domingo, 31 de julho de 2011

A tribo



Os registros da história da humanidade nos contam que o Homo sapiens, ao contrário de muitos outros animais, jamais passou por período de vida solitária, vida diretamente desvinculada de seus semelhantes. Quaisquer que sejam os motivos, cooperação para caça, segurança, necessidade imperiosa de reprodução ou simples desejo de convivência, desde os primeiros tempos, os homens formaram grupos. Infere-se, baseado em evidências que na fase de caçadores-coletores, os homens conseguiam “produzir” mais quando em grupos que lhes facilitavam a cobertura de área maior em busca dos frutos ou da caça, assim como a memória de cada um somada a dos outros lhes permitia lembrar quais os sítios mais produtivos ou favoráveis em certas estações, ou onde se encontrava água em determinadas regiões. Assim, grupos minimamente organizados não eram abstrações ou acidentes de percurso, eram imposições que poderiam salvar vidas nas épocas de escassez.
Provavelmente, deve ter havido no passado muitas ocasiões em que as oportunidades inesperadas de caça abundante encorajaram as pessoas a se reunirem em grupos maiores para explorá-las: o arquivo arqueológico apresenta evidências desse tipo de atividade, como restos de bandos de babuínos abatidos no Quênia, há meio milhão de anos; ou um grande número de elefantes abatidos em época similar na Espanha. Provavelmente havia um imperativo categórico que compulsava indivíduos a se reunir para sobreviver, a cooperação não era graciosa, fazia-se necessária. Seria simplesmente impossível explorar com sucesso uma grande variedade de recursos disponíveis aos caçadores-coletores, a menos que se juntassem numa estreita cooperação.
Quando os seres humanos descobriram vantagens em tornarem-se sedentários, quando domesticaram os primeiros animais que lhes forneciam comida, peles para abrigos e companhia; quando, ao invés de apenas colher o que a natureza oferecia, passaram a plantar os primeiros vegetais comestíveis, mais uma vez, a vida coletiva mostrou seus benefícios. Agora, no lugar de bandos errantes, surgiam grupos mais coesos e organizados, agora havia espaço para que famílias pudessem formar-se e que parentes pudessem reunir-se em locais próximos uns dos outros. Assim, formaram-se as primeiras aglomerações chamadas tribos. Essas tribos primitivas tinham como centro a família nuclear, avôs, pais, filhos, tios e sobrinhos. Obviamente, as tribos bem aquinhoadas em matéria de local onde comida e segurança estivessem disponíveis em boa medida, atraíam outras famílias, aparentadas ou não, que se agregavam àquelas e fortaleciam a identidade tribal. De certa forma, a tribo agora formatada por adesões externas, era um grupo coeso que estimulava a formação de outros grupos idênticos que copiavam o modelo que deu certo.
Não há consenso, mas antropólogos modernos estudando os povos primitivos que ainda sobrevivem, estimam que grupos errantes tendiam a ser compostos por vinte cinco pessoas, pois isso permitia maior mobilidade e não esgotava rapidamente os sítios onde se encontravam as colheitas. Contudo, ao formarem aglomerados sedentários, esses grupos familiares se reuniam formando tribos que giravam em torno de quinhentas pessoas. Esse número quase cabalístico permitia a interação sexual entre os indivíduos sem que houvesse cruzamentos entre parentes. Até hoje, seja nas tribos isoladas da Amazônia, seja no out back australiano ou no kalahari africano, grupos tribais estáveis tendem a permanecer em torno de quinhentos indivíduos. A despeito de algumas variações que podem ser explicadas pelas condições locais, o tamanho das tribos em muitas partes diferentes do Planeta chega infalivelmente a quinhentos indivíduos.
Contudo, tribos não são apenas invenções de antropólogos, ansiosos por analisar a vida de povos primitivos, por meio de uma divisão artificial de sua estrutura social. Aliás, a síndrome tribal, se é que podemos arriscar esse rótulo, nos acompanha e nos impõe sua força até na sociedade moderna, nenhum indivíduo contemporâneo pode afirmar que não pertence a tribo alguma. Vejamos, não é só uma maneira de dizer que bandos de punks, emos, góticos e outros indivíduos de comportamento exótico se reúnem em grupo que chamam de tribos, nós todos pertencemos a diversas tribos ao mesmo tempo! A sociedade moderna, talvez até pela complexidade estrutural, manteve e ampliou o conceito de tribo, não há qualquer nação, país ou civilização atual que não se subdivida em tribos que, como conjuntos menores inseridos no universo humanidade, se somam, subtraem, intercalam, pertencem ou não pertencem em relação aos demais.
Engana-se quem acha que as tribos são formadas e apreciadas apenas por jovens. Todos nós adultos que participamos e formamos grupos sociais, participamos de tribos, mesmo que apenas temporariamente. Afinal, quem não pertence a um grupo profissional, quem não estuda ou estudou em escolas, quem não participa de alguma atividade coletiva, quem não joga sua pelada aos domingos, quem não vai ao cinema, ao restaurante, quem não gosta de feijoada, de churrasco. Ora, em qualquer momento estaremos “inseridos” numa tribo, seja na dos oficiais da reserva da FAB, seja na dos blogueiros ou nos leitores de histórias em quadrinhos, dos tuiteiros ou colecionadores de selos. Para muitos, esta é uma forma de investir um tempo em algo que gosta e aprecia, e claro, para também se divertir e relaxar. Dentro da sociedade moderna a tribo é o que mais se assemelha a uma conjunção de interesses e escolhas comuns, a tribo é o conjunto menor que se insere na sociedade como um todo, e é o elo que nos mantém atrelado aos nossos mais arraigados e primevos instintos de sobrevivência, a tribo é a forma crucial de nossa sociedade, forma que permitirá que a humanidade se sustente depois que uma catástrofe, como um asteróide, o qual sabemos que virá, atingir o Planeta e decompor isso tudo que construímos, e só restarem indivíduos errantes. Se, como se supõe, o instinto tribal continuar existindo na sua forma primitiva, a tribo salvará a humanidade. JAIR, Floripa, 12/06/11.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Infinitudes

