segunda-feira, 26 de outubro de 2009

VIVENDO


Uma das mais aceitas definições de vida estabelece que viver é sentir o mundo a sua volta, é interagir com as coisas, pessoas, animais, fenômenos e eventos quem compõe o universo no qual estamos inseridos. Essas definições sempre envolvem a conexão do indivíduo com o ambiente através dos sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato, nada mais. E, claro, visto que é exatamente essa interação que nos permite agir sobre e sentir a ação do ambiente sobre nós, não há qualquer dúvida: quem sente vive e, obviamente, quem vive está sentindo. Uma pedra, por exemplo, de acordo com esse conceito, não vive, não interage com o ambiente, não atua sobre ele e não consta que um odor, uma luz ou um som façam-na reagir. Pelo menos não neste Planeta, e não num espaço temporal humanamente perceptível. Uma pedra apenas ocupa um lugar no tempo e no espaço. É normal no “nosso” ambiente, concebermos possível o mundo somente se todos os sentidos estiverem envolvidos nas percepções, ao faltar um ou mais sentidos ao indivíduo é comum sentirmos pena e o classificarmos de deficiente auditivo ou visual, por exemplo. O que deve ser constrangedor para quem sofre a discriminação e que, além disso, tem que compartilhar seu mundo “limitado” com mundo “amplo” das pessoas que o cercam. No meu entender, dispor de menos sentidos para perceber o mundo não diminui o contato, não limita o alcance ou a intensidade da percepção, muda apenas o modo de fazê-lo. Façamos um exercício de fantasia, imaginemos um mundo sem sons, sem luz, sem formas, sem variações de temperatura e sem gosto. Como é apenas produto de nossa imaginação, podemos concebê-lo dessa forma e acrescentar que os odores mais variados ainda existiriam. O vento traria do mar, das matas e dos desertos os aromas mais diversos, misturados com cheiro de gasolina, terra molhada, grama recém aparada, flores murchas, pão fresquinho, borracha aquecida, casca de árvore, ferro fundido, tinta velha, vapor de cozinha, lixo industrial, oxidação e mil outros cheiros eloquentes e expressivos. Ainda assim haveria vida, ainda assim seria um mundo de elevado interesse, mesmo porque, suprimidos os outros estímulos sensoriais, os perfumes e eflúvios se tornariam mais eminentes e importantes. Equivale dizer que a ausência de estímulos aos outros sentidos concentraria nossa atenção no olfato de forma a torná-lo extremamente exacerbado, e, desse modo, assumir o valor de todos os sentidos somados. Arrisco-me a dizer que a vida continuaria tão rica, notável e diversificada como antes e ainda digna de ser desfrutada tão intensamente e de forma tão prazerosa como se todos os sentidos estivessem envolvidos no processo. Enxergaríamos e ouviríamos tudo a nossa volta com o olfato agudo, nada deixando de usufruir da vida. O olfato nos criaria um quadro mental tridimensional de tal sorte vivo e diverso que seríamos seres vivendo uma existência perfeitamente normal. JAIR, Floripa, 25/10/09.

sábado, 24 de outubro de 2009

IMORTALIDADE


Não é estultice afirmar que o homem faz absolutamente tudo a seu alcance para chegar à imortalidade. Parece que todas as grandes indagações filosóficas, imposições religiosas com suas promessas de vida após a morte e as conquistas científicas se fazem em função apenas de conhecer até onde é possível manter a chama da existência viva. São quatro os caminhos que o homem segue para tornar-se imortal: marcando o Planeta e o curso da história através de construções como projetos arquitetônicos de monta, de obras de arte como composições musicais, livros, peças teatrais, pinturas e esculturas que tornem permanente o êthos do autor; pela observância dos ritos da religião que salvará sua alma para sempre; investindo fortemente na ciência pois acredita que de suas descobertas poderão surgir meios de conservar a matéria do qual é feito; e, de forma quase compulsória, transferindo sua herança genética para a geração seguinte, confiando que a perpetuação da espécie se traduz na sua própria imortalidade. Pelo caminho religioso as pessoas se acham confortadas por crerem que suas almas estarão salvas em algum shangrilá alhures, para onde elas migrarão depois de desencarnarem, se as regras estabelecidas tiverem sido seguidas. O conceito da vida eterna está resumido no pensamento: "Só existe uma única idéia suprema sobre a terra: o conceito da imortalidade da alma humana; todas as outras idéias profundas pelas quais os homens vivem não passam de extensão dela”. Contudo, como a matéria da qual é feito o nosso corpo é perecível, se decompõe, o homem tem esperança que viver para sempre deve ser possível, mas por outros meios. Que meios seriam esses? A criogenia parece ser a resposta para os cienticifistas juramentados, os quais acreditam que a ciência, no passo que evolui atualmente, terá todas as respostas para as mortes dentro de alguns anos. Não importa quantos anos, congelam seus corpos a temperaturas de – 190ºC na esperança de serem “ressuscitados” quando a ciência tiver encontrado a cura para as doenças que os matou. A criogenia é isso, uma espécie de aposta na loteria da imortalidade, cujo prêmio seria uma nova vida. E os demais, pessoas normais, aqueles que não acreditam e não apostam na criogenia, o que fazem? A pergunta pode parecer retórica, mas tem fundamento, porque desde que o homem surgiu no Planeta tem a mesma preocupação que o homem atual, o qual se tiver muito dinheiro, pode dispor da opção criogênica. Pois é, segundo Richard Dawkins, os genes, aquelas unidades fundamentais da hereditariedade, contém mensagens pétreas, isto é, que não podem ser apagadas, que estabelecem métodos e meios para se perpetuarem, são os “genes egoístas”. Nossos genes egoístas, numa espécie de “imperativo categórico kantiano”, nos obrigam a transmiti-los e, por tabela, nos perenizarmos através de nossos descendentes. O impulso de ter filhos está relacionado à esperança de imortalidade, ainda que vicária. A reprodução é um dos absolutos da existência humana e, com certeza, de todos os seres vivos. Deixar de reproduzir-se de maneira voluntária é contrariar o imperativo gravado a fogo nos genes, é nadar contra a corrente da imortalidade que move a evolução rumo ao “vir a ser” num futuro muito além do ciclo vital que nos envolve. A evolução é o veículo da vida que viaja através da morte até a imortalidade. JAIR, Floripa, 24/10/09.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

