos certos, se um dia o homem conquistar o espaço sideral e conseguir explorar outros planetas, o cão estará ao seu lado. Viva nossos fiéis companheiros de jornada! JAIR, Floripa, 21/09/11.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sobre sono



Li em algum lugar declaração de um estudioso do mundo de Hipnos (deus do sono. Morfeu, ao contrário do que muita gente pensa, é deus do sonho) a qual dizia que algumas pessoas precisam dormir oito ou nove horas por noite, e outras apenas cinco ou seis horas já seriam suficientes para restaurar suas energias. Me encontro enquadrado na relação dos que dormem pouco, enquanto minha mulher, se não a perturbarem, dorme tranquilamente nove ou dez horas.
Na verdade, os seres humanos passam praticamente um terço da vida dormindo e esse fato já dá a dimensão e a importância do fenômeno sono. O corpo dos animais, e não esqueçamos que o homem é um animal, consome energia nos afazeres comuns do dia-a-dia, vale dizer, no simples ato de viver, portanto, necessita de repouso para que seus sistemas descansem, retornem a um nível ótimo de equilíbrio metabólico, psíquico e emocional para isso o sono se faz necessário. O sono, numa linguagem coloquial, “recarrega a pilha” fisiológica animal.
Experiências em laboratório provaram que um organismo privado de sono deixa de funcionar, isto é, morre. Os sistemas e órgãos de ratos impedidos de dormir por quatro ou cinco dias, entram em colapso e morrem. Em 1962, o radialista Rick Michaelis foi submetido a experiência de privação de sono mais radical que se tem notícia, ele ficou sem dormir durante 213 horas. Supervisionado e monitorado por uma equipe médica que o acompanhou em revezamento, Rick passou períodos de delírios, agressividade, surtos de demência e quase veio a falecer quando sua pressão baixou a níveis incompatíveis com a vida normal. Os médicos colocaram um fim na provação quando perceberam que ele corria risco de bater as botas.
Como escrevi acima, durmo pouco, porém, por alguma razão que desconheço e que mesmo a medicina não soube dar uma explicação satisfatória, passei por um período de meses com uma grave e ruinosa insônia. Minhas noites se resumiam a três ou quatro horas de sono de má qualidade, o que tornava os dias pesados de suportar e pouco produtivos. Sono de má qualidade é quando não conseguimos atingir os níveis mais profundos de inconsciência, o chamado nível quatro, o qual é particularmente restaurador. E também não sonhamos ou sonhamos pouco, o sonho é indispensável para uma vida saudável, ainda que a ciência não saiba por quê.
O médico gaúcho, Denis Martinez, talvez a maior autoridade brasileira em tratamento de problemas referentes à qualidade do sono, escreveu vários livros sobre a matéria, inclusive o “Como vai seu sono?” um verdadeiro tratado sobre esse universo tão necessário e tão pouco conhecido, mas no qual todos mergulhamos pelo menos uma vez por dia durante a vida toda. Assim, me fiz paciente da Clínica do Sono depois de ter lido o livro de Martinez. Na clínica é necessário passar uma noite dormindo monitorado por uma câmera e acoplado a aparelhos de leitura de ondas cerebrais, de movimentos dos olhos e dos membros, através de dezenas de eletrodos colocados em pontos determinados desde as têmporas até as pernas. Onde se realiza um estudo polissonográfico com paciente dormindo numa cama confortável, num quarto escuro e silencioso. Onde são monitorados e registrados em um computador os parâmetros eletrofisiológicos e cardio-respiratórios, fluxo oro nasal, movimento de tórax, movimento do abdômen e movimento dos membros, além de saturação de oxigênio e posição no leito.
O diagnóstico dos distúrbios que estão deteriorando a qualidade de nosso estado repouso repositor de energias será feito pelo médico especializado, que indicará ou não medicamento ou atitudes que deverão melhorar o estado do paciente.
Feito o diagnóstico que pode conter termos como arousals e despertares, bruxismo, terror noturno e apnéia, o paciente passa pela fase de tratamento que pode incluir medicamentos, máscara de oxigênio para casos graves de apnéia e aparelho para facilitar a respiração em caso de roncopatia severa. O livro de Martinez relaciona duas dezenas de síndromes, chamadas distúrbios do sono, que podem perturbar o descanso do ser humano. Dessas tantas fui contemplado com cinco, por causa das quais me encontro em tratamento.
O curioso da busca por tratamento nessas clínicas, é que quem mais as procuram são mulheres porque... seus maridos roncam. Segundo os médicos da área, é normal as mulheres procurarem as clínicas porque não conseguem dormir devido ao ronco de seus maridos. Soluções como, desde dormir em quartos separados até tratamentos clínicos da roncopatia dos maridos, melhoram o sono das mulheres. Cura-se um para o outro dormir.
O fato concreto é que, muito provavelmente, a maioria dos distúrbios do sono está relacionada com a vida moderna. O estresse, as preocupações, os horários, os ruídos, os estímulos visuais, as refeições pouco digeríveis ou em horários inadequados, a televisão no quarto, as muitas informações que devemos “digerir” diariamente e as maneiras de dormir, afetam desfavoravelmente nossa qualidade do sono. Estamos a mercê de dezenas de agentes contrários ao bom dormir. Então, a maioria dos médicos prefere descobrir o que está nos causando os desconfortos e nos aconselha a proceder de modo diferente ou mudar o que está nos atrapalhando. Medicamentos ou aparelhos só em ultimo caso. Seguindo “dicas” profissionais quase sempre fáceis de serem seguidas e cuidando da saúde podemos adentrar o mundo de Hipnos e lá permanecer por algumas horas agradáveis todas as noites. Bom sono para todos! JAIR, Floripa, 26/08/11.

