quinta-feira, 31 de março de 2011

Sobre Hitler


Talvez o personagem mais escrutinado, discutido, analisado e julgado pelos historiadores, sociólogos, antropólogos e escritores tenha sido esse monstro. Milhares de livros e artigos são produzidos até hoje sobre essa excrescência que deixou sua marca de perversidade nas mentes e corpos de milhões de pessoas e conduziu as nações a uma guerra genocida que ceifou mais vidas que todas as guerras anteriores somadas. Joachim Fest, (1926 – 2006) nascido em Berlim, publicou em 1973 a biografia Hitler a qual é considerada ainda hoje um das principais obras de referência sobre o ditador, um marco na historiografia pós guerra. Contudo, alguns historiadores consideram a obra de Fest sobre Hitler "uma estilização do ditador como uma grande personalidade mundial". Assim, ainda que tenha sido leitura quase obrigatória até este século, em 2008 o historiador inglês Ian Kershaw lançou Hitler, obra de fôlego que, originalmente, continha 1600 páginas em dois volumes, depois enxugada para 1004 páginas em apenas um tomo. Nela, o autor, além de desmistificar certos aspectos “humanos” do celerado, aprofunda mais a análise de documentos já conhecidos e examina outros que ainda não se encontravam disponíveis ao público na época que Fest escreveu. A queda do muro e a abertura dos arquivos de guerra da Alemanha, permitiram trazer a público muitos eventos, decisões e informações que eram desconhecidos sobre o período que o Nacional Socialismo dominou a Alemanha e produziu a ideologia mais estúpida e mortal do Planeta.

Para Hitler, a guerra era tudo o que importava. Contudo, encerrado no estranho mundo da Toca do Lobo, ele estava cada vez mais distanciado de suas realidades, tanto das frentes de batalha quanto da Alemanha. O afastamento apagava quaisquer vestígios de humanidade que pudessem existir. Até mesmo com relação às pessoas de seu séquito que estavam com ele havia anos, não havia nada parecido com afeição verdadeira, para não falar de amizade; parece que a única ternura era reservada a sua cadela pastora alemã, Blondi, nem sua fiel namorada Eva Braun recebia quaisquer resquícios de afeição. Não obstante, incapaz de amar, o ogro era suscetível a destilar um ódio corrosivo a tudo e a todos. A vida e sofrimento humanos não tinham importância para ele. Jamais visitava um hospital de campanha, nem as pessoas que ficavam sem lar depois de um bombardeio aéreo. Jamais se dignou a apresentar-se frente às vítimas das cidades alemãs como Dresden, e Hamburgo as quais foram praticamente destruídas por incêndios que seguiram aos bombardeios noturnos da RAF, por exemplo. Não via massacres, não chegava perto de campos de concentração, não se deparava com prisioneiros mortos de fome. Aos seus olhos, os inimigos eram como vermes que era necessário liquidar, apenas isso. Mas seu profundo desprezo pela existência humana estendia-se ao seu próprio povo. Decisões que custavam a vida de dezenas de milhares de seus soldados eram tomadas sem consideração pelo sofrimento humano. As centenas de mortos e mutilados eram uma mera abstração, o sofrimento, um sacrifício necessário e justificado na luta heróica pela sobrevivência do Reich de mil anos. O partido e o estado estavam acima dos cidadãos.