KAFÚ



O lugar comum, “o cão é o melhor amigo do homem” ou a expressão, “fidelidade canina” não são suficientes para retratar o comportamento dos companheiros de quatro patas com relação aos humanos. Conta a mitologia que Ulisses, ao retornar de Tróia para onde fora guerrear e de onde retornara após vinte anos, encontrou seu cão, esperando-o. Ao chegar em casa disfarçado, velho, alquebrado, ninguém o reconheceu, nem sua esposa Penélope, nem os criados, somente seu velho e fiel Argos que, a vê-lo, tentou se levantar de onde se encontrava, mas só conseguiu abanar o rabo num aceno de boas vindas. Diga-se, Argos encontrava-se abandonado, doente e cheio de carrapatos, mas isso não o impediu render homenagem a seu dono mostrando-se feliz com seu retorno. Ulisses não resistiu: virou a cabeça de lado e chorou. Nem Poseidon, nem os troianos, nem os ciclopes gigantes, nem as bruxas dos mares bravios arrancaram lágrimas do herói. Argos, sim.
Kafú era um pastor alemão capa-preta de três anos buliçoso, saudável, inteligente e extremamente fiel. Veio dar em nossa casa em fins dos anos setenta, presente de um amigo que não tinha como acomodá-lo em seu pátio pequeno e gramado. Conquistou-nos desde o primeiro dia, nada exigia e procurava entender nossas ordens e preferências quanto à hierarquia dentro do pátio e da casa. Cachorro não entra em casa, primeira regra que ele assimilou e nunca transgrediu. O pátio não é lugar de fazer buracos nem necessidades fisiológicas. Para fazer cocô, terreno baldio ao lado, que ele alcançava depois de pular o muro de um metro e trinta. Nem sempre conseguia voltar pulando de fora para dentro, às vezes precisava de ajuda. Suportava com estoicismo o banho de mangueira com xampu e desinfetante todos os sábados, mas, depois de secar-se, procurava sujar-se quase imediatamente, parecia querer dizer: “submeti-me ao banho de acordo com a vontade vocês, agora me sujo de acordo com a minha, e estamos conversados”. Era afeiçoado ao nosso primeiro filho, de pouco mais de um ano, o qual respeitava e, apesar de ser maior e mais pesado, jamais o afrontou ou feriu, pelo contrário, permitia até que Augusto lhe tirasse comida da boca, em geral um osso de peito de boi, do qual ele gostava imensamente. De manhã para ir ao trabalho eu necessitava caminhar uns setecentos metros até o ponto de ônibus na avenida principal. Kafú me acompanhava até o ponto e lá ficava comigo até o ônibus chegar, depois que eu embarcava ele retornava para casa tranquilo, sem meter em encrencas com outros cães que abundavam na área. Numa dessas vezes teve a infelicidade de se atropelado por um ônibus, nada de muito grave, nenhum osso quebrado, apenas uma escoriação na coxa direita. Acontece que sentia dores, muitas dores e não conseguia dormir, ficava ganindo a noite. Solução: dávamos leite morno com trinta gotas de novalgina e ele dormia com os anjos. Isso até que o ferimento sarou e ele passou a não sentir as dores. Era um cão dócil que, estranhamente, tinha optado por apresentar hostilidade apenas se muito contrariado por pessoas desconhecidas, especialmente se estas portassem embrulho nas mãos. Ele veio ao mundo, como os demais cachorros que adotam os humanos, para fazer parte de uma família; para se integrar ao mundo dos seres que, às vezes, desprezam e maltratam outros animais; para trazer alegria e amizade descompromissada a todos que o cercavam; para transpor a fronteira das espécies, mostrando que animais, por diferentes que sejam, por mais distantes que suas heranças genéticas estejam, partilham um universo comum de afeto e lealdade; para dar exemplo de como se pode conviver sem atritos e tensões; para provar ao homem que este é apenas mais um ser da fauna do planeta e não superior a nenhum outro. Kafú viveu feliz, irradiou alegria e descontração para seus companheiros de viagem neste Planeta, e se foi para onde vão os cães depois que cumpriram sua missão na vida terrena. Deixou saudades em todos que o conheceram e tiveram a felicidade de compartilhar sua vida. Como os demais que convivem com os homens, foi o cão mensageiro da lealdade; foi escolhido pela natureza para estabelecer, com sua alegria de viver, harmonia onde houvesse discórdia, paz onde houvesse atritos e felicidade onde houvesse tristeza. JAIR, Floripa, 23/10/09.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

FAVELAS


Cantadas em versos e eternizadas como origem do samba, as favelas têm sido estigmatizadas como reduto de bandidos e desordeiros e tratadas como caso de polícia o mais das vezes. Ainda que em muitos casos seja verdade que as comunidades mais pobres abriguem, entre sua população de boa índole, elementos perniciosos, não se pode generalizar, e não se justifica criminalizá-las a priori. Quem mora nessas comunidades não o faz porque é marginal, e sim por não ter outra opção. Nesta arrancada para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, torçamos para que o poder público da cidade do Rio não venha com propostas mirabolantes no sentido de piorar as condições dos favelados que já não as melhores. O que se precisa pensar é um modo criativo e humanitário de tratá-los.
As favelas fazem parte da paisagem urbana das grandes e médias cidades brasileiras. Longe de serem apenas um problema de falta de planejamento urbanístico, denunciam a gravíssima desigualdade social de nossas comunidades com forte ênfase nos desníveis tanto maiores quanto maior for a urbe em questão. Maiores cidades, maiores favelas e mais diferença entre ricos e miseráveis. Apelidadas de “morro” em oposição a “asfalto”, porquanto a maioria está localizada em elevações, barrancos e áreas de forte aclive, locais menos comerciáveis, são uma chaga aberta que expõem o câncer que corrói as entranhas do nosso sistema econômico que exclui muitos em favor de poucos. É bastante comum essas comunidades pobres dividirem espaço com condomínios, casas e edifícios de luxo, acentuando bastante a desigualdade econômica e social da qual são fruto.
Essas comunidades pobres e sem quaisquer infra estruturas são mais evidentes na cidade do Rio de Janeiro e surgiram por volta de 1900, quando do retorno das tropas federais que haviam combatido na chamada Guerra de Canudos. O reduto de Canudos fora construído à margem esquerda do riacho vaza-barris, ao pé de alguns morros, entre eles o Morro da Favela, que recebeu este nome devido à vegetação predominante no local, que era a Favela (jatropha phyllacontha), uma planta típica da caatinga, extremamente resistente à seca. Aos combatentes, que retornaram ao Rio de Janeiro, lhes fora prometido pagamentos de soldos referentes à campanha e mais prêmios alusivos à vitória, nada foi cumprido. Os soldados, agora desmobilizados, deixaram de receber o que lhes era devido e, para esperar alguma providência das autoridades do Ministério da Guerra, instalaram-se provisoriamente em alguns morros da cidade, onde outros desabrigados, predominantemente negros alcançados pela Lei Áurea de 1888, já se encontravam. Depois dessa segunda ocupação, os morros recém-habitados passaram a ser conhecidos como favelas, em referência ao Morro da Favela lá de Canudos.
Desde 1875 existia no Rio de Janeiro o primeiro plano urbanístico para embelezar e melhorar as condições de saneamento da cidade, incluindo a vacinação obrigatória contra a febre amarela. Com o fim do período colonial, a cidade pretendia se modernizar e ingressar na economia internacional, atraindo investimentos externos. A partir dos anos 20, com o processo de industrialização do país, o Rio de Janeiro, então capital da república, passa a sofrer grandes transformações em seu espaço urbano, entre elas a malograda desfavelização, sem qualquer concessão à integração social dos moradores das favelas. É desta década o segundo plano da cidade, o Plano Agache, que também buscava embelezar a cidade e criava diversas regras para as edificações e para a ocupação ordenada dos espaços, separando áreas para moradia, comércio ou indústrias, mas, como tudo o mais no Patropi, o Plano Agache ficou só no papel. E as favelas continuaram sendo um depósito de mão de obra barata para os moradores do “asfalto”.