A infinitude é provavelmente a idéia mais profunda e desafiadora com a qual o ser humano pode se deparar. Seja do ponto de vista religioso, filosófico, físico ou matemático, o infinito desafia a capacidade neurônica dos homens. Deus tem poderes infinitos? Como o tempo é algo que não tem fim? Onde acaba o universo? Quantos números há? Estas indagações inquietam a mente do homem e fazem principalmente os matemáticos exaurirem suas teorias, teses, postulados, teoremas, axiomas e proposições na busca de uma resposta que provavelmente não existe.
Quando comecei a ter noção de matemática, lembro-me de ter me perguntado quantos números existem, e me angustiado com a possibilidade de não existir uma resposta ou que essa resposta simplesmente aumentasse o mistério: infinitos. O processo cognitivo do qual nos valemos para entender as coisas, tende a “numerificar” aquilo que não captamos de imediato. Assim, a primeira vista, o infinito nos parece um número desconhecido, mas representado pelo símbolo chamado lemniscata, que se assemelha a um 8 deitado.
Mais profundo se torna o mistério do infinito quando aprendemos que some-se, subtraia-se, multiplique-se ou divida-se qualquer número pelo infinito e este não se altera. E mais, como se fosse pouco, há um número incalculável de infinitos, ou seja, há infinitas infinitudes. É simplesmente assustador existir plural dessa entidade.
A primeira pessoa a se preocupar com o infinito foi o filósofo grego Zenão que viveu no século cinco antes de Cristo. Zenão costumava criar paradoxos para provar que o infinito existia. Depois dele, o cientista que mais se destacou ao encarar o desafio do infinito foi George Cantor, professor da Universidade de Halle na Alemanha. Cantor se envolveu tanto em provar que existiam infinitos maiores que outros, que acabou sendo internado num manicômio onde terminou seus dias como esquizofrênico incurável. Foi uma vítima dessa entidade tanto misteriosa quanto terrível: a infinitude.
Pois bem, e um ser humano comum que não quer provar nada e que apenas pensa a respeito? Eu, esse ser humano comum, me inquieto com algumas propriedades do infinito. Por exemplo: se considerarmos todos os números, podemos facilmente responder que são infinitos, certo? Se considerarmos apenas os números positivos começando do zero, também não é difícil admitir que são infinitos, não é mesmo? No primeiro caso temos uma série aberta, no segundo uma série fechada num extremo, neste caso o zero é o início da série que se perde no infinito. Mas, quantos números decimais existem entre o 1 e o 2, por exemplo? Podem ser contados? A intuição matemática nos diz que não podemos contar esses números, portanto são infinitos. Mas como? Infinito com um começo (1) e um fim (2)? Como é possível confinar algo que não tem fim, que não pode ser medido, dentro de um espaço bem definido? É como dizer para um religioso que Deus é limitado por uma forma da qual não pode sair, da qual não pode se livrar. É como afirmar para um astrônomo que o universo acaba numa margem, que a partir dessa margem nada mais existe. Mas o nada também não é alguma coisa? É como falar para o filósofo que o tempo começa e termina em algum ponto. Depois que o tempo acaba existe o quê? Não tem sentido. Essas questões me angustiam profundamente e procuro respostas em Cantor e outros matemáticos, mas eles se esquivam, preferem teorizar sobre as propriedades das infinitudes e eu continuo a ver infinitos navios. JAIR, Floripa, 26/07/11.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Identificação forense



