terça-feira, 30 de agosto de 2011

Sobre monogamia



No mundo animal constituído por famílias de um só casal de pais, é quase sempre as fêmeas que ficam tomando conta do bebê, porque, na corrida para sair em busca de outros parceiros, elas, em geral, ocupam o segundo lugar. Quem tem aquário e já viu a reprodução dos caracídeos, sabe que as principais exceções são encontradas no mundo aquático dos peixes, e a razão não é difícil de entender. À semelhança dos sapos, os peixes ovíparos soltam suas células sexuais dentro d’água, onde ocorre a fertilização. Contudo, considerando-se que o esperma dos machos é muito leve, ele corre o perigo de se desviar de seu rumo se for depositado antes que os óvulos, bem mais pesados, cheguem a eles. Dessa forma, para não desperdiçar seus espermatozóides, eles têm que esperar até que as fêmeas deem sua contribuição para que eles façam a sua parte. Em virtude dessa sequência de eventos, a fêmea pode agarrar a sua chance e abandonar seu companheiro, deixando-lhe todo o trabalho a ser feito para assegurar a boa e satisfatória nutrição da ninhada. O acará bandeira de nossa fauna amazônica é um exemplo perfeito dessa atitude evolutiva. O macho é apanhado numa armadilha cruel, porque ele poderia decidir desertar também, mas nesse caso não haveria nenhuma descendência e seus genes estariam perdidos. Portanto, não é de se espantar que a seleção natural tenha favorecido a evolução da afeição paterna no caso de muitos peixes.
A coisa toda se transformou quando os animais se transferiram para terra firme, houve decadência do status das fêmeas. Nas condições mais hostis da terra seca, os animais não podiam deixar as células nuas e fertilizadas expostas ao ar, pois elas ressecariam e morreriam rapidamente. Então, os ovos surgiram como uma resposta ao novo ambiente. Novamente, o investimento da fêmea no embrião é enorme, se comparado com o do macho, porque ela fabrica a superestrutura do ovo e depois tem que envolvê-lo com substâncias nutritivas para sustentar o embrião em desenvolvimento. Entre os pássaros, o peso do ovo de uma fêmea equivale, algumas vezes, a um quarto do peso do corpo, um investimento muito caro, na verdade. Além disso, o fato de a fêmea fabricar o ovo dentro do seu corpo após a fertilização fornece aos pássaros machos oportunidade de desertar e lançar suas sementes em outro lugar. Contudo, a maioria deles não o faz: cerca de noventa por cento das espécies de pássaros é constituída por monógamos, normalmente durante uma estação de acasalamento pelo menos. E a razão disso é que o grau de esforço requerido para se criar um filhote é grande demais para apenas um adulto se desincumbir da tarefa; a incubação prolongada e a subseqüente tarefa contínua de colher alimentos para a prole voraz exigem cooperação de dois adultos. Então, se em determinada situação um macho fosse abandonar sua companheira fertilizada, as chances seriam de que os filhotes potenciais viriam a morrer; isto não é biologicamente sensato para o macho, e esta é a razão de ele cooperar com os deveres da família. Neste caso, a monogamia não é uma opção, é uma imposição evolutiva.
O estado de monogamia entre as aves é responsável principalmente pela plumagem espetacular que espalha cores vivas e brilhantes pelos nossos campos e matas afora, particularmente durantes o cio dos pássaros: os machos estão competindo uns com os outros pelos favores das fêmeas; porque a posse dos recursos alimentícios pode significar que nem todas as fêmeas serão capazes de procriar e que um macho precisa despender ainda maiores esforços para atrair uma fêmea, se ele pretende ter alguma chance de deixar descendentes. E também deseja ter a certeza de adquirir a melhor companheira possível, em vez de se contentar com apenas uma fêmea fraca e magra, que não faria justiça ao seu investimento genético. Seu casaco brilhante e seu elaborado galanteio têm a finalidade de impressionar a fêmea, demonstrando-lhe o desejo de tê-la como companheira. É quase compulsório transpormos esse jogo para o mundo dos humanos com seus machos próceres escolhendo as “melhores” fêmeas através de seus carrões caros e vistosos e de suas lanchas e mansões. No mundo das aves, a fêmea, que eventualmente pode ser deixada com uma ninhada de ovos em maturação, precisa estar convencida de que o macho é não somente adequado como pai (para produzir crias saudáveis), mas também como marido (para permanecer com ela a fim de criar a ninhada).
A escolha de companheiros entre pássaros é responsabilidade das fêmeas, como geralmente ocorre no mundo animal, sendo que os machos competem com entusiasmo para sobrepujar uns aos outros. Em muitas espécies de pássaros monogâmicos, as fêmeas declinam de seus favores conjugais até que o solícito companheiro potencial tenha construído um ninho que seja considerado adequado para abrigar seus futuros filhotes. Esse tipo de atividade, até certo ponto, iguala o investimento dos pais no filhote ainda por ser fertilizado: a fêmea fabrica o ovo e o macho constrói o ninho. A corte é decisiva para o macho, não somente para conquistar para si uma mãe potencial para sua descendência, mas também para sua satisfação própria, porque se ela é formosa e saudável será capaz de dar contribuição efetiva na criação da ninhada. Contudo, mais do que isso, os machos precisam estar seguros de que não estão sendo enganados e induzidos a ficar com uma parceira que foi fertilizada por outro macho que tenha dado no pé desde então.
Os avestruzes não são monógamos, um macho cruza com várias fêmeas e as induz pôr seus ovos num ninho comunitário que ele cuida até a eclosão. Acontece que as fêmeas nem sempre são fiéis, elas costumam “pular a cerca” enquanto o macho está cuidando dos ovos, e põem ovos fertilizados por outros machos no ninho que o “marido” está cuidando. Essa estratégia permite uma variação genética que não seria possível dentro da monogamia, mas está plenamente justificada, porque supostamente o macho sempre cruza com as mesmas fêmeas de modo que as escapadas de algumas delas renovará o estoque de genes sem que o macho saiba.
Fora isso, e mais alguns poucos exemplos de poligamia, a natureza cuida para que as mais bem sucedidas espécies sejam monógamas, e isso inclui o primata bípede pelado chamado homem. Qualquer desvio de conduta humana visando a reprodução não monogâmica está em desacordo com a ordenação natural estabelecida pela evolução. JAIR, Floripa, 13/06/11.


