terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Civilização



Um mundo no qual quase dois terços da população passam fome, enquanto o restante nada de braçadas na abastança material e procura ter sempre mais, é sem dúvida carente de um grau essencial de sensibilidade e justiças sociais. Os países pobres sofrem duplamente nas mãos de seus vizinhos ricos: no intercâmbio comercial, os termos das transações impedem que os produtores de matérias primas e alimentos primários – com pouco ou nenhum valor agregado – consigam alcançar seus parceiros comerciais, e é da conveniência dos compradores que isso nunca venha acontecer. Com frequência, os produtores de alimentos – soja é um bom exemplo – preferem vender seus produtos agrícolas para a Europa ou EUA, onde serão utilizados para engordar rebanhos, ao invés de destiná-los a alimentação da população mais pobre de seus próprios países. É interessante lembrar que o suculento “T bone” que o obeso cidadão do primeiro mundo acabou de degustar no almoço pode ser, em parte, produto de uma espoliação de gêneros alimentícios, desviados das bocas das pessoas subnutridas daqueles sofredores quase dois terços da população mundial. Como, pensando nisso, pode o saudável indivíduo justificar essa situação?
Os países altamente tecnológicos têm que abandonar a idéia de que possuem todas as respostas, e que o que é bom para eles é bom para os demais. Isso não é necessariamente verdadeiro. De fato, o mais provável é que a estratégia econômica e social que trouxe riquezas para países hoje considerados de primeiro mundo se torne, a longo prazo, a receita infalível para o desastre global, o caminho mais curto para a derrocada da humanidade. O alto grau de afluência material alcançado pela Europa e pelos EUA é completamente inviável para ser desfrutado em escala planetal. Imaginemos que todos os países alcançassem o mesmo nível de consumo, o Planeta não suportaria tal demanda. O esgotamento dos recursos do Planeta e a consequente destruição do meio ambiente estão a ponto de atingir dimensões tais que impossibilitam sustentar uma população de sete bilhões como a atual, quanto menos dez ou doze bilhões nas próximas décadas. E é inconcebível para uma mente sã que as diferenças entre pobres e ricos façam parte de uma estratégia, o nazismo e o comunismo felizmente não dão mais as cartas no atual jogo da civilização. Se essas diferenças persistirem as tensões mundiais se farão sentir de maneira dramática, para não dizer catastrófica, em muito pouco tempo.
Um aspecto que liga a questão dos recursos materiais a dos padrões de vida é o planejamento global da energia. Podemos estar certos de que, de acordo com a taxa atual de utilização, as reservas mundiais estarão esgotadas ainda neste século. Sabemos, também, que há carvão para suprir nossas necessidades por muitos séculos. Mas pode acontecer também que para sobreviver tenhamos que deixar esse carvão enterrado, sem ser queimado. O problema é que, como acontece com outros combustíveis fósseis, o carvão, quando queimado é um poluente atmosférico terrível, libera o tóxico dióxido de carbono. A longo prazo, uma grande quantidade de CO2 na atmosfera está alterando o clima do Planeta suficiente para romper o modelo atual de agricultura. Mais do que isso, a produção agrícola dos países do primeiro mundo e da China está tão equilibrada com a demanda, particularmente de cereais, que até mesmo uma ligeira variação, causada pelo El ninho, por exemplo, causará e tem causado transtornos formidáveis. As consequências de uma elevação de apenas 2,5°C são quase inimagináveis.
Se pretendermos que essa perspectiva seja afastada, importantes decisões políticas devem ser tomadas de imediato, não há escapatória. E essas decisões serão inúteis a menos que encontrem concordância geral, não é mesmo Tio Sam e dona China? Faz pouco sentido, por exemplo, se a Rússia continuar explorando suas imensas reservas de carvão enquanto o resto do mundo deixar de fazê-lo por decisão da maioria. Sem dúvida alguma, a questão das futuras fontes de energia está prestes a abalar o equilíbrio das decisões internacionais. Não há qualquer dúvida que se forem tomadas decisões erradas nesta década, a vida humana no Planeta poderá tomar o curso descendente de um espiral rumo à extinção.
Em geral, os sociólogos influentes não querem nem ouvir falar disso, mas a questão do tamanho da população está intimamente relacionada com questão da energia. Uma equação trivial mostra que com recursos limitados a explorar, o período de vida da civilização moderna está em ordem inversa ao número de indivíduos dessa sociedade. Ou seja, quanto mais gente houver, mais depressa serão consumidos os recursos. Com poucas exceções como a luz solar, a energia geotérmica e os ventos, não há recurso que não seja limitado. É verdade que novas tecnologias no futuro sem dúvida explorarão matérias de forma que nem sonhamos neste momento. A informática com todas suas ramificações na sociedade é uma marca presente que há seis ou sete décadas era impensável. É possível que novas tecnologias e descobertas possam guiar a humanidade através de novas sociedades, com perfis de consumo diferentes dos nossos, por insuspeitados milhares de anos ainda. Mas a chave para a exploração bem sucedida de novos recursos materiais não é segredo: devemos estabelecer que os recursos devem ser aproveitados ao máximo, deve-se exaurir todo o potencial de qualquer fonte de energia. Não é inteligente continuar desperdiçando meios como se faz na atualidade.
A pressão da enorme expansão populacional deverá estimular, sem dúvida, muitas inovações destinadas a superar o problema dos bilhões de bocas a serem alimentadas. Podemos imaginar que na ausência desse estímulo as inovações podem não acontecer, as grandes realizações humanas sempre foram antecedidas por pressões formidáveis, é só lembrarmo-nos das tecnologias desenvolvidas em consequência das guerras. Mas, quem pode afirmar com segurança que o ritmo das inovações e descobertas acompanhará a inflação populacional? Nesta época o abismo já é grande e continua se alargando.
Então, conclui-se, a solução para o descompasso entre tamanho da população e de recursos é não aumentar mais a população. É razoável pensar que, ao invés dos sete bilhões atuais, se tivéssemos quatro bilhões com os mesmos recursos, estaríamos em melhor situação, não é mesmo? Infelizmente esse é uma equação que não encontra convergência de objetivos entre as várias nações. Os países mais pobres são os que têm os maiores índices de crescimento populacional, e não há nada que indique uma guinada nesse rumo de colisão com a catástrofe anunciada. Se a tendência continuar, nossos descendentes viverão num mundo em decomposição que poderá levar a extinção da civilização. JAIR, Floripa, 05/08/11.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Paz




Desde sempre, mas especialmente desde o século passado, somos bombardeados com notícias sobre as guerras do Oriente Médio. Árabes e judeus, numa incruenta disputa, arreganham os dentes ou entram em batalhas abertas por um pedaço de terra que, sob quase todos os aspectos, não é atraente, não possui riquezas naturais e não parece ser estratégico do ponto de vista militar.
O fato histórico concreto é que dentre as tribos que conviviam, mais ou menos pacificamente, naquele pedaço do mundo quatro mil anos atrás, algumas resolveram adotar o monoteísmo como conduta religiosa, afrontando diretamente a maioria que cultuava deuses domésticos que representavam seus ancestrais. Da dissidência religiosa nasceu o antagonismo que, de tempos em tempos, gerava rusgas tribais que, eventualmente, se transformavam em contendas limitadas, no mais, a vida seguia em frente.
O “povo diferente” que seguia um Deus invisível foi aos poucos se isolando e, em conseqüência, cada vez mais, adotando costumes e hábitos diferenciados, já que sua religião era “de tempo integral e dedicação exclusiva”, não se limitando a rezas e rituais em oratórios domésticos em horas aprazadas. O isolamento religioso não impedia que houvesse um constante intercâmbio comercial e social entre as tribos de monoteístas e politeístas, elas compartilhavam seus negócios, casamentos, festas, atividades e idioma (aramaico), não havia ainda árabes ou judeus, ou sionistas, ou islamitas, muito menos cristãos.