Em 1948 foi realizado o primeiro Censo nas favelas cariocas e neste contexto a Prefeitura do Rio de Janeiro, afirma, de modo assombroso para nossa cultura do século vinte e um, num documento oficial, mesmo anterior às estatísticas, que: “Os pretos e pardos prevaleciam nas favelas por serem hereditariamente atrasados, desprovidos de ambição e mal ajustados às exigências sociais modernas”. Esta afirmação encontrada no livro Um Século de Favela, exemplifica como o preconceito em torno das favelas e seus moradores se fixou tristemente na sociedade brasileira. Pois é, desde que as favelas surgiram até o presente século, ninguém, nem o poder público nem as instituições civis tiveram iniciativa ou vontade política de tentar resolver o problema de moradia nas grandes cidades. É um problema que se eterniza e sugere que, se não for tratado com responsabilidade e seriedade, agravará a qualidade de vida das urbes a ponto de tornar a habitabilidade desses centros inviável. Só para lembrar: na Austrália não existe desemprego, lá não existem favelas também. JAIR, Floripa, 19/10/09.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

OS SERTÕES



"Os Sertões" de Euclides da Cunha é, quase certamente, a obra maior da literatura brasileira, onde Euclides nos apresenta, num vocabulário variado eivado de regionalismos, - e, bem de acordo com sua formação em engenharia e ciências naturais, conhecimentos enciclopédicos de geologia e geografia, além de botânica e antropologia, - o que aconteceu em Canudos, não apenas a “guerra” em si, mas um estudo crítico profundo da sociedade brasileira, tal como se apresentava em fins do século dezenove.
A república brasileira havia nascido em meio a problemas sociais de relevância, os quais perdurariam, a rigor, até o fim da república velha em 1930. Através de caciques políticos e os chamados “Coronéis”, oligarquias estaduais detinham todo o poder, a chamada política café com leite que alternaria o comando do país entre Minas e São Paulo, estava se delineando. Expressões como votos de cabresto, currais eleitorais, eleições a bico de pena e toda uma neo nomenclatura “democrática” viria a nascer desse estado de coisas. A população, que nessa época vivia quase exclusivamente no campo, se via obrigada a trabalhar nos cafezais e nas plantações de cana, e nada influía nos destinos políticos do país. Os dois primeiros presidentes, Marechais Deodoro e Floriano, verdadeiros oligarcas, em nenhum momento perdiam o sono com os problemas dessa população de oprimidos por um sistema que, se havia mudado, era apenas de rótulo, monarquia para república. O povo, inconformado, organizava revoltas e, por associação de ideias, atribuía todos os males de que era vítima a essa tal república, que nem sequer entendia o que significava. A "Guerra de Canudos" foi uma consequência clássica dessa opressão.
Canudos era uma vila no interior do sertão baiano, à margem esquerda do arroio vaza-barris, com cerca de 7000 casas de pau-a-pique construídas sem qualquer regularidade ou planejamento, formando um autêntico labirinto ligeiramente retangular. Os quase 30 mil habitantes, pessoas humildes, crédulas e desesperançadas, seguiam as orientações políticas e religiosas de Antonio Maciel, O Conselheiro. Ele pregava que o messias viria e iria destruir todos os homens maus, preservando seus seguidores, homens probos. Além disso, meio enigmático, afirmava que o sertão iria virar mar e este viraria sertão. Aqueles esquecidos ingênuos viam em Conselheiro a tábua de salvação, um líder que lhes trazia esperança de vida melhor, a qual agarravam com forças de náufragos.
Mas a suposta autonomia de Canudos passou a incomodar os poderosos e a igreja, insuflados pelos jornais os quais afirmavam que Conselheiro pregava contra a república e que Canudos era um movimento a favor da monarquia. O poder público, primeiro baiano depois federal, encetou quatro campanhas militares para subjugar Conselheiro e seus fanáticos.
Euclides da Cunha foi colaborador, ou correspondente de guerra, para o "Estado de São Paulo", que o enviou a Canudos para, junto à quarta expedição militar, descrever o que lá acontecia. Com base nas acuradas observações que realizou e deduções que tirou, escreveu sua mais brilhante obra, em 1902.
O autor divide seu livro em três partes: A Terra, O Homem, A Luta. Lembrando que o cienticifismo estava em alta, não é de estranhar que o Determinismo de Hypolite Taine, o qual rezava que para se estudar um povo era preciso conhecer o seu meio, sua origem e sua história, tenha influenciado Euclides, o qual menciona Taine na introdução.
"A Terra", primeira parte do livro, é praticamente um relato científico do meio em que o sertanejo vive, descrevendo em detalhes, características do árido sertão nordestino, inserido num universo maior, as terras brasileiras. O alvo é o sertão da Bahia. Localiza-o e preocupa-se com todos os pormenores do cenário, em constante mutação, com córregos e rios que secam ou transbordam; descreve a orografia e detalhes geográficos relevantes. Analisa todos os locais antes de fazer entrar em cena muitos personagens diferentes, e os soldados das quatro expedições para se iniciar a luta. O mais interessante é que a descrição da paisagem é feita a partir de uma visão aérea, ou seja, como se o autor estivesse sobrevoando a região numa época que isso era impossível.
Em "O Homem" mostra o duro sertanejo, sua cultura, seus costumes, suas crenças e suas origens. Surgem os jagunços, sertanejos, párias isolados há séculos no sertão, o que provocou sua estagnação cultural. Também faz um estudo sobre Antonio Conselheiro, que, segundo o autor, reúne em torno de si, pessoas alienadas e retardadas culturalmente. Afirmação que, a nós do século vinte e um, pode parecer “politicamente incorreta”, mas que naquela época estava bem de acordo com o que predominava no campo das ideias antropológicas.
Quanto a essas últimas afirmações, o autor as contraria na terceira parte do livro, "A Luta", porquanto esse povo sertanejo mostra-se extremamente tenaz equiparando-se ao exército "civilizado”, aliás, Euclides chega a afirmar que “o nordestino é, antes de tudo, um forte”. "A Luta" é parte mais importante do livro, onde mostra o massacre feito pelo exército àqueles sertanejos, que lutaram até o trágico fim, como ele nos conta: "Canudos não se rendeu. Talvez, caso singular em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5 (de outubro de 1897), ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam ruinosamente cinco mil soldados" .
A vila/reduto de Canudos foi massacrada, mas seus acontecimentos estão eternizados graças a essa obra épica. Quando a "Guerra" completou cem anos, Mario Vargas Llosa publicou “A guerra do fim do mundo” livro que homenageia Euclides, Canudos e sua população revoltosa que não foi domada, e sim exterminada.
Euclides da Cunha, denunciando a situação miserável do caboclo nordestino abandonado pelo poder oligárquico, alcançou seu objetivo ao escrever "Os Sertões". O mesmo poder que ainda sobrevive, foi aquele que ao invés de olhar para aquela situação opressora, o que fez foi intervir com violência e crueldade para, supostamente, salvar a república. Esta revolta mostra o descaso dos governantes com relação aos grandes problemas sociais do Brasil. Assim como as greves, as revoltas que reivindicavam melhores condições de vida (mais empregos, justiça social, liberdade, educação etc), foram tratadas como "casos de polícia" pelo governo republicano. A violência oficial foi usada, muitas vezes em exagero, na tentativa de calar aqueles que lutavam por direitos legítimos e melhores condições de vida. JAIR, Floripa, 16/10/09.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