domingo, 28 de agosto de 2011

A morte do trema



Era comum na União Soviética, durante o regime comunista, o alto comando mandar apagar de fotos oficiais a figura de algum dirigente que houvesse caído em desgraça. Apagava-se seu registro em fotos e se fazia igual expurgo em documentos, memoriais e quaisquer outros lugares onde seu nome constasse. O indivíduo em questão deixava de existir. Normalmente para sempre e, em alguns casos raros, era ressuscitado pela nomemklatura quando, milagrosamente, passava a “viver” novamente.
Pois é, inspirados nos sábios dirigentes soviéticos, alguns vetustos filólogos e outros sabichões donos da verdade resolveram mudar algumas coisinhas na língua portuguesa com declarado fito de unir gramaticalmente todos os países que se expressam nesse idioma. Demitiram de suas funções os acentos circunflexos quando colocados em palavras com vogais duplas como “ee” e “oo” de veem e voo, por exemplo. Dessa forma não se veem mais voos usando chapéus chineses por aí. Confesso que acho os voos bem menos charmosos e elegantes a partir de então. Parece que os doutos gramáticos não se deram conta que os “ee” e “oo”, por serem gêmeos idênticos, faziam o uso do chapéu em um deles para definir um do outro, para não haver confusão de quem era quem.
Expurgaram os acentos agudos nas joias, de modo que elas já não mais apresentam aquele brilho anterior, ficaram meio opacas. No rastro das joias as jiboias também perderam aquele único ornamentozinho que podiam ostentar, agora estão lisinhas, cilindros animados sem graça e sem sabor. Feias jiboias!
Entre outros pequenos acertos, fizeram o favor de reconhecer cidadania aos símbolos gráficos “k”, “w” e “y”. Já não era sem tempo, essas pobres letras, consideradas estrangeiras, já moravam nos países de língua portuguesa há muito tempo, mas não constavam na relação de cidadãos chamada alfabeto, de modo que viviam na semi clandestinidade só se arriscando aparecerem em algumas palavras ditas estrangeiras, e assim mesmo correndo risco de serem expulsas a qualquer momento por algum purista de maus bofes com assento na ABL, ou nalgum ministério desses muitos que não tem o que fazer, então ficam procurando pelo em bola de bilhar, isso quando não estão enxugando gelo.
Mas o que mais magoou foi a extinção pura e simples do inocente trema. Veja bem, os demais acentos, agora proibidos de freqüentar certos ambientes, digo, palavras, continuaram com o antigo status em termos como você, café, paralelepípedo e proeminência, mas o trema não. O pobre trema, tal como as figuras soviéticas caídas em desgraça, deixou de existir, foi apagado da história e sua memória deixará de existir algum dia também. Daqui há algumas gerações ninguém saberá que esse humilde e discreto acento freqüentou nossa gramática e enfeitou palavras grandiloqüentes e até meio metidas como qüinqüênio, por exemplo. Mas, dirão alguns ungidos, ele sobrevive sobre “us” de palavras estrangeiras com Müller. Grandes coisas! Para um acento que já brilhou na lista vocabular da “última flor do Lácio”, aparecer em vocábulos estrangeiros donde nunca havia saído, não é nem prêmio de consolação. Vão se catar, bobões!
E, muito mais solidário que outros acentos, o trema era um companheiro confiável, um colega solícito que só queria ver a alegria das outras letras. Ele fazia de seu uso um gesto de cortesia para com o "i". Vejamos então, lá ficava o já meio complexado "i" por ser tão magrinho, aliás, a letra mais esbelta do alfabeto, equilibrando aquela bolinha como um cabeceador em treinamento, solitário, pensando com seus botões: quando será que sua arte de equilibrar vai ser apreciada, ou mesmo aplaudida? Sua única alegria era quando encontrava aquele primo atlético plantando bananeira: “!”, mas isso só nos fins frases exclamativas como “vivi!”. Então chega a lingüiça com tranqüilidade e coloca um companheiro “ü” ao lado dele partilhando a mesma habilidade. O “i” já não se sentia sozinho, curtia a companhia e o vocábulo tornava-se ornamentado com mais bolinhas saltitando sobre suas letras, era quase um espetáculo circense, enchia os olhos dos leitores.
O trema também costumava aparecer com certa freqüência em vocábulos com esse “ê” que, parecendo turista vindo da Ásia, estava sempre de chapéu chinês para impressionar aqueles não tão viajados. Sua presença ao lado do “ê” meio exibido, dava-nos a dimensão de seu desprendimento, não vivia só em companhia de “is” solitários com suas bolinhas equilibradas sobre a cabeça, ele também freqüentava a companhia de letras cultas que conheciam até o Oriente. Essa atitude fazia parte de sua natureza.
Só que agora ele se foi para sempre, mas eu, em nome da amizade e do companheirismo, continuarei colocando trema onde me aprouver e estou me lixando para esses patrulheiros gramaticais que, em nome de não sei o quê, tornaram inexeqüível um acento tão simpático e inofensivo. JAIR, Floripa, 27/08/11.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Uma tragédia



Nota de esclarecimento. Esta é uma história acontecida na vida real. Os nomes das pessoas foram trocados em respeito a seus descendentes que ainda vivem, e as datas também foram omitidas. Os fatos mais funestos foram amenizados para não ferir a sensibilidade dos leitores.
Era uma vez, muito além das montanhas da Serra do Mar, aquém dos rios Iguaçu e Tibagi, além dos campos ondulados que margeiam o segundo planalto, nos arredores do então pequeno vilarejo de Palmeira. No extremo oeste desta quase aldeia, à sombra de úmida floresta de araucárias vivia o madeireiro Slieski, dono da mata e de tantas árvores de pinheiro que lhe era impossível saber quantas eram. Esse próspero madeireiro tornara-se uma espécie de gigolô da floresta, vivia da extração de madeira de suas terras e nem se dignava ele mesmo em mandar derrubar as árvores, simplesmente cedia os direitos de exploração às serrarias que lhe pagavam por metro cúbico extraído.
Era casado com Petra, mulher jovem, delicada, pequena, com um rosto afável, quase infantil, que parecia sempre meio espantado e surpreso como se tivesse acabado de ouvir uma notícia trágica. A meiga Petra havia parido um lindo casal de filhos, sendo o mais velho um guri de nome Sengor. Slieski, cujo nome de batismo era Janus, herdara as matas e terras de seu pai o qual trabalhara duro durante anos plantando, colhendo e vendendo milho aos criadores da região, o que lhe proporcionara ganhos para comprar aquelas terras com matas “virgens” para onde se mudou já na velhice e onde não chegou a desfrutar a aposentadoria como merecia, pois veio a falecer enquanto dormia poucos meses depois.
Então, ali estava Janus Slieski, bem postado com sua família, vivendo da renda oriunda do sacrifício de seus pinheiros. Não era rico, mas seus ganhos lhe davam uma vida folgada em contraste com a maioria de seus concidadãos, quase todos operários das madeireiras e que só não eram miseráveis porque conseguiam comer todos os dias.
Ele poderia ter sido um ótimo pai, um cristão dedicado e um bom marido se não fosse por dois pequenos defeitos: gostava imensamente de jogar baralho e a bebida era sua companhia de todas as horas. Esses dois vícios o haviam levado a perder a mulher do jogo de cartas algumas vezes. Volta e meia quando perdia todo o dinheiro oferecia a mulher por uma noite e muitas vezes a perdia para algum parceiro. Quer dizer, vez ou outra, ele a havia perdido para aqueles que ganhavam dele no jogo de baralho.
Petra, depois de ter sido obrigada a deitar-se com desconhecidos nem sempre limpos, quase sempre abrutalhados, bêbados e hálito recendendo a cachaça, cansou-se daquela vida, rebelou-se e fugiu de casa. Ela permaneceu talvez por um ano na casa de Igor, filho de um carroceiro que trabalhara para o pai de Slieski por muitos anos. Igor era um rapagão forte e ótima pessoa, destas que todos olham sem malícia e consideram “boa gente” em todos os sentidos. Gostava de mimar Petra e costumava tratá-la como um cristal frágil. Tudo ia muito bem a não ser por um detalhe, o terreno onde se assentava a casa de Igor era lindeiro ao da casa de Janus, e este havia proibido os filhos de falarem com a mãe e esta de se comunicar com os filhos. Os três se viam de longe, mas não podiam se falar, era uma situação que angustiava Petra e levou-a a se refugiar na bebida também. O ex marido também a tinha o tempo todo ao alcance da vista, pois de sua casa enxergava, à distância, a casa de Igor.
Certa vez a pobre mulher, que a essa altura já andava bebendo como um gambá dissoluto, escondeu-se atrás da cerca da casa do ex para esperar sua pequena filhinha Keta que estava para chegar. Quando esta a viu, simplesmente repeliu a mãe, não permitiu que Petra a abraçasse, pois o pai a havia proibido de ter qualquer contato com aquela que a havia trazido ao mundo. A guria, com medo do pai, empurrou e chutou a pobre mãe e gritou por socorro. Um empregado do pai enxotou Petra da frente casa aos gritos de prostituta! vagabunda! e outros impropérios impublicáveis. A mãe saiu chorando aos berros do local, uivando como um animal que acaba de perder seus rebentos num evento trágico, cena lamentável de lacerar corações.
Tornou-se uma alcoólatra incurável, vivia seus dias em crises sucessivas de delirium tremens e, depois de alguns meses, Igor não agüentado mais, solicitou que as autoridades médicas a internassem num manicômio. Sabe-se que no manicômio, letárgica, nunca reagiu a qualquer estímulo e passou a ser tratada como catatônica, vivia segregada e imóvel em um canto sem comer ou se mexer se não a tirassem de lá, morreu sem jamais pronunciar uma palavra sequer.
Janus viveu mais dois ou três anos numa trajetória descendente rumo à destruição física e emocional, bebendo e jogando cada vez com mais afinco e irresponsabilidade, só que agora não tinha mais a mulher para colocar nas apostas. Uma noite depois de haver perdido no baralho a casa e a mata de pinheiros, foi encontrado enforcado em um pé de Cambuí, árvore de galhos fortes que existia no pátio da casa. Não deixou bilhete algum. Seus dois filhos foram criados por um primo seu que residia em Curitiba e, pelo que se sabe, nunca mais retornaram a Palmeira. Igor mudou-se da cidade. JAIR, Floripa, 11/08/11.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A Pedra de Roseta