Para Hitler, os meses que seguiram ao desastre de suas tropas em Stalingrado intensificaram seus traços de caráter rancoroso e paranóico. A fachada de otimismo absurdo, o mais das vezes, permanecia intacta em reuniões com aqueles que lhe eram próximos. Costumava decolar vôos imaginários de fantasias as quais já eram familiares a seus áulicos, mas que não faziam o menor sentido, Hitler viajava na maionese. Mas, vez ou outra, a máscara escorregava e deixava ver um homem inseguro acometido de profunda depressão e fatalismo. Nesses momentos, demonstrando a faceta autodestrutiva que acabaria provando ao se suicidar em 1945, soía falar em suicídio se seu projeto de uma Alemanha dominando o mundo não se concretizasse. Era a admissão fugaz para si mesmo que havia perdido a iniciativa e se recusava a jogar a toalha. Esse reconhecimento, ainda que não admitido formalmente, provocava invariavelmente torrentes de fúria que recaíam sobre qualquer um que pudesse ser inculpado, sobretudo sobre os generais da Wermach que, segundo sua visão distorcida, eram todos mentirosos, desleais, inimigos do nacional-socialismo, reacionários e incultos. Era seu sonho não depender de generais. Em último caso, culpava o próprio povo alemão, que consideraria fraco demais e indigno de sobreviver à grande luta. A medida que os reveses se sucediam, o celerado Führer sitiado apelava cada vez mais para a busca de vingança e retaliação implacável, tanto contra seus inimigos externos como internos – por trás dos quais ele via, como sempre, a figura demoníaca do judeu. Não havia influência pessoal que pudesse moderar sua desumanidade fundamental. O homem que fora idolatrado por milhões era um ser solitário na sua megalomania, não tinha amigos, com exceção de sua cadela Blondi e de Eva Braun, como ele próprio reconhecia.

Suas fobias, hipocondria e reações histéricas eram provavelmente indicadoras de alguma forma de distúrbio de personalidade ou anormalidade psiquiátrica. Era claramente paranóico, seu comportamento paranóide que o acompanhou desde o início da carreira política, tornou-se mais acentuado perto do fim. Mas Hitler não sofria de nenhum dos principais distúrbios psicóticos, com certeza não era clinicamente insano. Se havia loucura na posição que a Alemanha assumiu ao declarar guerra à União Soviética, contra todos os prognósticos que ia dar eca, não era devido à suposta loucura de um homem, em que pese que esse homem era o mais poderoso da Europa. A loucura estava na aposta de “tudo ou nada”, uma política de pontes queimadas que os poderosos mandantes nazistas se propuseram. Entraram num jogo mortal em que não havia empate, prorrogação ou disputa de pênaltis, era vencer ou morrer tentando, mas quem pagava o preço da derrota era o povo alemão.

Colocados agora à distância segura dos acontecimentos, podemos ficar perplexos com o fato de que, coletivamente, os habitantes de uma sociedade altamente moderna, sofisticada e pluralista estiveram dispostos a confiar na visão megalômana de um auto proclamado salvador político. Podemos ver agora que depois de alguns triunfos baratos fáceis, um número cada vez maior de cidadãos se dispôs a assinar um cheque em branco para seu grande líder, cheque esse que para ser descontado custaria a vida de 50 milhões de pessoas e mudaria a geografia política do Planeta para sempre.

“A Europa jamais conheceu tamanha calamidade para sua civilização e ninguém pode dizer quando ela começará a se recuperar de seus efeitos” foi o comentário do jornal inglês Manchester Guardian três dias depois do suicídio do ditador maldito. Não só a Europa, mas o mundo estava pagando o preço por não ter impedido que Hitler “se criasse” mesmo depois que ele deixou claro suas intenções no livro autobiográfico Mein kampf. Na verdade, o fato concreto é que torna-se uma tarefa virtualmente inexeqüível tratar um personagem tão complexo em apenas umas poucas linhas como neste ensaio. A maldade e as ações destrutivas desse gênio do mal são tão inomináveis que tudo que se escreveu sobre ele até hoje ainda é pouco e, talvez, nunca se chegue a uma análise definitiva de sua personalidade, contudo, por mais que se tenha dito, não devemos jamais esquecer de sua perversidade extrema e que devemos denunciá-la sempre para que não mais se repita na história da civilização, sob o risco de que um dia venhamos a viver aquele horror novamente. JAIR, Floripa, 08/03/11.

terça-feira, 29 de março de 2011

A Biosfera


Para alcançar o nível de equilíbrio dinâmico no qual se encontra o Planeta hoje, foi preciso milhões de anos para que este se configurasse e pudesse oferecer condições para o desenvolvimento da vida. Estima-se que a vida na Terra surgiu a 3,5 bilhões de anos.