sábado, 17 de setembro de 2011

Mao II



Mao Tse-tung era filho de camponeses e acabou se tornando o líder máximo da China, onde exerceu o mando absoluto por quase trinta anos, graças a sua persistência em perseguir o poder a qualquer preço e se dedicar a sua causa sem qualquer clemência ou piedade àqueles que se interpunham à sua causa. Filho de camponeses, não hesitou jamais em sacrificar a vida de seus coetâneos para atingir suas metas pessoais.
Como já escrevi em outro texto, Mao alcançou o topo do poder subindo por uma pilha de cadáveres de cidadãos chineses. Durante os anos que “lutou” contra o general nacionalista Chiang Kai-shek pelo domínio do solo Chinês, Mao formou um exército de camponeses iletrados, mal alimentados, mal vestidos e mal armados e os usou como bucha de canhão em batalhas que tinham objetivo de apenas servirem de propaganda para a “causa” comunista. Na verdade, Mao só se converteu ao comunismo por mero interesse pessoal, sua meta era o domínio do país e, tendo isso em vista, tentou suas primeiras investidas nesse sentido dizendo-se nacionalista, mas voltou-se para o comunismo por dois motivos: por que não via “espaço” para se tornar o líder máximo, visto que este posto já era ocupado por Kai-shek; e porque, tornando-se comunista poderia contar com ajuda militar da Rússia em benefício de sua ambição desmedida de poder.
Depois que efetivamente açambarcou o poder em 1949, Mao não mais viu qualquer obstáculo na sua fúria de manter-se no topo e, para isso, engendrou planos. Seu primeiro projeto foi fomentar guerra entre as Coreias de forma que envolvesse os EUA. Mandou três milhões de soldados à região e pressionou os russos para obter armamentos e tecnologia. Conseguiu a custa de mais de um milhão de mortos.
Depois, imaginando que conseguiria alcançar as potências ocidentais em desenvolvimento industrial, bolou um plano que chamou “Grande Salto adiante”. Enquanto dizia à nação, de forma vaga, que o objetivo do Salto era fazer a China “alcançar todos os países capitalistas num tempo bastante curto, e se tornar um dos países mais ricos e poderosos do mundo”, por trás dos panos, para seus acólitos, confessava que pretendia dominar o Pacífico, num primeiro passo para dominar o mundo. Só que, para isso, precisava de aço, do qual a China era carente.
Para importar o aço produzido na Rússia a única moeda que a China dispunha era alimento. Assim, Mao passou a calcular quanto alimento devia exportar para pagar suas importações. O cálculo não era baseado na produção, de forma que para os camponeses literalmente nada sobrava. Estabeleceu-se no país uma epidemia de fome que, estima-se matou 37 milhões de inanição. Relatos levados a Mao, por seus chefes de aldeias, informavam que as pessoas estavam se alimentando de folhas de árvores, e ele dizia que era bom, não havia porque camponeses não fazerem sacrifícios em nome da nação.
Esse aperto nacional possibilitou que Mao exportasse 4,74 milhões de toneladas em grãos, no valor de 935 milhões de dólares em 1959. O maldito Ogro costumava dizer a Krushov que “a China tem alimentos demais” e que “precisamos encontrar escoadouro para os cereais nas indústrias, por exemplo, para produzir álcool etílico para combustíveis”. Não era verdade, ele apenas projetava tais onirismos para exigir maior produção para satisfazer suas ambições pessoais.
Os camponeses tinham agora de trabalhar com muito afinco e durante mais horas do que antes. Como queria aumentar a produção sem gastar nada, Mao agarrou-se a métodos que aumentavam a mão de obra, não de investimentos. Por isso, ordenou enormes esforços para construir sistemas de irrigação: diques, represas e canais. Nos quatro anos seguintes de1958, mais de 100 milhões de camponeses fora coagidos a trabalhar nesses projetos sem quaisquer apoios do sistema. Eles eram obrigados a trazer sua própria comida, ás vezes de dezenas de quilômetros do lugar onde trabalhavam, sem roupas, muitos trabalhavam nus até no inverno. Milhares morreram de fadiga, frio e fome.
Os trabalhadores acabaram removendo uma quantidade de terra equivalente a 950 canais de Suez, usando apenas martelos, pás, enxadas e as próprias mãos, e carregando a terra em portas e camas de suas casas. Mao havia dito a seus próximos que esperava a morte de 30 mil pessoas, mas que entendia que esse era um preço barato pelo “Salto” que se pretendia. Seu cálculo acabou sendo ultraconservador, morreram mais de 400 mil trabalhadores.
Um dia Mao teve a “brilhante idéia” de que uma boa maneira de manter os alimentos seguros era se livrar dos pardais, pois eles comiam grãos. Então designou esses passarinhos como uma das “quatro pragas” ao lado das moscas, mosquitos e ratos, e que todos deveria ser eliminados. Como tudo no regime maoísta entrava até nas minúcias, ele mandou mobilizar a população para sacudir paus e vassouras e fazer uma algazarra gigante a fim de impedir que os pássaros pousassem e, dessa forma, morressem de fadiga. Não é preciso dizer que, eliminados os pássaros, aumentou as pragas das quais estes se alimentavam e as lavouras foram atacadas de forma a reduzir ainda mais a produção causando fome e mortes. Foi necessário a importação de 200 mil pardais da URSS para repor a fauna dizimada, essa caríssima operação teve um caráter ultra secreto porque Mao não podia errar. A um alto preço em vidas e dinheiro haviam, mais uma vez, seguido os palpites infelizes do Grande Timoneiro que, como um deus, era infalível. Mao colocou a conta do fiasco em seus acólitos palacianos como costumava fazer sempre.
O “Salto’ de quatro anos foi um desperdício monumental de recursos naturais, esforços e vidas humanas, único em sua escala na história da humanidade. O pior de tudo é que a maioria dos projetos foi abandonada depois dos insucessos, transformando-se grande parte em elefantes brancos, e algumas das “melhores” represas estouraram com as chuvas torrenciais dos anos sessenta, matando milhares daqueles que tinham sobrevivido às suas construções.
Ano fim da vida, apesar de profundamente infeliz por ter fracassado na realização de sua ambição mundial, Mao não mostrava nenhum sentimento em relação às gigantescas perdas humanas e materiais que essa busca destrutiva havia custado ao seu povo. Bem mais de 70 milhões de pessoas haviam perecido – em tempos de paz – em conseqüência de seu desgoverno, mas ele sentia pena somente de si mesmo. Costumava chorar quando lembrava sua glória passada, pois a autopiedade era o único sentimento desse monstro inominável. Sem Mao, a China hoje poderia ser menos desenvolvida, mas seus cidadãos teriam coisas boas para contar a seus filhos e seriam mais felizes, com certeza. JAIR. Floripa, 29/08/11.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Anhatomirim