OS CAMINHOS DO CONHECIMENTO


Eventualmente tenho escrito sobre o hábito da leitura, o qual me acompanha desde quando aprendi a ler aos sete anos. Desde os sete anos adentrei, com Monteiro Lobato inicialmente, o mundo mágico das letras que me conduziu da imensidão do cosmos ao âmago do átomo; passando pelas mentes criativas dos maiores pensadores, filósofos, escritores e poetas; vi o universo, num átimo, ser criado do nada; presenciei, a quatro bilhões de anos, a vida surgir na Terra; sofri quando os magníficos dinossauros extinguiram-se depois que o Planeta foi atingido por um asteróide; acompanhei a evolução de primatas que, após milhares de anos, acabaram gerando o homo sapiens; sobrevoei florestas úmidas, desertos inóspitos, terras perdidas, pântanos insalubres, mares revoltos e geleiras implacáveis; mergulhei no oceano profundo cheio de seres esquivos e misteriosos; convivi com civilizações na África, na Europa, na Ásia e na América; assisti a construção de pirâmides no Egito e a destruição de Herculano e Pompéia na Itália; cidades, como Roma e Cartago foram erigidas na minha presença; religiões foram criadas na Galiléa, no oriente e no ocidente quando lá estive; descobri continentes e ilhas distantes e conheci povos e animais estranhos; tomei conhecimento da História e convivi com homens e mulheres importantes, cujas ideias influíram no rumo dos acontecimentos humanos; me inteirei das mazelas e dificuldades da vida de pessoas comuns em todo o Planeta; conversei com Platão, Aristóteles, Demócrito, Schopenhauer, Kant e Sartre; temi guerras, massacres, pestes e catástrofes que dizimaram milhões; acompanhei conquistas da ciência e exultei com descobertas da medicina; aprendi a refletir, me emocionei, fantasiei e cogitei imagens vivas de coisas que nunca vi e de lugares que nunca estive; concebi utopias, sonhei sonhos impossíveis, construí castelos inverossímeis, imaginei mundos irreais; viajei rumo ao futuro voltei ao passado e me deleitei com o presente; abri minha mente para ideias novas e conceitos originais; vivi com intensidade e desfrutei quase tudo, bem mais do que minha idade cronológica permite. Assim, das primeiras leituras para cá, muita, mas muita água mesmo, passou sob a ponte e centenas de milhares de páginas sob meus olhos. Não tenho dúvidas que essa atividade prazerosa trouxe-me, além dos momentos agradáveis em que os autores e eu percorremos mundos paralelos cheios de vida e descobrimentos, a “mais valia” do conhecimento geral nas horas oportunas. Sempre que a vida acadêmica ou profissional exigiu aquele “algo mais” numa prova, num teste, num concurso ou numa avaliação, meus conhecimentos leiturais vieram em meu socorro. Milhares de horas de leitura, além de deleitosas, impregnam meu dia-a-dia com conteúdo aproveitável sob todos os aspectos, seja para ilustrar conversa informal, seja para embasar argumento decisivo de uma tese importante. Só tenho a agradecer a meu pai, quase analfabeto que, por ser adepto da leitura, incutiu nos filhos esse saudável hábito. Todos os cinco filhos de seu Ananias leem porque gostam e aproveitam os resultados da leitura em suas vidas profissionais, familiares e acadêmicas.
Desde muito tempo tenho o hábito de marcar os livros que compro com assinatura e data, porque a marca assinala que aquele livro foi lido por mim. Como costumo doar os livros que leio, não os tenho em casa em quantidade, somente algumas dezenas que, quando estão ocupando muito espaço nas prateleiras, tomam rumo de outros leitores, de algum sebo ou biblioteca. Pois é, aqui perto donde moro existe um sebo bem fornido onde adquiro alguns livros por mês, porque intercalo minhas leituras com livros novos e usados. Hoje atravessei a rua e fui ao sebo onde comprei vários livros, entre eles “Os silêncios do Dr Murke” de Henrich Böll. No exato instante em que olhei o título tive a impressão que o livro era um velho conhecido, contudo, como a orelha indicava uma estória interessante comprei-o. Já em casa, ao abri-lo, lá estava a marca: meu nome seguido da data: 02/07/69. Nada de muito peculiar ou maior interesse se fosse apenas isso, uma data e meu nome, mas, para conferir certo mistério ao fato, no ano de 1969 me encontrava na cidade de Guaratinguetá no estado de São Paulo. Cheguei a Floripa em 72, e, como era solteiro e minha bagagem se resumia ao que cabia em meu carro, um karmanguia, não carregava livros comigo, sem contar que depois mudei da cidade em 79 só retornando em 2000. É possível inferir que, por uma estranha razão, e por caminhos desconhecidos o livro percorreu quase mil quilômetros desde Guaratinguetá até Floripa e veio parar na esquina da rua onde moro a apenas trinta metros de distância, possivelmente tendo passado por muitas mãos de leitores interessados. Fico feliz em saber que após quarenta anos o livro continua em bom estado e pronto a ser adquirido por outro leitor; pronto para proporcionar horas agradáveis a quem comprá-lo. Como este livro, os caminhos que o conhecimento percorre podem ser indistintos, desconhecidos, misteriosos mas, sejam quais forem, trazem luz, ciência e prazer a quem os acompanha. O caminho mais curto entre o homem e o conhecimento é o livro. JAIR, Floripa, 13/10/09.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