Em retrospectiva, dá para descrever os eventos que marcaram a formação do Planeta e de seus habitantes, os seres vivos. Consolidação da Terra a partir de restos de estrelas há aproximadamente 4,5 bilhões de anos, nesse período o planeta era extremamente quente equivalente a uma imensa bola de fogo e, claro, não abrigava forma alguma de vida. Passados milhões de anos a Terra entrou em um processo de resfriamento gradativo que originou uma fina camada de rocha em toda a superfície. Com as mudanças ocorridas na temperatura do planeta, que foi se resfriando, foi expelida do interior do Planeta uma imensa quantidade de gases e vapor de água. Esse processo fez com que os gases formassem a atmosfera e o vapor de água favoreceu o surgimento das primeiras precipitações, um longo tempo de chuva – milhões anos, na verdade - ocasionaram a formação dos oceanos primitivos.

A constituição dos oceanos foi fundamental para o surgimento da vida no Globo, pois esta, por tudo que se sabe, apareceu no meio aquático. Infere-se que surgiram primeiramente bactérias e algas monocelulares, isso há cerca de 3,5 bilhões de anos. Essas primeiras formas de vida foram precursoras que criaram condições para o surgimento de outros seres. Surgiram então, os invertebrados multicelulares dentre eles medusas, em seguida trilobites, caracóis e estrela-do-mar, além disso, desenvolveram plantas tais como as algas verdes, todos os seres vivos desse momento habitavam ambientes marinhos.

Os animais terrestres tiveram sua origem a partir do momento que algumas espécies de peixes saíram da água dando origem aos anfíbios e posteriormente aos répteis, aves e mamíferos. Há aproximadamente quatro milhões de anos surgiram os ancestrais dos seres humanos. Esse mesmo homem que hoje domina o Planeta cuidou de desenvolver as teorias que explicam a complexidade da vida inserida no ambiente que lhe é favorável. A esse ambiente que compreende desde o fundo dos oceanos até alguns quilômetros acima da superfície da Terra, ambiente que abriga a totalidade dos seres vivos, o homem denominou Biosfera.

Em 1980 ao custo de US $ 150 milhões desembolsado pelo magnata do petróleo do Texas, Edward Bass, foi iniciada a construção da Biosfera II, concebida como uma réplica hermética do ambiente da Terra (Biosfera I). São 72 milhões de pés cúbicos de ar aprisionados em uma estrutura geodésica a qual contém cinco biomas, abrangendo um “oceano” com 3,4 milhões de litros, uma floresta tropical, um deserto, áreas agrícolas e um habitat humano, isso tudo incluindo plantas, animais e variados seres que normalmente habitam esses ambientes, como as bactérias, fungos e outros microorganismos.

A idéia foi sugerida pelos primeiros designers e gestores interessados em viagens espaciais e na possibilidade de colonizar a Lua ou Marte. Ao construir a Biosfera II e isolarem pessoas no interior, esperavam entender os problemas que surgem da vida em um sistema fechado. Foi assim que em 1991, um grupo de oito pessoas, voluntárias de várias partes do Planeta, se dispuseram a viver dentro daquela “Terra” por dois anos.

As pessoas que foram selecionadas para serem biosferianos e viver dentro da Biosfera II, durante dois anos de encerramento vieram de sete países diferentes. Todos com habilidades diferentes, as quais, segundo se supunha, seriam complementares de tal forma que somadas permitiriam a sobrevivência do grupo sem recursos externos. Fora isso, vários anos de treinamento os tornaram proficientes em seus próprios campos, bem como teriam adquirido conhecimentos sobre as habilidades dos outros.

A primeira “colônia” de biosferianos (4 mulheres e 4 homens) entrou Biosfera II em 26 de setembro de 1991. Os membros da tripulação permaneceram lá dentro dois anos, apesar de vários problemas, incluindo produtividade agrícola limitada, acúmulo de dióxido de carbono e proliferação de formigas. Sua permanência encerrou-se em 26 de setembro de 1993. Depois de um período de transição de um mês, um segundo grupo de sete biosferianos (5 homens e 2 mulheres) entrou na estrutura geodésica. Infelizmente, após uma série de problemas sociais e físicos desenvolvidos, o projeto logo sofreu o desdém científico e ridicularização pública de gente sem noção antes que os experimentos fossem suspensos em 1994. Desde então, não há grupos residentes que vivam no interior da Biosfera II, e nenhum ser humano deverá habitá-la num futuro planejado.

