sábado, 27 de junho de 2009

PULGAS E ENXAQUECA


Pulgas, com toda certeza, não sofrem de enxaqueca, porque se assim fosse não teriam tempo para perturbar seres humanos. Imagine um torno desses de bancada esmagando sua cabeça; ossos estalando e seus olhos saltando das órbitas, rosto sendo amassado por forças tão extraordinárias que é impossível, falar, respirar e até pensar. Algo assim como estar sendo executado impiedosamente por garrote vil. Lembra do garrote vil? Pois é, a última vez que foi usado, pelo que se sabe, foi quando o regime franquista, na Espanha, executou os militantes que haviam literalmente detonado o Almirante Carrero Blanco, provável sucessor e Franco. Na Espanha franquista (1939-1975), o garrote vil, instrumento empregado para a pena capital era uma espécie de torniquete que era colocado no pescoço do condenado, sentado numa cadeira de espaldar alto, no qual estava inserido o cinto acionado por um parafuso que, ao tempo que apertava estrangulando, entrava lentamente através da nuca, esmagando os ossos. Tudo manual e lentamente. Os carrascos especializados no garrote vil se gabavam de poder prolongar a agonia da vítima por até 45 minutos. Acredito que o inventor do garrote vil sofria de enxaqueca, ele sabia o que estava fazendo. O instrumento, além de matar o condenado, destinava-se a fazê-lo sofrer uma agonia lenta e insuportável. Dizem que a enxaqueca não mata, mas, quanto ao resto é igual ao garrote vil, só que mais dolorida. A enxaqueca, na realidade, não é apenas um tipo de cefaléia, mas uma síndrome neurológica conhecida desde os primórdios da humanidade, afetando grande parte da população mundial. Caracteriza-se pela presença de dores de cabeça recorrentes, unilaterais ou bilaterais, geralmente de caráter pulsátil, com intensidade de muito fortes, super intensas até insuportáveis, precedidas ou não por sinais neurológicos focais denominados de aura, uma espécie de ilusão ótica que faz o indivíduo, literalmente, ver estrelas. Usualmente é acompanhada de náuseas, vômitos, aversão à comida de qualquer espécie e fotofobia. Ainda não há cura, mas hoje existem tratamentos que diminuem muito ou até acabam com as crises. O que tem a ver pulgas com enxaqueca? Aquilo que escrevi acima, a dor é tão cruciante, tão intensa e brutal que torna o portador inútil para qualquer atividade durante as crises, pulgas com enxaqueca ficariam paradas num lugar escuro sem pensar em encher o saco de pessoas. Falei. JAIR, Canoas, 27/06/09.

sábado, 20 de junho de 2009

TIMIDEZ


Ao escrever sobre timidez corro o risco de ser compreendido somente por alguns, ou seja, por aqueles que sofrem dessa estranha fobia que limita a interação entre pessoas, sem qualquer motivo aparente. Se você morre de medo de falar em público, de declarar seu amor a alguém, de entrar num ambiente iluminado em que não conhece ninguém, torce para não ser notado em lugares abertos, não gosta de ficar nu perto dos outros, procura não atender ao telefone ou transpira ao fazê-lo, você é um tímido. Suspeito que só os tímidos vão me compreender porque os “normais” tendem a confundir timidez com covardia, falta de iniciativa, falta de auto estima, falta de ânimo, receio, e não é nada disso, esse sentimento de desconforto é alguma coisa mais ampla e significativa. Aqueles que nunca foram tímidos são incapazes de compreender quanto essa inibição nos limita e incomoda sem que possamos fazer nada para impedir. A timidez pode ser definida como inibição de comportamento e ansiedade, cujas causas geralmente envolvem a presença de outras pessoas não-familiares. Aos olhos do tímido, o mundo em volta é uma ameaça ou um estímulo negativo à sua integridade psicológica; os outros vão “olhar” para ele, e isso já é o bastante para intimidá-lo. Enfocada como assunto da área de saúde, da psiquiatria, a timidez não é doença. Ela é encarada como ocorrência comum que não traz prejuízos físicos e psicológicos para o indivíduo, contudo, timidez quando exagerada pode se tornar um problema, uma vez que interfere diretamente nas relações humanas, e a não interação social isola o tímido, trazendo evidentes danos de relacionamento. Por outro lado, o isolamento do tímido lhe permite ser mais concentrado, mais introspectivo, mais criativo até, de forma que ao pensar mais e falar menos o tímido tende a errar menos também, porquanto seus ditames são fruto de reflexão mais demorada, mais madura. Tímido raramente fala besteira, não joga conversa fora e, em geral, prefere escrever ao invés de falar, se houver essa opção. Também não se mete na vida de ninguém e não tem sua vida devassada pelos outros. Estatísticas mostram que a timidez atinge uma boa parcela da população e sintomas se manifestam com maior intensidade no início da adolescência. Desabrochada a adolescência, descobrimos o interesse pelo namoro. É quando surgem grandes dificuldades para os tímidos. Surpreendente que tímidos sejam tão numerosos pois têm dificuldade até de acasalar-se o que deveria resultar num baixo índice de procriação. Mas, com o passar dos anos, tornamo-nos adultos e a vida se mostra como ela é, ou melhor, como a construímos. E para construí-la bem, devemos evitar açodamentos e ao mesmo tempo libertar-nos da timidez que tantas travas psicológicas produz. Contudo, não há remédio para timidez, o que podemos fazer é conviver mais ou menos bem com ela. Segundo Bernardo Carducci 75% das pessoas apresentam condutas tímidas diante de estranhos. Isso quer dizer que três entre quatro pessoas têm alguma dificuldade para se relacionar plena e objetivamente na sociedade. Portanto, os tímidos não são exceção no quadro geral, ao contrário, eles compõem a grande maioria da humanidade. Nos manuais de diagnóstico das classificações de doenças mentais não existe a palavra timidez e o que mais se aproxima seria o transtorno de ansiedade social, algo assim como uma síndrome do pânico atenuada, menos intensa. Parece que desacordos internos geram sensação de ameaça, de perigo, chamada ansiedade. A ansiedade se exterioriza de diversas maneiras, dependendo de particularidades dessas forças, há gente que quando ansiosa come demais, outros bloqueiam seus canais de comunicação, portanto, ser tímido é ter dificuldade de se comunicar. Nas situações sociais, o tímido fica tenso. Pode passar para outras pessoas uma imagem de poucos amigos e de difícil acesso. Essa imagem não corresponde à verdade, é apenas a máscara atrás da qual o tímido procura se esconder. Ter muita consciência dos seus próprios atos, ou seja, estar muito antenado no entorno, e esforçar-se constantemente por se exprimir e obter o respeito dos outros é a fórmula que a maioria dos tímidos desenvolve para disfarçar sua falta de traquejo ao se relacionar com o mundo. Normalmente, isto funciona bem e aqueles que não o conhecem são facilmente enganados, a ponto de, por vezes, o julgarem arrogante quando, na verdade, o mecanismo de defesa do tímido é que está funcionando. O inibido social cria uma série de "truques" que geram a ilusão de estar seguro de si e de ter desenvoltura. Esconde a sua timidez. Posso falar de cadeira sobre o assunto, pois me enquadro na categoria de tímido. Quando me referi aos “normais” e suas concepções errôneas sobre a timidez a aos tímidos, tentei esclarecer que os desacanhados não têm culpa, mas jamais encontrarão uma boa descrição das nossas inibições, pois só quem sente o desassossego de não encontrar onde por as mãos na presença de desconhecidos, é que pode descrever essa estranha sensação. Pesquisas indicam que, geralmente, os tímidos escolhem profissões técnicas que exigem menor interação social, entretanto, isso não exclui a possibilidade de tímidos sobressaírem-se em áreas que não são exatamente técnicas como as artes e a vida pública. Tímidos famosos como Woody Allen e Chico Buarque comprovam que timidez não é empecilho para uma vida criativa e exposta. Woody Allen, o corpo mirrado, os óculos de aro grosso e lentes fundas não foram obstáculos para que Allen se tornasse um dos maiores cineastas, além de ator de seus filmes. Sua timidez foi definitivamente exacerbada quando separou-se de sua esposa para se casar com a filha adotiva do casal. Chico Buarque, o falar baixo e a postura recatada não impediram Chico de se tornar um dos maiores e mais completos artistas brasileiros. Cantor, compositor, dramaturgo e escritor - o homem é objeto de desejo de milhares de brasileiras. Sorte daquela que foi flagrada com o cantor ano passado na praia do Leblon. No século passado, na Inglaterra, tentou-se formar um clube para tímidos, o que não funcionou, os acanhados sentiam-se constrangidos de interagir, mesmo sendo só entre eles. Finalmente, para todos nós, homens e mulheres tímidos, o que sempre deve prevalecer em nossa mente como roteiro de vida é a dignidade. Respeitemos e nos façamos respeitar. Eis o segredo de uma vida integrada ao mundo que nos cerca, mundo multifacetado onde cabem pessoas acanhadas e todas as demais. JAIR, Canoas, 20/06/09.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