Durante séculos de guerras, invasões, êxodos, migrações limitadas e evolução de hábitos religiosos o “povo de um Deus só” continuou coeso nas suas convicções e unido socialmente, o politeísmo esboroou. Com o nascimento de Cristo, judeu da Galiléia, alguns monoteístas elegeram-no “enviado de Deus”, outros não. Nova dissidência, agora entre judeus que acreditavam no Messias e judeus que não acreditavam; surgia nova religião, o cristianismo. Para azar de todos, cristãos e judeus, os romanos invadiram a região na década de setenta da nossa era e massacraram os moradores de Jerusalém, especialmente os judeus, que eram menos submissos. Era o ano de 73, nascia a diáspora.
Os judeus dispersaram-se pelo Planeta, mas, quase nunca, foram “integrados” às nações e povos que os acolheram, em alguns casos foram “assimilados” sem, contudo, tornarem-se cidadãos de plenos direitos. Essa anomalia civil crônica, além de perseguições e discriminações, oficiais ou não de todo tipo, fizeram com que uma grande parte desse povo visse na volta a casa sua opção de tranquilidade e plena realização de seus sonhos de cidadania. A volta a Israel – Aliá, substantivo hebraico que significa subida - tornou-se o que se convencionou chamar de sionismo, em referência ao monte Sião ou Zion situado nos arredores de Jerusalém.
Depois do genocídio perpetrado pelos alemães e seus aliados na segunda guerra mundial, tornou-se imperativo que as Nações Unidas permitissem que os judeus mais errantes que nunca, se reunissem em sua terra original e formassem uma nação. Israel nasceu por decreto da ONU, e, em 1948, o “povo do livro” teve, finalmente, um lugar seu onde podia chamar de lar.
Mas, muito antes disso, há uma história que gostaria de contar para lembrar que a paz é possível por simples vontade de cidadãos. Em 1845, o novo cônsul inglês em Jerusalém, James Finn, e sua esposa, Elisabeth, apresentaram suas credenciais às autoridades turcas naquela cidade, já que a Palestina como era chamada a área, pertencia ao império otomano. O cônsul era católico falava hebraico e era filiado à Fraternidade Londrina para Propagação do Cristianismo entre Judeus. Finn acreditava que o retorno dos Judeus a sua pátria de origem aceleraria a redenção do mundo; acreditava que lhes dando condição de trabalho dignas eles conseguiriam uma vida melhor. Ele se propôs a ajudar os judeus pobres porque entendia que se eles tivessem renda decente, mais se fixariam ao local em que viviam e tenderiam a criar uma nação. Assim, em 1853, comprou uma gleba de terra abandonada e árida de quatro hectares onde construiu sua linda morada. Era um pedaço de terra que ninguém queria, mas que o cônsul resolveu transformar numa fazenda produtiva a qual deu o nome de Kerem Avraham (Vinha de Abraão). Nos arredores da casa eles construíram o empreendimento agrícola, as oficinas e as benfeitorias. Atrás da casa, no pátio protegido por um muro, cavaram-se poços e foram construídos estábulos, curral, um celeiro depósitos, uma prensa para uvas e uma prensa para azeitonas.
A Colônia Industrial empregava cerca de duzentos judeus pobres na fazenda dos Finn em trabalhos tais como retirar pedras das encostas, construir cercas, plantar árvores frutíferas, trabalhar na horta, no pomar e também numa pequena pedreira e na construção civil. Com o passar dos anos e depois da morte do cônsul, sua viúva construiu uma fábrica de sabão, na qual também empregava trabalhadores judeus.
Quase na mesma época, lindeiro à propriedade dos Finn, o missionário protestante alemão Johann Ludwig Schneller, construiu um orfanato para árabes cristãos refugiados dos conflitos entre cristãos e drusos no Líbano. Ele tinha como objetivo preparar os órfãos para uma vida produtiva que pudesse lhes proporcionar meios de traduzir o trabalho em qualidade de vida. Finn e Schneller, cada uma a sua maneira, ambos cristãos fervorosos, e a miséria, o sofrimento e o desamparo de árabes e judeus da Terra Santa lhes tocavam o coração. Ambos acreditavam que na medida em que os habitantes se preparassem para uma vida produtiva, uma vida de trabalho, o Oriente Médio estaria a salvo das garras do desespero, da degeneração, da miséria e da indiferença e, podemos dizer, estariam motivados a viver em paz. Talvez ambos acreditassem, cada um a seu modo, que sua generosidade iluminasse judeus e muçulmanos de modo a encaminhá-los ao cristianismo e a paz entre eles.
Que se pode inferir desses fatos? Vejamos, dois cristãos europeus que poderíamos julgar indiferentes ao que acontecia num local muito distante daqueles que viviam; onde as culturas envolvidas nada lhes dizem, dedicam-se a projetos visando alcançar a paz sem, aparentemente, outro objetivo que não o trabalho produtivo. Registre-se que nunca houve qualquer atrito entre as comunidades dos dois projetos. Finn e Schneller sequer foram indicados para o prêmio Nobel da paz como o foi Nixon, por exemplo. JAIR, Floripa, 10/08/11.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Diamantes



Diamantes sempre exerceram um fascínio inexplicável sobre os seres humanos. Não fica bem claro porque povos de civilizações e culturas completamente distintas, e em lugares distantes uns dos outros, em um ou outro estágio de suas existências, parecem ter sucumbido à magia que essas pedras possuem. Diamantes, diferente de outras pedras preciosas quaisquer, são as únicas gemas constituídas de um elemento apenas: carbono. Enquanto outras pedras possuem composição complexa composta de vários elementos, de cinco, seis e até oito elementos em combinações complicadas, o diamante é feito de carbono numa formação octogonal que lhe confere um grau de dureza excepcional. Na escala de dureza, (escala de Mohs) que é a capacidade de riscar o elemento ou mineral menos duro, o diamante recebe a qualificação dez, lembrando que a escala vai de um (dureza da pedra de talco) até dez. Além dessas duas qualidades, dureza e composição de apenas um elemento, o diamante possui, ainda, transparência e brilho excepcionais depois de polido.
Talvez por essas discutíveis qualidades, pelo fato de não serem encontráveis em qualquer esquina ou por qualquer outro motivo os diamantes são objeto de desejo de grande parte dos seres humanos. E aqui fica um registro histórico: não só ricos e famosos como Elizabeth Taylor são atraídos por esses minerais, na Índia grande parte das pessoas pobres possuem diamantes usados como adorno corporal, que passa de geração a geração por centenas de anos às vezes. Nada mais estranho para um país onde mais da metade da população passa fome.
Contudo, ainda que a parte vistosa dessas gemas seja seu uso na confecção de jóias e adereços, mais de noventa por cento da produção mundial vai para uso industrial. Brocas, esmeris, lixas, serras e outras ferramentas de corte de materiais muito duros, são feitas ou revestidas de diamantes. A ínfima parte utilizada pelas pessoas dá ao diamante sua fama de fútil, caro e raro.
Para uso industrial em larga escala ou para pessoas que não podem arcar com o custo dos diamantes naturais ou desejam garantia absoluta de que seus diamantes não provêm de regiões de conflito, os chamados “diamantes de sangue”, a ciência desenvolveu gemas sintéticas as quais são substitutas mais baratas e até mais vistosas que a pedras reais. Até pouco tempo, a única opção sintética disponível era o zircônio cúbico, mas agora os consumidores podem optar por um material conhecido por moissanite, e também por diamantes artificiais.
O zircônio cúbico é uma gema de laboratório que está no mercado desde 1976. Trata-se de uma pedra de alta dureza (8,5 na escala de Mohs), ainda que menos dura que o diamante. Por um lado, o zircônio é superior ao diamante em termos de composição; oferece brilho e cintilação superiores, é inteiramente incolor e não sofre inclusões. No entanto, a maioria dos consumidores concorda em que o zircônio é simplesmente perfeito demais, não tem inclusões e sua transparência é maior que a do diamante natural –parece artificial até mesmo a olho nu. Por isso, alguns dos fabricantes de zircônio começaram a produzir a gema com tinturas coloridas e inclusões que a tornam mais parecida com o diamante.