Anhatomirim

Moro aqui na margem continental da Baia Norte da Ilha de Santa Catarina onde se situa a cidade de Florianópolis, capital do estado. Pois bem, na entrada dessa baía está situada uma bela ilha de nome Anhatomirim. A ilha que hoje é objeto de visita por parte de empresas que empregam escunas para levar os turistas lá, abriga um forte construído pela paranóia de segurança portuguesa durante o império. Na verdade, além do forte propriamente, as instalações para os militares como alojamentos, rancho e abrigos para armas e pólvora encontram-se em tão bom estado de conservação que poderiam ser utilizados mesmo nos dias de hoje.
Ainda que Anhatomirim seja um local idílico e mostre seu lado atraente e bucólico aos olhos dos visitantes, ela guarda em sua história um dos episódios mais hediondos e vergonhosos da política governista da República.
A capital de Santa Catarina chamava-se Nossa Senhora do Desterro. Com o advento da República e os turbulentos eventos posteriores, as resistências catarinenses que não acatavam o governo do Marechal Floriano por entender que ele havia aplicado um golpe em seu sogro, Marechal Deodoro, resolveram opor-se ao novo mandante e provocaram uma animosidade por parte do governo central. A vitória das forças golpistas comandadas pelo Marechal Floriano Peixoto determinaram em 1894, a mudança do nome da cidade para Florianópolis, em homenagem a este oficial. Ninguém por aqui ficou saltitando de felicidade com isso e o resultado se fez sentir em 30 de novembro de 1979 quando o General Figueiredo, então presidente do país, resolveu homenagear o Marechal golpista, mas, esse assunto abordaremos depois.
Floriano, não contente com a situação oposicionista do estado, resolveu mandar o interventor Moreira César com quinhentos militares para aqui esmagar aqueles que ao seu mandato se opunham. Moreira César não perdeu tempo, aqui chegando prendeu centenas de “revoltosos” e os confinou na ilha de Anhatomirim. Até aí tudo bem, regimes fortes sempre tratam com punho de ferro aqueles que não se vergam a seus atos despóticos. Acontece que em abril de 1894, Moreira César, por mera intriga ou, menos provável, por excesso de zelo, informou ao Marechal que os presos estavam mancomunados com alguns civis em liberdade para tramar um golpe no estado. O presidente não conversou, mandou que Moreira César “se livrasse” dos revoltosos presos. A história oficial não registrou as exatas palavras proferidas pelo Marechal, contudo, o interventor que era uma pessoa inteligente e obedecia a ordens, embarcou seus esbirros rumo à ilha prisão e praticou a maior chacina dessa fase da República. Segundo atestam os historiadores José Jobson de Arruda e Nelson Pileti, 185 prisioneiros foram chacinados por degolamento ou a tiros de fuzil, mas Dante Martorano afirma que foram 300, porque no dia dessa matança indiscriminada os familiares dos presos os estavam visitando e também foram massacrados. De qualquer forma, seja 185 ou 300, esse episódio é um dos atos mais vergonhosos de nossa República, mesmo porque os adversários políticos do raivoso Marechal já estavam presos e não representavam perigo algum para seu governo, muito menos ainda, seus irmãos, filhos e esposas que os visitavam naquele ensolarado domingo negro.
Em 1979 quem comandava o país era o General Figueiredo. Então, em novembro daquele ano, demonstrando uma insensibilidade política no mínimo obtusa, Figueiredo resolve homenagear Floriano justamente aqui onde o nome do Marechal não goza de qualquer prestígio. Poucos são os catarinenses que não lembram o vergonhoso “Massacre de Anhatomirim”, que foi até objeto de livro publicado por Maurício Oliveira. O último lugar do Planeta que se pode homenagear aquele que agiu como um Stálin brasileiro é aqui na Ilha da Magia.
Pois estava o presidente aqui na Praça XV inaugurando uma placa de bronze para lembrar o malfadado mandato daquele militar golpista, quando o povo começou a vaiá-lo em veementes e irados brados. Figueiredo, mais uma vez mal assessorado ou desconhecedor da história, resolveu revidar as vaiais com palavrões impublicáveis num blogue família como este. “Melhor” fez César Cals, Ministro das Minas e Energia de Figueiredo, avançou ousadamente em direção à multidão esbravejando como que para enfrentar “no braço” aqueles que apupavam o inepto presidente. Levou uns bons tabefes bem colocados nas avantajadas orelhas, e só não apanhou mais porque os seguranças intervieram a tempo. O imbróglio foi presenciado por este escriba e imortalizado pela imprensa nem sempre governista daquele tempo. Registre-se que a placa não amanheceu no pedestal no qual fora colocada e jamais se soube que fim inglório levou. A Chacina de Anhatomirim enfim teve seu desfecho justo nos alentados pavilhões auditivos de um Ministro canhestro.
Hoje existe um movimento para mudar o nome da capital para Desterro, Floripa ou Meiembipe, e, ainda que Floripa lembre aquele presidente vingativo, é o nome mais cotado. JAIR, Floripa, 12/09/11.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sobre sentidos