A história forense registra que, para identificação de pessoas, seja para reconhecimento de paternidade, estabelecer identidade de perpetradores de crimes, identificar cadáveres ou para outros propósitos, sempre se valeu de indícios e provas indiretas que determinam ou apontam o agente ou objeto do evento. Ou seja, no caso de paternidade, por exemplo, os tipos sanguíneos dos pais determinam os dos filhos, de modo que é prova cabal de exclusão se o sangue do filho não combinar com os supostos genitores. Neste caso, se há coincidência tipológica, não prova nada. O mesmo vale para a cena de um crime, haverá exclusão dependendo do tipo de sangue, sem, contudo, constituir prova em caso de coincidência. Assim, identificação de pessoas ausentes por tipagem sanguínea é uma técnica bastante limitada, a investigação forense se vê em maus lençóis se dispuser apenas desse recurso.
Então, em 1883 o médico holandês Arthur Kollman observou que os desenhos datiloscópicos em cada ser humano já estão definitivamente formados ainda dentro da barriga da mãe, a partir do sexto mês de gestação, e são individuais de cada pessoa. O princípio da imutabilidade, por sua vez, diz que este desenho formado não se altera ao longo dos anos, salvo algumas alterações quase sempre temporárias que podem ocorrer devido a agentes externos, como queimaduras, cortes ou doenças de pele, como a lepra. Já o princípio da variabilidade garante que os desenhos das digitais são únicos tanto entre pessoas como entre os dedos do mesmo indivíduo, sendo que jamais serão encontrados dois dedos com desenhos idênticos. Essa característica permitiu o nascimento da datiloscopia, ciência forense que se aplica à identificação de indivíduos pelas marcas que a oleosidade de seus dedos imprime numa superfície qualquer. Há que se notar que em grande parte do Planeta, onde existem populações expressivas de analfabetos, essa técnica é extensamente usada na vida diária como única forma de “assinatura” por parte dos que não sabem ler.
Técnica amplamente usada em muitos países, a datiloscopia depende de um banco de impressões digitais armazenadas de modo a ser consultado quando se necessita fazer comparações. Na falta de arquivo ou ausência de marcas no local do crime, essa técnica é totalmente inútil. No Brasil, embora a datiloscopia faça parte do currículo dos peritos policiais, não existem arquivos nacionais nem estaduais dos quais a polícia possa se valer para comparações. Os peritos estão limitados a retirar as impressões digitais de um suspeito e comparar com as encontradas no local do crime. Se não houver suspeito não haverá como proceder. Nunca na história deste país houve qualquer condenação em tribunal baseada em impressões digitais. Talvez isso explique o pouco cuidado que polícia brasileira exibe ao manusear armas encontradas em cenas de crimes. Só que a ciência forense felizmente pode se valer de outra técnica, mais apurada e melhor.
A partir do início da década de noventa a ciência forense passou a utilizar cada vez mais uma técnica conhecida como “Impressões digitais genéticas”, a qual não é digital na acepção do termo, ela se baseia em vestígios orgânicos que as pessoas deixam: fluidos corporais como suor, sangue, saliva, urina, sêmen e até restos de pele ou cabelos. Nada muito estranho, já que todo ser humano possui um conjunto de genes único, ou, no mínimo, ligeiramente diferente do conjunto de qualquer outra pessoa do Planeta.
Assim, dá para se imaginar que seria muito simples usar métodos que proporcionassem uma rápida comparação entre DNAs, mas a coisa não era tão fácil. Contudo, em 1980, a ciência tomou conhecimento que nem todo DNA contém informações genéticas, parece que existe uma quantidade enorme de DNA que não possui códigos genéticos que comandem alguma função ou órgão corporal, a esse material os cientistas passaram a chamar de “lixo genético”, supondo que ele estava ali por que nosso corpo não sabia como eliminá-lo, embora essa tese seja apenas provisória. Só que o cientista da Universidade de Leicester, Alec Jeffreys e sua equipe, descobriram que esse material continha uma vasta quantidade de sequências repetitivas que podiam ser facilmente identificadas em cada indivíduo. Jeffreys chamou esses blocos de “minissatélites” e criou um método de retirá-los de qualquer amostra corporal e analisá-los de modo isolado, método chamado “eletroforese”. As porções de matéria orgânica necessárias para efetuar a eletroforese são insignificantes, então, não havendo contaminação das amostras, qualquer respirar sobre uma superfície de vidro, por exemplo, constitui uma boa fonte de material a ser interpretado. Depois, Jeffreys descobriu que os “minissatélites” contém sequências que sempre são compostas de 50% dos genes de cada genitor, daí, identificar paternidade, tornou-se corriqueiro e aceito pela justiça de quase todos os países.
Como é quase impossível que, involuntariamente, não deixemos “rastros” genéticos por onde passamos na forma de suor, saliva e restos de peles e cabelos, a ciência forense passou a ter um instrumento particularmente eficiente na identificação de pessoas. Os EUA, que já possuem o maior banco de impressões digitais do Planeta, agora estão compondo um banco de DNA que ficará disponível para todas as polícias e órgãos públicos envolvidos com identificação de indivíduos. Enquanto isso, num país abençoado por Deus abaixo do equador, nem impressões digitais constituem instrumento útil para qualquer finalidade forense. Aliás, alguém já viu, por exemplo, identificação de analfabetos por suas impressões obrigatórias em seus documentos? Eu nunca vi, nem ouvi falar. JAIR, Floripa, 20/07/11.