Desde 1998 está no mercado a moissanite, maior rival sintético do zircônio. Sua semelhança com o diamante é ainda maior em termos de composição e aparência. A moissanite é mais dura que o zircônio, com 9,5 pontos na escala Mohs. A cor da moissanite tem leves traços de verde ou amarelo, e essa coloração se torna mais evidente nas pedras maiores. A gema também revela pequenas inclusões, com jeito de estrias, formadas durante seu processo de produção. Como o zircônio, a moissanite é mais brilhante que o diamante, mas essa qualidade é considerada desvantagem, e não vantagem. Sua aceitação é melhor que o zircônio e seu preço é bem menor que o do diamante natural.
Bem, considerando que zircônio e moissanite são apenas pedras que simulam diamantes, o gênio da ciência resolveu criar em laboratórios especiais o diamante artificial, ou seja, criar sob condições artificiais uma gema de carbono puro. Composição, dureza e aparência de diamante real, só que produzido aqui na superfície da Terra e não a duzentos quilômetros de profundidade.
As gemas sintéticas mais próximas ao diamante são os diamantes artificiais. Diferentemente do zircônio e da moissanite, os diamantes artificiais são carbono puro. O Instituto de Gemologia Norte-Americano (GIA) reconhece essas pedras como diamantes reais, sob a perspectiva da composição. Apenas os diamantes artificiais não têm a rica história geológica dos diamantes naturais, falta-lhes pedigree, por assim dizer. Enquanto os naturais levaram milhões de anos para surgirem, os artificiais podem ser produzidos em semanas apenas. Laboratórios simulam o calor e pressão do manto terrestre que criam os diamantes naturais. Para os produtores e consumidores de diamantes sintéticos, a questão pode ser resumida a uma combinação de tempo e dinheiro: dias, em lugar de milhões de anos; milhares de dólares, em lugar de dezenas de milhares de dólares ou mais (os diamantes artificiais são vendidos por preços cerca de 30% inferiores aos naturais). Como não existe almoço grátis, encontrar um diamante artificial de grande porte pode ser um desafio muito difícil – a maioria dos diamantes artificiais pesa menos de um quilate. Se o consumidor deseja o que de melhor existe no mercado de diamantes sintéticos, diamantes artificiais são a escolha óbvia. Mesmo joalheiros enfrentam dificuldades para distingui-los dos naturais, e sua dureza é dez, igual aos naturais. Esses diamantes são muito usados pela indústria.
Para finalizar, diamantes nem sempre foram tão populares entre os americanos, nem tão caros. Um diamante em um anel tem seu preço elevado de 100 a 200%. A única razão pela qual se paga tanto mais por eles do que por outras pedras preciosas hoje é porque seu mercado é quase todo controlado por um único cartel, chamado De Beers Consolidated Mines Ltd., estabelecido na África do Sul. Essa mesma empresa lançou o diamante artificial no comércio. JAIR, Floripa, 26/01/12.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pimenta

Há quem goste e também quem abomine, mas quase ninguém é indiferente a esse acessório culinário que contribuiu enormemente para os grandes descobrimentos. Sob o codinome genérico de especiarias, o cravo-da-índia, a canela, a noz moscada e a pimenta impulsionaram as navegações ibéricas rumo ao Oriente o que resultou na dobra do Cabo da Boa esperança, “descobrimentos” do oceano Índico e do caminho marítimo para as Índias e no desembarque de portugueses e espanhóis nas terras do que passou a se chamar Novo Mundo. Não foram poucas as consequências do apreço por uma especiaria que tinha como uso mais difundido a faculdade de conservar os alimentos contra a putrefação, num tempo em que inexistia refrigeração artificial. De lá para cá a pimenta continuou a dar sabor – às vezes excessivo – as mais diversas iguarias tanto do mundo ocidental quanto Oriental das mais diversas culturas.
Como falei, a pimenta suscita paixões culinárias desafiadoras para os adeptos de sabores menos ou mais picantes, e é execrada por aqueles de paladares mais sensíveis. Ouso fazer uma projeção sem qualquer dado estatístico que a respalde com respeito ao gosto pelas pimentas: 40% por cento dos brasileiros gostam de pimenta, 50% detestam e os restantes não têm opinião ou a planta lhes é indiferente. Me coloco entre aqueles que a apreciam em doses mais que moderadas.
Na minha casa, quando eu era criança em Palmeira, a pimenta em forma de molho bem picante sempre marcava presença na mesa, principalmente para uso em sopas, uma das especialidades de minha mãe que era cozinheira de grande talento. Talvez daí venha minha razoável resistência às aguilhoadas nas mucosas bucais e estomacais que possuo, e que hoje meu filho mais velho também desfruta.
Pois bem, certo dia, estava meu avô paterno nos fazendo uma visita e ficou para o jantar, que naquela noite bem fria de inverno era sopa. Na mesa, toda a família reunida e uma saborosa sopa de feijão foi servida pela minha mãe. Meu avô sentou-se ao lado de meu pai, à minha frente. A conversa estava rolando, todos se serviram da sopa e o vidro de pimenta encontra-se à frente de meu avô Joaquim. Parece que ele estava meio “arçado” (tinha tomado umas pingas) e não se deu conta que estava colocando doses maciças daquela pimenta agressiva no seu prato. Meu pai, ao lado dele, conversava sem notar o exagero culinário que ele praticava, e eu fiquei olhando admirado. Daí, o velho Joaquim engoliu uma colherada bem generosa daquela sopa super apimentada e de seus olhos escorreram lágrimas abundantes. Meu pai, empolgado com a conversa, voltou-se para meu avô e disse: “olha aí, papai, tem uma pimenta bem gostosa, coloque na sopa”. Meu avô, num esforço visivelmente dramático, com uma voz baixinha, sibilante, parecida com grasnar assoprado de ganso ou de pato rouco: “já coloquei”. Claro que crianças não podiam rir de adultos, mas, confesso, a situação era hilária e se eu não podia rir de modo ostensivo, nada me impedia de rir por dentro, foi o que fiz. Meu avô só não chorou de verdade porque naquele tempo o mote era: homem não chora. Pela primeira vez achei que a pimenta, além de sua utilização como condimento, podia ser usada como estressante natural de gente sem noção. Esclarecendo, meu avô naquele momento encontrava-se sem noção por causa da cachaça.
Bem, além de terem desenvolvido centenas de espécies dessas plantas, hoje o campo de uso das pimentas ampliou-se muito além do simples tempero picante, e agora podem ser encontrados cremes, cosméticos, geléias, os tradicionais molhos e até sorvetes e bolos nos quais entram doses variadas de pimentas. A pimenta é até recomendada com agente preventivo anti câncer pela medicina ortomolecular. Viva a eclética pimenta! JAIR, Floripa, 04/01/12.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Kimberlito



O kimberlito é uma rocha ígnea (formada pelo calor do magma) da família das olivinas, cuja cor varia do azul-verde ao preto, passando pelo marrom avermelhado. A composição e a cor do kimberlito correspondem à região em que se formou e aos elementos que o formaram. Seu nome deriva de Kimberley, região da África do Sul onde foram encontrados esses minerais associados a pedras de diamantes.
A rocha se formou a aproximadamente duzentos quilômetros de profundidade e foi transportada à superfície pelos chamados chaminés de kimberlito, que nada mais são que erupções vulcânicas ocorridas há milhões de anos. Onde e quando se formaram os kimberlitos, também se formaram diamantes e outros fragmentos de rocha (xenólitos) que foram arrancadas das profundezas da crosta terrestre. Por isso, kimberlitos ocorrem na superfície quase completamente em brechas vulcânicas. Eles, assim como a maioria dos diamantes, se formaram a 150 milhões de anos atrás, no entanto, os mais velhos kimberlitos que se conhecem datam de cerca de 1,2 bilhões. Eles ocorrem na África, Austrália, América do Norte, Índia, Brasil e na Sibéria. Mineradores e garimpeiros se valem da presença desses minerais para processarem a busca de diamantes, já que ambos sempre estão associados.
