quarta-feira, 24 de abril de 2013

Fezes e flores



Na década de sessenta do século passado, em Nice, na França, numa área litorânea, com intuito de construir um conjunto residencial, faziam-se escavações quando os operários se depararam com o que parecia ser restos de edificações muito antigas. Foram então chamados paleontólogos e arqueólogos do Instituto Histórico Francês para fazer a identificação do sítio e pesquisas que determinassem o possível valor do achado.
Feitas escavações dirigidas e recolhidos diversos restos de cerâmica, armas e utensílios, depois de testes de carbono 14 nas cinzas de fogueiras que por lá havia, constatou-se que o acampamento pertencera a homens que viveram há 400 mil anos. Mas entre o que se recolheu para estudo havia uma “pedra” bastante peculiar. Após um exame minucioso constatou-se que a pedra era o que os paleontólogos chamam de coprólito. Pois é, esses tais coprólitos são fezes fossilizadas, excrementos que por ação do tempo e por mineralização se transformaram e objetos endurecidos como pedra e que contém informações valiosas sobre a dieta alimentar do ser que obrou aquele dejeto. Vale dizer que é possível fazer um exame de fezes de um animal que já tenha falecido há milhares de anos.
Tenho lido muito sobre botânica e encontrei num livro “A prodigiosa vida das plantas” um bocado de informações interessantes, entre elas, a que fala sobre pólen. O pólen, grosso modo, pode ser comparado ao gameta masculino (espermatozóide) dos animais, ele contém a mensagem genética do pai planta que irá fecundar o ovário da mãe planta e formar a semente. No Planetinha azul existem catalogadas em torno de 250 mil plantas que produzem flores, isto é que se utilizam da fecundação para reproduzir-se. Como os veículos que transportam o pólen – ventos, insetos, aves, roedores e morcegos - de uma flor a outra não o sabem que estão polinizando, foi necessário encontrar um meio seguro para evitar que o pólen de uma espécie polinize espécie diferente. Então cada uma dessas 250 mil plantas produz um grão de pólen absolutamente único, impossível de ser confundido com qualquer outro. Como nossas impressões digitais ou DNA dos seres vivos, com o pólen pode-se identificar a planta que o produziu sem qualquer erro. Imaginemos que se não existisse tal mecanismo, que na sua concepção é bem simples, haveria um caos no reino vegetal de tal forma que seria impossível a procriação sexuada das plantas.
Agora lembremos que os grãos de pólen são microscópicos, eles flutuam nos ares e nós os ingerimos involuntariamente pela boca e pelo nariz quando falamos, comemos, bebemos e até respiramos. Talvez neste momento tenhamos milhares de grãos de pólen no nosso interior sem que o percebamos. Existe até uma doença conhecida como “febre do feno” que semelha-se a uma alergia nas mucosas aéreas ou um resfriado associado à febre que é resultado da inspiração do pólen de gramíneas.
Pois então temos uma flora formidável em trânsito por nosso organismo e a possibilidade de identificar sem erro qualquer tipo de pólen das 250 mil plantas que o produzem. Impressionante, não é mesmo?
Depois do recolhimento dos objetos da escavação em Nice, os cientistas franceses especializados em coprólitos, utilizando os conhecimentos botânicos de seus congêneres especializados em flora, estavam com os pólens e as fezes na mão. Graças a esses cruzamentos de saberes, os homens de ciência, como detetives modernos, puderam estabelecer o flora que dominava a região na qual aqueles homens viveram há 400 mil anos.
Fecha-se o círculo, fezes como adubo fornecem os elementos essenciais à vida das plantas e, quando estas desaparecem, talvez para sempre, os mesmos dejetos podem trazer gravado em suas composições os sinais que identificam as plantas floríferas que viveram na região que o animal produtor daquelas fezes viveu. JAIR, Floripa, 15/04/2013.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O escravo

Caricatura feita através de fotografia por Cícero, grande cartunista de Brasília. 