COR NÃO É RAÇA



Biologicamente as raças são chamadas de subespécies e definidas como grupos de seres vivos que são fisiológica e geneticamente distintos de outros grupos. São da mesma raça os indivíduos que podem cruzar entre si e produzir descendentes férteis. Este é o conceito natural aceito por toda a comunidade científica, e é o que melhor define o que quer que seja a tal de raça. Se você tem um terreiro cheio de galinhas caipiras de cores diferentes, brancas, carijós, vermelhas, pintalgadas etc, você não tem um monte de galinhas de raças diferentes, são apenas variações de mesma raça. Mais até, se você tem muitas galinhas definidas como de raças diferentes, legornes, andaluzas, jérseis e outras, ainda assim você está diante de uma classificação não científica, porque essa definição obedece apenas critérios comerciais, geográficos, técnicos e de interesses outros que não os estritamente aceitáveis dentro do conceito raça. Assim, cachorros poodles, dálmatas, filas, buldogues são todos variedades de uma raça de cachorro que, de acordo com pesquisas, é o lobo asiático, este sim uma raça de canídeo diferente do coiote, da raposa e do dingo australiano. Raças de cães definidas como tal pelos criadores e cinófilos são criações artificiais que obedecem as vontades humanas, sem quaisquer respaldos da natureza, aliás, se deixarmos as diversas variedades de cachorros à vontade para procriarem, elas irão cruzar-se livremente de tal forma que o produto final será nada mais que a perfeição: O VIRA-LATAS, cachorro sem nenhum dos melhoramentos tão cultuados pelo homem, mas, decididamente, o animal com o melhor perfil genético dos canídeos. Querer definir o homem como espécie e dividi-lo em raças de acordo com a cor da pele ou tipo físico é coisa mais estúpida que se pode fazer. Raças humanas não existem. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de dez genes dentre os milhões que compõem o genoma humano. Não é legítimo associar a cor da pele a ancestralidades e afirmar que são de raça negra os descendentes de escravos, ou chamá-los de afrodescendentes, quando todos nós brasileiros somos uma amálgama de índios, europeus e negros e o conceito de raça humana não tem qualquer embasamento científico. Mesmo porque, toda humanidade descende de uns poucos ancestrais africanos que, quase certamente, tinham a pele escura. Somos um terreiro de galinhas de variadas cores e tamanhos e nossas habilidades e talentos, ou falta de habilidades e talentos não estão associadas às nossas cores ou características físicas. A Alemanha de Hitler e a África do Sul já provaram que essa estultice é moralmente indefensável, socialmente desintegradora, politicamente incorreta e humanamente injusta. Parece que nossos líderes políticos não fizeram o dever de casa de história, ou ficaram dependentes na matéria, estão caminhando de ré no curso que humanidade tomou rumo à integração de todos os povos. Enquanto nações de todo o mundo procuram aplainar os degraus políticos que segregam homens pelo fato de terem na pele mais melanina que outros; ou que seus costumes e tradições não sejam iguais aos da maioria, como o fez a África do Sul ao eliminar a política do apartheid; ou como a Alemanha se comportou após a guerra, ao proibir que continuasse existindo a cultura da “raça superior” que os nazistas pregavam e que resultou na eliminação de milhões de pessoas consideradas inferiores, o Brasil, corajosamente, encheu os pulmões de ar, ergueu a cabeça, aprumou-se e... deu um gigantesco passo para trás: criou as cotas raciais para ingresso nas universidades e serviços públicos. Ora, minha gente, quais raças existem no Brasil? Algumas são menos aptas que outras por isso devem ser tuteladas pelo Estado? Em caso afirmativo, quem decide quais as raças menos dotadas e as mais capazes? As burras cotas raciais mantém os privilégios a uma minoria de estudantes de classes média e alta, os quais estudaram em escolas privadas, e conserva intacta, atrás do falso manto da inclusão, uma estrutura de ensino público arruinada responsável pelo baixo nível da educação desde a alfabetização até o nível intermediário. É preciso elevar o padrão geral do ensino, mas, sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas arruinadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural. A história ensina que leis raciais, como essa da inclusão, criam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta das pessoas. Essa linha divisória ultrapassaria salas de aula das escolas públicas, se introduziria nos ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, e alcançaria ruas e casas dos bairros pobres. Neste início de terceiro milênio, um Estado racializado estaria dizendo aos cidadãos que a utopia da igualdade fracassou; estaria afirmando, contra todos os princípios biológicos, que o homem é dividido entre melhores e piores e que essa diferença é o oriunda das raças distintas das quais descende. O sistema de cotas surgiu nos Estados Unidos, mas pouco durou, pois foi proibido pela Suprema Corte por estar aumentando a discriminação racial e a desigualdade entre as pessoas. No Brasil tenta-se criar o conceito de raça, como fez a Alemanha de Hitler ao criar o judeu racial, e, além disso, fecha-se os olhos para as estruturas podres que não conseguem proporcionar ensino que permita inclusão no mercado de trabalho e justiça social a todos. A adoção de cotas estimula uma discriminação reversa, em que um grupo de pessoas, no caso, os estudantes que tentam ingressar nas universidades públicas, sofre o ônus. Vivemos em uma sociedade onde, felizmente, o preconceito não é escancarado. As pessoas que são racistas, não são bem vistas, por isso, têm vergonha de dizer que o são. Conseguimos sair da escravidão sem ter uma sociedade cultuando ódio racial. Por favor, senhores, implementar raça como fator de segregação pode acabar com esse equilíbrio, pode criar uma odiosa sociedade de mais aptos e menos aptos baseados numa bobagem, ao invés de premiar o mérito de cada um independente da cor da pele. Cor não é raça, e nem critério de distinção entre pessoas. JAIR, Canoas, 18/06/09.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