As chaminés de kimberlito foram criadas conforme o magma passava por profundas fraturas na Terra. O magma de dentro da chaminé de kimberlito funciona como um elevador, empurrando os diamantes e outras rochas e minerais pelo manto e crosta em poucas horas. Estas erupções eram breves, mas muitas vezes mais poderosas do que erupções vulcânicas que acontecem atualmente. O magma destas erupções foi originado em profundidades três vezes maiores do que a fonte de magma nos vulcões atuais.
Diamantes também podem ser encontrados em leitos de rios, chamados de reserva aluvial de diamantes. São originados em chaminés de kimberlito, mas se movimentam por atividade geológica. Geleiras e águas podem movimentar os diamantes para milhas de distância de seu local de origem. Hoje, a maioria dos diamantes é encontrada na Austrália, Brasil, Rússia e vários países africanos, incluindo Zaire. Em geral essas gemas são encontradas em rios e aluviões que deslocaram as pedras de seus locais de surgimento na superfície da Terra.
Por que essas informações sobre o mineral kimberlito? Porque passei a semana do Natal no norte de Minas Gerais, na cidade de Buritis, onde me foi apresentado num riacho no qual os moradores costumam nadar. Naquele curso d’água encontrei várias “pedras” de kimberlito. Na região, eu soube, nunca se garimpou diamantes, mas pelo aspecto do riacho cujo leito é rico em kimberlitos, há forte indicação que existe a preciosa gema.
Assim, no meu sonho mais louco, não me custa imaginar que quando me aposentar pretendo me munir de bateia e chapéu de abas largas e me aventurar pelas águas do Timbó garimpando o que tenho esperança de lá existir: diamantes brutos de boa qualidade. Me vejo no direito de sonhar aventuras diamantíferas naquele riacho que, afinal, fica em Minas Gerais, local que recebeu esse nome justamente pelo potencial mineralógico que possui. JAIR, Floripa, 03/01/2012.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Rio




Verte da terra pequeno filete tímido que escorre lento entre galhos e folhas num leito de areia fina. Ainda meio sem destino avança nos desvãos de pedras e raízes formando pequenas poças e ganhando corpo com eventuais chuvas ou adição de pequenas nascentes que se lhe somam. Assim percorre algumas centenas de metros. Aos poucos, desviando-se de calhaus, elevações e pedras maiores, vai formando remansos onde haja depressões e correndo mais solto nos pequenos vales. Já, agora, ainda uma criança travessa e sem uma direção precisa, coleante como cobra preguiçosa costuma ser chamado de sanga, córrego, riacho, ribeirão ou outra denominação que os homens tenham como costume nomear pequenos cursos de água corrente. Pode também, apresentar leito rochoso se esta for a geologia do terreno o qual atravessa; nesta altura, peixinhos como lambaris e barrigudinhos podem viver em suas águas limpas e oxigenadas; se não ocorrer que atravesse região povoada por humanos, certamente a vida de insetos aquáticos e outros seres pequenos poderá atrair peixinhos variados em busca de fartura alimentar. Se atravessar terreno acidentado, pequenas corredeiras e quedas minúsculas lhe proporcionarão uma sonoridade muito ao gosto de poetas e outros sonhadores. Será marulhante, buliçoso, terá borbulhas e movimentos hipnóticos para àqueles que contemplem suas águas. Já, então, forma bacias remansosas que permitem banhos refrescantes de crianças e adultos; todo mundo gosta de banho de rio, e ele é uma espécie de piscina de águas correntes límpidas e convidativas. Se outros pequenos regos lhe forem tributários, encorpa e toma nome menos pomposo e mais de acordo com sua natureza: rio. Mas, seu curso ainda apresenta meandros, não é forte o suficiente para retificar seu avanço.
Então, agora percorridos muitos quilômetros, já não lembra aquele fiozinho de água que fluiu meio temeroso oriundo de lençol freático que aflorou à superfície, pois se tornou uma corrente decidida, meio majestática que corrói margens, transporta galhos e troncos e já tem direito a pequenas ilhas formadas a partir de elevações contornadas por ambos os lados. Já não pode ser transposto a vau, e nadadores deverão ser mais que meramente bisonhos para transpô-lo a força dos braços, barcos de porte médio já serão vistos a subir e descer suas águas muitas vezes tumultuosas. Tornou-se, ele próprio, um acidente geográfico de monta, nas suas margens surgem cidades que adotam seu nome como patronímico, e adjetivos como caudaloso, profundo e perigoso lhe são atribuídos sem pejo. Agora seus afluentes não mais serão pequeninos fluxos, rios de porte médio lhe reforçarão a corrente e contribuirão para que inche, se alargue e apresente funduras respeitáveis. Não se vê mais ninguém tomando banho sem preocupação em suas entranhas meio misteriosas. Os peixes que habitam corredeiras e remansos, agora serão considerados “comerciais” pelos pescadores. Se houver depressões no terreno, estas serão preenchidas e formarão lagos portentosos, cachoeiras também se formarão em trechos acidentados. Até pedras de porte poderão ser arrastadas pelas águas impetuosas, quase nada resiste a seu efeito aríete que tende a empurrar obstáculos antes contornados. Seu curso passa a ser quase reto, obtuso, determinado. Novos rios veem aos seus pés entregar-lhe águas que colorirão as suas e lhe darão mais força, passou a ser um grande e respeitável rio cujo presença invoca pontes majestosas se quiserem atravessá-lo. Navios e grandes barcos singram-no com receio de seus humores e redemoinhos traiçoeiros. Também, se chuvas mais intensas atingirem seus tributários, poderá causar enchentes em regiões mais baixas onde prejuízos advirão por imprevidência dos homens.
Veloz, fluido, personalíssimo, têm nome, sobrenome e cava seus próprios vales, a orografia lhe é subserviente. Se homens quiserem domá-lo para dele tirar a força motriz que alimenta a civilização, deverão empregar esforços hercúleos e enormes somas de numerários; um grande rio não se vence com trinta dinheiros. Se represas lhe forem impingidas, formará lagos oceânicos que farão inveja a muitos lagos naturais. Suas águas fluirão com ímpeto dos vertedouros construídos nas barragens. Agora poderá ter nomes locais que exaltarão a importância que tem para a cultura e tecnologia humana, será mencionado nos livros escolares como aquele que provê tantos milhares quilovates para abastecer tantas cidades e tantos milhões de habitantes. Claro que essa importância que lhe é atribuída não impede que os ímpios humanos deixem de lhe despejar dejetos poluidores e usar seu leito como depósito de lixo, mas, se lhe derem espaço, ele se auto limpará, suas águas tem o poder de tornarem-se límpidas novamente.