O que se depreende desse experimento, fora os ganhos decorrentes das descobertas em virtude do confinamento de seres humanos, é que deu certo apesar das opiniões azedas de muitos cientistas e da mídia afirmarem o contrário. Deu certo, não somente porque os voluntários tenham sobrevivido durante dois anos; não somente porque hoje o projeto desativado deu lugar a um campo experimental de genética e lugar de cursos e conferências sobre novos ramos da ciência. Deu certo porque mostrou aos homens que não é só reproduzir as condições ambientais do planeta que, imediatamente, tudo passa a funcionar como a natureza o faz. Deu certo porque a ciência descobriu que apesar de todas as coisas estarem nos seus lugares, havia um fator que foi negligenciado e era basilar, compulsório mesmo, para se reproduzir as condições exatas do Planeta. Esse fator se chama TEMPO. A Terra levou bilhões de anos para atingir o equilíbrio que conhecemos, e não será em meros dois anos que vamos criar um ambiente que terá condições de suportar vida humana com o mínimo necessário para sustentar um organismo tão complexo e suas não menos complexas interações como o meio que o cerca. Talvez não sejamos o organismo mais requintado do Planeta, mas a natureza só permitiu que surgíssemos depois que a evolução tivesse atingido um nível no qual pudéssemos viver sem necessidades maiores que aquelas disponíveis no Planeta. Como exercício mental, arrisco dizer que se o experimento fosse conduzido sem tempo determinado para seu término, dentro de alguns milhares de anos talvez, aí sim teríamos uma Biosfera II perfeitamente equilibrada abrigando alguma variedade humana e de outros seres que evoluíram naquelas condições. Ilhas isoladas como Galápagos e Austrália provam que se houver tempo suficiente, espécies novas podem se desenvolver. Como sempre, o apressadinho Homo sapiens não previu essa possibilidade e tentou queimar etapas, e a caríssima e promissora experiência que se propunha a provar certas teorias acabou indo, como a proverbial vaca, para o brejo. JAIR, Floripa, 28/02/11.

domingo, 27 de março de 2011

Sobre radioatividade


No momento que o mundo está apreensivo com o que pode acontecer em decorrência dos vazamentos radioativos da usina nuclear de Fukushima no Japão, nunca é demais relembrar o quando pode ser perigosa essa forma de energia “domada” pelo homem para fins bélicos e pacíficos. Recordemos que as únicas bombas nucleares usadas contra populações civis foram aquelas lançadas pelos americanos em Hiroxima e Nagazaki em 1945, com objetivo de colocar um término na guerra. Depois da guerra e, especialmente depois de 1949 quando a URSS explodiu sua primeira arma nuclear, os EUA passaram a investir pesado na fabricação dos artefatos atômicos. Sua principal fábrica de bombas era a Hanford Engineering Works, na margem esquerda do rio Columbia, no estado de Washington. Durante os 50 anos seguintes, Hanford liberou bilhões de litros de rejeitos radioativos no rio Columbia e deixou parte dessa matéria atingir o lençol freático. Calcula-se que a necessária faxina para esses 50 anos de irresponsabilidade nuclear deva durar 75 anos, custará em torno de 500 bilhões de dólares, e não haverá garantia que o resultado seja de limpeza total.

Desafiados pelos propósitos americanos, os soviéticos construíram um enorme complexo de armas nucleares e fizeram a maior parte de seus testes no Cazaquistão. Despejaram seus dejetos no mar, principalmente no oceano Ártico. O centro de reprocessamento de combustível nuclear no oeste da Sibéria é o ponto mais radioativo do Planeta. O local contém 50 vezes mais plutônio que Hanford. O potencial de letalidade desses lugares é algo para ser equacionado ainda, não existem parâmetros, nem mesmo em Hiroshima e Nagazaki, para avaliar se algum dia essas áreas poderão ser ocupadas por seres humanos.