sábado, 23 de julho de 2011

Receita de bolo

Para se construir um imbróglio que tenha justiça, polícia, interesse do público e que dê notícias na tevê, jornais e internet, a receita é bastante simples: Pegue um jogador de futebol jovem, cheio de hormônios e muito confiante, que não necessita ser bonito, de preferência que jogue ou tenha jogado no exterior; acrescente a ele uma conta bancária com mais de sete dígitos e carros bacanas; coloque-o nas revistas coloridas sem conteúdo e em programas de tevê que nada dizem; permita que ele esteja disponível; pode ser solteiro, viúvo, separado e até casado, desde que apareça sozinho. Agora pegue uma gostosa Maria chuteira bem atrevida, dessas que freqüentam treinos dos times de futebol e, se deixarem, até vestiários e que se vista com roupas mínimas; se for loura bem melhor, mas não é um atributo indispensável; permita que a Maria chuteira se aproxime do jogador e lhe faça propostas irrecusáveis; deixe que saiam juntos algumas vezes até que ela fique grávida, se houver casamento melhor, se não, a gravidez é o suficiente; deixe que o filho de ambos nasça e obrigue o jogador a reprimir sua libido e a tornar-se fiel. Consinta que a Maria chuteira se acostume a gastar milhões em jóias, roupas, apartamentos e viagens à Europa. Faça com que a carreira do jogador decline naturalmente ao mesmo tempo em que a relação com a Maria azede porque o jogador já não mais é fiel. Tenha no país uma legislação que, apesar de estarmos no século vinte e um, estabeleça que o homem sempre é o responsável pela manutenção da mulher. Coloque um advogado ávido por fama e dinheiro assessorando a companheira do jogador decadente e infiel e deixe ferver na mídia por alguns dias. Tenho certeza que não existe receita tão boa para gerar manchetes e extasiar o público. No Brasil, esse “bolo” é servido bem quente com direito a gritos de aprovação de quem gosta e de repúdio daqueles que detestam. Bom proveito! JAIR, Floripa, 23/07/11.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Frankenstein