Talvez centenas de quilômetros tenham sido vencidos desde aquela nascente despretensiosa, seus tantos feitos ao longo do percurso o tornaram manso e cansado apesar de alargado, aproxima-se da foz. Desceu o tempo todo, mas se encontra na planície que precede o litoral. Agora resta apenas a expectativa do encontro com aquelas de outra natureza, águas que pela quantidade reduzirão as suas a “gotas no oceano” se a expressão não for redundante. Ao chegar àquele oceano indomado e de origem outra que não a sua, tenta, num primeiro momento, empurrar aquelas águas barulhentas com gosto estranho. Sabe que não conseguirá vencer tal imensidão, mas continua lançado catadupas que mais parecem alfinetes na pele de elefante naquela massa cinética e imperiosa. Suas águas de cor diferente colorem as do oceano como uma mensagem de herói que sabe que vai morrer, mas quer deixar sua marca. Vence alguns quilômetros talvez, mas o mar é maior, sua cor e sabor são consumidos naquele ambiente salgado milenar, dinâmico e muito poderoso, o rio deixa de existir. Foi uma vida plena que marcou tudo por onde passou, mas teve um final glorioso, pois mesmo tendo sido diluído, um dia terá evaporado com outras águas e formará nuvens que verterão chuvas que poderão formar enxurradas e rios novamente. O rio não sumiu, apenas mudou de forma, e assim é e será por milhões de anos. JAIR, Floripa, 06/01/12
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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sobre emoções

Para falar de emoções quero usar como gancho o trecho abaixo publicado no blogue http://seteramos.blogspot.com de autoria de meu amigo Barcellos: “Homens são lógicos e racionais. Mulheres são emotivas e passionais. É claro que esta visão é extremista e polarizada demais. A maioria de nós - homens e mulheres - se situa em algum ponto intermediário entre esses dois extremos. E deslizamos para um lado ou para outro conforme as circunstâncias, sobre as quais raramente temos um controle efetivo”.
Na verdade, emoções nos são tão necessárias como comer ou dormir, nossa saúde mental depende delas. Há que se levar em conta que no curso da evolução humana a emoção do medo, por exemplo, foi fundamental para a sobrevivência, o homem que temia perigos insuperáveis como enfrentar um animal mais forte, rápido e bem armado de garras, era o que sobrevivia e deixava descendentes. Os homens por demais imprudentes que se colocaram a mercê de eventos perigosos que lhes tiraram a vida, dificilmente tiveram oportunidade de passar seus genes adiante. Embora se possa dizer que esses arrojados foram mais felizes em conseguir comida, também foram os primeiros a serem devorados pelas feras. Somos herdeiros de homens comedidos e racionais, mas que colocaram a emoção medo a serviço da perpetuação da espécie.
Os autores Sandra Aamodt e Sam Wang, do livro “Seja bem-vindo ao seu cérebro”, dizem que “a maioria das pessoas acha que emoções prejudicam a capacidade de fazer opções sensatas – mas isso não é verdade”. Afirmam, baseados em estudos do cérebro em condições monitoradas, que as emoções surgem em resposta a eventos que impressionam a mente e mantém o cérebro concentrado no que for importante para reagir, desde ameaça à integridade física até oportunidades sociais. As emoções nos forçam a moldar nosso comportamento aos fatos de modo a obtermos maximização de resultados, seja para nos defendermos ou para aproveitarmos uma oportunidade adequada.
E aqui fica uma observação do que ocorre com a tão comentada racionalidade que, aparentemente, deveria comandar nossas ações mais eficientes. Na vida real, geralmente não podemos emitir julgamentos acertados com base apenas na lógica, pois, o mais das vezes não dispomos de todos os dados da equação para decidirmos a melhor maneira de fazer ou de se comportar. Assim, seria favas contadas mudar de profissão, por exemplo, se soubéssemos que no futuro nossa decisão nos traria aquilo que desejamos em matéria de salário e satisfação pessoal. Num caso de perigo funciona assim: corra para se salvar, mesmo que depois descubra que a “ameaça” era apenas um galho com aparência estranha. Pois, na maioria dos casos, só podemos contar com nossa intuição e não com dados concretos e confiáveis, o galho era um bicho terrível, lembra?
De certa maneira, podemos recordar de nossa última viagem ao exterior muito melhor do que comemos no desjejum de hoje, a menos que nossa primeira refeição tenha sido algo inusitado como lagosta acompanhada de caviar beluga, ou tenhamos comido gafanhotos assados, por exemplo. Emoções fortes tendem a marcar nossa memória de maneira acentuada. As emoções salientam o efeito da experiência e fazem com que os fatos sejam consolidados na memória. A excitação mental que a emoção causa pode “marcar” áreas cerebrais de modo a formar armazenamento de longo prazo de detalhes importantes de um evento especialmente emotivo, em detrimento de detalhes periféricos não ligados ao caso.
Particularmente, não sou bom contador de piadas, me falta aquele “time” que torna o desfecho da anedota risível ou gargalhativo. Mas, consigo lembrar de muitas piadas – muitas centenas talvez – com o exato contexto em que foram contadas e quem as contou. Lembro até piadas que ouvi quando era criança de dez ou onze anos, e “vejo” na minha memória o momento e local que gargalhei ou ri de um bom desfecho. Por que essas lembranças tão vívidas? Emoção. Embora o humor não seja algo que se defina com facilidade, é fácil reconhecer situações risíveis, ou seja, se é engraçado para nós, rimos e pronto, não há uma chave de liga e desliga do humor, ele se impõe por si só.
Através do humor as pessoas se sentem bem, parece que ativa áreas de recompensa no cérebro que reagem a outros tipos de prazer como comer ou fazer sexo. Na verdade a gargalhada pode ser uma antiga reação dos hominídeos para indicar que aquilo que aparentava perigo era inócuo, então a gargalhada representava o prazer de estar vivo e saudável.
Portanto, as recompensas (emoções) do humor não são apenas de bem estar consigo mesmo. Quem faz os outros rirem está contribuindo para interação social e permitindo àqueles que riem desestressem. Portanto se nos divertimos com coisas que outros não acham engraçadas, provavelmente viveremos mais e melhor que os ranzinzas e resmungões. Então, quaisquer que sejam as emoções, elas sempre estarão contribuído para nossa qualidade de vida. JAIR, Floripa, 07/01/12
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sábado, 14 de janeiro de 2012

Ferrugem


Ferrugem, como sabemos, é o nome que se dá à oxidação do ferro e suas ligas, com honrosa exceção do aço inoxidável que, como o nome diz, não oxida, não enferruja. Assim, um dos maiores problemas da civilização é a oxidação, navios, edifícios, pontes, automóveis e a maioria dos artefatos de metal estão sujeitos a essa ação do elemento oxigênio que degrada os elementos com os quais se combina, abreviando a vida útil dos objetos e exigindo grandes investimentos para mantê-los “saudáveis” e funcionais.
Não cabe aqui explicar como o oxigênio age de modo a baixar o nível de energia dos elementos até torná-los novamente iguais ou próximos do minério que lhes deu origem – óxido de ferro, por exemplo. Cabe apenas lembrar que desde que o homem começou a construir objetos de metal, passou a lutar contra a ação do oxigênio, principalmente a degradante ferrugem. Somas enormes de recursos e horas e trabalho são empregadas todos os dias contra essa ação deletéria do O².
Tão importante é a prevenção contra a oxidação que corrói, que ao lançar ao mar um navio ou inaugurar uma ponte de ferro, se faz necessário um plano de prevenção imediatamente após a entrada em serviço de uma obra dessas. Não há caminho fácil para manter nossa civilização nos trilhos (alusão às locomotivas) se queremos continuar construindo à base de metais, em especial com ferro: produtos antioxidação são desenvolvidos e empregados cada vez mais, numa busca tanto insana quanto inútil de conter a ferrugem. De nada adianta: ferrugem não é acidente, é destino.
A ponte Hercílio Luz está localizada na ilha de Santa Catarina onde se encontra a capital do estado, Florianópolis. Foi construída para ligar o continente à ilha no local mais estreito entre uma e outro, local que foi apropriadamente chamado de estreito e acabou dando nome a um bairro continental onde hoje moro.
Essa é uma das grandes pontes pênseis do mundo e a maior do Brasil e é totalmente de aço (liga de ferro). Sua construção iniciou em 1922 e foi inaugurada a 13 de maio de 1926. O comprimento total é pouco mais e oitocentos metros, a estrutura tem o peso aproximado de cinco mil toneladas e o vão central tem 43 metros de altura. Todo o aço utilizado veio dos EUA, assim como a maioria dos técnicos e engenheiros. Lembremos que pontes pênseis chamam-se assim porque têm seu vão central suspenso por tirantes que se apóiam num cabo de amarração ancorado nas cabeceiras terrestres e que passam sobre dois pilares que sustentam todo o peso da estrutura. Há outras soluções de engenharia para pontes pênseis de concreto (vide ponte JK de Brasília), mas a ponte Hercílio Luz é do modelo clássico.