DINOSSAUROS



Os dinossauros eram répteis que habitavam ambientes terrestres e aquáticos e que prevaleceram na Terra de forma hegemônica entre os períodos mesozóico, jurássico e início do cretáceo. Há sessenta e cinco milhões anos desapareciam aqueles que foram os animais mais formidáveis a pisarem no planeta Terra. Depois de dominarem sem contestação todos os continentes e recantos da terra firme, lagos, rios e ares por mais de cento e cinquenta milhões anos, desapareceram para sempre. A teoria mais aceita, e que tem provas abundantes favorecendo sua concordância por parte da comunidade científica, é que um corpo celeste – que pode ter sido um meteorito ou um cometa – de proporções médias, atingiu a Terra nas proximidades de onde hoje se situa o golfo do México, causando uma devastação tal que exterminou oitenta por cento da vida do planeta, inclusive os dinossauros. Ao contrário do que se imagina, os dinos não eram exatamente apenas répteis enormes ou estupidamente grandes, muitos eram do tamanho de um cão pequeno, outros tão grandes quanto um cavalo e alguns como o gigantossauro, por exemplo, eram alguma coisa inimaginável assim como um edifico de quatro andares de altura, compridos como dois vagões de trem alinhados e chegavam a pesar cem toneladas. Há, ainda, indícios que eram animais inteligentes, gregários e que cuidavam da prole. Com o impacto do corpo celeste criou-se uma nuvem de poeira que alterou radicalmente as condições climáticas do planeta, os animais que não foram atingidos diretamente pelo choque e explosão subseqüente, morreram lentamente de inanição porque a vegetação foi desaparecendo por falta de luz solar. Os herbívoros morrendo primeiro proporcionaram uma sobrevida aos carnívoros, que faleceram em seguida. Acontece que, por terem vivido muitos milhões de anos e terem habitado todo o planeta, tiveram tempo e espaço para deixar marcas de sua passagem, muitas e indeléveis marcas. Em todo mundo existem fósseis deles e de seus ovos e muitas pegadas impressas no que teria sido lama, que com o tempo solidificou e tornou-se rocha, perpetuando seus rastros para gáudio da ciência dos nossos dias. No Brasil, onde muitas espécies desses lagartos viveram por milhões de anos, existem pegadas atestando essa passagem. Os fósseis são encontrados nos mais diversos lugares, sendo que, em abundância, na cidade de Sousa, Paraíba. Nesse local, foram encontrados os primeiros registros fósseis do Brasil, em 1897: tratava-se de pegadas fossilizadas descobertas na localidade de Passagem das Pedras, pelo agricultor Anísio Fausto da Silva, que acreditava tratar-se de rastros de boi e ema. O Vale dos Dinossauros, como passou a ser chamado, abriga pegadas que estão no leito do Rio do Peixe há mais de 130 milhões de anos e que chegam a medir meio metro cada uma, formando uma fileira de 60 pegadas. Ao longo dos anos, foram encontradas diversas pegadas de espécies diferentes, podendo ser observadas as marcas deixadas por iguanodontes, carnossauros e pterossauros (répteis voadores também extintos, parentes dos dinossauros), fazendo crer que ali existia uma espécie de "Jurassic Park" tupiniquim. Este fato faz com que o Nordeste brasileiro seja reconhecido pela paleontologia do continente americano, contribuindo como um grande centro de estudos. O Vale dos Dinossauros compreende uma área de mais 700 km², são aproximadamente 30 localidades, as mais importantes em, em que se registra pegadas fossilizadas de mais de 80 espécies em cerca de 20 níveis estratigráficos. São pegadas fossilizadas que variam de 5 cm como as de um dinossauro não maior de que um galináceo, até 40 cm de comprimento a exemplo das pegadas de iguanodonte de 4 toneladas, 5 metros de envergadura e 3 metros de altura. A maior parte das trilhas é pertencente a dinossauros carnívoros. As primeiras pegadas encontradas estão na chamada Passagem das Pedras e são de iguanodonte, há vestígios também do temido tiranossauro rex e de um pterodáctilo. O Vale possui uma riqueza de materiais relacionados com a paleontologia, como as próprias pegadas, chuva fossilizada, registros únicos sobre os estudos do próprio local, que nos proporciona uma experiência única, onde nos deparamos com um ambiente úmido, vegetação constantemente verde, extremamente diverso do resto da região. As marcas dos animais fazem parte do dia-a-dia de Sousa, a quarta maior cidade da Paraíba, com 79 mil habitantes. Lugares como Praça dos Dinossauros, boate Rocksauro e dinos desenhados nas fachadas das lojas são coisas comuns pelas ruas. Ainda que acolhedora, a cidade de Sousa não conta com uma infra-estrutura local preparada para o turismo, você não encontra passeios formados, transporte especial ou agências de viagens e passeios. Os guias locais só existem dentro do Parque. Para quem gosta de aventura e de explorar a região de terras desconhecidas, o melhor é procurar um pacote que inclua o vale no roteiro. A prefeitura, no entanto, ainda não melhorou a estrada que leva ao vale e só agora vai cercar as pegadas, e desviar o Rio do Peixe, que na época das chuvas inunda as pegadas. O Parque dos Dinossauros foi criado no município de Souza e é de propriedade da prefeitura. Ocupa uma área de 40ha e conta com um pequeno museu onde se vêem réplicas de pegadas, mapas e maquetes que mostram a formação do solo. É lá que encontra o leito do rio dos Peixes, onde podem ser vistas as trilhas deixadas por tiranossauros, carnossauros e iguanodontes. A preservação de acervo único como este é de suma importância para o desenvolvimento da paleontologia brasileira. A falta de estrutura e meios de pesquisa e estudos dificultam a difusão do conhecimento que é essencial para a inclusão do Brasil entre os países que valorizam o conhecimento da história natural. Esperemos que as próximas administrações da cidade de Souza se preocupem mais em preservar e divulgar este que é o mais importante portal natural brasileiro que permite adentrar o fascinante mundo pré-histórico. JAIR, Canoas, 17/06/09.