Numa inversão de uso aparentemente louvável, de uma força que havia sido criada para destruição, URSS, EUA e Grã-Bretanha, logo depois da guerra iniciaram construções de usinas nucleares para transformar energia térmica oriunda da fissão de átomos, em energia elétrica. Como veremos, grande pisada na bola. Hoje existem no mundo 437 usinas nucleares em operação, mas nenhuma delas é viável comercialmente, todas só sobrevivem com pesados subsídios. Um kilowatt-hora de energia nuclear custa em média 16 centavos de dólar, contra 7 centavos da energia de combustível fóssil e menos de 5 centavos da energia hidroelétrica. E não existe qualquer meio conhecido de se livrar das varetas de combustível nuclear depois de usadas, elas continuam “quentes” por milhares de anos.

Até quando uma usina, como Chernobil, “não dá certo” o custo de fechamento é altíssimo. Quando houve acidente naquela usina em 1986, a liberação de vapor radioativo foi centenas de vezes maior que a radiação das bombas jogadas sobre o Japão. Para “limpar” a área e a própria usina foram empregados 750 mil militares e operários comuns, provavelmente um terço dos quais recebeu doses tais de radiação que, ou desenvolveram câncer, correm o risco de desenvolvê-lo ou já morreram pela exposição à radioatividade. A quantidade exata de mortos é desconhecida e talvez jamais seja revelada, porque a Rússia esconde dados da opinião pública, mas sabe-se que os números são alarmantes. Além disso, houve grave contaminação de alimentos, água e ar em vários países da Europa. Até hoje, amoras vendidas no mercado de Moscou apresentam níveis de radiação muito elevados. Calcula-se que os efeitos da radiação de Chernobil serão letais por 24 mil anos ainda.

Não precisa ser físico nuclear ou algum cientista altamente qualificado para perceber que o Homo sapiens está, como um cego sem cachorro, pisando num terreno minado do qual ele não sabe onde começa nem onde termina. O homem enveredou por essa trilha apostando todas suas fichas em algo que ele “achava” que ia dar certo, errou e perdeu-se num labirinto mítico. O achismo não é uma ciência exata, o resultado dessa aventura poderá ser a contaminação de extensas áreas do Planeta as quais se tornarão inabitáveis por milhares de anos, e que deixarão uma humanidade que teima em se expandir em progressão geométrica, com espaço cada vez menor de onde tirar seu sustento; rios e águas subterrâneas impraticáveis e radiação cancerígena ao alcance de todos. Será que é esse o mundo que desejamos deixar para nossos netos, porque um dia “achamos” que havíamos domado o átomo?

O Homo sapiens e a natureza estão, mais uma vez, em rota de colisão. No caso da energia nuclear a opção humana inflige graves e irreversíveis danos ao meio ambiente. Se persistirmos nesse caminho estamos colocando em risco o futuro da humanidade. Mudanças de rumo são fundamentais para que possamos ver uma possibilidade de sobrevivência pela frente. Tomara que esse acidente de Fukushima sirva para que as autoridades se motivem a encontrar meios alternativos de produzir energia consumível sem recorrer à fissão de átomos. Não temos o direito de comprometer o futuro do Planeta porque achamos que a energia nuclear pode gerar energia para construir uma civilização cujo conceito é questionável, ou seja, porque achamos que civilização é igual a consumismo desenfreado. JAIR, Floripa, 25/03/11.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Caverna


Espeleologia é estudo da formação e constituição de grutas e cavernas naturais, espeleólogos ou espeleologistas são as pessoas que se dedicam a explorar e pesquisar esses ambientes. Em formações do subsolo nas quais haja predominância de calcário a formação de cavernas é uma possibilidade muito acentuada.