Pois bem, desde o momento que foi projetada, a construção dessa ponte que ainda é o cartão postal de Floripa, teve seus fundamentos eivados de lances obscuros e mal explicados que encheram o bolso daqueles áulicos que cercavam o governador que deu início às obras e acabou dando nome à ponte: Hercílio Luz. Quando se terminou de construir a primeira sapata de concreto o dinheiro acabou. Se os leitores estão acostumados ver denúncias de superfaturamentos na ordem 2, 3, 5 e até 10 vezes o custo inicial, pasmem: O custo inicial foi multiplicado por 700 no fim da obra. Considerando que naquela época não havia inflação, com o dinheiro gasto em UMA ponte daria para construir SETECENTAS pontes, ou uma ponte de 560 quilômetros. Por ter falecido em 1924 esse governador acabou não vendo sua obra acabada, mas, consta que seus herdeiros não se tornaram mais pobres com a construção da ponte.
Considerando uma obra que já nasceu viciada de corrupção e custos fora do orçamento, não é de estranhar que também não houvesse um plano de manutenção. Desde sua inauguração, embora sendo crucial para ligar a parte continental da capital à parte ilhoa, sua “manutenção” se resumia a uma pinturinha ridícula de tempos em tempos, pinturinha que mais escondia a ferrugem do que trazia qualquer benefício. Os custos dessa pinturinha, porém, sempre foram avultados. Pois, ia a Hercílio Luz capengando para levar gente lá da ilha para cá e vice versa, já existindo duas outras ligações de concreto, quando em 1981 descobriu-se que um dos elos do conjunto de amarração estava rachado. Resultado, a ponte foi interditada e entrou num sério regime de manutenção.
Então, por trinta anos, a ponte recebeu tratamento de obra doente e uma empresa ligada a gente do poder aqui em SC fazia esse tratamento. Foram gastos mais de 300 milhões de reais neste período. Agora, em 2011, “descobriu-se” que ela precisa de manutenção, está oxidada, a ferrugem corroeu algumas de suas partes estruturais de forma que se não houver substituição dessas partes ela ruirá. Recapitulemos: foram trinta anos de manutenção ao custo de 300 milhões de reais e agora se descobre que a ponte está podre, que a corrosão comprometeu sua estrutura e ela precisa de uma intervenção séria. TREZENTROS MILHÕES E TRINTA ANOS, dá para acreditar?
Pois é, caros leitores, esse monumento à ferrugem que se chama Hercílio Luz, que já foi cantada em redondilhas, hoje é apenas uma conta para pagar, o orçamento inicial para seu reparo é de 160 milhões de reais, já foram gastos mais de cem e não se pode dizer que alguma coisa foi feita, a não ser uns supostos pilares que devem sustentar o vão central para troca das “correntes” de amarração.
Aquela ferrugem, que definimos no início como a oxidação do elemento ferro e suas ligas, venceu novamente. Uma das estacas colocadas no mar para sustentar a ponte durante a fase de restauração sumiu. Técnicos do consórcio responsável pela obra investigam as causas do incidente. A estrutura estava cravada a 30 metros de profundidade, sete deles dentro de uma rocha. A estaca que cedeu faz parte de um conjunto que terá 16 pilares. As quatro bases que deverão sustentar as torres metálicas, nas quais a ponte ficará apoiada para troca de sequências de olhais condenados. Olhais que compõem 300 barras flexíveis, como elos de uma corrente de moto, que forma a corrente de amarração da estrutura. O pior é que ninguém sabe o que pode ter acontecido com ela a estaca, talvez uma marola mais irada a tenha quebrado e afundado. Como não devemos ter esperança que algum dia venhamos a cruzar aquele trecho de mar sobre a ponte pênsil, não há o que reclamar. Viva a ferrugem! JAIR, Floripa, 12/01/12.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Filme: O ovo da serpente




Bem, porque o filme me impressionou demais, me fez refletir sobre a intolerância e o preconceito humanos, quero registrar o que penso a respeito dessa obra de Ingmar Bergman filmada na Alemanha em 1977, e tendo David Carradine e Liv Ullmann como protagonistas. Bergman havia saído meio que em fuga da Suécia, em virtude de estar em desacordo com o fisco, e foi morar em Berlim ocidental onde rodou a película. O produtor é Dino de Laurentis, Carradine faz o papel de Abel Rosenberg e Liv de Manuela Rosenberg, sua cunhada, ambos com atuações impecáveis.
Abel é um judeu americano, trapezista desempregado e alcoólatra, que ficou sabendo que seu irmão acaba de se matar. Manuela, que fora casada com o irmão dele, (daí o sobrenome Rosenberg) convida Abel para morar com ela já que ele está meio desarvorado.
A história se passa em 1923, época em que o povo da Alemanha está lambendo as feridas da guerra perdida; as voltas com a hiperinflação aviltante que lhe corrói o poder aquisitivo em questão de horas; e no meio de uma indefinição ideológica que coloca direita e esquerda em conflitos armados nas ruas de Munique e outras grandes cidades. A República Weimar, recém inaugurada depois da guerra, é olhada por ambos os lados do espectro político como uma instituição vacilante e fraca, resultado de acordos espúrios entre os aliados que ganharam a guerra e a nobreza alemã que a perdeu, mas que não deseja entregar o osso, digo, o poder ao povo. Nesse caldo de cultura explosivo nascerá o Nacional Socialismo e Hitler, e o filme se antecipa a essas tragédias anunciadas mostrando uma sociedade “pronta” para absorver qualquer ideologia espúria que lhe venda um futuro, mesmo em troca de sua alma.
O angustiado Abel e sua cunhada se veem compelidos a trabalhar numa clínica clandestina que realiza experiências em seres humanos, embora isso eles não saibam. A clínica centenária “Clínica Santa Ana” é apenas um disfarce para experimentos terríveis com pessoas comuns, os cientistas que ali trabalham veem pessoas como meras cobaias que podem ser usadas para qualquer fim, sob quaisquer condições, a maioria das experiências termina em morte. O irmão de Abel - mais tarde ele veio saber - matou-se nessa instituição.
Acho que Bergman, na sua forma genial de dar recados, aponta o dedo acusatório para a sociedade alemã - ao invés de apenas para o Nazismo, Hitler e seus sanguinários acólitos – pela eclosão da guerra e pelo holocausto que a acompanhou. A alusão ao ovo da serpente é porque este permite que, através da translucidez de sua casca, pode ser visto o filhote que um dia eclodirá em forma de réptil peçonhento e maligno. A sociedade alemã dava toda indicação que buscava uma ideologia e um líder drásticos que a conduzisse ao inferno, se essa fosse a condição para sair do atoleiro de recessão e indefinição republicana que a deixara com o pincel na mão depois de lhe tirar a escada.