Em 1798, o vitorioso general Napoleão que havia derrotado a Itália, inclusive saqueado o próprio Vaticano, resolveu conquistar o Egito, que segundo entendimento comum na França pós revolucionária, “não tinha dono”. Para a empreitada, o jovem general armou uma esquadra com 16 mil marinheiros e 34 mil soldados, com toda a parafernália necessária para empreender uma campanha naquele país contra os mamelucos que detinham o poder, ainda que, nominalmente, o Egito fizesse parte do império Otomano, conhecido no ocidente como império Turco. Os mamelucos eram uma casta de guerreiros que originalmente teriam sido escravos criados desde crianças orientados para as artes bélicas, ou seja, guerreiros. Comportavam-se como mercenários, ou como a Legião Estrangeira veio se comportar depois de criada pela França. Eram guerreiros formidáveis que só se dedicavam à guerra e à pilhagem.
Contudo, ainda que a frota e as tropas napoleônicas estivessem bem de acordo com seus propósitos imperialistas de conquista de espaços vitais, a expedição tinha um componente no mínimo inusitado: contava com um entourage de 150 “cientistas”, a nata do Instituto da França, incorporado às tropas do exército com soldos correspondentes a de oficiais, embora seus membros se recusassem a usar fardas. Chamados genericamente de “sábios” por Bonaparte, matemáticos, topógrafos, arquitetos, cartógrafos, engenheiros, geômetras, físicos, astrônomos, químicos, botânicos e até um músico e um poeta compunham essa eclética equipe destinada a estudar in loco todas as particularidades da terra exótica e de cultura milenar que era o Egito e a região circundante, chamada Levante. Berthollet, Savigny, Geoffroy Saint-Hilaire, Gaspard Monge (inventor da geometria descritiva), Devilliers, Fourier (séries de Fourier, quem não lembra?), o fantástico inventor Nicolas Jacques Conté e uma quantidade de estudantes de engenharia, faziam parte do grupo que, teoricamente, efetuariam profundos estudos civis sobre a geografia, a sociedade, os potenciais econômicos, a hidrografia e a botânica da região, mas que, por trás dos panos estavam destinados para finalidades militares que, desde o primeiro momento, eram o escopo do general francês.
Assim que chegaram ao Cairo, os “sábios” fundaram o Instituto Egípcio e caíram em campo para trabalhos que renderam ao fim da viagem uma enciclopédia, “Description de L’Égypte”, em 23 volumes. Mas Napoleão, de olho numa conexão militar estratégica, ordenou que os engenheiros, arquitetos e topógrafos fizessem um estudo visando à construção de um canal ligando o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, iniciando no porto de Suez. O projeto só se tornou realidade 50 anos depois por iniciativa do empreendedor Lesseps, mas nada tinha a ver com Bonaparte então.
Pois bem, enquanto faziam medições próximas à cidade de Roseta, os engenheiros encontraram uma rocha rosada com estranhas inscrições, que acabaria por trazer à luz uma grande parte perdida da história humana. A chave que viria a revelar a antiga escrita egípcia foi descoberta em Roseta, num dia muito quente de verão no final de julho de 1799. Os franceses estavam cavando ao longo de uma muralha, na tentativa de reforçar uma velha fortaleza do tempo dos cruzados, na margem esquerda do Nilo, trabalho destinado a defender a costa contra a armada inglesa que navegava pelo Mediterrâneo com vistas a expulsar os franceses do Egito. Em meio aos detritos, um engenheiro francês de nome Pierre-François Xavier Bouchard, notou uma pedra de granito rosa coberta por inscrições. Espanando a poeira que a cobria, percebeu que os escritos vinham em três línguas, uma delas visivelmente o grego antigo e outra claramente hieroglífica. Bouchard levou sua descoberta ao conhecimento do general encarregado das obras em Roseta, Jacques Menou, que mandou transportar para a própria tenda, ordenou que a limpassem e providenciou a tradução do texto grego. Menou pediu também que os engenheiros procurassem por outros fragmentos daquilo que, todos concordavam, deveria ser um achado muito importante, mas, ainda que aos soldados se tivesse dito que aqueles pedaços de rocha “valeriam seu peso em ouro” não foi possível desvendar o segredo que aquelas linhas encerravam.
Poucos dias depois, um engenheiro chamado Michel-Ange Lancret mandou uma carta a Monge e Berthollet no Cairo, informando-os da descoberta. Menou enviou a pedra aos acadêmicos no Cairo em agosto. Jean-Jacques Marcel, o orientalista da expedição, foi o primeiro a examiná-la. Identificou a segunda escrita como sendo “demótica” – uma versão popular mais simplificada da antiga língua egípcia. Os cientistas ficaram entusiasmados. Possivelmente, as cinquenta e cinco linhas em grego e as trinta e duas em demótico inscritas na pedra tornariam possível traduzir a terceira, um fragmento de texto menor, catorze linhas em escrita hieroglífica na parte inferior da pedra.
Quando os franceses encontraram a Pedra de Roseta, como passou a ser conhecida, 1500 anos haviam se passado desde que o último ser humano fora capaz de ler um único caractere da escrita hieroglífica egípcia. Ainda que a antiga civilização tivesse durado milhares de anos, a erradicação do paganismo egípcio fora súbita e total. Os cristãos que conquistaram o país no século três ordenaram que os habitantes locais abandonassem sua antiga escrita religiosa. O coptas – egípcios recém cristianizados – aceitaram a imposição sem protestar e passaram a usar o alfabeto grego. Com a antiga cultura já em processo de rápido declínio, não se passou mais duas ou três gerações até nenhum ser humano sequer ser capaz de decifrar a “língua dos deuses”, como era conhecida a escrita hieroglífica. Diante dessa situação a Pedra de Roseta era o descobrimento arqueológico mais importante da história humana. Fazia-se necessário que alguém conseguisse decifrá-la.
Com a derrota de Napoleão pelos ingleses no Egito, assinou-se o Pacto de Alexandria que espoliou os franceses daqueles bens que eles haviam espoliado dos egípcios, a Pedra de Roseta acabou indo para Londres onde se encontra até hoje. Aos perdedores as batatas! Ou melhor, restaram apenas litografias feitas por Conté, as quais foram enviadas a Paris onde se encontram no Louvre.
Jean-François Champollion (1790 – 1832) foi um linguista e egiptólogo francês. Com dezesseis anos dominava uma dúzia de línguas, e com vinte anos isso incluía o latim, grego, hebreu, amárico, sânscrito, avestan, pahlavi, árabe, siríaco, caldeu, persa e chinês, sem contar o francês. Em 1809 se torna professor de História em Grenoble. Seu interesse pelas línguas orientais, especialmente o copta, levou-o a se dedicar à tarefa de decifrar os escritos da então recém-descoberta Pedra de Roseta, e ele passou os anos 1822–1824 envolvido nesta tarefa. Decifradas as escritas hieroglíficas por Champollion, tornou-se tarefa de menor vulto ler as extensas inscrições nos monumentos e tumbas de faraós, as quais os egípcios foram pródigos em produzir. O resgate da ascensão e declínio dessa fantástica civilização, e por tabela das origens da cultura decorrente, só foi possível por que alguém, em algum momento do passado, teve a iniciativa de produzir a Pedra de Roseta. JAIR, Floripa, 18/08/11.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Sobre genealogia