VIOLÊNCIA GRATUITA


Aos que assistiram e aos que não assistiram: Alguns autores, como Glauber Rocha por exemplo, fazem questão de se colocar acima dos espectadores dizendo implicitamente com suas obras: "Sou inteligente, vejo mundo desta maneira e vocês que são burros que se danem. Não tenho obrigação de lhes dar explicações, nem me preocupo com suas opiniões". Como arte não se define, aos artistas tudo é permitido e a nós, mortais, só nos resta aceitar ou não, aplaudir ou não. Ficar falando sobre a obra do artista é imortalizá-lo. (Falem bem ou falem mal, mas falem de mim!). Todos que comentamos fazemos o jogo dele, do autor. Por isso, o filme “Violência gratuita” (2007), remake da obra do próprio autor, Michael Haneke, entra no rol dos filmes que vieram para polemizar e acrescentar milhares de palavras ao currículo de Heneke, sem que os espectadores saiam da sala de cinema contentes com o que viram. O filme, como o nome em português explicita, trata do comportamento violento praticado por uma dupla de psicopatas que, valendo-se de desculpa fútil, adentram a casa de veraneio de uma família em férias, torturam e matam usando linguagem e gestos educados o tempo todo. Acrescente-se que o visual da dupla é o mais clean possível: bermudas, camisetas, luvas e tênis imaculadamente brancos, penteados e bem barbeados, em completo desacordo com estereótipos hollywoodianos de vilões, estes, geralmente mal encarados, mal vestidos, feios etc. Sintonizados com o atual momento da criminalidade humana mundial, os psicopatas do filme não apresentam justificativas para tamanha brutalidade. Pelo contrário, em determinada cena, eles fazem chacota dos motivos comumente apresentados pela sociedade para tentar justificar a violência de seus componentes. Brincam com as frases como ”eu sou assim porque fui abusado quando criança” ou “sou assim porque meu pai é alcoólatra e minha mãe prostituta” e assim por diante. E mais: com naturalidade cínica, tentam vender a idéia de que só estão sendo violentos porque foram obrigados a isso pela “falta de maneiras” das próprias vítimas. Algo assim: “Você não foi educado, não pediu ‘por favor’; fui obrigado a te matar”. Foi um dos piores filme que assisti nos últimos vinte anos, salvando as interpretações impecáveis de todo o elenco. Parece que a ideia de Haneke é mostrar que a platéia é cúmplice da violência, sente um desejo insano por sangue. Essa visão demonstra que atualmente, na pós modernidade, a agressividade se tornou um complemento da sociedade em sua brutalidade real do dia-a-dia e na forma crua como é retratada nas mídias, principalmente nos filmes. Só isso. No mais, não aconselho ninguém assisti-lo, passem longe do local ou do canal que estiver sendo exibido. O filme é uma violência gratuita à inteligência e sensibilidade do espectador. JAIR, Floripa, 12/10/09.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA


Não costumo comentar filmes aqui neste espaço porque não sou crítico de cinema, e porque acho opinião a respeito de uma obra de arte, com toda a carga de subjetividade implícita, uma coisa muito pessoal, intransferível. De modo que o que eventualmente eu diga pode colidir frontalmente com a opinião de outros, não surgindo daí nenhum benefício para quem escreve nem para quem lê. Contudo, depois de assistir “Doze homens e uma sentença” me vi compelido a escrever sobre essa obra que considero o mais perfeito filme que assisti nos últimos vinte anos. O filme trata da estória de um garoto de origem latina que está sendo julgado por ter assassinado a facadas seu pai, depois de uma briga no quarto de casa. Deve se considerar que depoimentos de testemunhas incriminam cabalmente o garoto. Ele foi “visto” e “ouvido” cometendo o crime. Complementarmente, o rapaz não é “flor que se cheire”, foi criado num bairro pobre, sem mãe, sofreu influência da marginalidade local desde muito cedo, e tem passagens por reformatórios por agressão e pequenos furtos. Pois bem, ele vai a julgamento e o filme inicia com o juiz pedindo para o Júri decidir se é culpado ou inocente. Doze Homens vão decidir o destino do adolescente, eles vão escolher se este vai para a cadeira elétrica ou se vai ser inocentado. De acordo com a lei, a decisão dos jurados deve ser por unanimidade, só cabendo resultado de doze a zero a favor ou contra a inocência do acusado. Doze homens em uma sala decrépita. O calor e a falta de ventilação, causados pelo ar condicionado quebrado e portas que devem ser mantidas fechadas, criam um clima opressivo. Eles não se conhecem e não sabem nada um sobre o outro. Cada um dos jurados tem origem, condição social e idades diferentes e, como não podia deixar de ser, diversos tipos de personalidade: entre os doze, há o tímido, o intelectual, o fanfarrão inconsequente, o idoso, o de origem humilde, o imigrante, três negros de origens e vidas diferentes, dois WASP cada um com formação diversa; cada homem é um ser único que está ali para decidir sobre o destino de outro ser humano. De acordo com a praxe, o jurado número um pergunta quem considera o réu culpado, onze mãos ao alto, apenas um jurado discorda. Um homem, Davis, O Senhor Número Oito, interpretado magistralmente por Jack Lemon, - no remake de 1997, pois no original de 1957, Davis era interpretado por Henry Fonda - não levanta a mão, ele não o considera culpado, acha que existem dúvidas razoáveis que o impedem de culpar o garoto. Daí, surge no filme uma verdadeira batalha de tensões, onde homens com interesses diversos, justificativas as mais variadas e diferentes personalidades confinados num lugar acanhado, devendo tomar uma decisão de vida ou morte, colidem opiniões e convicções. Inicialmente os onze que concordam com a condenação, começam a atacar furiosamente o Senhor Davis, indignados com a sua complacência. Como inocentar um marginal que assassinou fria e cruelmente seu próprio pai? Onde está a justiça? Davis, com calma, começa então uma elegante e persuasiva batalha verbal, onde tenta mostrar que não existe verdade absoluta e que pode haver um engano em todo esse processo. O modo como este argumenta e mostra suas idéias de maneira ordenada e metódica conquista a atenção do espectador, e influi na posição dos demais jurados. Davis não enfrenta apenas as dificuldades de interpretação dos fatos para provar a inocência do réu, mas também a má vontade e os rancores dos outros jurados, com vontade de encerrarem o processo e irem embora logo para suas casas, e absolutamente certos da culpa do réu. Quando Davis, com sua clareza de raciocínio e persuasão, vai fazendo com que cada um reveja os seus votos, passam a emergir no grupo os aspectos individuais. Ao mudar o seu voto, cada um terá evidentemente que rever conceitos e convicções e vai querer que sua decisão seja respeitada. No decurso, é inevitável que as características da personalidade de cada um comecem a aflorar, surgindo então os conflitos e as emoções que exercem influência no comportamento das pessoas, bem como as variáveis que normalmente permeiam as relações dentro de um grupo tão heterogêneo. A trama prossegue sem se preocupar em mostrar se o réu é culpado ou não, mas sim se uma pessoa pode ser julgada por seus semelhantes com base apenas em evidências circunstanciais e suposições. O filme mostra a fragilidade estrutural e a complexidade de um grupo constituído de pessoas comuns; os comportamentos e padrões éticos influenciados pelas suas histórias pessoais e a catarse resultante dessa provação. A tensão crescente que permeia cada minuto da fita vem muito mais do conflito de personalidades entre os personagens e do atrito dos preconceitos e ideias, do que propriamente da ação. O filme dá um genial exemplo do comportamento humano em grupo, através do enfoque do procedimento dos doze jurados com suas diferenças culturais, pessoais e de formação, expressas em seus valores, preconceitos e falsas certezas. O filme merece ser assistido várias vezes para que releituras façam emergir os conflitos e fatores críticos envolvidos no processo decisório e o drama humano que cada um traz dentro de si. Recomendo +++++. JAIR, Floripa, 06/10/09.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

