quinta-feira, 19 de março de 2009

A LEGIÃO E O GAROTO

Anos sessenta, para ser exato, 1961. Palmeira, cidade do interior do Paraná. Protagonista, um garoto que gostava de ler gibis e tinha muita imaginação, eu. Pois é, os gibis, nome das revistas em quadrinhos naquela época, que depois passaram a ser HQs, quase sempre publicavam na segunda contracapa as propagandas mais variadas, entre elas, uma que tocava no imaginário do garoto que lia e gostava de estórias de aventuras como “Beau Geste”: Conto que tratava de um jovem que assumia roubo feito pela mãe adotiva e alistava-se na Legião Estrangeira para não denunciá-la. Lá estava a propaganda da Legião, mais ou menos nestes termos: “Quer romper com o seu passado, começar uma vida nova? A Legião Estrangeira oferece a você uma oportunidade única. Sejam quais forem as suas origens, religião, cor, nacionalidade, os seus diplomas e nível escolar, sua situação familiar ou profissional, a Legião estrangeira lhe oferece nova oportunidade para uma vida nova”. Insinuando de certa maneira que mesmo que você tivesse algum débito para com justiça a Legião não se preocupava com isso. Aliás, filmes e histórias dos gibis enfatizavam a idéia de que a Legião Estrangeira sempre acolhia marginais e bandidos que estivessem prontos a servi-la bem em quaisquer circusntâncias. “Aliste-se, para tanto basta escrever para o Consulado da França, na cidade tal, rua tal, etc”. É bem verdade que eu não queria romper com meu passado, pois este nem sequer existia, mas, com certeza, a oportunidade de AVENTURA era irresistível tentação para uma mente imaginativa de adolescente interiorano. Tomei a decisão de minha vida, escrevi para o endereço indicado e aguardei ansioso a resposta que veio logo. Num folder bem impresso em quatro idiomas – Francês, Inglês, Espanhol e Português de Portugal – a Legião, para meu desgosto, informava já nas primeiras linhas as condições necessárias para ser aceite nas suas tropas: “Ter idade entre 17 e 40 anos, autorização dos pais se for menor”. Eu tinha quinze anos e nenhuma esperança de conseguir autorização paterna quando completasse dezessete. Claro, existiam outras exigências as quais naquele momento não faziam diferença alguma, que eram: “Seja qual for sua situação civil será contratado como solteiro; Ter aptidão física para servir em qualquer parte do planeta”. É bom lembrar que França tinha interesses coloniais em várias partes do mundo como, Argélia, Guiana, Nova Caledônia, Ilhas Reunião, Antilhas, Indochina etc. Uma curiosa observação: “Documentos pessoais não são obrigatórios, mas serão bem vindos. Em seguida, para deixar claro o espirit de corps que motivava aqueles legionários a manterem-se no topo das forças combatentes como a elite do mundo, a Legião publicava seu regulamento de sete artigos que ainda guardo alguma lembrança: " 1 - Legionário, és um soldado voluntário que servirá a França com honra e lealdade; 2 - Cada legionário é teu irmão seja qual for sua nacionalidade, sua raça, sua religião. Serás sempre solidário com os membros da Legião como se fossem uma família unida; 3 - Respeitarás as tradições, serás obediente às ordens superiores, disciplina e camaradagem serão tua força, a lealdade e a coragem nortearão tua conduta; 4 - Fiel ao seu estado de legionário, vestirás a farda com apuro, teu comportamento sempre correto, teu alojamento sempre limpo; 5 - Serás um soldado de elite, tua arma vale tua vida, cuida sempre da tua forma física; 6 - A missão é sagrada, cumprirás até o fim, acatando as leis da guerra, as convenções internacionais, se for preciso com risco da própria vida; 7 - No combate, agirás sem paixão e sem ódio, respeitarás os inimigos vencidos, nunca abandonarás os mortos nem feridos, nem tua arma.” O folder fazia questão de lembrar que a Legião era a melhor constituida e mais bem treinada tropa do mundo, e mostrava fotos das tropas e equipamentos, entre estes, helicópteros de última geração usados pela cavalaria aerotransportada. A despeito da vontade, e sonho ingênuo de aventuras em desertos de areias escaldantes, batalhas ferozes em selvas úmidas e escuras e desembarque em praias fortemente defendidas num continente longínquo, a vida na cidade pequena impôs uma mudança de planos antes de completar dezoito anos, e o garoto que gostava de ler gibis e tinha imaginação alistou-se na Força Aérea Brasileira. JAIR, Floripa, 20/03/09.

8 comentários:

Leonel disse...