Parece uma compulsão ou algo menos drástico, mas a grande maioria dos seres humanos, em algum ponto de sua vida, gostaria de saber suas origens, quem eram e de onde vieram seus antepassados. Inúmeros saites na internet atestam que existe bastante interesse sobre genealogia. Genealogia é o estudo dedicado à busca de informações sobre as origens das famílias, suas raízes, sua história familiar, registros históricos se estes existirem, histórias de imigrantes, significados de sobrenomes etc. A chamada árvore genealógica é o produto final da busca de raízes empreendida por quem se interessa por seus ancestrais.
Pois bem, como disse um sábio lá do Paraná: “Pobre não possui árvore genealógica, quando muito, seus antepassados se enroscavam num arbusto genealógico”. Como minha família sempre foi pobre, meu interesse foi procurar esse arbusto de que fala o sábio, busca nada sofisticada porém, apenas argúi os parentes mais velhos sobre aqueles mais velhos ainda que já não mais estão entre os vivos. Por outro lado, seria ocioso caçar documentos, pessoas sem posses em tempos idos (e também nos atuais) sequer costumavam registrar seus filhos regularmente.
Minha busca rendeu frutos com relação a meu avô paterno, David Rodrigues Cordeiro, o qual participou do histórico Cerco da Lapa e teve sua atuação registrada por um major que relatou toda a luta, inclusive a efêmera ação na qual David, juntamente com outros cinco militares, repeliu os atacantes que ameaçavam a guarnição de um canhão. Há também registro histórico que um dos meus tios bisavós paternos, Francisco Demétrio, que apresentou-se como voluntário da pátria na guerra do Paraguai. Ele voltou vivo da guerra, recebeu uma gleba de terra pelo seu voluntariado, dizem que atuou com bravura na passagem do arroio Itororó, e o túmulo dele encontra-se no cemitério de Palmeira, túmulo que é lembrado e reverenciado vez ou outra quando as autoridades resolvem fazê-lo.
Mas, hoje quero falar de meu avô paterno, Joaquim Teodoro da Silva, o qual sempre foi “sem eira nem beira” no dizer de seus próprios filhos e de minha avó. Explico, ele apenas “apareceu” no Paraná quando do término da construção da RVPSC (Rede Viação Paraná Santa Catarina) na qual trabalhara como peão. Terminada a ferrovia, meu avô, sem raízes, referências ou conhecimentos foi ficando no interior de Palmeira onde acabou casando com minha avó, Guilhermina, sobrinha de Manoel Demétrio. Casaram tiveram filhos, estes casaram e tiveram filhos também. Sou filho de Ananias, rebento mais velho deles.
Passaram os anos, os netos cresceram e arribaram e eu fui parar em Santa Catarina onde casei. Minha avó havia falecido há muitos anos, meu pai já havia morrido também, seu Joaquim estava muito velho e ainda não se conhecia sua origem ou qualquer parente seu. Meu tio José, sabendo vagamente que o pai dele era originário de São José, SC, e, considerando que eu morava em Floripa, e São José é uma cidade-satélite da capital, perguntou-me se eu poderia procurar algum parente naquela cidade através dos cartórios de registro ou indagando por lá. Queria ao menos saber de algum parente antes que meu avô viesse a falecer. Nada muito difícil, como se vê. Acontece que toda a família da mãe de minha mulher é, justamente, oriunda de São José, então resolvi começar minha pesquisa por eles.
Minha sogra sugeriu-me que procurasse um tio dela, Dedé, o qual tinha perto de noventa anos, continuava vivendo em São José e possuía uma memória de elefante para fatos passados. Encontrei-o sentado na soleira da porta de sua casa e entabulamos uma agradável conversa até que lhe contei sobre meu avô. Disse-lhe apenas o que sabia: que meu avô era daquela cidade e que tinha aparecido no Paraná com a conclusão da estrada de ferro RVPSC. Tio Dedé olhou-me e perguntou como era o nome dele. Ao que respondi: - Joaquim Teodoro da Silva. Ele, meio surpreso: - É meu primo, pensamos que havia falecido, porque nunca tivemos notícias depois que ele saiu de casa aos treze anos!
Mais surpreso fiquei eu! Meu avô era primo da avó de minha mulher, então, esta e eu somos primos ainda que distantes. Agora vejamos o que diz o código civil de 2002 com relação ao grau de parentesco entre pessoas: “Contam-se, em linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até o ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente”. Isso quer dizer que, na prática, somos parentes em segundo grau de nossos irmãos, por exemplo, em primeiro grau só somos parentes em linha direta como nossos pais e nossos filhos. Para colaterais a contagem começa em segundo grau, primos sempre serão em quarto grau, no mínimo. Meu avô Joaquim era primo (4º grau) da Brandina, avó de minha mulher, e eu sou primo em oitavo grau da Brandina minha mulher. Estudo de genealogia não é uma ciência exata, sabe-se como começa, mas onde acaba quase sempre é uma incógnita. JAIR, Floripa, 02/07/11.

sábado, 20 de agosto de 2011

Viagens



Parece que viajar, vencer distâncias, conhecer paragens novas, povos diferentes, outros costumes, descobrir coisas inusitadas, curiosas e estimulantes sempre fez parte do currículo do Homo sapiens. Desde as migrações iniciais as quais deram origem a novas povoações que acabaram ocupando a superfície habitável do Planeta, até as grandes navegações que, de certa forma, no sentido inverso, reintegraram aqueles povos que estavam separados por mares e extensões de terra antes intransponíveis, todos esses deslocamentos comprovam e suprem a irrevogável ânsia dos humanos de descobrir o que há além da linha do horizonte.
O formidável desenvolvimento dos meios de transporte e as inumeráveis agências de viagens que atraem o homem moderno em férias são afirmações que essa necessidade de deslocamento não cessou no atual estádio da civilização. O homem tornou-se gregário, mas mantém os olhos curiosos no quintal do vizinho, gasta suas férias instruindo-se com o que há de diferente além do seu jardim.
Contudo, ainda que navegar seja preciso, a verdadeira viagem se faz para dentro de nós mesmos, nossa imaginação nos permite viajar além fronteiras muito remotas, sem qualquer restrição de horário, distância, clima, disponibilidade de meios ou idade. A viagem real, da qual sempre retornamos com saldo positivo, é a que empreendemos para nosso interior, onde não precisamos de bilhetes, não há limitações geográficas nem alfândegas e podemos chegar desde o âmago do átomo até as galáxias mais distantes. Podemos ver e misturar todas as cores, sons e cheiros imagináveis ou não, púrpura, limão, lilás, ouro, laranja, carmim, escarlate, violeta, prata com os pios dos pássaros, marulho do mar, assoviar do vento e o silêncio da noite. Aroma suave da lavanda, cheiro ácido do limão, odor suave de folhas verdes e de terra molhada, e todas as fragrâncias extravagantes de lugares exóticos. Ou passear por lugares que fisicamente não existem, visitar pessoas ou tempos irreais e impalpáveis. Até entrar em lugares imaginários, que talvez não tenham tido oportunidade de existir, mas que são tão reais como nós mesmos quando lá estamos. Também, num viés metafísico e lúdico, encontrar a própria alma e passar por baixo do arco-íris. Viajar com a mente é uma experiência transcendental, não é à toa que indivíduos que fazem uso de substâncias químicas (drogas) para alcançar um estado alterado de consciência costumam dizer que estão “viajando”.
A poderosa mente humana é o melhor instrumento para sair das limitações de nossas, o mais das vezes mesquinhas vidas materiais, transpor a mediocridade do mundo que nos cerca e adentrar o universo mágico onde tudo é possível, não há julgamentos e a liberdade é muito mais que apenas uma palavra no dicionário. Podemos ver o universo, num átimo, ser criado do nada; presenciar, há quatro bilhões de anos, a vida surgindo no Planeta; sofrer quando os magníficos dinossauros se extinguiram depois que a Terra foi atingida por um asteróide; acompanhar a evolução de primatas que, após milhões de anos, acabaram dando origem o Homo sapiens; sobrevoar florestas úmidas, desertos inóspitos, terras perdidas, pântanos insalubres, mares revoltos e geleiras implacáveis; mergulhar no oceano profundo cheio de seres esquivos e misteriosos; poderemos trilhar a rota da seda e interagir com comerciantes de grande parte do oriente e da Europa; conviver com civilizações antigas na África, na Europa, na Ásia e na América; assistir a construção de pirâmides no Egito e a destruição de Herculano e Pompéia na Itália; cidades, como Roma e Cartago sendo erigidas na nossa presença; desembarcar nas praias da Austrália junto com detentores da cultura mais antiga do Planeta; ver religiões sendo criadas na Galiléia, no oriente e no ocidente; descobrir as nascentes do Nilo e do Amazonas, visitar continentes e ilhas distantes e conhecer povos e animais estranhos; tomar conhecimento da História e conviver com homens e mulheres importantes, cujas ideias influirão no rumo dos acontecimentos humanos; inteirar-nos das mazelas e dificuldades da vida de pessoas comuns em todo o Planeta; conversar com Platão, Aristóteles, Demócrito, Schopenhauer, Kant e Sartre; privar com Dante e Camões no ato de suas criações monumentais; temer guerras, massacres, pestes e catástrofes que dizimaram milhões; desembarcar com os soldados na Normandia e assistir estarrecidos a morte de milhares de jovens imbuídos de ideais; acompanhar conquistas da ciência e exultar com descobertas da medicina; aprender a refletir, emocionar-nos, fantasiar e cogitar imagens vivas de coisas que nunca vimos e de lugares que nunca estivemos; conceber utopias, sonhar sonhos impossíveis, construir castelos inverossímeis, imaginar mundos irreais; viajar rumo ao futuro voltar ou passado e deleitar-nos com o presente; abrir mente para ideias novas e conceitos originais; viver com intensidade e desfrutar tudo, dilatando, encolhendo ou até congelando o tempo de modo a aproveitar mais os prazeres e relegar ao ostracismo as misérias e sofrimentos.
Nossos neurônios são os bilhetes de entrada para o mais alucinante e formidável dos mundos, ninguém jamais deixou de sonhar e viver vidas paralelas que facilitam a convivência com esse mundo quase sempre hostil e implacável que nos cerca. O único espaço maior que o universo é o interior de nossa caixa craniana. JAIR, Floripa, 14/08/11.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Henrietta Lacks