Por último, o filme se presta para uma reflexão sobre o momentum político que os aliados criaram ao tirar da Alemanha qualquer chance de se reerguer após a guerra de 1914-1918. E aqui cabe uma porção de “ses”: Se os aliados tivessem tratado a Alemanha com indulgência; se o ocidente interferisse na reestruturação alemã após a guerra; se o mundo tivesse enxergado o potencial sinistro daquela sociedade desenvolvida, culta, mas racista até a medula. A respeito desse último “se”, existe um livro, “Os carrascos voluntários de Hitler” que dá a medida que a sociedade alemã estava envolvida no extermínio de judeus. Nesta obra polêmica, o cientista político Daniel Goldhagen procura demonstrar que o Genocídio não foi um espetáculo de horror, organizado e perpetrado por nazistas insanos, ao qual os alemães teriam sido obrigados a assistir, mas, na verdade, foi o resultado de anseios amplamente compartilhados pela maioria do povo alemão durante a primeira metade do século. Segundo Goldhagen, o alemão médio não politizado até aplaudiu quando da instituição de medidas de genocídio do povo judeu. Parece que Bergman tinha a mesma opinião do escritor e conseguiu transmiti-la de maneira sutil através de “O ovo...”. E o apavorante dessa constatação é que fica implícito que Hitler e o Nazismo apenas tinham uma “antena” sensível para captar a vontade do povo alemão e levá-la até as últimas consequências, para horror daquela parte da humanidade menos afinada com a intolerância. JAIR, Floripa, 09/01/12.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Sobre gêneros

“Homens são de Marte, mulheres são de Vênus”, livro que pretende colocar homens e mulheres em campos opostos, é apenas um dos títulos a disposição do público que enfatiza a diferença de gêneros entre humanos. Para sermos politicamente corretos devemos considerar homens e mulheres iguais então? Nem pensar! O mundo está repleto de homens afetuosos e românticos (Vênus) e de mulheres agressivas (Marte) mas, no que toca a inteligência, não há qualquer diferença entre os gêneros. É claro que existem diferenças biológicas bem acentuadas entre homens e mulheres, por exemplo: os hormônios influenciam diferentes partes cerebrais de modo que o hormônio masculino (testosterona) e o feminino (estrogênio) atuam nos cérebros dos bebês em formação e também nos adultos. Daí, o formato dos cérebros de mulheres e homens diferirem em consequência desse “tratamento” hormonal diferenciado, embora as diferenças sejam só observáveis por cientistas treinados. O cérebro feminino apresenta maior número de conexões, enquanto o masculino é ligeiramente maior.
Considerando as diferenças de formato não é de se estranhar que os comportamentos difiram também. Contudo, a maioria das diferenças é cultural, instituída pela sociedade. Existe uma sociedade no Laos na qual a família escolhe um dos meninos para ser criado como menina. A ele é dado tratamento como se menina fosse; desde o berço até a adolescência suas roupas, preocupações, gestual e atividades são escolhidas de forma que se torne uma menina de direito, embora seu aparelhamento genético desminta esse gênero, ou seja, são meninos de facto. A esses meninos escolhidos é permitido somente frequentar classes de aula de garotas e até banheiros femininos. Como a sociedade na qual vivem não discrimina esses meninos-meninas, eles se sentem bem confortáveis, e não abdicam de sua “feminilidade” adquirida mesmo depois de adultos e conscientes de que foram obrigados a assumir aquela identidade. Consta que a porcentagem de homossexuais entre eles é a mesma que entre a população de homens “normais”, ou seja, de homens que foram criados como tal.
Como costumamos dizer, nossa sociedade é machista e, desse modo, as instituições foram criadas, na sua maioria, valorizando o trabalho e as atividades masculinas em detrimento das mulheres. Nas religiões, sejam cristãs ou não, as funções de guias (pastores, rabinos, mulás, padres etc) são masculinas, e não há qualquer indicação que isso tende a mudar em médio prazo. Até a década de setenta alimentava-se, nos EUA, a crença que mulheres eram menos dotadas musicalmente, dizia-se que elas não podiam tocar músicas clássicas nas orquestras. Dessa forma, as melhores orquestras eram essencialmente masculinas. No rastro do movimento feminista surgiu pressão para que os maestros e diretores de orquestra passassem a fazer testes com os candidatos músicos ocultos por biombos, para que pudessem ser ouvidos, mas não identificados. Resultado: vinte anos depois as grandes orquestras americanas têm um número igual de mulheres e homens nos seus plantéis, e nem por isso a qualidade de seus concertos caiu. Na Europa, como não existe esse teste cego, mais de oitenta por cento dos músicos das orquestras são homens, e muitos músicos continuam acreditando que as mulheres não tocam tão bem quanto os varões.
Existe o mito que homens são melhores que as mulheres em matemática, visto que é maior o número de homens que têm excelente desempenho em testes. Mas é verdade também que o número de homens com desempenho muito ruim é maior, ou seja, se quisermos dizer que os homens são melhores, temos que admitir que também são piores. Empatou, certo? A diferença crucial entre os gêneros é o que o desempenho dos homens é mais variado que o das mulheres.
Por último gostaria de dizer, homens e mulheres são iguais em direitos, deveres e inteligência e, fundamentalmente diferentes naquilo que interessa para a perpetuação da espécie: sexo. Já imaginou se mulheres fossem indistinguíveis de homens na aparência? Quem gostaria de fazer sexo com um “aparentemente” homem? Só homossexuais talvez, mas daí a continuidade da raça humana estaria garantida? Viva a diferença! JAIR, Floripa, 07/01/12.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Caixa preta

Numa flagrante contradição, alguns cientistas costumam afirmar que o cérebro humano é mais complexo que o universo, como se fosse possível o conjunto maior ser mais simples que seu conteúdo. Fazendo uma analogia barata: um automóvel é tão ou mais complexo que seu mais complicado componente. Não dá para ser diferente. De qualquer forma, mesmo não sendo mais intrincado e ignoto que o universo que nos contém, o cérebro que foi definido como “carne pensante”, é uma máquina que fascina a todos e que ainda não conseguiu ter suas funções plenamente desvendadas.
Então vejamos, o conhecimento sobre esse componente essencial da maioria dos seres do reino animal está sendo acumulado ao longo de centenas de anos. Na medida em que a tecnologia vai se desenvolvendo, é comum as pessoas compararem o cérebro ao que há de mais “avançado” no campo das invenções e descobertas, assim, ele já foi comparado às máquinas a vapor quando estas estavam no auge; a centrais telefônicas e até a motores a explosão interna. Hoje, como não podia ser diferente, o cérebro é comparado a um computador. Mas quanto dessa comparação pode ser verdade?
A aproximação mais evidente que se faz é dizer que a massa cinzenta que compõe nosso cérebro seria o hardware e as experiências e os saberes acumulados seriam o software. Nada mais lógico para que tem necessidade de “enquadrar” o cérebro em algo que conhece e do qual faz uma avaliação positiva. Contudo, ainda que comparado com o que há de mais adiantado tecnologicamente em nosso Planeta, a comparação torna-se essencialmente anódina se levarmos em conta que computadores são projetados - e não poderia ser de outra forma – como uma linha de montagem: as ações seguem uma linha lógica, não há errância, isto é, o computar não divaga, não percorre atalhos e não toma decisões “erradas”. Já o maravilhoso cérebro funciona mais como uma caótica cidade grande com seu tráfego, suas pessoas indo e vindo e todas as implicações boas ou más da interação entre tudo que se move e todos os “obstáculos” que impedem ou dificultam o livre fluxo. Têm que se levar em conta que no cérebro, como na cidade grande, nem tudo dá certo o tempo todo. Imaginar que o cérebro sempre faz a coisa certa é uma estultice que o próprio cérebro produz, e, talvez, aí resida o grande óbice porque não conseguimos desvendar todos os mistérios dessa extraordinária caixa preta biológica.
Agora vem minha opinião. Como quem nos comanda; quem dá as cartas em todas nossas ações e escolhas; quem conduz nossa civilização, é o cérebro, a ele poderia ser atribuído o poder de não se “desvendar” não se expor em todos os seus mistérios. Digamos que o cérebro se auto preserva ao não permitir que tenhamos pleno conhecimento de como funciona. O mecanismo de defesa desse órgão é, justamente, não delegar ao homem o poder do conhecimento, algo assim como: você só poderá saber até onde eu permitir. O homem é prisioneiro de seu cérebro egoísta, não lhe é dada a faculdade de conhecê-lo em profundidade.