O antropocentrismo que rege a conduta, os julgamentos e as opiniões do Homo sapiens em relação ao mundo que o cerca, sem qualquer surpresa, o coloca no alto do pódio e os demais seres a seus pés. Assim, considerando apenas os três reinos elementares, e começando pela base, os reinos da natureza seriam, em ordem de importância, organização e complexidade: mineral, vegetal e animal. Ainda mais, dentro do reino animal existiriam “classes” inferiores por sua simplicidade organizacional, e outras em níveis mais elevados. Bactérias, amebas e vírus estariam na base do mundo dos vivos, os vertebrados compreenderiam os níveis mais elevados, sendo que dentre estes, os mamíferos estariam no segmento superior e o homem ocuparia o lugar mais alto. O homem seria o ápice da criação, criado à imagem e semelhança do Criador.
Dentro da lógica antropocêntrica, ao homem são atribuídos os mais nobres sentimentos e os mais perfeitos sentidos os quais o tornam o único ser antenado com o mundo do qual faz parte, único ser capaz de reagir aos estímulos ambientais. Ninguém ou coisa alguma pode rivalizar com suas percepções, até o sentimento de dor física é negado aos demais animais, muitos cientistas não admitem que cães, ratos e outros bichos inocentes usados em experiências terríveis em laboratórios sofrem com as vivisseções e mutilações a que são submetidos.
Negar sentimentos a outros animais é algo sem sentido, ainda que nem todo mundo que concorda com isso - mas sim a grande maioria dos homens - não tem dúvidas que plantas não possuem qualquer sensibilidade: não sentem dor, não reagem a sons e ao câmbio de ambientes. Uma das poucas exceções, o livro “A vida secreta das plantas” de Peter Tompkins e Christopher Bird, tenta provar o contrário. Trata-se de um relato minucioso das relações físicas, emocionais e espirituais entre as plantas e os diversos ambientes. Os autores demonstram como as plantas, supostamente, são seres sensíveis. Segundo eles, estas memorizam experiências de prazer e dor, sentem afeto e medo e são capazes de comunicar-se com os homens. Parece que essas colocações são um salto muito ousado de “cientistas” que querem somente aparecer sob as luzes do estrelato, mas experimentos com plantas deixam margem a reflexões interessantes.
O botânico americano Cleve Backster, teve uma experiência inusitada com um vegetal, que pode servir para ilustrar o que os autores do livro afirmam. Cleve estava tentado usar um polígrafo – o conhecido detector de mentiras – para determinar o tempo de insuflamento na seiva de um rododentro depois de regá-lo. Colocou os eletrodos do aparelho numa das folhas da planta e o pôs em funcionamento. No momento que se preparava para regá-lo, feriu a mão num beirada do regador. Interrompeu o que estava fazendo e resolveu fazer um curativo no ferimento antes de prosseguir com o teste.
Por acaso, olhou para o visor do polígrafo e se surpreendeu com o que viu. A agulha do aparelho parecia ter detectado um abalo sísmico, movia-se febrilmente sobre o papel de marcação. Assim, sem que tivesse havido qualquer contato entre a mão ferida e a planta, esta estava “sentindo” que algo estava errado. O ferimento havia sido detectado pela planta e o polígrafo estava registrando o “sentimento” dela.
Naturalmente esse evento que está longe de ser o único, gerou uma enorme especulação por parte daqueles que acreditam na sensibilidade fitológica. Para eles, o evento comprovou que o reino vegetal pode demonstrar emotividade. A priori, quem poderia supor a existência de tal fenômeno? Seriam então verdadeiras as estórias que uma azaléia cresceria melhor e mais saudável num ambiente harmonioso do que em um onde há discórdia e brigas? As plantas ficam “alegres” com música suave e demonstram-se melancólicas com ritmos agressivos? E os conselhos de horticultores para que suas plantas cresçam bem: “façam com que elas ouçam música clássica”, não seriam brincadeira? Essas suposições parecem colocar em dúvida o fundamento das classificações do mundo natural. Alguns “cientistas” tentaram dar explicações diante dos resultados de experiência semelhantes à de Cleve. Eis uma delas: os sentidos dos seres humanos não seriam senão um aperfeiçoamento em graus variáveis de um sentido universal onipresente no mundo dos vivos, existindo, ainda que de modo embrionário e genérico, também nas plantas.
Independente do enfoque que se dê ao evento, este é certamente muito interessante. Graças ao polígrafo foi possível registrar as reações dos vegetais em diversas situações bem definidas e, mesmo que o mecanismo desse fenômeno permaneça obscuro, despertou grande interesse em prosseguir os estudos para se chegar a alguma explicação. Por exemplo, a folha de uma planta é perfeitamente insensível a uma imersão em água, mas manifesta uma reação inexplicável quando se aproxima dela a chama de um isqueiro. E essa reação parece indicar que planta se sente ameaçada pela chama.
Num avanço no sentido de desvendar o mistério, a Universidade McGill, de Montreal, Canadá, passou a fazer experimentos psíquicos para intervir no desenvolvimento dos vegetais, seja pela imposição de uma sugestão de crescimento acelerado ou muito lento. Plantas de cevada assim tratadas, apresentam desenvolvimento diferente dos exemplares de controle, sugerindo, dessa forma, que há alguma reação ao tratamento. A prática empregada lembra a hipnose.
Diante dessas demonstrações sugerindo a existência de coisas que ainda não entendemos por trás do comportamento dos vegetais, mesmo porque plantas não possuem sistemas nervosos e muito menos cérebros, é o caso de deixar o ceticismo de lado e se aprofundar nas pesquisas para comprovar ou refutar em definitivo a suposta sensitividade botânica. JAIR, Floripa, 24/08/11.