Henrietta Lacks foi uma americana negra, nascida em Roanoke em 1920, que viveu até 1951, na cidade de Baltimore, Maryland. Ela hoje é a matéria mais disseminada e abundante em todos os laboratórios de pesquisas biológicas, cursos de biologia e medicina e indústrias de medicamentos do Planeta. Sua história pessoal e o resultado de sua morte por câncer estão relatados no livro “A vida imortal de Henrietta Lacks” (2011) escrito por Rebecca Skloot.
O livro conta sua trajetória e sua morte por um câncer altamente agressivo que a vitimou aos 31 anos, e a reprodução de suas células em laboratório que deu nascimento a uma fantástica indústria que gera milhões de dólares em todo o mundo até hoje.
Henrietta, descendente de escravos, vivia no sul dos EUA, região onde a discriminação racial era particularmente cruel. Casou-se muito jovem e aos 30 anos já tinha cinco filhos, quando sentiu fortes dores no abdômen e se viu obrigada a procurar ajuda no hospital Johns Hopkins de Baltimore. Lá constatou-se que ela estava acometida de um tumor cervical altamente agressivo que conduziu a uma metástase que acabou levando-a a morte depois de um cirurgia e de tratamento por rádio sem qualquer efeito. Durante a cirurgia foram-lhe retiradas células de vários órgãos as quais foram enviadas ao biologista e pesquisador George Otto Gey que tentava cultivar células humanas para experimentos sem muito sucesso. Para surpresa do biólogo as células de Henrietta se reproduziam facilmente numa cultura de soro bovino de forma a dobrarem de número num período de 24 horas. Enquanto experimentos anteriores e seguintes com células humanas e dos mais diversos animais tinham uma vida média de cinquenta gerações, as células de Henrietta reproduziam-se continuamente sem perder as características, eram virtualmente imortais.
Acrescente-se que a retirada de seu material biológico foi feito sem consentimento dela ou de sua família, naquele tempo entendia-se que “para o bem da medicina” eram válidos quaisquer procedimentos que hoje seriam considerados antiéticos, imorais ou até mesmo biopirataria. Uma vez constatado a feliz particularidade que representava a reprodução fácil e sem quebra de qualidade das células de Henrietta, as células, a partir da primeira sílaba de seu nome e sobrenome, foram batizadas de HeLa (pronuncia-se rilá), e começaram a ser distribuídas a outros laboratórios de pesquisas de doenças de outras partes dos EUA e para outros países.
Constatado o potencial comercial desse fenômeno, surgiu uma indústria de cultivo e venda de Kits com material pronto para experiências que rende milhões de dólares. As células HeLa são usadas virtualmente em todos os cursos de medicina e da área de ciências biológicas de todo o mundo, sem que os descendente de Henrietta usufruam um cent sequer dos milhões de dólares envolvidos nos negócios. Há que se observar que as células HeLa, embora tecnicamente cancerosas, se comportam como células normais em presença dos vários agentes químicos, físicos e biológicos e meios que são usados nas experiências laboratoriais. As células foram cruciais para desenvolvimento de vacinas, entre as quais as vacinas para poliomielite (Salk e Sabin), pesquisas de milhares de doenças entre elas a AIDS, foram usadas em experiências no espaço e em exposições a radiações nucleares, tendo contribuído desta forma para o avanço na cura e tratamento de doenças acima de qualquer outro material disponível em todo o mundo. Milhares de teses apresentadas todos os anos apresentam resultados conseguidos através de pesquisas efetuadas em células HeLa. Estima-se que foram produzidas tantas células que poderiam lotar um vagão de carga dos grandes, algo em torno de cem toneladas, e o número continua aumentando.
Acostumados com o termo HeLa, e íntimos das infindáveis experiências que procederam nos cursos de ciência biológicas com as células provenientes do corpo de Henrietta Lacks, médicos, laboratoristas, biólogos e outros cientistas, em geral não tem a menor idéia da origem do material e não se dão conta que uma negra pobre e discriminada do sul dos Estados Unidos é a pessoa que, involuntariamente, cedeu sua imortalidade para o bem da humanidade. Não existem estátuas, monumentos ou placas com o nome de Henrietta, as ciências biológicas estão devendo a ela essa homenagem. JAIR, Floripa, 11/08/11.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre ciência



Os cientistas formam uma elite diminuta, uma minoria diferenciada, talvez a média de apenas um cientista para cada vinte mil habitantes do Planeta. As idéias, atos e opiniões de um grupo tão pequeno só têm importância devido ao impacto que causam na sociedade em geral. Obviamente, a resposta da sociedade é indispensável para a ciência, uma vez que esta depende da compreensão daquela para que haja dinheiro para custear suas pesquisas e estudos, além do que, o resultado prático das descobertas e invenções resulta sempre em proveito das pessoas comuns. É claro que a ciência só pode continuar a e existir e atuar nos tempos atuais se for aceita por vastos grupos da população. Acabou o tempo que o cientista era aquele abnegado sacerdote do saber que, às suas próprias expensas, empreendia trabalho heróico e muitas vezes não reconhecido, que levava a descobertas e invenções que acabavam vindos em benefício da mesma sociedade que o ignorava.
Contudo, o ponto crucial dessa relação entre o sábio e as pessoas comuns, reside na confiança, sim, o ser humano médio tem que acreditar e aceitar que o homem de ciência é o único ser dotado das características especiais que o tornam passível de deslindar os mistérios do mundo que nos cerca e de equacionar os problemas de modo a torná-los inteligíveis às pessoas comuns.
Mas, tal aceitação está sendo conquistada gradualmente, ao longo dos séculos em batalhas estéreis e desanimadoras. Contudo, a vitória ainda não está completa nem necessariamente é final, bolsões de opiniões anticientíficas ainda persistem e são influentes em pleno século vinte e um. Por exemplo, a medicina alopática – científica, portanto – é rejeitada por parte do público de países ocidentais que professam a tal de Ciência Cristã, o que quer que isso seja; os fundamentalismos cristãos e muçulmanos contestam a geologia e a evolução, acreditam no criacionismo e descrêem nas evidências geológicas que provam a origem antiga da vida no Planeta; as religiões místicas habitam uma fronteira entre ciência e superstição; a astrologia desfruta de tanto prestígio que é difícil de entender o porquê. Esses bolsões que se espraiam pela população são um desafio constante para a ciência. Não é impossível que algum deles venha emergir num futuro não discernível, com elementos de verdade, por enquanto inacessíveis à ciência, pois, como sabemos, a ciência é dinâmica, evolui sempre e não se furta em admitir novas ideias e proposições e aceitá-las como fatos depois de provadas. De qualquer forma, esses movimentos anticientíficos representam no presente um obstáculo para a aceitação espontânea da boa ciência. Mas, o crescimento desta desde o século dezoito até o momento, e a aceitação cada vez mais ampla de suas descobertas, permanece como seu maior trunfo com relação às “crenças” infundadas.Não é estultice supor que no futuro, mais e mais a ciência irá se impondo e deixando menos espaço para a superstição e o misticismo que se arvoram em explicadores de fenômenos os quais não compreendem ao invés de se aterem apenas ao seu departamento: a fé. JAIR, Floripa, 05/08/11.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mamutes congelados