OLIM-PIADAS


Um oba-oba geral selou a consagração do Brasil como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Chorou lágrimas televisas copiosas, o presidente, não lhe ficando atrás Pelé e a plêiade de áulicos que, a custa do dinheiro público, lotou hotéis em Copenhagen onde se realizou o último confronto das cidades, Chicago, Tóquio, Madri e Rio de Janeiro, candidatas a sediarem aquele encontro esportivo mundial. O quê, realmente, quer dizer o fato de a cidade do Rio ter sido escolhida? Podemos nos considerar inseridos entre aqueles países que, por sua tradição em esportes olímpicos, capacidade organizacional comprovada em eventos mundiais ou desenvolvimento econômico e social notáveis, podem se dar ao luxo de gastar milhões para um evento desse porte, sem consequências danosas para seus contribuintes? Bem, uma coisa ficou comprovada: temos capacidade de convencer os outros que somos os melhores, os mais bem preparados para abrigar os jogos. Por outro lado, a reação das pessoas de ponta a ponta do País, provou que somos emocionais, sabemos comemorar e estamos felizes com a conquista. Mas isso é o bastante? Esse entusiasmo e essa energia demonstrados são suficientes para garantir um acontecimento organizado, seguro e que, no fim das contas, traga algum lucro para o País? Infelizmente, caros leitores, a tradição de eventos custeados pelo dinheiro público nesta nação, demonstra o contrário. Estima-se que serão gastos 30 bilhões de reais, na consecução de infra-estrutura, segurança e instalações necessárias. (É bom lembrar que as cidades derrotadas gastariam uma média de 10 bilhões cada uma). Neste Brasil varonil de obras superfaturadas e inacabadas, onde o dinheiro público some pelo ralo e aparece em palacetes, iates e carros importados dos donos de empreiteiras, é de se duvidar deste valor, deverão ser gastos algo em torno de 100 bilhões tranquilamente. Baseando-se no orçamento dos jogos do PAN, também no Rio, onde eram estimados gastos de 300 milhões, mas foram gastos mais de 4 bilhões de reais, a quantia de 100 bilhões é um cálculo bem conservador até. Com saúde pública, educação e segurança necessitando de investimentos para tornar o país menos “terceiro mundo” um pouco só, os mais realistas podem pensar que jogos olímpicos não são prioridade. E o pior, das instalações construídas para o PAN quase nada foi aproveitado. Foram construídas várias obras, hoje verdadeiros “elefantes brancos", locais abandonados, dinheiro do contribuinte tragado pelo sumidouro político de homens públicos e empresários desonestos. Além desse lado econômico duvidoso, ainda temos o lado esportivo da coisa. Neste país que nunca valorizou o atleta; onde o atleta que conquistou medalhas o fez por esforço e com recursos próprios; que não acumulou conquistas notáveis em olimpíadas; o qual não tem uma política voltada para a educação física e prática esportiva nas escolas, é de se duvidar que daqui para 2016 esse quadro mude tanto, que se reverta para o bem de nossa juventude atlética. A politicalha e os dirigentes esportivos se disseram “de alma lavada” pela conquista, o povão fez carnaval e se auto decretou de feriado sine die, mas, parece, ninguém parou para pensar que só faltam sete anos para se fazer absolutamente TUDO. Sete anos são menos que dois mandatos consecutivos de presidente. Faltam apenas sete anos para as obras necessárias; para convencer os marginais que, pelo menos durantes os jogos, deem uma folga, tirem férias e deixem os visitantes em paz; para, minimamente, disciplinar o trânsito caótico do Rio de Janeiro; para preparar, com apoio financeiro, psicológico, técnico, físico, tempo e instalações adequadas, os atletas que tentarão ganhar medalhas. Poucas medalhas que sejam para que o país sede não dê vexame. Alegria e entusiasmo desopilam o fígado e contribuem para a saúde mental, mas não concorrem para organizar um empreendimento sério destinado a acolher atletas, jornalistas e visitantes de todo o mundo. Sorrisos, abraços, dança e música transformam o país num sitio amigável e acolhedor, mas não concretizam projetos, não constroem estradas nem desentopem ruas e avenidas apinhadas e intransitáveis. Resumo da ópera, sem muito empenho, sem compromisso com a seriedade que o momento exige, sem a grana necessária, as olimpíadas de 2016 correm o risco de serem conhecidas como OLIM-PIADAS brasileiras. Quem viver verá. JAIR, Floripa, 05/10/09.