sábado, 10 de setembro de 2011

Stálin



Depois da morte de Lênin o qual havia “liderado” a revolução bolchevique que derrubou a monarquia dos Romanov na Rússia, subiu ao “trono” do PC russo e do executivo do país, um dos mais sanguinários líderes comunistas da história da humanidade: Stálin.
Ióssif Vissariónovitch Stálin, nome adotado por Ioseb Besarionis Dze Djughashvili, - porque Stálin soava como algo metálico em georgiano, idioma falado na Geórgia, onde nasceu - era um homem determinado e impiedoso que se fez notar em 1918 quando ingressou no Partido Comunista. Quando Lênin morreu em 1924, depois de alguma luta de bastidores, Stálin foi entronado como presidente do Partido e, potencialmente, como condutor supremo da União Soviética até sua morte em1953.
Seu reinado caracterizou-se pela demanda de “planos” de desenvolvimento que visavam à transformação de uma Rússia de agricultura feudal em potência industrial. Essa transição seria imposta ao campesinato a custa de milhões de mortes, a maioria por inanição. Lênin havia, de certa forma, apontado para o futuro truculento da revolução ao implantar campos de trabalhos forçados para os “inimigos” do partido, que na linguagem bolchevique queria dizer quem não lesse pela mesma cartilha dos líderes. Stálin foi muito mais longe, instituiu o terror absoluto para dobrar o campesinato aos seus ditames. O ditador transformou a Sibéria no que passou a ser conhecido como “Gulags”, região saturada de campos de trabalho, onde os chamados “dissidentes” eram internados teoricamente por tempo limitado, mas que na prática permaneciam até morrer de fome, exaustão ou doenças, sob condições indescritíveis. Neste quesito Stálin foi precursor de Hitler e serviu de orientador para conduzir seres humanos até a mais abjeta degradação depois à morte.
Nos fins dos anos vinte e início dos anos trinta, o plano qüinqüenal de Stálin passou a confiscar a produção dos agricultores de modo a deixá-los sem o que comer. Segundo sua ótica bolchevique, camponeses “ricos”, chamado Kulaks, eram todos os que possuíssem alguns cavalos, algumas vacas, alguns empregados. Porém esses critérios não eram rígidos, ficando ao sabor da vontade de seus comissários julgarem quem deveria ser castigado por ser “rico”. O mais das vezes esse julgamento se fazia em razão de empatias pessoais não tendo nada a ver com as posses dos acusados, e assim muita gente foi morta ou deportada para os “Gulags” sem nem saber por quê. A loteria stalinista da vida ou morte não se regia por quaisquer regras racionais ou conhecidas por suas vítimas.
Um episódio que ilustra bem o comportamento sanguinário desse celerado que durante seu reinado queria implantar a “ditadura do proletariado” em nome do comunismo, deu-se antes mesmo dele ter assumido o comando da nação. Em 1918, quando ainda era apenas um “comissário” de Lênin, Stálin foi despachado para a cidade de Tsarítsin, a qual era uma espécie de celeiro do Cáucaso. Num trem blindado com quatrocentos guardas vermelhos, Stálin entrou na cidade e mostrou a que viera fuzilando os suspeitos de serem contra revolucionários. Foi ali que Stálin compreendeu a conveniência da morte como instrumento político mais simples e eficaz. Essa conduta durante a guerra civil era a marca registrada dos bolcheviques, com suas botas de couro, capotes e coldres, que abraçaram o culto do glamour da violência, uma brutalidade que Stálin assumiu integralmente.
Não obstante toda uma carreira calcada na violência e morte de adversários para obtenção de poder absoluto pelo medo, Stálin só estabeleceu o Terror ao partido do final de 1936, o qual durou até sua morte. O Monstro transformou os medos delirantes da guerra com a Alemanha, os perigos reais da guerra que se travava na Espanha e os inexplicáveis fracassos industriais causados pela incompetência de seus prepostos, numa teia de conspirações de seus inimigos dentro do Partido. E isso era justificativa suficiente para determinar expurgo de milhares de partidários que até o dia anterior “bebiam no mesmo copo” que ele. Em completa consonância com a distorcida lógica dos ditadores que só o medo reduz todos à obediência cega, Stalin baixou uma Lei em 1º de dezembro que os “inimigos” do partido deveriam ser julgados e fuzilados dentro de uma hora, sendo que seus familiares também seriam executados em seguida. Neste mesmo mês 6501 pessoas foram fuziladas. Stálin não tinha um plano preciso para aumento do Terror, apenas a crença que o próprio Partido deveria ser aterrorizado para se submeter a seu jugo e que velhos dirigentes deveriam desaparecer.
A paranóia era onipresente em todas as ações do Ditador, ele precisava de vítimas para o seu “moedor de carne” cada vez mais ávido por vidas. No início e 1937 propôs que seus comissários estabelecessem números de pessoas a serem moídas pela máquina do Partido. Assim, seu adjunto Iejov propôs uma ordem de Nº 00447 que entre 5 e 15 do próximo mês, os números fossem: 72850 pessoas fossem fuziladas e 259450 deportadas para os Gulags. As famílias dessas pessoas deveriam ser mortas ou deportadas também. Stálin e o Politburo aplaudiram a proposição em pé.
Não demorou para que o “moedor de carne” adquirisse tal impulso que, conforme a caça às bruxas se aproximava de seu auge e os ciúmes e as ambições entre os áulicos se atiçavam, cada vez mais gente era jogada na máquina. As cotas das regiões foram logo cumpridas, e pediram então números maiores, o Politburo concordou com fuzilamento de outras 22500 pessoas e, depois, mais 48 mil. Neste aspecto, o Terror stalinista foi diferente dos crimes de Hitler, que destruir sistematicamente judeus e outras minorias determinadas. Na Rússia, ao contrário, a morte era, o mais das vezes, aleatória: um comentário distraído, um flerte com idéias diferentes das do Partido, a inveja da posição de um vizinho, vingança ou pura coincidência causavam a morte a tortura de famílias inteiras. Mas para o Partido isso não importava: “Melhor ir longe demais do que não ir longe o suficiente” era o lema de Stálin. Ao fim, a ordem Nº 00447 havia ceifado 386798 vidas e encarcerado 767397 inocentes.
O Terror não foi apenas consequência da monstruosidade de Stálin, mas se formou, expandiu e acelerou graças a seu caráter perverso e dominador, o qual refletia seu rancor e seu espírito vingativo. “A maior delícia”, disse ele a um de seus comissários, “é marcar o inimigo, preparar tudo, vingar-se por completo e depois ir dormir”. Stálin e a cúpula comunista mataram com entusiasmo, inconseqüência, quase com alegria e, em geral, assassinaram mais do que lhes foi proposto. Ninguém jamais foi processado por esses crimes. JAIR, Floripa, 04/09/11.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Manoel Demétrio