Mamutes são animais extintos parentes próximos dos elefantes atuais e que pertencem ao gênero Mammuthus, à família Elephantidae, chamados proboscídeos porque têm trombas (probóscides). Tal como os elefantes, estes animais possuíam presas de marfim encurvadas, que podiam atingir até cinco metros de comprimento, mas, compreensivelmente, tinham o corpo coberto de pêlos compridos. Estes animais extinguiram-se há apenas doze mil anos e eram muito comuns no Paleolítico, onde foram uma fonte importante de alimentação do homem da Pré-história. Aliás, alguns paleontólogos atribuem a extinção desses magníficos animais à caça predatória empreendida pelos homens paleolíticos, tese não aceita pela maioria. Descobertas fósseis demonstram que o ser humano caçou mamutes para comida, vestimentas, uso de ossos e couro para fabricação de abrigos, utensílios domésticos e armas.Os mamutes viviam na Europa, norte da Ásia, América do Norte em climas temperados a frios e já foram encontrados vestígios destes animais na América do Sul. Esses paquidermes extinguiram-se provavelmente devido às alterações climáticas do fim da última Idade do Gelo.
As condições climáticas ideais para conservação de organismos animais são as das regiões circumpolares do hemisfério norte, desde a parte mais nórdica da Sibéria até o Alasca, do norte do Canadá até o arquipélago da Groenlândia. No solo permanentemente congelado conhecido como permafrost, em algumas zonas desta vasta extensão encontram-se vestígios de ocupação humana primitiva, bem como restos de animais que o homem caçava, tão bem conservados como se estivessem num frigorífico moderno.
No nordeste da Sibéria já foram encontrados dezenas de mamutes congelados os quais são ilustrações tridimensionais do papel que um clima extremo pode ter no processo de conservação. A maioria das descobertas foi feita nas Ilhas Novas da Sibéria, portanto, próximo ao Círculo Polar Ártico. As circunstâncias em que os animais foram encontrados sugerem que eles caíram em fissuras no gelo através de camadas superficiais de neve devido a seu peso. Em virtude ao esforço para sair dos precipícios fizeram mais neve e gelo caírem sobre eles criando condições para que se congelassem rapidamente. Acrescente-se que foram encontrados nessas mesmas condições alguns rinocerontes lanudos que viviam na região naqueles tempos gelados. Paleontólogos nutriam a esperança de se deparar homens paleolíticos congelados, até que nos Alpes entre a Suíça e Itália foi encontrado, em 1991, um homem perfeitamente conservado de cinco mil anos que acabaram apelidando de “Otzi” por ter sido achado numa região chamada Alpes Otztal. Bem, o assunto do texto não é este.
O mamute mais bem conservado – ou pelo menos aquele que foi mais bem estudado – foi descoberto em Beresovka, no ano de 1900, por um indivíduo da tribo Lamut que lhe cortou uma presa e levou para casa. A história que contou quando resolveu vender o marfim em Sredne-Kolymsk, foi que encontrou um diabo peludo, história que estimulou o interesse das autoridades da Academia Imperial de Ciências que, no ano seguinte, enviou uma expedição dirigida pelo doutor Otto Herz acompanhado pelo zoólogo Pfizenmeyer. O animal foi encontrado numa fenda cheia de lama congelada em pleno verão, numa elevação sobranceira ao rio Beresovka. A pelve e a pata dianteira estavam fraturadas em consequência da queda, queda esta que deve ter sido súbita e inesperada a julgar pela presença de comida meio mastigada entre suas mandíbulas. A posição das patas dianteiras mostrava que, quando morreu, ainda tentava se libertar da prisão de lama e neve e gelo. Parte da tromba estava ausente sugerindo, pelos indícios, que havia sido devorada por lobos, os quais haviam comido também a parte carnuda do topo da cabeça. O resto do corpo estava muito bem conservado.
Não havia meios de transportar o animal intacto como encontrado, então resolveu-se desmembrá-lo. Ao se levantar a pele para o desmembramento, Herz verificou que: “A carne debaixo do ombro, fibrosa e estriada pela gordura, era vermelha escura e parecia tão fresca como carne de gado bem congelada. Tinha um aspecto tão apetitoso que durante algum tempo pensávamos em prová-la. Só que ninguém teve coragem de arriscar metê-la na boca e preferiu carne de cavalo”. Os cães dos trenós devoravam com evidente satisfação as partes que lhes atirávamos, completou ele.
Foi mesmo possível identificar restos da última refeição do animal, pois tinha alguns vestígios ainda na boca e muitos quilos no estômago. Parece que também se alimentava de pinhas e ramos de abeto, pinheiro e musgos, tomilho selvagem e papoula dos Alpes e várias outras ervas. Havia muitas sementes ligadas às plantas ingeridas, o que dá indícios que o animal morreu no outono, possivelmente depois da primeira queda de neve ter tapado a abertura da fenda na qual ele veio a cair.
Depois da descoberta desse paquiderme, cientistas europeus e russos empreenderam várias outras expedições, as quais, após informações de nativos siberianos, encontraram até agora perto de duas dezenas de mamutes congelados, alguns bem conservados, outros nem tanto. Agora com o avanço da genética e clonagem de mamíferos já se pensa em encontrar DNA intacto num desses animais e fazer uma clonagem cuja candidata a mãe de aluguel seria uma aliá, elefoa ou elefanta africana, parenta viva mais próxima do paquiderme extinto. O futuro dirá se isso é apenas um sonho extravagante ou um evento praticável. JAIR, Floripa, 11/08/11.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sir Isaac Newton