Essa possibilidade me faz lembrar o conto de Arthur C. Clark, “Os nove bilhões de nomes de Deus”, no qual ele conta a história de cientistas contratados por excêntricos monges tibetanos para fazer uso de um super computador para analisar todas as possibilidades de permutações de letras e chegar aos definitivos nove bilhões de nomes de Deus. Quando todos os nomes forem encontrados, o mundo acabará, pois o propósito do Universo terá sido alcançado. Assim, antecipando-se à criatividade do genial Clark, nosso cérebro faz tudo para não ser desvendado, pois se um dia isso acontecer, o propósito do Universo terá sido atingido e não mais haverá motivo para continuarmos existindo, será o fim da humanidade. O cérebro nos terá, mais uma vez, vencido então. JAIR, Floripa, 05/01/12.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sobre o Paleolítico







No período compreendido entre 2,5 milhões a.C. Até cerca de 10 mil a.C., que os paleontólogos convencionaram chamar de Paleolítico, os homens eram essencialmente nômades caçadores-coletores, tendo que se deslocar constantemente em busca de alimentos. Também desenvolveram os primeiros instrumentos de caça e artefatos de uso doméstico como agulhas feitos em madeira, osso ou pedra lascada, e dominaram o uso do fogo.
Existe muita literatura a respeito e o assunto é fascinante para quem, como eu, gosta de fazer ilações sobre aquela vida primitiva em contato direto com os perigos e os benefícios que a natureza poderia oferecer. Na escola aprendemos que os índios do Novo Mundo estavam, em sua maioria, vivendo sobre a égide do Paleolítico superior em transição para o Neolítico, isto é, grande parte de suas armas e artefatos eram confeccionados de pedra lascada ainda. Restos de suas culturas podem ser encontrados nos museus e atestam com veemência as assertivas sobre suas habilidades na feitura dos instrumentos que usavam. Pontas de flechas, pontas de lança, machados, facas, bordunas, vasos, pratos e urnas mortuárias são exemplos dessas culturas da idade da pedra lascada.
Contudo, para mim, sempre ficou a interrogação de quão eficiente poderiam ser os artefatos de corte, principalmente. Peças de cerâmica são fáceis de serem avaliadas porque, mesmo na atualidade, suas feituras e formas mudaram muito pouco ou quase nada com relação àquelas antigas que repousam nos museus. Qualquer vaso encontrado nas feiras de artesanato por aí não difere muito da cerâmica marajoara antiga e sua qualidade e eficiência quanto á impermeabilidade é facilmente provada. Mas, as facas e machados de pedra lascada eram realmente eficazes no corte de couro e carne dos animas abatidos, e na confecção de artefatos de madeira? Pois é, essa dúvida que me perseguia teve uma resposta bastante convincente na semana precedente ao Natal a qual passei no interior de Minas.
Primeiro, pedra lascada significa que deve existir rocha ou rochas duras que lasquem de forma que as beiradas das lascas sejam afiadas, finas e resistentes o bastante para prover corte em troncos e galhos. Existe pedra com essas propriedades? Sim, existe. O basalto, rocha ígnea encontrável em derrames que formaram grandes platôs continentais, como, por exemplo, na Bacia do Paraná, no sul do Brasil, é um excelente candidato. Lembrando que, a formação das rochas ígneas vem do resultado da solidificação por resfriamento do magma derretido ou parcialmente derretido que aflorou em eras passadas. Normalmente as rochas ígneas são extremamente duras, caso do basalto, que ainda possui a faculdade de lascar formando bordas muito finas. Essa característica das rochas chama-se clivagem, isto é, clivagem em mineralogia é a forma como muitos minerais se quebram seguindo planos relacionados com a estrutura interna, paralelos às possíveis faces do cristal que formariam. A clivagem do basalto dispõe que ele se quebre em lascas afiadas naturalmente.
Assim, estando em Buritis para passar o Natal, conheci um riacho, tributário do Urucuia que margeia o município, usado para lazer pelos buritienses, cujo leito é formado totalmente de basalto. Minha curiosidade “científica” foi despertada pela presença da rocha que atende aos requisitos para confecção de instrumento de corte paleolítico. Então, me propus a fazer um experimento: usar lasca de basalto como “faca” para cortar um galho de árvore. Não foi muito difícil encontrar uma lasca, havia sinais que algum pedreiro andou quebrando várias rochas para uso em cantaria. Colhida uma lasca afiada intentei cortar um galho de árvore, o que fiz com bastante facilidade, mesmo considerando meu primarismo e falta de habilidade. O corte ficou “limpo” e o trabalho em si não levou mais que cinco minutos, imagino que homens da idade da pedra lascada pudessem fazer o mesmo trabalho, com menos esforço e num piscar de olhos. O resultado do desafio foi um pedaço especial de galho resistente e não muito grosso, em forma de parafuso. Essa rosca se deve a cipó que enlaça o galho como uma cobra constritora e o deforma na medida em que cresce, nada muito incomum numa floresta de transição do cerrado mineiro. O galho cortado e a lasca afiada eu os trouxe para casa e suas fotos ilustram esta matéria.
Pelo que resultou do experimento: um galho com corte limpo e uma lasca de basalto ainda afiada depois do uso, dá para concluir que fazer corte em carne e pele de animais não seria tarefa muito árdua ou fora de propósito para o homem do paleolítico que dispusesse de basalto na região na qual vivia. Se houver oportunidade, pretendo demonstrar que minha lasca de pedra poderá ainda ser usada em outros cortes mais desafiadores, pois confesso que me senti quase um troglodita quando da prova a que me submeti. JAIR, Floripa, 04/01/12
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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A passagem



Morrer, como nascer, é um ato individual e absolutamente solitário, não se compartilha um e outro. Só quem já ultrapassou o divisor de águas entre estar vivo e não mais fazer parte desses que podem ler isto que escrevo, é que pode falar sobre a morte, tudo o mais é especulação. A morte nem sequer é dolorosa em si, o ato de morrer é menos que indolor é passivo, ninguém morre “ativamente”. O indivíduo pode até ter provocado o ato que o levou a morte, mas a passagem é própria do corpo, e este não a delega a ninguém. Se a morte se aproxima por doença, perdemos a vontade de nos alimentar e beber, o corpo torna-se pouco exigente, não há necessidade de repor energias a um corpo que não tem como aproveitá-las. Então nos desidratamos e inanimos sem maiores traumas. Deixamos de secretar, nos secam as mucosas e não há lágrimas, e isso se torna reconfortante, nosso corpo está concentrado no ato de partir apenas. Os sofrimentos deixam de existir, não há passagem dolorosa, ao contrário do que pensa a maioria das pessoas. Se o moribundo está gemendo no leito de morte, não é esta que lhe está sendo desconfortável, o que dói é a vida. Nosso cérebro esvazia, se acalma, deixamos de pensar. Uma espécie de cansaço se instala em nossos neurônios e estes deixam de fazer sinapses, a não ser aquelas ligadas ao ato de morrer. Nesse momento se instala em nós um sentimento de bem estar, às vezes até de euforia, uma espécie de portal convincente e atrativo se abre a nossa frente, queremos adentrá-lo, mas não temos pressa, não estamos estressados, ansiosos, apenas calmos e contemplativos. As vontades, desejos, necessidades angústias e incertezas se esvaem, surge um vácuo de sensações. Vemos e ouvimos tudo ao redor, só não sentimos mais necessidade de conversar ou interagir com coisas e pessoas que nos circundam. Neste momento, o ato de segurar a mão de um ente querido não pode ser interpretado como vontade de viver, é um simples gesto de despedida. Às vezes, nos chamados momentos finais, podemos entrar numa espécie de sono profundo, estado que os médicos costumam chamar comatoso, nesta hora enxergamos uma luz branca difusa que preenche todo nosso campo visual, não há sombras nem pontos escuros. Deixa de existir frio ou calor, que são substituídos pela total ausência de temperatura, os sons também dão lugar a uma espécie de silêncio que preenche todo o universo. Em seguida nossa respiração cessa. Nesse momento os músculos relaxam e se instala uma sensação de paz completa, o mundo, como o conhecemos, deixa e existir, e do lado de cá as dores e sofrimentos são sentimentos desconhecidos. Acreditem, sei do que estou falando, já passei para o lado de cá.