Quaisquer definições que se deem à escravidão e escravo, estarão sempre se referindo a falta de liberdade de agir, ir e vir ou pensar, o trabalho sem ou com escassa remuneração ou aquelas condições políticas nas quais um déspota, sob qualquer linha ideológica, impõe sua vontade sobre outro(s) ser(es) humano(s). O regime da Coreia do Norte sob o jugo de Kim Jong-um é um exemplo típico de escravidão e seus cidadãos de escravos.
Pois bem, feito o prolegômeno, quero contar é que já fui escravo. Sim, é isso mesmo já fui escravo.
Nasci e vivi os primeiros dezessete anos de minha vida na cidade de Palmeira no Paraná. Como já escrevi antes, aquela cidade a partir dos anos quarenta até os anos setenta era eminentemente madeireira, isto é, empresários do ramo das madeireiras se travestiam de gigolôs de floresta e exploravam as abundantes matas de Araucárias existentes naquelas paragens. Palmeira, depois de ter passado por uma fase de algum progresso econômico com exploração da erva-mate, agora havia optado pelo desmatamento desmesurado dos pinheiros para que alguns enriquecessem ao preço do empobrecimento da região e a escravidão de gente pobre como meu pai e seus contemporâneos.
Todas as famílias de operários das madeireiras criavam um vínculo de dependência com seus patrões, de modo que não só os pais, mas os filhos quando atingiam quatorze anos também passavam a trabalhar naquelas empresas. Não foi diferente comigo. Quando completei quatorze anos meu pai incontinenti – sem se importar se eu queria ou não – inscreveu-me para me tornar operário braçal na Emilio Malucelli & Irmãos, madeireira na qual ele era empregado há mais de vinte anos. Trabalhei dos 14 aos 18 anos, quando então saí para servir na FAB e lá fiquei.
Até ai tudo bem, afinal como diz o ditado: ninguém morre de trabalhar. Ainda que se aceite isso como verdade verdadeira, talvez não seja bem assim. Operários das fábricas alemãs morriam de tanto trabalho escravo durante o regime nazista.
Bem, no meu caso foi um pouco diferente. Quando, muitos anos mais tarde precisei levantar meu anos de trabalho para fins de aposentadoria, descobri que não havia absolutamente nada provando que algum dia trabalhei na Madeireira Malucelli. Meus quatro anos lá trabalhados jamais foram registrados para fins de previdência, imagino que o produto $$$ do meu trabalho foi destinado a um caixa dois que aumentou os lucros daqueles patrões tiranos. Acresça-se a isso que minhas atividades no labor eram exatamente as mesmas que os adultos faziam, mas eu ganhava apenas metade do salário mínimo porque era de menor. Ainda mais, nunca me foram concedidas férias remuneradas. As possíveis horas extras que, por lei, deveriam ser pagas para trabalho noturno, nunca o foram, podia-se trabalhar a noite inteira – o que costumava acontecer com frequência – mas pagava-se horas normais. Além de tudo trabalhei em local insalubre onde o nível de ruído era algo terrível sem qualquer dispositivo de segurança – tampões de ouvido, por exemplo. Hoje tenho uma deficiência auditiva por traumatismo acústico que devo atribuir àquela maldita fábrica e seus ruídos ensurdecedores. O ambiente de trabalho além de insalubre era perigoso, todos os anos dezenas de menores se mutilavam nas máquinas mal projetadas e mal operadas por falta de segurança.
Resumindo. Trabalhar como adulto e receber metade de salário mínimo; trabalhar sem registro em carteira; trabalhar em local insalubre; não ter direito a férias. É ou não é trabalho escravo? Hoje sei o que sentem os cidadãos coreanos do norte. Hoje sei que aqueles algozes que se diziam empresários das madeiras ficaram ainda mais ricos com meu suor, meu tempo de vida e minha saúde. E eles ainda posavam de altruístas, pois que, segundo seu modo de ver as coisas, se eles não nos empregassem nós não teríamos onde trabalhar e possivelmente nos tornaríamos mendigos.
Como ilustração, coloquei uma caricatura de uma foto minha para lembrar que vivi uma caricatura de vida por alguns anos. Se houver justiça neste país, vou invocar a Lei Áurea e pedir indenização pelos danos a mim impingidos na minha adolescência. JAIR, Floripa, 14/01/2013. 

domingo, 14 de abril de 2013

Primeiro texto


De posse de um novíssimo MacBook Pro da Apple, que deverá substituir o Itautec bem anoso e super usado (está com tecla on/off quebrada) que tem aturado minhas idiossincrasias de escrevinhador por mais de cinco anos, faço aqui esta primeira tentativa de produzir um texto.
Somando às dificuldades inerentes a uma máquina a qual não tenho intimidade alguma; deixei de escrever qualquer coisa que preste em meados de novembro passado. Então não deverá ser surpresa se este primo textus, por assim dizer, sair sem qualquer qualidade, digamos, palatável.
Como acredito que o talento (ou a falta dele) não se perde por aí por falta de uso, coloco minhas fichas todas neste jogo: “o texto sairá tão bom – ou ruim – como os demais antes do recesso”. Então aí vai.
Depois que parei de escrever voluntariamente descobri que meu cérebro se recusa a ficar ocioso, ele exige de mim algum esforço que o desafie. Na falta desse esforço o cérebro vagabundo tende a tornar-se pernicioso, tende a insanidade. Vale o adágio, “cabeça vazia é oficina do diabo”, ou coisa semelhante.
Então, sobrando tempo, e certo espaço vazio no cérebro, me propus estudar entomologia, sim, resolvi adentrar o estranho mundo dos Tisanuros (traças), Odonatas (libélulas), Ortópteros (gafanhotos, grilos e baratas), Isópteros (cupins), Coleópteros (besouros), Lepidópteros (borboletas e mariposas) e milhares de outras famílias, gêneros e espécies que povoam o Planetinha azul desde muitos milhões de anos antes do Homo chamado sapiens sequer “pensar” em aparecer por aqui para encher o saco dos outros viventes.    
Tomada a decisão, adquiri livros didáticos sobre o tema e estou me enfronhando com empenho nesse novo metier. A coisa é particularmente medonha, a quantidade de representes dessa fauna é, para dizer o mínimo, piramidal, e  as dificuldades com o latim são indescritíveis, de modo que só depois de cinco anos estarei “formado” na matéria, acredito com otimismo.  
Se minha previsão se confirmar, faço nova incursão nas ciências e passo a estudar botânica, o qual é outro assunto que me fascina desde muito.
Posto isso, considero que minha reestreia está concluída e nada prometo daqui prá frente. JAIR, Floripa, 14/04/2013.