Como exemplo de ciência pura nada melhor que a mecânica celeste, o grande modelo de ciência através do tempo. A história começa com Copérnico em 1543 que, no seu leito de morte, desvendou para o mundo a primeira cópia de seu longo trabalho De Revolutionibus. Os movimentos aparentes dos corpos celestes tinham sido observados e mapeados por milhares de anos antes, como padrões de esferas transparentes dentro de esferas transparentes, de ciclos e epiciclos para justificar uma teoria que colocava a Terra no centro do universo. Copérnico havia demonstrado que a maior parte da confusão se devia a posição equivocada da qual os eventos celestes eram observados. Ele colocou o Sol na posição central com os seis planetas, então conhecidos, em torno dele em órbitas circulares. A figura resultante era mais simples e convincente.
O polonês Copérnico foi sucedido pelo alemão Kepler, o qual encampou o sistema de Copérnico, mas quebrou o molde de ciclos e epiciclos que haviam sobrevivido da teoria do polaco. Kepler refutou as antigas harmonias e colocou em seu lugar as leis que levam seu nome. O mais importante que resultou das leis de Kepler: Os planetas, disse ele, se movimentam em órbitas elípticas, tendo o Sol em de seus focos, de tal forma que linha traçada do centro do planeta ao centro do Sol recobre áreas iguais em tempos iguais. Afirmando, dessa maneira, que os planetas se movimentam mais rápidos quando estão próximos do Sol e mais lentos quando distantes. As leis de Kepler prenunciavam as descobertas de Newton. Mas, antes de Newton, ainda temos o passo gigantesco dado por Galileu. Ele fez experiências com corpos em queda livre e descobriu que objetos com pesos diferentes caíam com a mesma velocidade. A trajetória das balas de canhão e a queda dos corpos também foram estudadas por Galileu. Ele demonstrou que a curva descrita pelos projéteis é um arco de parábola e que os corpos caem em movimento uniformemente acelerado. Segundo as biografias romanceadas do cientista, ele teria realizado um experimento que desmoralizou definitivamente a “física” aristotélica. Subindo ao alto da torre de Pisa, deixou cair, no mesmo instante, dois corpos esféricos de volumes e massas diferentes: uma bala de mosquete e outra de canhão. Contra as expectativas dos acadêmicos aristotélicos, que apostavam na vitória da bala de canhão e na derrota do cientista, os corpos chegaram rigorosamente juntos ao chão. Ele foi o primeiro a formular o resultado de suas experiências em termos matemáticos. Galileu e Kepler se correspondiam e trocavam figurinhas, porém jamais conjeturaram que as leis que tinham descoberto eram oriundas do mesmo fenômeno. Ambos já haviam falecido há muitos anos quando Newton descobriu essa relação.
Um século já havia passado da morte de Copérnico quando Newton nasceu, e quase meio século depois ele publicou seu Principia. O livro colocou, pela primeira vez, toda mecânica celeste sob uma lei matemática. Da queda de uma maçã na Terra ele derivou as revoluções da lua e relacionou com todas as leis que Kepler havia estabelecido para os demais corpos celestes. Tal descoberta completou o progresso intelectual começado por Copérnico há 150 anos. Newton reconheceu que devia suas descobertas aos cientistas que o precederam e, para homenageá-los, cunhou a sentença: "Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes".
A visão medieval do Universo era de um lugar com amplitude suficiente para acomodar a Terra com uma cúpula de estrelas servindo como tampa a uma distância conveniente. Essa confortável posição para a Terra agora estava ruindo. A Terra tinha sido arrancada do centro das coisas e relegada a uma posição periférica desimportante. A Terra, reduzida a uma partícula giratória ente milhões de outros corpos, mergulhou numa insignificância depressiva. Ao mesmo tempo, aquilo que circundava o homem ficou subordinado às mesmas leis que regiam o Universo. Não mais havia acaso, leis matemáticas governavam os fenômenos da vida, desde o cosmo até o interior dos átomos. Fácil perceber que o antropocentrismo também havia ruído como um castelo de cartas.
Foi assim que Sir Isaac Newton transformou radicalmente a perspectiva do Homo sapiens, e as pessoas sentiram, com certo exagero é claro, que a ciência havia elucidado os mistérios do Universo. Quando Newton faleceu muitas homenagens foram-lhe prestadas e recebeu a suprema honra de ser sepultado em Westminster com presença e reverência de grandes figuras do império onde o Sol nunca se punha. A Universidade de Cambridge erigiu uma estátua do cientista com a inscrição “Newton qui ingenio humanam gentem superavit” (“Newton aquele que mentalmente ultrapassou a humanidade”).
Bem além das fronteiras da ciência, a descoberta de Newton determinou o método em todos os campos de pensamento. Ainda mais, a rigorosa avaliação científica das leis de Newton progredia velozmente. Durante os cem anos que se seguiram à sua morte, os maiores matemáticos da época se engajaram no aprofundamento de suas leis. D’Alembert, Lagrange, Laplace e Hamilton, cada um por seu lado, revelou a profundidade e a elegância dessas leis.
E não foi tudo, quase ao mesmo tempo, uma outra grande transformação na mecânica teve origem na nova concepção de Einstein sobre tempo e espaço. As leis de Newton sobre gravidade e movimento foram combinadas num arranjo que veio incluir também as leis de forças elétricas descobertas anteriormente por Maxwell. Conclusões com riquezas de detalhes tem sido, deste então, tiradas da nova mecânica que, tudo indica, irá prosseguir moldando nossa visão de Universo cada vez mais. Newton construiu alicerces sólidos sobre os quais os cientistas que vieram a seguir podem construir um edifício consistente e durável.
Concluindo, a civilização como a conhecemos é fruto das descobertas, invenções, adaptações e conhecimentos do passado. Nada do que existe no presente está desvinculado das conquistas do tempo pretérito, nossa realidade está atrelada indissoluvelmente ao que o homem construiu ou desenvolveu na marcha de conquista do Planeta nos primórdios. Sob esse aspecto, Newton construiu nosso presente. JAIR, Floripa, 05/08/11.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A sobrevivência




Uma olhada na evolução sobre lugar que o homem ocupa na história da vida no Planeta mostra-nos que o Homo sapiens assenhora-se de seu espaço na natureza durante uma ínfima fração dos 4 bilhões e meio que se supõe seja a existência da terra. Em muitos sentidos, somos um acidente biológico recente quase improvável, o resultado de um sem número de circunstâncias favoráveis. À medida que os arqueólogos estudam o registro fóssil, camada por camada de espécies há muito tempo extintas, a maioria das quais floresceram por muito mais tempo do que provavelmente florescerá a espécie humana, somos forçados a nos lembrar de nossa mortalidade como espécie. Não há lei, como se deduz desse amplo espectro biológico, que estabeleça ser o bípede falante diferente de qualquer outro animal. Não há lei que declare ser a espécie humana imortal.
Não há dúvida que espécie humana É especial de muitos modos, assim como quaisquer outras espécies o são lá aos modos deles. Na história da Terra, animais acabaram extintos porque, por uma razão qualquer, o mesmo ambiente que lhes facilitou o aparecimento, tornou-se hostil a eles. Talvez, porque o clima tenha sofrido alterações ou porque a competição com outra espécie tenha se tornado desfavorável a uma delas, ou porque houve superpopulação e os meios disponíveis se esgotaram. Os humanos são os primeiros animais capazes de manipular o ambiente global “em seu próprio benefício”. Assim, embora no decorrer da evolução tenhamos escapado das instabilidades do ambiente natural, à medida que nos tornamos até certo ponto independentes dele, paradoxalmente, temos agora em nossas mãos os instrumentos para nossa própria destruição. E não me refiro às armas nucleares - que estas já são execradas pela sua natureza destrutiva - e sim pela manipulação irresponsável dos recursos que a natureza nos faculta. Em consequência, há hoje uma necessidade urgente da conscientização profunda de que somos ainda parte do equilíbrio maior da natureza, que fazemos parte do Planeta e que não somos “donos” dele, não importa quão especiais sejamos (ou pensamos ser) como espécie. A menos que alcancemos tal consciência, estamos caminhando amoque para a destruição do ambiente que nos sustenta.
E aqui vai uma profissão de fé sem a qual o que resta é o niilismo: O Homo sapiens é capaz de adquirir uma profunda consciência de seu lugar no mundo natural; e não há razão para que a humanidade não possa agir em sintonia, harmonia e até humildade com o Planeta no qual nascemos e vivemos. Durante nossa evolução diferenciada dos demais seres, as pressões evolucionárias forjaram um cérebro excepcional, - muitos pontos acima dos cérebros de nossos parentes mais próximos, os outros primatas - capaz de compreender o mundo a sua volta, um cérebro analítico e hábil para lucubrar pensamentos abstratos. O cômputo das conquistas científicas e intelectuais do século vinte dá-nos uma ampla visão do que a mente humana é capaz de realizar. O resultado chega a espantar, o mesmo cérebro que realiza, se assombra com as conquistas. Podemos, se assim o desejarmos, fazer praticamente qualquer coisa: terras áridas se tornarão férteis; doenças hoje consideradas incuráveis poderão ser extintas pela engenharia genética, o estudo das células tronco está aí para comprovar; viagens interplanetárias serão mais que apenas sonhos de ficcionistas; a profundeza dos oceanos será explorada; e poderemos até mesmo entender como funciona a mente humana!
Ninguém, por carente de imaginação que seja, poderá excluir essas “previsões”, elas são viáveis à luz das descobertas e pesquisas atuais. O que se pergunta é se as nações poderão viver em paz e harmonia umas com as outras para que o objetivo maior da humanidade se concretize: a sobrevivência da espécie. A resposta se impõe por não termos opção: SIM. Temos o equipamento intelectual para conseguir isso. Nossa capacidade de análise deverá conduzir-nos a compreender que o futuro só depende de nós. Seria uma suprema ironia, termos chegado ao que somos, a espécie mais bem sucedida do Planeta, para dele partir em conseqüência de nossa arrogância e falta de visão. Façamos jus à nossa inteligência e nos poupemos do vexame de sermos objetos e agentes de nossa própria extinção. JAIR, Floripa, 09/07/11