As informações sobre a constituição do Corpo de Voluntários da Pátria foram baseadas num verbete da Wikipédia.
Voluntários da Pátria é o nome dado aos corpos de “soldados” criados pelo imperador no início da Guerra do Paraguai, em 7 de janeiro de 1865, com escopo de constituir uma massa de manobra que formaria uma tropa em armas nacional, já que o efetivo de militares servindo ao Exército do país era reduzido, sendo sua concentração maior na capital do império, local muito distante da área em conflito com os paraguaios.
Inicialmente formado para tirar proveito do entusiasmo patriótico que tinha tomado conta do país no início da guerra, reunindo os voluntários que se alistavam espontaneamente. Em 30 de abril de 1866 já existiam 49 destes batalhões, formados, principalmente, por militares vindos das corporações policiais das províncias, mas também por um significativo contingente oriundo da população civil, “soldados” cidadãos, na verdade. Com o passar do tempo e a diminuição do entusiasmo popular em virtude das notícias sobre baixas e, principalmente pelas condições terríveis dos acampamentos mal constituídos, as doenças e a falta de alimentos e agasalhos no desgastante inverno do sul do país, o governo imperial passou a exigir dos presidentes das províncias cotas de voluntários, que deveriam recrutar.
Ainda em 1865 os voluntários da pátria passaram a contar com recrutamento forçado, instituído por chefes políticos locais e a oficiais da Guarda Nacional, que obrigavam o alistamento de seus opositores. Cada província foi solicitada prover, no mínimo, 1% da sua população.
Segundo Chiavenato, autor de Genocídio Americano, o Exército também usava a força para conseguir soldados, o que tornou perigoso o ato de embriagar-se na rua. Quem estivesse cambaleando em alguma esquina poderia levar uma repentina paulada na cabeça, e acordar com uma espingarda na mão, a caminho da guerra. De qualquer forma, havia várias formas de se escapar da convocação: os aquinhoados faziam doações de recursos, equipamentos, escravos e empregados para lutarem em seu lugar; os de menos posses alistavam seus parentes, filhos, sobrinhos ou agregados; aos despossuídos só restava a fuga para o mato.
O uso de escravos para lutar em nome de seus proprietários virou prática corrente. Além disso, sociedades patrióticas, conventos e o governo passaram a comprar escravos para lutarem na guerra. O império prometendo alforria para os que se apresentassem para a guerra, fazendo vista grossa para os escravos fugidos. D. Pedro II deu o exemplo, libertando todos os escravos das fazendas nacionais para incorporá-los à luta. O imperador também outorgou uma lei que militares e voluntários mortos, deixariam uma pensão vitalícia às suas mulheres e às filhas na falta daquelas, essa lei ainda vige e beneficia esposas e filhas de militares no presente, mesmo na ausência de qualquer conflito. Em algumas províncias como a do Paraná, por exemplo, o governo prometia aos voluntários uma gleba de terra ao retornarem da guerra, assim, muitos despossuídos se fizeram alistar seduzidos pelo canto da sereia.
No total, estiveram em guerra 57 Corpos de Voluntários da Pátria. As perdas brasileiras sofridas por mortes, ferimentos, doenças e invalidez alcançaram a 40% desse efetivo. No total 37928 voluntários da pátria participaram do conflito.
Meu tio bisavô, Manoel Demétrio, em 1865 era um rapagão que vivia num vilarejo a margem direita do rio Iguaçu. Cheio de patriotismo, viajou a Curitiba para apresentar-se como voluntário tão logo a guerra iniciou. Uma vez alistado, foi submetido à instrução militar num dos batalhões formados somente com civis do estado. Depois de aprenderem o manejo das manlinchers e os rudimentos das manobras, deslocamentos e marchas necessárias ao desempenho nas artes bélicas, os recrutas foram embarcados nos trens que se dirigiam ao sul. Os voluntários não eram soldados na acepção do termo, sua formação lhes permitia desempenhar as funções militares sem dificuldade na guerra, contudo, a ação não lhes facultava uma “carreira”, não tinham expectativas de permanecer no Exército, não lhes era possível serem promovidos além da graduação de sargento cadete, ainda assim, apenas por bravura.
Na página 64 do livro “Guerra do Paraguai”, (1940) de Davi Carneiro, ficou registrado o evento no qual Manoel Demétrio, na conhecida passagem do riacho Itororó em 6 de dezembro de 1868, seguiu Caxias, do qual era cabo de ordens, quando o Duque, num gesto grandiloqüente teria dito: “Sigam-me os que forem brasileiros”. A que notar que essa passagem era especialmente difícil dado que os paraguaios encontravam-se do outro lado da ponte prontos a rechaçar qualquer tentativa de invasão de seu espaço, e já haviam repelido cinco ataques anteriores. Quando Caxias foi atacado na cabeça a golpe de sabre por um paraguaio, Manoel “aparou” a agressão com a mão o que veio lhe valer uma mão defeituosa para o resto da vida, e uma promoção a sargento cadete.
Terminado o conflito, Demétrio, considerado herói de guerra, foi agraciado com uma medalha e uma gleba de terra no município de Palmeira, onde edificou uma boa casa que era ao mesmo tempo um armazém bem suprido o qual lhe dava meios de sobreviver com algum conforto. A velha casa ainda se encontra lá abandonada.
Manoel Demétrio, embora tendo a sorte de sair vivo da guerra com apenas um defeito permanente na mão, nunca teve o justo reconhecimento de sua atuação naquele episódio que poderia ter causado a morte de Caxias e um desfecho diferente daquele consagrado nos livros onde se enaltece o episódio, “Sigam-me os que forem brasileiros”. Demétrio foi aquele que o seguiu e pagou um preço por isso, mas seu gesto pode ter imortalizado a frase do Duque e lhe salvado a vida, o quê, em outras palavras poderia significar um desfecho diferente da história que conhecemos. Manoel Demétrio é o herói que faltava para a formosa Palmeira, é o filho da terra que imortalizou um episódio crucial da guerra sanguinolenta que ceifou milhares de vidas dos Voluntários da Pátria. Que esta seja a homenagem que ele merece e aguardava ser prestada. JAIR, Floripa, 23/08/11.