domingo, 14 de junho de 2009

O TATU



O tatu é um mamífero desdentado pequeno encouraçado, isto é, tem uma espécie de armadura que o protege contra os predadores, (em espanhol, o nome do bicho é "armadillo" que quer dizer exatamente, Encouraçado). Esta "armadura" é composta por placas ósseas muito fortes que envolvem todo o seu corpo, da cabeça até à ponta da cauda na maioria das espécies, porque em algumas o rabo é desprovido delas, é coberto de couro e tem pelos, essas espécies são chamadas Tatus-de-rabo-mole que, aliás, são tidos erroneamente como violadores de cemitérios, onde se alimentariam de cadáveres. Melhor para eles, pois assim não são abatidos para servir de refeição a ninguém. Em geral corpo do animal é castanho e pode ter variações entre o castanho claro e o amarelo acinzentado. A gravidez da mãe tatu demora mais ou menos dois meses. As crias nascem entre dois a quatro por ninhada, sendo todos gêmeos univitelinos, ou seja, todos machos ou todos fêmeas, não existem ninhadas mistas. Os filhotes do tatu nascem sem pêlos, sem dentes, sem ouvir, sem ver e com a boca tapada por uma membrana que só tem uma pequena abertura que lhes permite mamar, são completamente dependentes da mãe, depois, conforme vão crescendo, tudo muda, eles passam a ser ativos e autônomos, não mais precisam de cuidados maternos. Para fazer a sua toca, o tatu cava túneis muito profundos na terra mole da floresta ou do campo unde vive. É na toca que passa a maior parte do dia e ela é tão grande que podem morar lá vários tatus. Essas tocas têm várias entradas o que permite ao tatu evadir-se ou despistar os predadores. Mas, se o tatu passa o dia dentro da sua toca, como é que come? Bom, como é um animal noctívago (que dorme de dia e sai à noite) o tatu vai à procura de alimento depois de escurecer. Os tatus são bons caçadores porque são muito rápidos em terra firme e nadam bem. Comem insetos (principalmente formigas, cupins e suas larvas) e outros invertebrados, minhocas e alguns vegetais, como raízes, frutos, etc. Este animal vive apenas na América, sendo que, por alguma razão desconhecida, está migrando das áreas quente onde sempre viveu para os Estados Unidos. Desde 1880 foram detectados alguns indivíduos entrando no Texas vindos do México e, de lá para cá, já foram vistos até em estados bem mais frios ao norte. O bicho existe há milhares de anos. Fósseis encontrados em sítios arqueológicos nas Américas atestam três coisas: O animal vivia em uma vasta área, muito maior que esta que seus descendentes hoje vivem; seu antepassado pré-histórico era gigantesco, chegava a ter o tamanho de um fusquinha; e o homem paleolítico se alimentava desse antepassado grandão. Até hoje os maiores inimigos dos tatus são os homens, que gostam muito da sua carne para comer, mas também as onças e as aves de rapina. Contudo, estes predadores nem sempre têm sorte, porque quando o tatu se sente ameaçado corre para uma de suas tocas e, o tatu-bola em particular, enrola-se todo e nenhum inimigo, a não ser o homem, consegue capturá-lo. Os tatus, tal como as preguiças e os tamanduás fazem parte de uma ordem de animais chamada "sem dentes", contudo, o engraçado é tatus e preguiças não são "banguelas", algumas espécies têm até noventa dentes. Talvez, têm este nome porque seus dentes, apesar de até serem muitos, não têm raiz, são assim como os nossos dentes de leite. Existem várias espécies de tatus, alguns grandes como o Tatu-canastra que é também chamado de Tatu-açu, Tatu-carreta e, tanto sua designação sistemática (giganteus) como seu nome indígena (açu) ressaltam bem o fato de ser o maior dos tatus vivos, pode medir um metro de comprimento do focinho até a ponta da cauda, e chega a pesar sessenta quilos. Seu corpo, quase totalmente desprovido de pêlos, apresenta alguns fios duros, esparsos, que aparecem entre as placas do seu revestimento. É o maior e mais raro dos tatus vivos e é um bicho que só briga quando inevitável. Por causa de sua carne saborosa e armadura resistente, hoje é raríssimo nas diversas regiões brasileiras onde ocorria. Vive na Floresta Amazônica e trechos de Mato Grosso, longe de zonas povoadas. Este animal vive muito mal em cativeiro, por isso é difícil encontrá-lo em zoológicos. Ele faz parte dos 207 espécies de animais que estão ameaçados de extinção, apesar de serem protegidos por lei. Outra espécie curiosa desse animal é o Tatu-bola, que é o menor tatu brasileiro, o único tatu endêmico, isto é, que existe apenas no nosso país e o mais ameaçado, porque, como não cava bem como os outros tatus, é mais fácil de ser caçado na região de seca, onde há pouca comida. Para se defender, esse tatu se enrola completamente, formando uma bola, daí o nome popular, e o rabo e a cabeça se adaptam como num quebra-cabeça, protegendo o corpo do tatu, o que não o defende do homem, porém, porque fica fácil pegar a bola que é o tatu e enfiar num saco. Por ser ainda muito caçado, o tatu-bola desapareceu em Sergipe e no Ceará, mas ainda existe na Bahia, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte, nas regiões ainda despovoadas. Apesar de protegido por lei, esse animalzinho é caçado até dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara e da Estação Ecológica do Raso da Catarina, áreas de conservação, onde no passado o tatu-bola existia em quantidade. Nas Américas há 21 espécies desse desdentado noturno, diferentes no tamanho e nos habitats. O Tatu-de-nove-faixas, também conhecido como tatu galinha, é muito difundido desde a América do Sul até a região central dos Estados Unidos para onde migrou, conforme dissemos acima. Para salvar o tatu, os cientistas estão propondo estudos para criação em cativeiro e principalmente programas de educação ambiental para a população da área onde ainda sobrevivem esses animais. O problema é que esses bichos vivem, justamente, em regiões onde caboclos com fome, ou por hábito mesmo, não deixam de caçar os tatus para comê-los, se tiverem oportunidade. Outra coisa é que os tatus são animais que não se adaptam a quaisquer mudanças de ambiente, se o local em que vivem se deteriora por ação do homem eles desaparecem. Finalmente, gostaria de viver num mundo em que meus netos pudessem conhecer essa criatura ambientalmente sensível, tímida e tão interessante. Acredito que sua perpetuação forneceria a prova que vivemos num planeta viável. JAIR, Canoas, 14/06/09.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

INSANIDADE


Recentemente me candidatei a emprego para o qual estava qualificado. Nenhuma surpresa quando meu currículo foi aprovado e fui chamado a apresentar os documentos e comprovantes necessários à admissão. O que chamou atenção foi o pedido de atestado de sanidade mental que deveria apresentar. Pois é, para um emprego simples, normal, apenas bem qualificado há necessidade de provarmos que não somos loucos de pedra, ou que não portamos algum tipo de desvio comportamental que comprometa nosso desempenho ou as relações pessoais dentro da empresa. Agora me pergunto, e aos governantes de países é exigido que provem serem homens mentalmente SÃOS? Que garantias temos que, homens que podem manipular mecanismos políticos, administrativos ou físicos os quais ameaçam de morte milhões de pessoas, são mentalmente responsáveis? Para reflexão, abaixo relaciono quatro notícias sobre testes nucleares realizados por quatro países governados por HOMENS. Homens que não foram submetidos a testes de lucidez por ninguém antes de tornarem-se dirigentes de suas nações:

ESTADOS UNIDOS:
A mais de 50 anos um teste atômico chamado Castle Bravo, com uma bomba de hidrogênio de 15 megatons, (quase 1000 vezes maior do que a de Hiroshima) devastou o Atol das Ilhas Bikini, vaporizando 3 ilhas. A temperatura da água subiu a 55 mil graus e no local ficou uma cratera de 2 Km de diâmetro e 75 metros de profundidade, o topo da nuvem da explosão atingiu 40 Km de altura em apenas 6 minutos. Antes do teste (obviamente) todos os habitantes do local, que já haviam sido realocados na ilha Rangerik, foram deslocados para as Ilhas Kili, nas proximidades. No início dos anos 70 o governo dos EUA os levou de volta para o local original (Bikini), mas teve que removê-los novamente porque a radioatividade ainda era alta. O Atol é parte das Ilhas Marshall, um local remoto no meio do Oceano Pacífico, com paisagens paradisíacas e destino turístico famoso, hoje a área de Bikini raramente recebe visitantes e deve permanecer assim por um bom tempo. Todo o ecossistema parece estar se recuperando muito bem, o que mostra a resistência e capacidade de recuperação da natureza se for deixada em paz. Os mergulhadores atribuem à pouca movimentação humana na área esta recuperação tão forte. Por outro lado, em terra firme, os cientistas dizem não ser possível consumir as frutas nativas que continuam altamente contaminadas pela radiação.