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Efeito borboleta



Na teoria do caos, o efeito borboleta é a dependência do todo (do universo considerado) das condições iniciais, onde uma pequena mudança em um lugar de um sistema qualquer pode resultar em grandes diferenças num estado posterior desse sistema. Ou seja, metaforicamente, a presença ou ausência de uma borboleta batendo suas asas pode conduzir à criação ou não de um furacão em outro lugar do Planeta.
Embora o efeito borboleta possa parecer um fenômeno incomum e esotérico, é explicado com eventos muito simples: por exemplo, uma bola colocada no topo de uma colina pode rolar em qualquer direção dos vales abaixo dependendo de pequenas diferenças na posição inicial. O termo "borboleta" do efeito em si está relacionado com o trabalho meteorológico de Edward Lorenz , que popularizou o termo.
Esse efeito é muito comum nas histórias de ficção científica, ao apresentar cenários que envolvem viagem no tempo em que acontecimentos de um enredo se afastam do eixo principal por causa de um evento aparentemente menor, daí resultando em dois tipos de resultados alternativos em geral chamados de universo paralelo. Na trilogia “De volta para o futuro” foi genialmente explorado esse efeito quando a posse de um almanaque com os resultados dos jogos foi usado pelo personagem Biff para enriquecer e viver um futuro alternativo.
Tudo bem, a teoria e a ficção se valem com propriedade desse efeito, mas como fica a vida real com relação a esse fenômeno? Nós, pessoas comuns, não costumamos pensar sobre ele, contudo, os resultados do efeito que atua nas coisas físicas como meteorologia e geologia são fáceis de verificar. Por exemplo, há poucas semanas atrás houve anormais fortes ventos em Guarulhos de forma a impedir pousos e decolagens daquele aeroporto. Até para o leigo é fácil concluir que a causa dos ventos deve ter sido alguma anormalidade em algum ponto do Planeta, a qual não percebemos e não conhecemos, mas, com certeza, houve. O efeito borboleta fez com que ventos fortes fossem o resultado de alguma “lambança” natural ou não, acontecida em outro lugar. Por outro lado sabemos que o vulcão chileno Puyehue entrou em erupção recentemente, então, deve existir uma razão para isso não é mesmo? Não importa se for colisão de placas tectônicas, terremotos ou fissura na crosta terrestre, qualquer que seja o motivo, este EXISTE e está causando a erupção do vulcão. Ainda mais, vôos na Nova Zelândia foram cancelados porque o vulcão expeliu cinzas na atmosfera. Exemplo perfeito do efeito, a “borboleta” Puyehue bateu as asas no Chile e impediu voos no outro lado do mundo. Assim, o efeito borboleta no âmbito espacial, embora nem sempre passível de ser detectado, é uma realidade. Mas, e o efeito no sentido temporal existe e pode ser percebido? A resposta é sim.
Vejamos, a civilização como a conhecemos é fruto das descobertas, invenções, adaptações e conhecimentos do passado. Nada do que existe no presente está desvinculado das conquistas do passado, nossa realidade está atrelada indissoluvelmente ao que o homem construiu ou desenvolveu na marcha de conquista do Planeta no passado. Num âmbito mais pessoal por assim dizer, nossa inteligência, nosso organismo e nosso potencial de raciocínio, estão relacionados com a seleção genética de nossos antepassados e nosso comportamento cotidiano é fruto de nossa educação e do ambiente familiar no qual fomos criados. Já pensou por que você não joga lixo na rua? É simples, seus pais sempre diziam que era falta de educação, então esse evento passado condicionou seu comportamento presente. Efeito borboleta temporal puro, não é mesmo? Somos hoje o que nossa formação no passado nos condicionou a ser, até quando “escolhemos” ser assim ou assado estamos refletindo aquilo que formou nossa personalidade, nossas características pessoais. Ninguém nem nada neste Planeta está isento de sofrer efeito borboleta em todos os momentos e em todas as ações de sua vida. JAIR, Floripa, 05/08/11.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Equilíbrio do terror



Sempre houve enorme polêmica em torno do armamentismo nuclear empreendido pelas duas mega potências, EUA e Rússia, desde o início da Guerra Fria nos anos cinquenta e até mesmo agora, decorridas seis décadas e depois da queda dos regimes comunistas. A chamada Guerra Fria baseava-se no que se convencionou chamar de equilíbrio do terror. A premissa aceita pela maioria apregoava que o armamento atômico era tão super dimensionado que, uma vez iniciada uma guerra, não haveria vencedores, e essa certeza de extinção mútua garantiria a inviabilidade de guerra com esse tipo de armamento. Como sabemos, depois da segunda grande guerra houve inúmeros conflitos, em nenhum deles se empregou armas nucleares, o que parece corroborar a asserção de um equilíbrio baseado no pavor.
Contudo, os pacifistas veem a simples existência de quaisquer tipos de armas ligadas a possibilidade de guerras, e a julgar pelo quadro atual de conflitos eles não estão errados. Contrariando os pacifistas, alguns historiadores e antropólogos sociais dizem que o desarmamento não afeta a frequência das guerras, porque os homens lutarão com unhas e dentes se não dispuserem de armamentos.
O escritor americano Samuel Langhorne Clemens, pacifista extremado, conhecido mundialmente como Mark Twain, conta que, como testemunha de um duelo na França, foi convidado a sugerir as armas a serem empregadas. Sua primeira sugestão foi a utilização de machados. A testemunha do oponente achou que eles provocariam derramamento de sangue, que era proibido pelo código francês. Twain então sugeriu, sucessivamente, canhão, fuzil, espingarda e revólver. Todos foram rejeitados. Ele propôs pedras a serem atiradas de 50 metros pelos duelistas. A proposição foi rejeitada pelos riscos que causaria aos transeuntes. Por fim, concordaram com uso de pistolas relativamente pequenas, de pouco alcance e pontaria deficiente, a uma distância relativamente grande. O duelo então teve prosseguimento, com satisfação recíproca por parte dos adversários que sequer causaram danos um no outro. Essa história sugere que a natureza das armas pode afetar não só a ocorrência do conflito como também seu resultado. Se as armas são de tal modo que ambos os contendores julguem que podem se destruir mutuamente, há menos probabilidade de que ocorra a guerra do que se elas forem de natureza a que ambos se julguem capazes de derrotar o adversário e incapazes de serem derrotados. Menos pode causar mais danos, neste caso.
Por essa razão, armas nucleares criaram um tipo de paz em que há terror recíproco, um tipo de paz em que o medo é o componente mais importante para gerar respeito. Os machados e canhões sugeridos por Mark Twain seriam os armamentos nucleares que impediriam o duelo, por mais belicista que essa conclusão possa parecer. Se não houvesse as pistolas pouco eficientes os duelistas teriam abdicado da disputa, não se arriscariam a uma morte certa ou a danos irreversíveis.
Todos os seres vivos têm como objetivo primeiro preservar a própria vida, suicídio e ações extremas que a ameacem são exceções que contradizem a orientação primeira da evolução, porquanto ações contra a própria vida inviabilizariam que autodestruidores deixem descendentes, quando a evolução determina que as espécies devem se perpetuar. Kamikazes e homens-bombas representam mentes obnubiladas por “ismos” niilistas que perderam totalmente a noção da finalidade da vida, não contam nem para fins estatísticos.
Desde que a civilização criou a entidade Estado, este se auto proclamou representante de seus cidadãos na relação com outros Estados, inclusive para a declaração de ações que põem a vida das pessoas em risco: a guerra. Pode parecer contraditório, seres humanos que têm a vida como bem maior, colocá-la em risco em nome de ideologias ou de algum “ismo” meio indefinido criado por outros homens. Acontece que quem declara guerra não são pessoas físicas, é o Estado através de seus políticos, administradores e diplomatas que, regra pétrea, não põem em risco suas vidas em armas, apenas definem quem deve arriscá-la e contra quem.
O soldado ao pegar em armas e entrar no campo de batalha sabe que vai morrer gente, mas, como ser pensante, tem certeza que sobreviverá, a morte é alguma coisa que pode acontecer com os outros. Então não há contradição entre a ferrenha disposição em preservar a própria vida e exercer uma atividade que poderá colocá-la em perigo, o soldado, além de contar com a certeza de que não vai morrer, sabe que se matar o adversário que quer vê-lo morto estará se defendendo.
As nações, apesar de colocarem pessoas para matarem umas às outras, sabem que dependendo do tipo de arma que o inimigo empregue, elas próprias poderão não sobreviver. Então, embora pareça politicamente incorreto afirmar, não há duvida que armas atômicas são um inquestionável fator dissuasor de guerras, a história recente nos compulsa assim concluir, correto? Errado. Houve mais guerras no século vinte do que em qualquer século anterior, não há relação alguma entre a existência de armas nucleares e a ameaça que elas representam, com inibição do elã guerreiro das nações. Se houver decréscimo nas atividades bélicas em algum momento de nossa história futura, seremos obrigados a creditar essa bênção a outra causa que não o equilíbrio do terror. JAIR, Floripa, 30/03/11.