sábado, 3 de outubro de 2009

SALVEMOS OS URUBUS


A foto que ilustra este post é de uma mãe urubu e seu filhote, SUPÉRSTITE*, com apenas alguns dias, nascido no mês setembro deste ano na cidade de Sorocaba, em uma floreira de um edifício comercial. Prova de resiliência de uma ave que se recusa abandonar seus hábitos de nidificar em lugares altos apesar de árvores de porte serem coisas do passado na região. Urubus de cabeça preta como estes, muitas vezes vivem na periferia das grandes e médias cidades que, por incúria humana, acumulam dantescos lixões onde matéria orgânica em decomposição atrai as incautas aves que não têm onde procurar alimento, porque seu habitat foi invadido pelo homo sapiens. A propósito desses soberbos animais, publiquei em julho deste ano um texto “URUBUS”, cujo trecho reproduzo abaixo:
"Os urubus, aves da família Cathartidae, primos pobres dos condores, são animais de extrema importância na natureza por serem necrófagos, ou seja, são aves que se alimentam de restos de animais já mortos. Apesar de feioso e com má fama, o urubu tem papel essencial na natureza. Como é um animal necrófago, que se alimenta de carne em putrefação, faz uma espécie de “faxina” nos locais onde vive, pois elimina do meio ambiente a matéria orgânica em decomposição”.
Artigo que suscitou da leitora Letícia, mensagem solicitando informação de como salvar o bebê urubu que nasceu na floreira do edifício no qual ela trabalha, e que corre perigo de ser morto por funcionários “zelosos”, por causa do barulho que pode vir a fazer. Os funcionários já haviam removidos ovos da mãe urubu para impedir sua reprodução, e um dos filhotes nascidos morreu devido à chuva, daí o nome SUPÉRSTITE do único sobrevivente. Reproduzo abaixo a mensagem de SOS pela vida do pequerrucho que ela enviou:
"Estive procurando no Google sobre urubus e vi um interessante artigo seu. Mas ele não respondeu minha dúvida, nem algum outro daí resolvi escrever! Tenho urubus, mãe e filho, morando na floreira de minha sala num edifício comercial, onde várias vezes ela pôs ovos que foram vistos e retirados, fato que reprovo totalmente, mas, desta vez o filhote está lá forte e aparentemente saudável! Contudo, eles, para o condomínio, não são bem vindos, e estou querendo saber até quando o filhote fica no ninho, pois, aparentemente, logo começará fazer barulho e teremos problemas se isto acontecer, a quem poderei pedir ajuda, mas que o mantenha em lugar seguro com a mãe? Agradeço atenção e aguardo resposta!"
Letícia.
Confesso que fiquei lisonjeado com a solicitação feita pela Letícia, mas, ao mesmo tempo, triste por me saber ignorante e incapaz de lhe dar uma resposta adequada que salve a avezinha. Como meu conhecimento sobre urubus se limita a pouco mais do escrevi no post, optei pelo mais óbvio: Aconselhei-a a brigar contra a remoção do bicho de seu local de nascimento, e colocar o IBAMA ou outro órgão ligado à preservação do meio ambiente na cola de quem quisesse prejudicá-lo. Feito isso, resolvi postar este texto com a intenção de, mais uma vez, lembrar aos leitores que nós somos responsáveis pelo mal que causamos ao meio ambiente, e que ainda há tempo de tentar alguma coisa no sentido de reverter o atual quadro de deterioração a que chegamos no Planeta azul. Podemos começar salvando os urubus, por exemplo. Pois bem, primeiro é edificante saber que um texto tão despretensioso tenha atingido a leitora sensível preocupada com a avezinha inocente. Depois, como já algumas vezes escrevi, o homem ocupa os locais que antes era domínio dos animais e depois culpa estes por “invasão” de espaço humano. Não poderia haver maior absurdo, os animais apenas tentam sobreviver num espaço que antes era deles. Mas, já que o modo que a maioria das pessoas vê as coisas não admite animais “selvagens” convivendo com humanos, o mínimo que podemos fazer é respeitarmos os espaços que eles eventualmente ocupam ao nosso lado. É imperioso que não vejamos os animais, quaisquer animais, como inimigos, devemos colocá-los no exato lugar que ocupamos na natureza: Seres com direito à vida. Assim, se a ave faz ninho na sua varanda, respeite-a, mantenha uma certa distância, deixe-a criar seus filhotes em paz. Depois ela irá embora e você continuará com sua vida normal, aliás, normal não, uma vida com a grandeza de quem realizou uma obra pela qual pode se orgulhar para sempre: agora você pode contar para todos que salvou uma vida, ou melhor, que salvou a humanidade. Surpreso? Para esclarecer reproduzo palavras de Leonardo da Vinci que vêm bem a calhar: "Chegará o dia em que todo homem conhecerá o íntimo de um animal. E neste dia, todo o crime contra o animal será um crime contra a humanidade." JAIR, Floripa, 03/10/09.
*Que sobrevive, sobrevivente, subsistente.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