FRANÇA:
Finalmente a França se propõe indenizar aqueles que ficaram doentes ou sofreram danos em consequência de testes nucleares realizados pelo país. O governo francês reconhece desta forma pela primeira vez, também em sentido material, que os testes atômicos feitos nas últimas décadas causaram vítimas. Em ilhas como Mururoa e Fangataufa foram realizados, ao longo de 30 anos, cerca de 200 testes, principalmente subterrâneos. No total, 150 mil militares e cidadãos franceses trabalharam nos experimentos com explosão atômica. "Em teoria, eles também têm direito a indenização, tanto quanto as populações locais", diz o ministro da Defesa da França. "Os danos serão integralmente indenizados." No primeiro ano, um total de 10 milhões de euros será disponibilizado para as indenizações. De acordo com as o Ministério da Defesa, algumas centenas de pessoas já podem pedir indenização. Organizações que defendem o interesse das vítimas falam de números muito maiores. Outra conquista é que as vítimas não precisam provar nada: é responsabilidade do governo francês evidenciar que suas doenças não são relacionadas aos testes atômicos. Trata-se, principalmente, de diversos tipos de câncer. De acordo com o ministro Hervé Morin, o governo francês acreditou por muito tempo que "todos os testes nucleares tinham ocorrido de acordo com as regras de segurança". Governos subsequentes também consideravam, segundo o ministro, que a indenização de vítimas poderia ameaçar a política de armas nucleares francesa. Mas Morin acha que agora, 13 anos após o último teste nuclear, "é hora da França se olhar de novo nos olhos". Vários ex-funcionários descreveram como era negligente na época a maneira de lidar com os testes nucleares. "Nós nadávamos duas ou três vezes por dia no local onde eram feitas as explosões subterrâneas", conta Florence Bourel, que trabalhou em Mururoa em 1982 e 83. Em 2002 ela contraiu câncer. Ela culpa o governo francês de ter cometido erros, mas na época não conseguiu nada com sua petição. Agora, seu câncer já foi superado, mas Florence Bourel espera que a nova posição do governo possa restituí-la, pelo menos, em sentido financeiro.

ÍNDIA:
A Índia realizou três testes atômicos subterrâneos no deserto de Rajasthan no dia 11 de maio de 1998. Os testes causaram revolta internacional, e a Índia passou a integrar o grupo das potências nucleares do mundo. Um balão do Greenpeace sobrevoou o Taj Mahal para protestar contra os testes nucleares.

CORÉIA DO NORTE:
Apenas um dia após a comunidade internacional ter condenado com rigor as explosões nucleares subterrâneas na Coreia do Norte, o país disparou dois mísseis de curto alcance (130 quilômetros) na costa leste do Mar Amarelo. Pouco antes, o Conselho de Segurança Organização das Nações Unidas divulgara uma resolução condenando unanimemente os testes. Recentemente, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mohammed el Baradei, enquadrara a Coreia do Norte na categoria das potências nucleares. Entretanto, especialistas calculam que o país ainda precisará de até oito anos para poder construir uma ogiva para os mísseis que está produzindo. Acredita-se que as ogivas de teste da Coreia do Norte ainda devem ter o tamanho aproximado da bomba de Hiroshima e não estão aptas a serem acopladas aos mísseis testados. Há consenso que, nos últimos anos, o país produziu plutônio suficiente para construir oito armas atômicas. Contudo, devido a seu tamanho, elas só poderiam ser transportadas por aviões de combate, os quais dificilmente passariam despercebidos pela defesa aérea dos países vizinhos. Mesmo assim, as bombas representam um perigo potencial, por exemplo, para a capital sul-coreana, com 20 milhões de habitantes. Só aproximadamente uma hora antes da explosão, a Coreia do Norte comunicou aos governos em Washington e Pequim que planejava um teste nuclear. O ainda traumatizado Japão, ali nas barbas da Coréia, não recebeu qualquer aviso. JAIR, Canoas, 12/06/09.

terça-feira, 9 de junho de 2009

CASA DE MADEIRA



Nasci e fui criado numa casa de madeira sem atrativos, pequena, paredes de tábuas verticais, janelas e portas de madeira maciça pintadas de vermelho, assoalho de tábuas corridas quase brutas, caiada por fora e por dentro, cobertura em duas águas de telhas francesas. A casinha de três quartos, sala e copa/cozinha, tinha uma pequena varanda nos fundos era muito aconchegante, não quente em excesso no verão, nem fria demais no inverno, e constituía o abrigo no qual, normalmente, uma família bem pobre podia morar naquele tempo e lugar. Casas como aquela eram comuns no sul do Paraná onde a abundância de madeira permitia construções bastante duradouras de qualidade razoável a baixo custo. Ainda hoje na região é normal encontrarmos grande quantidade de casas de madeira, modestas nas bem conservadas, que foram construídas há décadas por pessoas de baixo poder aquisitivo. Essas casas ainda são uma opção barata de moradia para pobres e também possibilidade de sofisticação para quem quiser gastar bastante numa casa de paredes duplas, avarandada, grande e confortável, como quase a totalidade das casas de moradia na cidade de Brisbane na Austrália. Nos primórdios o homem vivia em cavernas e reentrâncias de rochas. Era ali que se abrigava das intempéries, se defendia de animais selvagens, dormia e praticava os atos comuns da vida familiar. Há indícios que, assim que saiu dos buracos, a madeira foi a primeira matéria prima a ser utilizada pelo homo sapiens para construção de abrigos mais ou menos permanentes. Em qualquer lugar que fosse possível encontrar com facilidade materiais vegetais aptos para a construção, eles eram aproveitados para serem utilizados sobre qualquer tipo de estrutura de madeira. Deste modo, as escassas exigências de um abrigo para algumas tribos paleolíticas, ficavam satisfeitas com uma simples armação de ramos ou pequenos troncos, que se cobriam com folhas, capim, peles de animais ou cascas de árvores. Troncos e galhos que serviam de apoio e suporte para coberturas simples, foram os precursores das estruturas de madeira atuais cuja evolução técnica foi gradualmente e ao longo dos séculos servindo as exigências do homem de acordo com o clima e outros fatores que influenciavam na construção dos abrigos. Os diversos modos com que se realizavam os encaixes das distintas partes da estrutura de uma casa foram determinados pela qualidade das ferramentas, mais ou menos sofisticadas, que os diversos povos desenvolveram ao longo do tempo. Assim como, a complexidade das construções e a durabilidade dos materiais empregados estavam de acordo com a intenção de maior ou menor permanência no local, em geral determinada pela disponibilidade de alimentos e a inclemência do clima da região. Como atestam as habitações de tribos seminômades ainda remanescentes, em muitos locais a união das peças de madeira era realizada apenas com o auxílio de cordas tecidas com as fibras de folhas e cipós. Estas uniões eram muito resistentes e graças a sua grande flexibilidade, resistiam a ventos fortes e mesmo a vendavais violentos. Na cobertura destas habitações, eram utilizados materiais de origem vegetal, que aos poucos foram substituídos por outros, (tecidos fortes e esteiras feitas com fibras de palmeiras) que mais tarde serviram de suporte a camadas de barro e argila, que, posteriormente, deram origem as telhas, mais transportáveis e de fácil reposição. A grande variedade de casas construídas a base de peças de madeira unidas entre si com fibras vegetais, fala por si mesmo da solidez da sua construção e da sua segurança estrutural, constituindo e talvez desde sempre o método mais eficaz e mais econômico de utilização de materiais naturais que se encontram em toda a parte do mundo. Algumas dessas estruturas como as das casas da Ásia central alcançaram um nível tão grande de desenvolvimento que dificilmente a tecnologia moderna terá algo a acrescentar. Estas construções chegaram até hoje, como testemunho da sua extraordinária tecnologia. Mesmo quando a intenção do homem sedentário, ou a abundância de material lhe impunham construção de algo mais sólido e duradouro como casas de pedra, alvenaria ou de barro, a casa de madeira ainda era uma alternativa a que muitos povos recorriam em função de sua praticidade e rapidez de construção. Assim, ao longo dos séculos, casas construídas com os mais variados materiais conviveram mais ou menos harmoniosamente, apresentando arquiteturas próprias, antagônicas, complementares e até misturadas mas, quase sempre, o que definia se a casa seria de madeira ou de alvenaria, por exemplo, era o poder aquisitivo do proprietário. Madeira para os pobres, materiais mais nobres para os aquinhoados. Há dois problemas para quem mora em casas de madeira: o estigma e as dificuldades de manutenção. As pessoas normalmente vêem a casa de madeira como demérito e sinal de pobreza. Há um preconceito que envolve o assunto. A outra questão é a dificuldade de manutenção das casas, se a manutenção é cara ou difícil as casas deterioram-se sem que os a ocupantes façam algo para mantê-las bem, atraentes e funcionais. No mundo ocidental em que vivemos, onde nos é permitido verificar os desníveis sociais naturais da sociedade capitalista, no qual existe uma maioria de despossuídos, e uns poucos ricos e poderosos, as casas de madeira como aquela na qual nasci, tornaram-se símbolo do operariado que vive de salário mínimo. Não por saudosismo gratuito ou nostalgia indefinida ainda guardo boas lembranças da casinha humilde que passei minha infância. A madeira parece ter vida. Nos veios e nos nós, você lê a história e nobreza dela. Os mais sensíveis, até sentem as vibrações do ambiente onde ela esteve no passado, sentem a alma da árvore que lhe deu origem. Não chego a tanto, mas sinto que minha infância não teria sido a mesma sem aquela casinha simples, teria sido menos alegre e despreocupada por certo, e, talvez, menos interessante. O fato de a moradia ser singela, desprovida de ornatos, "clean" como se diria hoje, influi nos espíritos das pessoas de modo a tornar suas vidas menos complicadas, casa de madeira é um importante componente minimalista, só quem viveu numa delas é que sabe do que estou falando, abraços. JAIR, Canoas, 09/06/09.