As cavernas formam-se normalmente em áreas de rochas calcárias, embora na zona costeira possam ocorrer em outros tipos de rochas. As rochas calcárias são formadas por calcita, que se dissolve quando entra em contato com a água que contém algum teor de ácidos. Estes ácidos são, normalmente, provenientes de matéria orgânica decomposta, que em contato com a água forma o ácido carbônico. Esta água ácida, num segundo momento, penetra pelas fendas do calcário ataca a rocha, produzindo o bicarbonato de cálcio, que é solúvel e facilmente transportado pela água. Com a dissolução do bicarbonato de cálcio, as fendas vão-se alargando lentamente e formando as cavernas.

O processo continua, as águas da chuva, aciduladas pelo gás carbônico da atmosfera e do solo, ao penetrarem pelas fendas da rocha calcária, vão dissolvendo-a e transportando o bicarbonato de cálcio em solução até emergirem no teto de uma caverna pré-existente. A gota dessa solução aquosa fica pendurada no teto até que atinja volume e peso suficiente para cair. Nesse período ocorre a liberação do gás carbônico e, como conseqüência, ocorre a precipitação de parte do bicarbonato dissolvido. Formam-se assim os primeiros cristais de carbonato de cálcio, que vão dar origem à estalactite. A gota, ao cair, ainda carrega consigo bicarbonato de cálcio em solução, o qual vai sendo depositado no piso logo abaixo, formando estalagmites. Pode-se ter uma idéia aproximada da idade das cavernas pelo tamanho e quantidade de suas estalactites e estalagmites. Não é uma ciência exata, mas não é ingenuidade afirmar que uma caverna com maiores formações dessas é mais antiga que uma com formações menores. As vezes essas duas formações se encontram formando verdadeiras colunas que parecem estar suportando o teto da caverna.

Independente dessas tecnicidades e dados chatos, o fato concreto é que cavernas exercem um fascínio sobre os humanos. Se olharmos a história do Homo na sua dinâmica conquista dos espaços do Planeta, onde acabou ocupando tudo com exceção da Antártida, Pólo Norte e algumas áreas muito inóspitas, veremos que as cavernas foram fator importante para sua segurança e fixação em determinados locais. Talvez, por serem defesa natural contra predadores e abrigo das intempéries, as cavernas sempre foram ocupadas onde o homem se fixou. Não é à toa que humanos do Paleolítico são chamados “homens das cavernas”.

Pois bem, sou nascido e criado numa região do Paraná onde o subsolo é predominantemente calcário, daí nenhuma surpresa existir cavernas naturais em abundância na área em que me criei. Os campos gerais, como são chamadas as formações geográficas da região, são, como o nome diz, campos. Sua vegetação é gramínea eivada de touceiras baixas de arbustos densos. O perfil do relevo se caracteriza por terreno ondulado com riachos pequenos e correntosos nos entre morros. De longe em longe há formações vegetais de árvores bem juntas, que se dá o nome de capão de mato. Os capões, normalmente, são abrigos da fauna e se formam em torno de um afloramento de rio subterrâneo. Cada capão tem um “buraco” no centro onde se pode enxergar as águas que por ali passam. Em geral, essas águas estão fluindo dentro de uma caverna cujo teto desabou. Caverna essa, nem sempre digna do nome, porquanto, o mais das vezes, são apenas fendas no subsolo preenchidas pela água que passa. Excepcionalmente, contudo, encontram-se cavernas maiores, onde a água dissolveu a matéria calcária por milhões de anos e construiu túneis amplos e compridos.