domingo, 4 de setembro de 2011

O Renascimento


Nada se movia, parecia uma fotografia de paisagem bucólica, algo assim como uma bonança antes da tormenta. A humilde cidade, já pouco movimentada por pequena, parecia estática. Neste momento, quem olhasse para o céu poderia notar que um lado estava negro arroxeado e do outro, ao contrário, completamente limpo. O lado escurecido vindo do leste movimentava-se lentamente em direção ao claro, e este se movimentava em direção ao negro e, por fim, eles se fundiram num abraço mortal bem sobre o centro de Palmeira. Depois do fato, meteorologistas disseram que havia acontecido um choque de duas frentes atmosféricas antagônicas. Uma das frentes era um ciclone quente e úmido, a outra, seu oposto, um anticiclone seco e frio. Era a expressão máxima da síntese dos opostos que se atraem. Elas chocaram-se de repente e, por todo lado, ouviram-se uivos, assobios e estrondos. Uma força descomunal revolveu a nuvem escura que se transformou em um torvelinho negro, sujo e desgrenhado, em uma coluna volteante cuja extremidade inferior tocava o solo, enquanto a superior se estendia em direção ao infinito onde o olhar não podia alcançar. Um motor inacreditável fazia girar essa massa escura, extraindo e juntado tufos negros no centro, como se o próprio satanás a tudo comandasse. Em torno da coluna, rodavam e borbulhavam nuvens de fumaça, poeira, sujeira ou alguma outra coisa imprecisa, com todas as cores do arco-íris e suas nuanças mais repulsivas e estranhas. O torvelinho não ficava em um único lugar nem se deslocava em linha reta: como tromba maiúscula numa dança cujo ritmo fosse apenas de seu conhecimento, andava em círculos que invertiam seu sentido pelas ruas e terrenos da cidade, como se quisesse arrasar tudo a seu alcance, como se quisesse deixar sua marca particular e profunda naquela cidade de iniquidades e pecadores.
O ciclone curvava-se com requebros quase sensuais, torcia-se até o chão e arrancava árvores, esmigalhava telhados de casas, revirava automóveis, fazia latões de lixo rolarem pela rua ou serem lançados ao espaço, despedaçava quiosques em fragmentos indefiníveis, levantou a carroça de um pequeno feirante fazendo desaparecer suas frutas e legumes, elevando o cavalo a rodopiar no ar como um pégasus deslumbrado curtindo uma valsa vienense. Ao redor eram só assovios, uivos, rugidos e lamentos; o vento ululava e gemia com a fúria de uma besta ensandecida; do céu despencava sobre a cidade chuva sólida, pejada de granizo composto de pedras grandes como limões galegos em quantidades antes nunca vistas naquela região. Flashes de relâmpagos ziguezagueavam a sua luminosidade ofuscante e, com terríveis estrondos, atingiam postes, chaminés e até a torre da catedral. Todo mundo apavorou-se – alguns olhavam pelas janelas, aterrorizados; outros, ao contrário, fechavam olhos e janelas e tapavam espelhos, mas todos, até os mais incréus, lembrando que tinham alma, rezavam.
Nunca um palmeirense tinha visto uma tempestade assim nessa época do ano, ou em qualquer época, e nem queria ver. Muitas pessoas até começaram a pensar que talvez isso não fosse uma tempestade, mas um castigo divino, e não um castigo simples, mas algo de proporções bíblicas como registrado no Velho Testamento. Ou então, pior que isso, o fim do mundo. O dia do Juízo Final, quando a Terra seria revirada, todos os túmulos seriam abertos e hordas de mortos-vivos putrefatos sairiam e começariam ranger os dentes.
Foi quando ímpios, bandidos, estróinas, marginais, meliantes, malandros, punguistas, estelionatários, desclassificados, perversos, patifes, adúlteros, malfeitores, alcoviteiros, celerados, venais, ruinosos, sátiros, encapetados, bandoleiros, gatunos, ratos, vendilhões, tratantes, maníacos, flibusteiros, nazistas, matadores, contrabandistas, exploradores, escroques, chantagistas, quadrilheiros, descuidistas, velhacos, transgressores, niilistas, clandestinos, facínoras, hereges, vilões, malvados, miseráveis, golpistas, politiqueiros, canalhas, genocidas, pecadores, pérfidos, satanistas, feiticeiros, verdugos, monstros, carrascos, malufistas, cínicos, desordeiros, senadores, demônios, incendiários, demagogos, satanistas, corruptores, falsos, gângsteres, maoístas, diabólicos, torturadores, réprobos, especuladores, devassos, contraventores, impudicos, libidinosos, viciados, súcubos, pornógrafos, pelintras, bruxos, libertinos, blasfemos, traidores, levianos, maldizentes, promíscuos, vis, falsários, pistoleiros, invejosos, vagabundos, sanguinários, iracundos, odientos, maníacos, detratores, capciosos, parricidas, góticos, sinistros, usurários, crápulas, charlatões, muquiranas, bolchevistas, delinqüentes, ladrões, coprófagos, vadios, terroristas, cavilosos, sádicos, assassinos, caloteiros, pedófilos, amaldiçoados, imorais, criminosos, descarados, mentirosos, perjuros, pivetes, calhordas, belicosos, comunistas, safados, larápios, malignos, trombadinhas, embusteiros, tarados, heréticos, sicofantas, proxenetas, sediciosos, poluidores, hipócritas, venenosos, rufiões, jagunços, inescrupulosos, corruptos, possuídos, desdenhosos, vândalos, ordinários, histriões, deputados, raptores, impiedosos, piratas, invejosos, sádicos, estupradores, coléricos, cáftens, ruins, iconoclastas, algozes, pernósticos, cafajestes, receptadores, masoquistas, brutais, mexeriqueiros, vândalos, calvinistas, perversos, fornicadores, desumanos, perpetradores, verdugos, fariseus, cruéis, pulhas, dissolutos, vigaristas, encrenqueiros, abjetos, traficantes, desleais, sicários, desordeiros, obscenos, toxicômanos, assaltantes, necrófilos, mafiosos, fofoqueiros, sequestradores, permissivos, párias, enganadores, indignos, penitentes, escrotos, caluniadores, incestuosos, concupiscentes, impostores, infiéis, falazes, sórdidos, nefastos, torpes, indecentes, funestos, licenciosos, ignóbeis, solertes, avaros, mesquinhos, indecorosos, agiotas, malafamados, fascistas, infaustos, aziagos, peçonhentos, poltrões, truculentos, depravados e stalinistas sentiram que teriam que prestar contas por suas culpas, malfeitorias e vícios. Tudo brilhava, se movimentava e estrondeava; alguns se assombravam, tinham a sensação de fazer parte daquela dança macabra, mas sem nenhuma idéia de como fazê-la parar.
A história registra que os moradores da cidade nunca viram uma tempestade daquelas em qualquer época e em qualquer outro lugar. Com descargas de raios, torvelinhos de ventos e turbilhões, tudo foi quebrado, esmagado, arruinado, queimado, reduzido a cacos, mas o ímpeto do fenômeno atmosférico como que redimiu os pecados daquele burgo. Arderam casas de madeira, o posto de gasolina e uma oficina mecânica. A fábrica de farinha ficou em pedaços e nem o cemitério foi poupado, mas ninguém morreu, todo o estrago foi apenas material. E, parece, as almas das pessoas foram redimidas, o ciclone “limpou” os pecados e transgressões dos palmeirenses.
Mesmo depois de reconstruída, a cidade nunca mais foi a mesma, renasceu, parece que seus habitantes, em conformidade com as novas construções e novos arruamentos, adquiriram uma nova sentalidade que os remeteu a relações mais cordiais entre si e para com os estranhos, e a honestidade passou a revestir todas as ações daquela comunidade. Para o bem da humanidade o povo tornou-se mais devoto e passou a cuidar mais da alma e falar menos da vida alheia. O Ciclone foi a melhor coisa que aconteceu àquela cidade. JAIR, Floripa, 01/09/11.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mao