domingo, 7 de junho de 2009

A MINHOCA


Um dos mais importantes e incompreendidos animais da natureza é a minhoca. As coitadas, o mais das vezes, são lembradas só pelo potencial que representam na hora de pescar uns lambaris. Contudo, elas são particularmente sensíveis ao frio, ao excesso de umidade e a ambientes muito ácidos ou muito alcalinos, não são animais resistentes, mas são extremamente úteis. Portanto, pode guardar a vara de pescar, porque esse bicho é muito mais do que um simples ajudante na captura de peixes. A minhoca é um anelídeo, isto é, seu corpo é formado por segmentos em forma de anéis, que variam de número entre sete para as minhocas menores de quatro centímetros, e quinhentos para as minhocoçus que podem chegar a dois metros de comprimento. Mas, a maior minhoca encontrada até o presente é a gigante australiana que chega a três metros e meio, e está em processo de extinção. A minhoca não possui sistema auditivo nem visual, mas tem um sistema digestivo completo, numa extremidade fica a boca sem dentes ou mandíbulas e na extremidade inversa da cabeça está o orifício anal por onde excretam o húmus. Ela respira pela pele. Se você cortá-la em dois pedaços ela se transforma em duas, cada parte cria a extremidade faltante e se transforma em outro ser vivo, resultando que uma minhoca cortada é igual a duas minhocas. A esse processo se dá o nome de regeneração. Ao longo da evolução a minhoca tornou-se, na vida real, o bicho que traduz aquilo que os escritores de ficção científica criaram na imaginação, um animal que se reproduz a partir de restos do ser original. Elas são hermafroditas, pois cada uma possui testículos e ovários. Porém, uma minhoca não é capaz de se reproduzir sozinha, necessitando sempre de outra para a troca de espermatozóides. Na cópula, se unem pelo clitelo (órgão reprodutor) e se separam depois da troca de espermatozóides. Cada verme produz um casulo cheio de ovos depositando-o no solo. A urina é excretada pelos poros próximos aos anéis e o muco viscoso que sai pela pele, além de impermeabilizar as paredes das galerias, tem propriedades imunizadoras. Embora se desloquem para frente e para trás, elas não têm sentido de direção e a lógica de seu deslocamento se deve à capacidade de captar vibrações do meio ambiente onde se encontram. Passando o dedo na sua região ventral, de trás para frente, sentimos que a pele do animal é áspera, devido à presença de fileiras de microscópicas cerdas de quitina. As minhocas fixam as pontas das cerdas no solo, facilitando o seu arrastamento, quando contrai a forte musculatura da parede do corpo. Em geral se pensa que o alimento da minhoca é somente terra. É verdade, grande parte das espécies de minhocas vive em solos mais profundos constituídos essencialmente por terra, que elas engolem para se alimentar. Outras, entretanto, habitam as camadas superiores do solo, abundantemente ricas de restos orgânicos e escassos de partículas minerais. As minhocas de ambos os grupos, alimentando-se de terra ou não, ingerem o substrato em que habitam para se sustentarem de nutrientes que constituem a matéria-orgânica, são capazes de ingerir seu peso em alimentos diariamente. Podem ser consideradas onívoras por se alimentarem de restos vegetais e animais em diferentes graus de decomposição, depostos em diversas profundidades do solo. O exame do conteúdo da parte do tubo digestivo que antecede à moela permite discriminar as duas categorias. Se houver restos orgânicos com estrutura celular reconhecível, a espécie é uma minhoca detritívora (que se alimenta de detritos animais e vegetais). Por outro lado, se contiver restos orgânicos amorfos, sem estrutura celular reconhecível, misturados a partículas minerais, trata-se de uma minhoca geófaga (que come terra). Mas, independente dessas características, digamos, exóticas, o vermezinho é um ser fascinante pelo modo de vida simplesmente. Todo mundo conhece as minhocas e a maioria, talvez, já pescou usando-as como isca, mas a minhoca contribui de várias maneiras para melhorar as propriedades do solo. Para começar, os buracos que ela faz na terra ajudam a arejá-la e permitem que a água circule melhor por ali. Além disso, suas fezes são cheias de nutrientes que enriquecem o solo. Tudo isso é bom para as plantas, que retiram da terra a água e os nutrientes que precisam para crescer. Algumas minhocas adoram metais pesados sob minas abandonadas na Grã-Bretanha e devoram chumbo, zinco, arsênico e cobre. Estas minhocas excretam compostos levemente diferentes destes metais, fazendo com que as plantas que necessitam deles para seu metabolismo, possam absorvê-los mais facilmente. Cultivando e colhendo estas plantas, pode-se deixar este solo mais limpo. Não obstante essas qualidades, as minhocas são uma importante fonte de proteínas, pássaros, peixes e pequenos mamíferos que o digam. Vejamos, portanto: Neste mundo preocupado com qualidade de vida; voltado para consumo preferencial de alimentos orgânicos; inquieto com a deterioração do solo e da água pelo uso excessivo de pesticidas; consciente que, se não fizer alguma coisa para conservar a qualidade da terra agriculturável, poderá desaparecer da face do planeta por falta de alimentos; certo que o maior risco à estabilidade global é o potencial da crise gerada pela escassez alimentar, a minhoca parece fazer parte da solução. Para isso, minhocários em todo o mundo estão produzindo milhões desses vermezinhos com a finalidade de melhorar a qualidade de nossa agricultura e, quem sabe, perpetuar a vida do homo sapiens no planeta. Viva a MINHOCA! JAIR, Canoas, 07/06/09.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