VENTO


Mais que massa de ar em movimento é transparência que se desloca, é espírito invisível que se move pressuroso. É fluido etéreo que passeia alegre sobre campinas verdes, escala montanhas, levanta poeira e varre desertos. Enfuna a vela do barco inocente que singra as águas mansas da lagoa azul; sustenta ave de papel colorido do garoto caçador de pipas; refresca o camponês solitário, concentrado no amanho da terra; cria ondulações regulares no pasto do gado preguiçoso. É imanente com traços de eterno; não pede passagem nem se desculpa; ultrapassa artefatos confeccionados pelo homem e tem personalidade (ou seria ventalidade?). Seguro de si, estável e presunçoso não respeita obstruções edificadas em seu caminho, a tudo acomete sem indulgência ou temor. Se condições de umidade, pressão e temperatura lhe forem favoráveis, avoluma-se em massas compactas e espetaculares, as quais o homem nomeia furações, ciclones ou tufões, não importa. Colunas gigantescas e de extensões ciclópicas, deslocam-se com fúria avassaladora a centenas de quilômetros por hora erigindo, sobre a água, vagalhões mortais que danificam navios, afundam barcos mais frágeis e transformam o oceano de chumbo em cadeias de montanhas fluidas e fatais. Na terra seca, avança sem se deter carregando adiante pontes, casas, carros e objetos de fabricação humana; como catadupa infernal, despeja zilhões de galões mortais, num átimo, em espaço mínimo; só respeita montanhas eternas, campinas e vales perenes, pois estes, construções sólidas da natureza, têm caráter permanente e feições que lhes são análogas. Impetuoso no grau máximo varre, literal e metaforicamente, vilas e cidades, mostrando ao homem soberbo sua descomunal potência capaz de esmigalhar tudo e todos que se interponham no seu caminho, quase sempre errático. Se o furacão espraia seu poder destruidor por amplo espaço geográfico e atua por tempo dilatado de vários dias, existe sua versão mais breve, porém muito mais aguda e percuciente, autêntico pacote de violência concentrada: o tornado. Verdadeira verruma colossal e impiedosa, em minutos, corta cicatrizes no flanco da terra, desgalha árvores centenárias, dizima florestas e destrói patrimônios. Causa danos materiais, tira vidas e modifica a paisagem, exibe-se como se fora saltimbanco de má índole, movido de furor assassino. Após tornar patente sua força extraordinária, vai diluindo-se – consonante sua posição geográfica - em siroco, alíseo ou monção, sopros mais moderados que não causam maiores danos. Já agora, tendo cumprido seu destino de força da natureza, atenua-se ainda mais e torna-se fraca brisa, viração, corrente branda de ar. Aragem que acaricia o cabelo da criança distraída na calçada; que eleva levemente a saia rosa da moça alegre que cruza a rua; que seca o suor do atleta que corre no parque; que empurra com suavidade o ciclista afogueado; que balouça com languidez a roupa colorida no varal doméstico; que ondula o trigal maduro na campina distante; que ampara a queda suave da folha outonal; que empurra nuvens de algodão rumo ao horizonte remoto; que sustenta a aeronave tranquila no céu cerúleo. Agora é amigo, é companheiro e camarada. Agora, sabe-se útil, precioso, vital, mais até, fundamental. Adentra, benfazejo, os pulmões e outros órgãos de todos os seres que respiram, e é primordial para sustentar a vida que a natureza criou. Tem consciência plena que se não existisse, a vida no Planeta azul seria uma impossibilidade, a Terra seria uma rocha estéril e fria vagando solitária no espaço insondável. Vento que venta viçoso é vetor vital que vai levando vida ao viúvo vivaz que verseja e ao vetusto velhinho visionário. JAIR, Floripa, 02/10/09.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

RATOS


Ninguém morre de amores por eles, talvez sejam os mamíferos mais execrados do Planeta. Mulheres sobem em cadeiras e berram sem controle a visão desses roedores, e homens, movidos por um estímulo amoque, tomam providências imediatas para eliminá-los. A curto prazo chinelos e vassouras se prestam para a execução; a médio prazo, ratoeiras; e, a longo, venenos e iscas tóxicas os eliminam às pencas. Rato bom é rato morto. Não se tem notícia que sejam admirados ou tolerados a não ser na cidade de Bikaner na Índia onde existe um templo dedicado a sua adoração, e onde são criados e alimentados com o carinho que se dispensa a um animal de estimação. Fora essa excrescência do comportamento humano em relação a esses animais, todas as culturas, países, civilizações e povos sempre os consideraram nojentos, promíscuos, nocivos à saúde humana, sujos, feios e predadores. O que não está longe da verdade, entretanto, a ciência vale-se de ratos como cobaias de pesquisas importantes no desenvolvimento de medicamentos e métodos de combate a doenças que, de outro modo, estariam fora da possibilidade de cura sem colaboração dos roedores de laboratório. Ao lado dessa franca utilidade dos bichos há o desprezo que calunia: rato, na linguagem popular, costuma-se chamar ao ladrão, ao malfeitor que se apodera do alheio. Camundongo é a designação dada, no Brasil, à espécie mus musculus, um pequeno roedor da família dos murídeos, encontrado originalmente em Portugal. É o animal mais utilizado como cobaia em laboratórios de biologia como um modelo aproximado do organismo humano, além de ter uma gestação curta que contribui para estudo das mudanças genéticas. Pois é, Rato é o nome genérico dos mamíferos roedores da família muridae. É a maior família de mamíferos existente na atualidade, cerca de 650 espécies, classificadas em cerca de 140 gêneros e em cinco ou seis subfamílias. Uma grande quantidade de informações sobre a anatomia, fisiologia, comportamento e doenças estão disponíveis devido à sua popularidade como animais de laboratório. E esta popularidade se dá por conta de em muitos aspectos assemelharem-se ao humano, sendo fundamental o imunológico que o faz a melhor escolha para laboratório e vetor de muitas doenças. Os ratos silvestres foram, aparentemente, originados nas regiões temperadas da Ásia Central. Através de migrações pelas rotas comerciais e militares, o rato se espalhou pelo mundo, na Austrália, depois de desembarcar de navios dos colonos, tornou-se praga inextinguível por falta de predadores. Muitos tipos de rato transformaram-se em espécies invasoras e causaram estragos nos ecossistemas ocupados através da sua migração. Os ratos são conhecidos especialmente pelo risco à saúde, são portadores de variadas doenças transmissíveis ao homem, como a leptospirose, o hantavírus e a peste bubônica, além de ser hospedeiro para outras doenças. Paradoxalmente a este lado pernóstico do animal que o torna impopular e até odiado pelo homem, a figura do roedor é explorada ad nauseum pelas indústrias de entretenimento, tornando-se fonte que gera milhões de dólares para aqueles que a usam. Refiro-me ao Mikey Mouse e similares. O fato comprovado é que o comportamento social desses bichos é extremamente adaptado ao convívio humano, nossas cidades, labirínticas e cheias de nichos, fendas e vãos, lixos orgânicos em abundância, oferecem o que há de mais adequado para sua segurança, alimentação e procriação. Verdadeiros paraísos feitos sob encomenda para que os murídeos tornem-se nossos incômodos sócios parasitas que roem nossas roupas e móveis, urinam e defecam na nossa comida. Por isso, o termo rato doméstico, criado para nomear aqueles animais os quais vivem nas proximidades dos homens, é a designação que define melhor os roedores cujos modus vivendi estão atrelados a nós, pelo visto para sempre. Enquanto houver homens haverá RATOS. Mais até, para aqueles que se julgam muito superiores a esses mamíferos, veio-me à mente que, a propósito do término do "Projeto Genoma", o qual depois de consumir milhões de dólares e milhares de horas das cabeças pensantes mais poderosas do planeta e, de tempos em tempos, movimentar a mídia com notícias sensacionais a respeito de descobertas fantásticas, chegou à conclusão que: contados todos os genes do homem, estes não passam de uns meros trinta mil, o mesmo número de genes do rato. Para a ciência, que achava que os genes do homem chegariam à casa dos cem mil, foi um balde água fria esta conclusão, pois, se depender dos genes, o arrogante bicho-homem é apenas um rato que fala. JAIR, Floripa, 01/10/09.