Cada um dos aglomerados humanos chamados cidades tem características próprias, seja por sua situação geográfica, por sua vocação econômica, pelo clima ou pelas etnias que compõem a fauna humana que formam suas populações. Assim, urbes litorâneas costumam ter certa vocação turística e, por força dessa orientação, constroem infra estrutura que lhe dão suporte aos turistas, nada mais que o esperado. Outras cidades industrializam-se por motivo geográfico ou político e adquirem feição diferente de suas congêneres não industrializadas. Há, ainda, o fator humano que delineia não só a aparência desses aglomerados, como também suas atividades primárias e secundárias. Entendendo-se por atividades primárias aquelas voltadas para o benefício econômicos dos empreendedores, como as indústrias de transformação, os serviços ou a agropecuária; e secundárias as atividades que dão suporte as primeiras, como as escolas, a indústria de construção e os serviços como de lavanderias e restaurantes.
Quanto à história e geografia, a regra geral é que as cidades costumam nascer de pequenos povoados criados a partir da fixação de pioneiros em sítios que pelas suas condições geográficas eram, naquele momento, apropriados. Ou seja, no passado, viajantes com intuito de ocupar a terra geralmente se fixavam em beiras de rio onde, supostamente, tinham um meio de locomoção fácil, além da água para suas necessidades. Daí, se o local provasse sua qualidade, surgiam novos migrantes, novos ocupadores que, somados ao crescimento vegetativo da população formavam o primeiro núcleo do que viria a se tornar um vilarejo. As vilas ou aldeias só viriam a se tornar “adultas”, ou melhor, cidades, se as condições apropriadas se mantivessem e a elas fossem somadas vias de acesso que permitissem comunicação com outros núcleos de modo que o intercâmbio de bens e serviços pudesse dar suporte a um crescimento constante e durável.
Claro que esse empirismo na criação de cidades, no mais das vezes, determina a forma caótica que elas costumam assumir quando se tornam maiores, não há como prever uma urbe organizada e funcional a partir de métodos baseados na vontade de cada um, sem qualquer orientação formal, o homem, quando deixado a vontade, vira anarquista, a sociedade urbana também.
Pois bem, nenhuma cidade que se formou e cresceu sem peias tornou-se urbanisticamente organizada, essa é uma verdade cristalina, nossas metrópoles são exemplos cabais dessa assertiva. Então qual é a solução? Construir cidades planejadas seria a resposta. Belo Horizonte, Goiânia, Maringá e Brasília são cidades planejadas tendo em vista uma melhor ocupação do solo, melhor fluxo do trânsito e melhor distribuição dos serviços. Não deu certo pelo que sabemos, é lamentável.
Hoje estou em Brasília, cidade especialmente construída para ser capital da república, cidade que pelo planejamento inicial deveria ser um exemplo de organização urbana voltada para o bem estar do cidadão e que permitisse um crescimento ordenado em todas as direções. Se esse era o escopo inicial, quase tudo saiu errado, hoje, Brasília mantém o chamado Plano Piloto com suas largas avenidas e blocos residenciais dentro do que foi planejado, contudo, essa ilha da fantasia está rodeada de caos turbulento no melhor estilo das cidades construídas a olho. O Plano Piloto foi concebido com formato aproximado de pássaro de forma a conter a população, os setores administrativos e os setores de serviços de apoio, com quadras marcadas em código alfa-numérico a partir do centro para a periferia em ordem crescente, mas exauriu a capacidade de absorção há muitos anos suscitando o aparecimento de bairros e cidades satélites populosos e não planejados que crescem como cogumelos para todos os lados.
Ao conceber Brasília, seu criadores, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, capitaneados por Juscelino, não previram, por desconhecimento ou arrogância, a absorção dos “candangos”, homens que vieram de quase todas as latitudes, mas principalmente do nordeste, trabalhar na construção da capital. Assim, os operários ao serem dispensados se fixaram de qualquer maneira num bairro, hoje extremamente valorizado, ao lado do Plano Piloto, mesmo porque, a política ocupacional da época estimulava a migração de gente para ocupar espaços na capital. O bairro dos ex-construtores, chamado Vila Planalto, foi erigido sem qualquer planejamento, sem qualquer infra estrutura e tornou-se o embrião de outros bairros que vieram a seguir. Somado ao caos de bairros e cidades periféricas populosas e bagunçadas, os meios de transportes coletivos são precários, a concepção da cidade só prevê a circulação de carros. Aliás, andar a pé nesta cidade sem esquinas é quase impossível, ainda que o motorista brasiliense respeite o pedestre, a concepção viária da urbe não prevê circulação de gente, só de carros.
“Frankenstein”, romance de Mary Shelley, conta a história de um cientista que constrói um homem a partir de partes de pessoas mortas. A intenção do construtor era fazer um ser com as melhores características: bondoso, inteligente, forte e generoso. Contudo, o ser estranho foge do controle do criador e passa a distribuir morte e destruição a sua volta. Brasília é o Frankenstein de Juscelino, fugiu do controle e se tornou uma excrescência no Planalto Central. Aglomerado urbano todo remendado e disforme, com avenidas congestionadas, gente superlotando os pontos de ônibus mal concebidos e depredados, metrô de superfície ruim e insuficiente, ruas e calçadas esburacadas mesmo no Plano Piloto e endereços engendrados de forma a só os iniciados poderem decifrá-los. Vejamos esta charada de letrinhas que eu deveria desvendar para participar de uma festa de casamento: SMLN MI trecho 5, Lago Norte. Endereço que nem o motorista do táxi auxiliado por GPS conseguiu achá-lo, chegamos ao local por puro acaso. Brasília, além disso, está situada no longínquo Planalto Central, de maneira que nem os administradores possam olhar olho-no-olho do povo, nem este possa se deslocar até lá para fazer suas reivindicações. A Ilha da Fantasia é inalcançável como uma vestal e perfeitamente descartável como capital, se não existisse e a administração do país se fizesse a partir de outra cidade, todos ganhariam, exceto os parasitas que constroem mansões no Lago Sul com dinheiro proveniente dos laços que mantém com o poder. É revoltante, toda opulência que se vê por aqui não é fruto do trabalho produtivo, da geração de bens ou serviços como em qualquer outra cidade, o dinheiro – bilhões de reais - que flui num sentido só: dos cofres do poder para os bolsos dos áulicos, provêm do nosso suor, nós contribuintes que pagamos impostos extorsivos os quais não revertem em benefícios dos cidadãos. O Frankenstein do planalto é um ogro voraz que se alimenta do trabalho e da alma dos brasileiros. Precisamos de um Nero que, num ímpeto insano, ateie fogo e destrua esse monstro e torne o povo liberto de suas fauces devoradoras de riquezas. Vade retro Brasilenstein! JAIR, Brasília, 19/07/11.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O lixo na história