Pois é, as cavernas dos campos circundantes à Palmeira não eram notáveis, pelo que se sabia. Que eu me lembre, ninguém saía pelos capões procurando cavernas e, se isso ocorresse, não era costume alguém se arriscar para dentro de um buraco que não se sabia o que podia conter: cobras, lacraias, insetos venenosos e escorpiões, talvez. Então, como eu e meu primo Joel tínhamos certo elã aventuresco, certo espírito de Indiana Jones, se este existisse na época, gostávamos de procurar nos capões de mato a entrada de cavernas. Registre-se que por muito tempo nada encontramos, parecia que não existiam cavernas notáveis, só aqueles buraquinhos com água subterrânea barulhando enquanto fluía. Entretanto, um dia num descampado conhecido por campo do Pugas, num capão especialmente fechado e bem maior que outros, encontramos o procurávamos: uma caverna que, na entrada, não tinha mais que um metro de altura, dava para entrar de gatinhas, mas, logo adiante, talvez quatro ou cinco metros à frente, abria-se numa área de dois metros de altura por uns três de largura que ia aumentando na medida em que descia. Olhamos aquilo com algum receio, não estávamos preparados para entrar naquela escuridão, a pequena entrada não permitia que luz natural adentrasse a não ser uns poucos metros. Marcamos o local com referências fáceis de encontrar e voltamos excitados para casa convencidos que havíamos descoberto algo formidável.

Pois bem, silenciamos sobre o achado e nossa primeira providência foi conseguir lanternas e cordas para fazer a exploração. Com esforço extra, conseguimos, naquela semana, incrementar as vendas de sucata de modo a dispor da grana necessária às nossas aquisições. Duas boas lanternas “flash light” de três pilhas, vinte metros de corda de cânhamo e um faca, nos pareceu o bastante para nossa aventura. Tão logo as obrigações estudantis nos permitiram, saímos à socapa numa bela tarde rumo à “nossa” caverna misteriosa. Depois de verificar que ninguém estava nos vendo, adentramos a boca da caverna, boca esta parcialmente coberta por vegetação. Vencidos os primeiros quatro metros agachados, pudemos ficar em pé e, com as lanternas acesas começamos a nos maravilhar com o que víamos. A “sala” em nos encontrávamos era de dimensões em torno de dois metros de altura por três de largura e terminava uns quinze metros adiante numa espécie de degrau que descia. As paredes eram brancas brilhantes como costumam ser as paredes de calcário. O degrau adiante tinha uns cinco metros de descida a quase noventa graus e terminava num amplo salão de vinte metros de comprimento, dez ou doze de altura e uns quinze de largura; no centro corria o fiozinho de água que era o rio que construiu em milhões de anos aquele colosso. Estalactites e estalagmites atestavam a antiqüíssima idade da caverna. Estávamos maravilhados como ficaria o próprio Lidenbrock, personagem do livro de Júlio Verne: “Viagem ao centro da Terra”. Havíamos descoberto a oitava maravilha do mundo natural, ficamos embasbacados, extáticos ali, sentados numa protuberância rochosa branca como alvaiade.

Hoje, mais de cinco décadas se passaram, mas ainda sinto aquela palpitação que quase sufocava minha alma, não sei quanto tempo ficamos parados sem fala, mas, depois de um tempo, resolvemos penetrar mais naquele paraíso. Havia, a partir do salão, três ou quatro túneis irregulares que se curvavam para baixo. Fomos até a entrada de cada um e verificamos que a exploração deles poderia requerer muito tempo, não quisemos arriscar e voltamos à superfície.

Por muitos meses passamos a frequentar nossa caverna secreta sempre arriscando um pouco mais, entrando mais fundo de cada vez, explorando os caminhos que levavam (levam ainda) a não sei que entranhas distantes e desconhecidas. Resumindo, nunca chegamos a uma conclusão onde terminava a caverna, se é que terminava em algum ponto encontrável. Nunca passamos a informação sobre sua existência a ninguém. Sei que ela ainda se encontra lá como a conhecemos, sei que o campo no qual ela está, continua o mesmo, com as vaquinhas pastando na superfície, e aquela maravilha entranhada num mundo misterioso que, espero, ninguém jamais venha a conhecer. “A caverna”, como sempre a chamamos, merece permanecer desconhecida pelo resto da humanidade pelo resto dos tempos, a depredação que o homem causa onde põe a mão é perfeitamente desnecessária naquele pedaço intocado do passado do Planeta. Faço minhas as palavras dos espeleólogos: “De uma caverna nada se tira, a não ser fotos; nada se deixa, a não ser rastros; nada se leva, a não ser lembranças JAIR, Floripa, 17/01/11.