BARATAS



Costuma-se ouvir por aí que os únicos animais que resistiriam a uma explosão atômica seriam as baratas, e até mais, no caso de hecatombe nuclear, enquanto os demais seres vivos do planeta sucumbiriam pela radiação resultante, as baratas se adaptariam e tornar-se-iam os animais dominantes na face da terra, em decorrência da ausência de predadores e competidores naturais. Essas afirmações não estão muito longe da verdade, as baratas, insetos da ordem das Blattaria, estão entre os animais mais resistentes e adaptáveis da fauna mundial. Há mais de 400 milhões de anos vivendo sob as mais diversas condições de climas, competindo com outros seres e tendo tempo suficiente para evoluir e adaptar-se, as baratas tornaram-se campeãs de sobrevivência. Comparando as baratas de hoje com as do passado elas mudaram muito pouco, permanecendo como insetos não especializados, ou seja, comem de tudo e não têm exigências especiais quanto ao ambiente em que vivem. Das tantas características desse inseto, pode-se relatar a capacidade de sobrevivência sem se alimentar durante até um mês, sem ingerir água durante até uma semana, ficar até 40 minutos submersa e se deslocar por fendas muito pequenas de até 1,6 mm, há indícios, inclusive, que algumas espécies chegam a se aliementar do próprio inseticida usado para matá-las. Como os demais, é um inseto ovíparo, que dizer, que se reproduz colocando ovos, e o faz na ooteca que é uma estrutura em forma de cápsula hermética que tem a função de proteger os ovos das variações do ambiente, inclusive dos inseticidas, garantindo assim, a perpetuação da espécie. O corpo das baratas tem formato ovular achatado. A cabeça é curta, subtriangular, apresentando olhos compostos grandes e geralmente dois ocelos (olhos simples). Em geral são de coloração parda, marrom ou negra, porém existem espécies coloridas. Nas zonas tropicais, predominam as de cor marrom avermelhada, além das cores verde e amarela. O formato e o tamanho variam dependendo da espécie, mas em gênero podemos dizer que as fêmeas são maiores que os machos, porém os machos têm as asas mais desenvolvidas. A maior barata tem aproximadamente 20 centímetros de comprimento, já, a menor, cerca de 4 milímetros e por ser tão pequena, vive em ninhos de formigas. As baratas gostam de ambientes úmidos e algumas espécies preferem lugares quentes. A alimentação é variada. As baratas são insetos onívoros, ou seja, comem qualquer coisa, tendo principal atração por doces, alimentos gordurosos e de origem animal, por certo não se preocupam com o colesterol, o diabetes nem com a balança. Conseguem perceber o perigo através de mudanças na corrente do ar à sua volta. Elas possuem pequenos pelos nas costas que funcionam como sensores, informando a hora de correr. As baratas domésticas podem ser vetores mecânicos de doenças e são responsáveis pela transmissão de vários microorganismos nocivos através das patas e fezes. Por isso, são consideradas perigosas para a saúde dos seres humanos, contudo, o maior óbice de sua convivência com os homens refere-se à repugnância real ou suposta que as pessoas por ela sentem, por se tratar de animais que vivem em esgotos e ambientes contaminados, ou seja, são insetos “sujos”. Os seres humanos também odeiam baratas porque pode ser extremamente difícil acabar com elas em razão de seu comportamento natural. Elas se reproduzem rapidamente e são difíceis de matar. Como elas são noturnas, muitas pessoas não percebem sua presença até que sejam tantas que acabaram sem lugares para se esconder. As baratas são particularmente boas para se esquivar e fugir de chinelos, jornais e outras armas domésticas, e várias espécies se tornaram resistentes aos inseticidas. Das 4 mil espécies de baratas que existem no mundo, porém, apenas algumas infestam casas e pontos comerciais. Na verdade, em muitas partes do mundo apenas uma espécie - a barata alemã - é responsável pela maioria das infestações. Infelizmente, as pessoas têm uma boa parte da culpa por essa prevalência mundial. A maioria das pragas de baratas se espalhou pelo planeta pegando carona em barcos, aviões, caminhões a até mesmo em caixas de mudança e sacolas de supermercado. Não importa se estão digerindo madeira decomposta em uma floresta tropical, saboreando restos numa lata de lixo industrial ou se escondendo debaixo de uma geladeira, as baratas são fascinantes. Elas são insetos primitivos extremamente adaptados e nada indica que venham a se tornar extintas algum dia. Apesar de sua natureza imutável, elas sobreviveram quando outras espécies não conseguiram. Por exemplo, os dinossauros foram extintos há 65 milhões de anos, mas as baratas continuaram prosperando até os dias de hoje. Entretanto, mesmo apresentando o status de superinsetos que podem parecer indestrutíveis, elas servem de alimento para uma variedade de outros animais. Algumas espécies de vespas usam as baratas como incubadoras para seus ovos. Uma vespa fêmea pica a barata ou retira suas antenas para deixá-la paralisada. Depois, ela deposita seus ovos dentro da barata, onde os filhotes irão crescer alimentando-se das proteínas baratais até a fase adulta, quando abandonam o local e vão reiniciar o ciclo de vida vespal em outra barata. Além disso, outra praga caseira, as comuns centopéias, comem as ninfas das baratas. Algumas espécies de pássaros como o anu e o bem-te-vi também se alimentam de baratas na falta de melhor prato, supõe-se. Pelo fato de as baratas serem tão resistentes e adaptáveis estuda-se seu organismo com a finalidade de descobrir quais os mecanismos que permitem seu sucesso, e se esses mecanismos são passíveis de serem aproveitados em favor da sobrevivência humana. Cientistas chineses afirmam que componentes químicos encontrados no sistema imunológico das baratas poderão ter um efeito tão benéfico quanto ao AZT no tratamento da AIDS, e isso, por si só, já é uma notícia que justifica olharmos o inseto com menos repugnância e com mais praticidade no sentido de aproveitá-lo para pesquisas médicas. Pelo sim pelo não, vamos dar o benefício da dúvida às baratas! JAIR, Canoas, 05/06/09.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A ERA ATÔMICA