Se há uma característica universal que define o ser humano é a produção de lixo. As pessoas sempre deixaram e deixam restos espalhados por onde passam, lixo é uma marca da civilização. Vemos a prova disso em todas as partes, nas ruas das cidades, nos rios e oceanos e nos depósitos apropriados, os chamados lixões. Aliás, existe até uma matéria de estudo, “lixologia”, que consiste em xeretar os restos de pessoas célebres para descobrir detalhes de suas vidas. Nossos museus exibem objetos salvos dos restos de outras épocas: moedas celtas, cerâmicas egípcias e marajoaras, porcelanas chinesas, tecidos astecas e incas, objetos de culto maias, armas e instrumentos de uso domésticos diversos. A lista é interminável, e as peças contam a mesma história genérica: os humanos fazem objetos, usam-nos e depois os descartam, jogando-os fora como coisas imprestáveis, ou ocasionalmente ofertando-os numa cerimônia fúnebre, como os sepultamentos de pessoas importantes, sepultamentos os quais os egípcios praticaram em grande escala.
Esse lixo, esses restos de culturas passadas são a base da arqueologia. Lembrando que arqueologia é a disciplina científica que estuda as culturas e os modos de vida do passado a partir da análise de vestígios materiais. É uma ciência social, isto é, que estuda as sociedades, podendo ser tanto as que ainda existem, quanto as já extintas, através de seus restos materiais, sejam estes objetos móveis ou imóveis. Incluem-se também no seu campo de estudos as intervenções feitas pelo homem no meio ambiente, como os canais de irrigação, as escavações para retiradas de minérios, as represas, os desmatamentos etc.
As moedas, os cacos de cerâmica, os ossos, os tecidos, os objetos de uso corriqueiro, as armas e as construções das eras passadas nos fornecem vestígios do comportamento de nossos ancestrais, de como geriam suas economias, de suas crenças, de seus níveis tecnológicos e do que era importante para eles. O que os arqueólogos recuperam em suas escavações são imagens de vidas passadas, mas essas imagens não são tiradas prontas do solo: elas são reconstruídas lenta e meticulosamente a partir de informações contidas nos objetos encontrados. A arqueologia é uma investigação policial, na qual todos os personagens estão ausentes e só sobreviveram alguns fragmentos desconexos de seus pertences. Contudo, tem sido possível, em muitos casos, preencher os detalhes da história. Muito conhecimento do que se faz e alguma imaginação combinados são ferramentas eficazes para completar as lacunas. É como um jogo onde, numa série, faltam alguns números e cabe ao desafiado encontrá-los. Os arqueólogos sabem, por exemplo, como os incas operavam sua economia altamente estruturada de bem estar feudal e como os romanos organizavam seu império expansionista.
Enquanto o trabalho de detetive envolvido na reconstrução dessas civilizações é intrincado, os arqueólogos que se interessam pelos primeiros estágio da evolução humana, olham com inveja a documentação abundante dos períodos mais recentes. Um dos aspectos mais evidentes da história humana é o aumento constante na produção de lixo, tais como artefatos, roupas e objetos de uso doméstico. À medida que a busca retrocede em direção às nossas origens, encontram-se registros arqueológicos cada vez mais escassos. Em algum momento entre dois e três milhões de anos atrás, os artefatos humanos desapareceram completamente dos registros arqueológicos. A tarefa de descobrir o que faziam nossos antepassados mais antigos torna-se uma tarefa mais difícil na medida em que se retrocede no tempo. Inferência: quanto menos “civilizado” menos lixo! Então, logicamente, quanto mais tecnologia o Homo adquire, mais lixo produz e mais “rastros” deixa, seus descartes são proporcionais ao nível tecnológico que desfruta. Se nossa civilização desaparecer e, depois de milhares de anos, algum alienígena aqui chegar, não teria a menor dificuldade em reconstruir a cultura de nossa era, o lixo que produzimos seria uma enciclopédia aberta para que eles lessem nossa história.
Assim, a despeito de estarmos entupindo o Planeta com nossos despejos, resta-nos o discutível consolo de estarmos deixando uma assinatura que servirá para mostrar para a civilização que vier depois da nossa, - em consequência de nossa extinção quando o asteróide chocar-se com a terra - como não fazer as coisas. Nosso lixo, escrito em forma de polímeros e restos industriais e domésticos que levam milhares de anos para degradar, é a Pedra de Roseta que deixamos para a posteridade! JAIR, Floripa, 05/07/11.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Réquiem para um aviador

Rivaldo e eu no B-707.

Num texto sobre aviões, escrevi: “Os aviões parecem sólidos, pétreos, firmes, mas na verdade são máquinas frágeis e elegantes. Não é à toa que os aviadores preferem chamá-los de aeronaves, nome feminino mais de acordo com sua natureza débil, seu perfil nobre e suas curvas suaves e, por que não dizer, sensuais. Mesmo aviões imponentes com turbinas enormes e de grande potência como o gigante de transporte militar Galaxy; ou o Airbus 380 com capacidade para mais de quinhentos passageiros, são máquinas meigas e femininas com aparências voluptuosas” Acrescento que as aeronaves não são perigosas, perigosos são os homens que as manejam, ou melhor, as atitudes dos homens que as manejam, desde o mecânico que as deixam prontas para o voo, passando pelo meteorologista que desvenda os mistérios dos fenômenos climáticos que elas deverão enfrentar, até aqueles que as conduzirão ao destino.
Ontem, meu amigo Rivaldo, aviador de tantos anos, cuja experiência e habilidade no comando de aeronaves o colocavam no extremo de excelência, foi vitimado por fatores adversos desconhecidos que lançaram a aeronave LET 410, a qual pilotava, ao solo. Faleceu meu amigo, próximo à praia de Boa Viagem, local que ele havia eleito como sua morada, e onde pretendia viver uma aposentadoria tranquila nos próximos anos. Faleceu um amigo que, apesar de já entrado nos sessenta e tantos, tinha uma alma jovem conduzida por um corpo bem cuidado à custa de exercícios e de alimentação saudável. Rivaldo era daqueles que, sem ser proselitista, apregoava o bom viver e uma vida ativa.
Hoje o mundo aviatório está um pouco menor e bem mais triste, Rivaldo, como disse um amigo meu, deve se juntar àqueles aviadores do passado que estão num local só deles, onde a conversa é boa e as recordações melhores ainda. Tive a fortuna de voar com Rivaldo alguns anos na empresa BETA e, além disso, de privar de sua amizade que se manteve até ontem apesar de morarmos em cidades distantes, costumávamos nos telefonar e na última vez que falamos ficamos acertados que eu e minha mulher iríamos a Recife onde nos encontraríamos. Agora fica só a saudade.
Rivaldo perdeu a esposa há alguns anos e acreditava que um dia ia encontrá-la lá onde estivesse, se existir essa possibilidade, hoje ele está feliz ao lado dela. Vai Rivaldo! Não te sintas amargurado, onde quer que tu estejas, ainda que te vejas triste por não poder contemplar um tapete de nuvens, sentir o aroma das flores ou ouvir o som de uma sinfonia, não chores! Os amigos que deixaste para trás lembrarão de ti como eras; alegre e de bem com a vida. JAIR, Floripa, 14/07/11.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O ovo da serpente