Pois é, eu acho que você se divertiu mais voando pela FAB do que no meio do Sahara, naquele calor dos infernos, encarando tuaregs, beduínos, o Crock, o Galinhat e outros menos cotados, a serviço do colonialismo francês. O filme, eu assisti em uma cópia meio apagada e até que não era ruim. Parece que já saíram versões mais novas, até uma com o Van Damme. Mas eu também vi, naquela época, num gibi, uma espécie de história-documentário sobre a Legião e o seu peculiar método de "seleção". Tinha de tudo, até veteranos do Afrika Corps alemão!

Anônimo disse...

Legião???
Garoto???
Acho que não!!! Muito mais estavam contidos por trás deste dueto ortograficamente unidos. Uma legião que muito se parecia com conceitos/táticas/técnicas/e desvirtuosas intenções dominantes e massacrantes atualmente aplicadas pelos Estados Unidos da América. Legião sabia utilizar de boas técnicas de comunicação (como EUA) e sensibilização/convoação de massas, sempre ressaltando com perfeição as vantagens e desfavor do pretenço massacre em colonias.

Garoto...sim e não......
1-sim: na definição de garoto pode-se encontrar: "menino travesso que brinca ou vadia pelas ruas"...
2-não: garotos não costumam ter profundas reflexões baseadas na realidade e acertividade.
3-Neste encontrar de espírito entre menino-homem com travessura e liberdade correndo pelo mundo...que está o segredo da legião.

Saulo

Ruy disse...

Jair, essa tua faceta de “quase-legionário” eu ainda não conhecia. E te confesso aqui: eu também quase fui seduzido pelos mesmos anúncios que vc viu nos nossos gibis d’antanho. Mas não cheguei a escrever pro consulado francês, segui outros caminhos, pra mim também aventurescos. Sendo até hoje um aficionado à leitura dos gibis, eu me encontrava na época de piá, frequentemente, sonhando acordado com essa ou aquela aventura, e me esquecia da vida, Devia ser por isso que os (des)educadores do passado condenavam os gibis e nos viam como seres extraterrestres, cada um carregando um maço de gibis pros pontos de troca.
Abraço,
Ruy.

Anônimo disse...

Jota.
Acho que foi beau (péssimo trocadilho)ter voce seguido a carreira na FAB. Afinal voce galgou todos os degraus e ainda decolou para terras distantes.

Anônimo disse...

Jair.
Não sabia que você havia tentado a Legião Estrangeira através do anúncio de um gibi. Eu, certa vez, enviei um cupom também retirado de um gibi à tal de Charles Atlas que se propunha a dar curso de halterofilismo por correspondência. Veja você! Lembro que já me imaginava com o corpo do canastrão Gordon Scott, o Tarzan da nossa época, até receber como resposta folhetos em inglês exigindo pagamento em dollar, etc, o que me fez "cair na real" e esquecer o assunto. Coisas de piá de bosta.
Abraços, Joel.

Anônimo disse...

Pai,

O querer viver num mundo diferente deve ser coisa de família. Você não tinha um filho que queria ser hippie?

Filho.

JAIRCLOPES disse...

Pois é, sonhos da juventude ou da infância, em geral são apenas isso, SONHOS. Lamentavelmente a vida é que impõe o destino que seguiremos, mesmo contrariando aqueles desejos mais profundos e sinceros que nossa ingenuidade saudável cria. Abraços meu filho quase Hippie.

Anônimo disse...

" Legio Patria Nostra"

Eu obviamente, tambem penssei muito em ir para a legião,no meu modo de pensar a mais bela e honrada tropa do orbi terrestre,formada não por bandidos, mas sim por homens com espirito de aventura, e bravura, muita bravura, para por sua vida a serviçõ de outra patria. Pensei, muito nisso, e só não fui para lá, por que o vlho Dudu,me pediu muito pra não ir,então bati a porta da mãe FAB (devia estar faltando gente, pois me aceitaram) e no dia 1° de julho de 1963, aos 16 anos tive a honra de me tornar fabiano, onde me faltaram apenas 10 promoções para chegar a coronel. Jair, nos somos aventureiros viajantes, como fala o gaucho " uns baita gauderio". Te lenbra quando pensamos em ser Fuzileiros Navais, la em Floripa. Quando dei baixa fui ser Um tipo de hippy, viajando com minha mochila, mais o Emidio, ja que o Dias amarelou. Bom eu tava falando da legião e comecei a navegar na maionese, o fato é que até hoje compro e leio livros sobre a legião, mo momento estou lendo um escrito por Simon Murray, ex legionario que chegou a ser governador de Hong Kong.Parafraseando Raquel de Queiroz eu digo" Quando não hoverem mais guerras nem exercitos, restara apenas a Legião,como exemplo de tudo o que é belo e admiravel"
CB Fabio