Acabo de ler o calhamaço (954 páginas) que é a biografia de Mao Tse-tung, líder tirânico e assassino da China comunista desde 1949 quando, a custa de uma guerra fratricida que deixou mais de um milhão de mortos, conseguiu expulsar o general nacionalista Chiang Kai-shek da área continental chinesa para a província de Taiwan. Por quase trinta anos, até sua morte em 1976, Mao aboliu qualquer resquício de liberdade que pudesse haver no país e toda a estrutura social milenar existente, em nome do “maoísmo” que era sua maneira pessoal de interpretar a doutrina comunista.
Desde o primeiro momento, o que ressalta da vida dessa figura insólita é seu completo desprezo pelos seres humanos, sua completa indiferença a qualquer sentimento para com próximo e sua dedicação exclusiva e em tempo integral para a conquista e o exercício do poder a qualquer preço. E qualquer preço neste caso não era uma mera expressão linguística, significava morte por fome, execuções sumárias por fuzilamento e afogamento em rios e lagos com uma pedra amarrada no pescoço, tanto de seus acólitos que lhe impusessem obstáculos a seus objetivos, quanto de camponeses anônimos dos quais ele confiscava as produções de modo a deixá-los sem um mínimo de alimento para sobreviverem. Mao, como Stálin e Hitler, foi um monstro que alcançou o topo do poder subindo por uma longa rampa de cadáveres de cidadãos de seu próprio país.
O “Grande Timoneiro” era extremamente mordômico, egocêntrico, covarde e preguiçoso, durante a chamada “Longa Marcha”, na qual os comunistas percorreram centenas de quilômetros a pé pelo sudoeste do país, Mao era carregado de liteira apoiada sobre os ombros de soldados muitas vezes descalços e quase sempre famintos. Quando um dos soldados não tinha mais condições de carregar o infame ogro pelas sendas escorregadias e íngremes das montanhas, era deixado no caminho para morrer e substituído por outro que, mais tarde, teria o mesmo fim. Mao só pernoitava em residências luxuosas arrestadas de proprietários ricos, seus acompanhantes dormiam ao relento e muitos morriam de frio. Ele não andava armado e nunca participava de combates, mas se comprazia em assistir a torturas de seus adversários e inimigos, além de estimular mortes dolorosas e degradantes daqueles que considerava ameaças a seu poder.
Logo após a subida ao poder do PC chinês, Mao ligou-se politicamente a Stálin por que via nele seu potencial fornecedor de tecnologia militar, estava determinado a transformar a China numa potência bélica. Ele sabia que o status quase medieval da economia chinesa era um impedimento sólido para transformá-la numa nação industrializada, então, para surpresa até do próprio Stálin, propôs criar um incidente na Coréia que levaria os americanos à guerra. Entendia ele, sem dar conhecimento a Stálin naturalmente, que se os americanos ameaçassem o equilíbrio da Ásia, a Rússia seria obrigada a armar a China para se defender. Os cálculos dele estavam corretos, ele comprometeu suas tropas (três milhões de soldados) na guerra e obteve de Stálin a transferência de tecnologia de armamentos leves e pesados, aviões militares, tanques e mísseis.
Foi dito ao povo chinês, de forma vaga, que o equipamento soviético usado na industrialização do país era “doação”, ou seja, que se tratava de um presente. Nada mais longe da verdade. Tudo tinha que ser pago – e isso significava sobretudo pagar com alimentos, fato que foi rigorosamente escondido do povo chinês, como até hoje ainda se faz. Naquela época, ao contrário do que acontece hoje, a China tinha pouca coisa para vender.
As mercadorias que a China exportava para a Rússia e seus satélites eram, em sua esmagadora maioria, artigos essenciais a seu próprio povo; entre elas estavam todos os principais produtos que a população chinesa dependia para ingerir proteínas; centenas de milhares de camponeses morreram de fome apesar de suas colheitas terem sido boas naquele período; Mao, num cálculo frio, havia trocado a vida de cidadãos por tecnologia armamentista. Até alguns de seus seguidores se sentiam enojados, mas fazer declarações contra essa política de fome não era opção, o ditador era extremamente vingativo e não foram poucos comunistas fuzilados acusados de “direitistas” durante seus expurgos.
Além de ter de produzir alimentos para pagar pelas importações militares da Rússia e da Europa oriental, os camponeses tinham que entregar produtos preciosos para compor as doações imensas que Mao fazia a fim de promover suas aspirações territoriais. A China não somente fornecia alimentos para países pobres como a Coréia do Norte e Vietnã, como os dava de graça para regimes comunistas europeus muito mais ricos, especialmente depois da morte de Stálin, a qual deu a Mao a sensação que poderia liderar o mundo comunista.
Não satisfeito com as fábricas de armamentos que havia arrancado da Rússia em troca de proteínas tiradas da boca de seus concidadãos, a partir de 1956, Mao passou a desejar, com fúria alucinada, fazer da China uma potência nuclear com posse de bombas e submarinos atômicos. Mais uma vez ele usou a guerra fria para conseguir seus intentos. Passou a bombardear a ilha de Quemoy, pertencente a Taiwan, sabendo que os EUA tinham um pacto de defesa com Chiang Kai-shek e não deixariam barato tal agressão a seu aliado. Foi só o Pentágono ameaçar o lançamento de umas bombas atômicas na China e Mao conseguiu de Kruschev - que a essa altura tinha substituído Stálin no comando da Rússia - a construção de reatores nucleares em território chinês e transferência de submarinos atômicos para a marinha chinesa. Resultado: mais comida exportada e mais barrigas de camponeses roncando.
Como a cega obediência a seus ditames e os rumos implantados à economia e à política do país dependiam não de um entendimento ou de uma aceitação passiva das normas mutáveis a toda hora, mas simplesmente do terror, em 1966 Mao instituiu o movimento que passou a ser conhecido com Revolução Cultural. Esse movimento foi um período de terror político e social que agitou a China por dez anos. Quem o desencadeou foi Mao. Insatisfeito com os rumos do sistema que ele mesmo havia implantado, Mao queria a China de joelhos pronta para aceitar qualquer ordem sua, por estapafúrdia que fosse. Assim, numa reunião do Comitê Central do PC Chinês, em agosto de 1966, ele lançou formalmente a Revolução Cultural. Mao tinha como objetivo desmantelar qualquer traço de “burguesia” existente, bem como quebrar a espinha de possíveis setores de oposição. Para isso a ordem era estimular a juventude, chamada então “Guarda Vermelha” a atacar, e se preciso eliminar fisicamente, todos os indivíduos cultos ou que tivessem ideias próprias. O que se viu foi um banho de sangue que durante dez anos conduziu o país a uma regressão cultural, econômica e social rumo ao medievalismo. Até hoje, passados 35 anos, o país ainda se ressente dessa violência.
Para finalizar, engana-se quem pensa que a China, agora terceira potência econômica mundial, mudou muito depois da era Mao, até hoje seus camponeses são mantidos segregados, explorados, escravizados e impedidos de qualquer chance de ascensão social. Filhos, netos e todos os descendentes de camponeses serão camponeses, seus futuros estão traçados, da mesma maneira que os únicos que terão acesso às benesses das riquezas provenientes da industrialização do país serão os burocratas do partido e seus filhos. A China mudou para continuar a mesma, graças ao maoísmo. JAIR, Floripa, 26/08/11.