A era atômica começou com uma frase: "Somos uns filhos das putas". Foram estas as palavras pronunciadas no sentido chulo no dia 16 de Julho de 1945, às 5 horas, 29 minutos e 45 segundos, pelo doutor Kenneth Bainbridge. Acabara de ser testemunha da primeira explosão nuclear no local designado Alamogordo, no deserto do Novo México, exatamente no lugar que tinha o nome que, traduzido da lingua nativa, significa a adequada expressão, "Jornada do Morto". Ali, e naquele momento, a humanidade entrou na denominada "era atômica". Com aquela explosão chegava ao pico o Projeto Manhattan, a maior operação militar secreta de todos os tempos. Sem dúvida, grande parte do mérito daquele feito devia ser creditado ao doutor Julius Robert Oppenheimer, que tinha conseguido levar a bom termo a empresa de que fora encarregado em 1942: fabricar a bomba atômica, “arma que poria fim a todas as guerras”. Apenas um mês depois deste teste, cerca de duzentas mil pessoas pereceriam queimadas, politraumatizadas ou volatizadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasáki. Foram elas as vítimas transformadas em mártires de uma "causa nobre" para encurtar a guerra, e que passaram oficialmente à história como as primeiras vítimas do armamento nuclear. No entanto, os primeiros seres humanos que sofreram na carne os efeitos da radiação de uma bomba atômica foram na realidade norte-americanos. Não havia precedentes, assim teve de se improvisar, o que fez com que em Alamogordo se cometessem os primeiros, embora nem por isso menos graves, erros nos ensaios nucleares. Por exemplo, a estrada nacional 380, que passava apenas a quinze quilômetros do local da explosão, foi atingida por uma considerável dose de radiação sem que se interditasse a passagem de pessoas por lá. Uma dose semelhante de radiação abateu-se sobre as propriedades de duas famílias na cidade vizinha de Bingham, as quais não foram nem alertadas nem evacuadas pelas autoridades militares. Também em locais mais distantes se puderam perceber efeitos da detonação sobre o gado de alguns ranchos dos arredores, já que muitos destes animais apresentavam graves queimaduras produzidas pela radiação beta. Sabe-se que a segurança não foi o aspecto mais brilhante do Projeto Manhattan, em que pese a manutenção do segredo até de sua existência para quem não fosse integrante do projeto. Em 1945, Klaus Fuchs, cientista britânico que participava no projeto, reuniu-se em duas ocasiões com um agente soviético cujo nome de código era Raymond, fornecendo-lhe importantes informações técnicas sobre a explosão experimental de Alamogordo e lançando a semente do programa nuclear soviético. A prisão de Fuchs e sua posterior confissão seriam o tiro de partida da caçada anticomunista do senador Joseph McCarthy. Apesar de terem acontecido essas lambanças, em 1975, o lugar mereceu a designação de monumento histórico nacional, e uma equipe de trabalhadores (os quais receberam uma gratificação extraordinária por trabalharem ali) ergueram um obelisco comemorativo no local exato onde se deu a explosão. Não se tinha passado um ano desde Hiroshima e Nagasáki quando a marinha de guerra norte-americana começou a perguntar-se até que ponto a nova arma também lhes poderia ser útil. Para dar resposta a essa indagação, planejou-se a chamada Operação Crossroads. A data marcada para este novo teste foi o dia 1 de Julho de 1946. Talvez porque os horrores de Hiroshima e Nagasáki ainda eram recentes e mal digeridos, o planeta encontrava-se em plena idade da inocência nuclear. A Operação Crossroads consistia basicamente em comprovar os efeitos que teria uma detonação nuclear sobre uma frota naval, navios e ocupantes. O lugar escolhido para a quarta explosão nuclear da História foi o atol de Bikini, no arquipélago das ilhas Marshall, cenário de uma das mais sangrentas batalhas da guerra do Pacífico. O atol de Bikini ficou tão famoso que deu nome ao maiô, de duas peças bem reduzidas, lançado naquela época. Em Fevereiro de 1946, o Comodoro Ben H. Wyatt, governador militar das ilhas, comunicou oficialmente aos seus habitantes que deveriam abandonar temporariamente as suas casas, já que o Governo dos Estados Unidos tinha previsto efetuar ali uma prova nuclear. O seu sacrifício contaria com a gratidão de toda a humanidade, já que esta prova seria uma peça fundamental no futuro desenvolvimento tecnológico e no fim definitivo de todas as guerras. Assim, em Março de 1946, começou o penoso êxodo dos 167 habitantes de Bikini, com o seu rei à frente, que foram deportados para outro atol a 200 quilômetros de distância, Rongerik, um lugar muito pequeno, com escassez de recursos hídricos e alimentares. Para cúmulo das humilhações e contraridade dos habitantes de Bikini, Rongerik era tradicionalmente considerado como um lugar maldito, local que nem sequer eles visitavam. Tudo isto contribuiu para que os nativos se arrependessem de ter acatado tão docilmente a decisão dos americanos, decisão esta que era mais uma expulsão, não admitia contestação. O certo é que Bikini era o lugar perfeito para aquele objetivo; isolado, deserto (uma vez deportada a população aborígine, claro) e afastado das rotas marítimas habituais. Durante dias espalhou-se pela área circundante uma sinistra frota de barcos fantasmas, formada por embarcações de todos os tipos e tamanhos, - a maior parte capturadas aos inimigos japoneses, - que se encontravam prestes a serem desmanteladas e que serviam de "alvo", levando a bordo uma tripulação formada por 5400 porcos, ratos, cabras e ovelhas que substituiriam os marinheiros e permitiriam estudar os efeitos da radiação sobre os organismos afetados pela detonação. O principal resultado daquela experiência foi que os habitantes de Bikini jamais regressaram à sua ilha, convertendo-se no primeiro povo da História a ter sofrido um êxodo nuclear. Hoje em dia, levam uma vida errante, dependendo da hospitalidade de outros povos e sonhando em regressar um dia a um paraíso que já não existe.O ano de 1951 foi quando os Estados Unidos conceberam um arsenal nuclear tal como o entendemos na atualidade, o qual foi testado ao longo de uma série de ensaios coletivamente conhecidos como Buster/Jangle e que decorreram num campo de testes instalado no deserto de Nevada para tal efeito. Yucca Flat, um antigo território de garimpeiros situado a menos de cem quilômetros a norte de Las Vegas, foi o local escolhido para as detonações nucleares que foram executadas enquanto durou o projeto. Nessa altura, cientistas e militares tinham interesses diferentes e os testes tiveram de ser planejados para satisfazer as expectativas de ambos. Aos cientistas interessava afinar os aspectos tecnológicos, como o aperfeiçoamento de dispositivos de detonação (espoletas) mais confiáveis, ou encontrar formas de obter uma energia maior com a mesma quantidade de material físsil. Pelo seu lado, os generais precisavam de desenvolver a tática da guerra nuclear, um estilo de combate inédito que necessitaria de procedimentos próprios, além de, é claro, demonstrar ao inimigo o potencial que dispunham no caso de uma guerra. Para desenvolver estas táticas, efetuaram-se uma série de manobras militares que coincidiam com os testes e em que milhares de soldados foram expostos à radiação das explosões nucleares. A primeira destas desafortunadas cobaias foi o 354th Engineer Combat Group, que foi a encarregada de preparar o campo para as primeiras manobras atômicas da História. Se verificarmos as circunstâncias históricas não é de estranhar tanta pressa. No Outono de 1950, a guerra da Coreia encontrava-se no seu apogeu e os Estados Unidos tinham perdido o monopólio nuclear ao ter sido detonado com êxito o primeiro artefato atômico soviético. A guerra fria era um fato e o fantasma de um apocalipse radioativo abatia-se sobre o mundo. A única maneira viável para que o arsenal termonuclear não fosse uma ameaça inútil era conseguir que a sua utilização não fosse um sinônimo do fim do mundo, quebrando a doutrina da suposta "destruição mútua assegurada" que mantinha o precário equilíbrio entre as superpotências. Tratava-se de desenvolver armas menores que fossem suscetíveis de ser utilizadas de modo "seguro" numa batalha real. No entanto, os cientistas não se encontravam ali para testar uma arma, mas sim uma teoria. Concretamente estavam muito mais interessados nos efeitos da radiação sobre os organismos vivos, algo que já tinha começado a ser estudado no atol de Bikini. Desta vez, a novidade era que as centenas de animais que deram as suas vidas pelo progresso atômico foram piedosamente anestesiados, antes de serem expostos aos efeitos da explosão e mais tarde dissecados. Contudo, se na verdade queriam conhecer os efeitos da radiação sobre o corpo humano, podiam ter recorrido aos 75 mil doentes de câncer da tiróide devido, segundo o Instituto Nacional do Câncer, às provas nucleares de Nevada ou às vítimas do aumento de 40% dos casos de leucemia infantil que aconteceram no vizinho Estado de Utah entre 1951 e 1958. O fato concreto é que a era atômica, inaugurada em 1945, estendeu seus testes até 1992. Os americanos admitem oficialmente terem explodido 1054 artefatos nesse período. Fica para outro post os testes concretizados pelas outras potências. JAIR, Floripa, 01/06/09.