No dia-a-dia a vida na Terra pode parecer bem ordenada, estável e perene, mas, sob a perspectiva do tempo biológico é imperativo que se pense que um dia a humanidade desaparecerá. Racionais como somos é fatal que cheguemos a essa assertiva. A pergunta pertinente é: quando?
Na sua forma mais dramática, o fim da vida no Planeta poderá acontecer com um acidente cosmológico, - o esperado asteróide de meu amigo Leonel – que mergulhará toda a vida existente em condições tão adversas que se estinguirá. Contudo, se isso vier a acontecer poderemos debitar na conta de uma grande falta de sorte. Mais relevante é a pergunta: poderá a humanidade subsistir ainda por um considerável espaço de tempo sem ser destruída por seus próprios atos? A espécie a qual pertencemos, Homo sapiens tem, talvez, uns 50 mil anos – somos apenas crianças em termos de tempo biológico. É bem possível que o caminho evolutivo, que nos trouxe em tão pouco tempo para essa posição especial no reino animal, na qual nossa inventividade e inteligência nos permitem manipular o ambiente em escala sem precedentes, esteja para nos colocar num beco sem saída. Será que o passo evolucionário que conferiu a um animal tanto poder e controle sobre o seu destino e de todas as criaturas da Terra, poderá revelar-se o maior erro biológico de todos os tempos? Será possível que a criação da humanidade traga consigo as sementes da destruição final? Seremos nós o ovo da serpente?
O futuro da humanidade depende de duas coisas: de nosso relacionamento uns com os outros e de nossa interação com o meio ambiente. O estudo das origens humanas – supostamente somos o produto final oriundo de espécies humanóides distintas – poderá realçar o modo de encarar essas questões.
Em primeiro lugar, somos uma espécie, um povo. Todo indivíduo neste Planeta é um membro da espécie Homo sapiens, e as diferenças geográficas, perceptíveis na flor da pele por assim dizer, entre os seres humanos, são apenas variações biológicas do modelo básico. Já usei essa analogia, mas não custa lembrá-la: somos iguais a um terreiro de galinhas caipiras, variadas cores, tamanhos e formatos, mas, todas, galinhas. A capacidade humana para criar a cultura permite sua elaboração de modos amplamente diferentes e coloridos, sem falar que as condições geográficas determinam comportamentos e modus vivendi os mais variados. É só lembrarmos que um esquimó tem que ser radicalmente diferente de um bosquímano do Kalahari. Entretanto, as freqüentes e profundas diferenças entre as culturas não deveriam ser encaradas como divisão entre povos. Sei que é meio utópico, mas as culturas devem ser interpretadas pelo que elas realmente são: a declaração suprema e o orgulho de se pertencer a uma espécie tão criativa, a espécie humana!
É uma verdade banal dizer-se que a política é internacional, e é a política que determina a conduta das nações: “A guerra é a continuação da política por outros meios” (Clausewitz). Lembram-se? Assim, segue-se que qualquer tentativa para se alcançar uma estabilidade duradoura para a humanidade só pode ocorrer mediante uma vontade e uma determinação política globais (Puxa! Nunca pensei que chegaria a escrever isso!). Longe de mim ter a intenção de mostrar como uma política de âmbito planetal deveria ser conduzida. Pelo contrário, quero dizer que se não houver uma aceitação que somos todos “farinha do mesmo saco”, isto é, somos essencialmente iguais independente de nossas inclinações ideológicas, religião ou cor da pele, a política, por mais sofisticada que seja, não trará resultados positivos. A estultice é cristalina: como posso me entender com meus vizinhos se sou melhor que eles? Temos que entender que só a profunda inclinação humana à cooperação grupal (solidariedade) poderá vencer as barreiras da discriminação. O que temos que introjetar é que pertencemos à mesma tribo: a tribo humana. E, a partir do momento que olharmos para o lado e enxergarmos um irmão, nada justificará tentarmos destruí-lo em nome de ideologias ou preconceitos quaisquer. Entendendo que somos um só povo podemos todos perseguir um objetivo: a sobrevivência pacífica da humanidade, e, então, renascendo em nós mesmos, seremos virtualmente eternos. JAIR, Floripa, 08/07/11.

domingo, 10 de julho de 2011

A pedra

Esfera idêntica à que encontrei em Palmeira.



Quando eu tinha por volta de doze ou treze anos, meu primo Joel e eu, fazendo jus a nossa descendência Kaingangue, gostávamos de sentir-nos exploradores intrépidos e, para isso, costumávamos trilhar pelas matas periféricas de nossa cidade natal, Palmeira. Muitas matas ombrófilas, que para nossos propósitos eram perfeitas, circundavam a pequena cidade de modo que era fácil se embrenhar por elas a guisa de autênticos Jim das Selvas nas matas de Bornéu. Na direção da localidade de Quero-quero, dentro de uma mata particularmente fechada onde ninguém costumava frequentar, existia uma depressão na forma de vale onde encontramos uma estranha pedra. Ficamos emocionadíssimos, pois tratava-se de uma pedra na forma perfeita de uma esfera. Uma bola de um metro e meio de diâmetro, aparentando ser antiga e estar naquele lugar há muito tempo. Estava assentada num nicho de rochas areníticas, semi enterrada por galhos, folhas, terra e pedras carregadas por enxurradas que desciam o declive com as chuvas, de resto, a própria bola maciça parecia ter rolado encosta abaixo. Cavamos com as mãos ao lado dela e descobrimos sua redondês perfeita. Também era bastante lisa, mas, ao toque, parecia ser coisa feita pela mão do homem ou por meio não natural. Devia pesar muitas toneladas e percebia-se que não era dali, tratava-se, - depois vim a saber através de pesquisa, - de uma pedra de basalto, sendo que na região não existia basalto. Palmeira é conhecida pelas aflorações de arenito que é uma rocha metamórfica, sendo que basalto é uma rocha ígnea. As tão mundialmente afamadas formações rochosas de Vila Velha, próximas a Palmeira, são aflorações de arenito rosa, o mais comum do Planeta.
Pois bem, excitados corremos para informar nossos pais e tios sobre nossa descoberta, mas recebemos um balde de água fria, não houve interesse por parte deles em conhecer a enigmática esfera, eles tinham coisa mais importante para fazer do que se preocupar com pedras redondas. Assim, continuamos de vez em quando indo lá visitá-la e, em nossa imaginação, tentando entender como foi confeccionada e como foi parar naquele sítio. Mas isso não durou muito, estava em plena construção a estrada que ligaria o porto de Paranaguá a Assunção no Paraguai. Essa rodovia faz parte do acordo do Brasil e aquele país para permitir ao Paraguai um acesso ao mar e, num plano mais amplo, construir a hidrelétrica Itaipu binacional. Alguns meses mais e vieram as máquinas e caminhões e aterraram o vale onde a pedra se encontrava e esta foi soterrada para sempre. A história poderia terminar aqui simplesmente, mas não.
Em 1997 trabalhei alguns meses na Bolívia, voei no Loyd Aereo Boliviano quando essa empresa fora comprada por Wagner Canhedo. As tripulações brasileiras eram baseadas em Cochabamba e ficavam hospedadas num hotel cheio de estrelas naquela cidade. O hotel Herradura, de certo luxo, possuía em suas paredes, como elementos de decoração, quadros a óleo sobre tela pintados por um artista local de nome Patiño. Esse pintor era descendente do mundialmente conhecido Antenor Patiño, rei do estanho, o qual, a seu tempo, fora o homem mais rico do Planeta e, segundo a lenda, deu azo a criação do personagem Tio Patinhas de Walt Disney, mas isso é outra história.
Pois é, entre as tantas e tão originais telas, havia uma que me chamava atenção em particular: tratava-se de uma paisagem bucólica tipicamente cochabambense. Uma vista de pequena aldeia com minúsculas plantações de subsistência e, em segundo plano, meio deslocada do motivo central da tela, uma esfera de pedra. O quadro me fascinava e procurei o autor que eu sabia encontrar na feira de artesanato domingueira da cidade. Fui à feira conversar com Patiño que era um carinha bem simpático e falante. Conversamos bastante sobre arte em geral e quadros em particular, até que lhe perguntei de onde tirou a idéia de registrar a bola de pedra na tela. Ele me contou que a paisagem era de Tiquipaya uma pequena localidade a quinze quilômetros de Cochabamba, e que lá existiam vária pedras como aquela. Minha curiosidade aumentou e tratei de arranjar um mapa meio rústico da região, no qual pedi ao Patiño que assinalasse o local das pedras.
Munido do mapa e uma garrafa d’água ganhei a trilha no domingo seguinte. Sempre altiplano acima – lembrando que Cochabamba fica a oito mil pés de altitude – encontrei algumas lhamas e muitos campesinos aimarás que se deslocavam nos seus coloridos trajes dominicais. Em pouco mais de duas horas cheguei ao local assinalado por Patiño. Era uma aldeia com quatro ou cinco casas de pau-a-pique e, trinta metros à direita do caminho, a indefectível esfera! Fiquei emocionado, a pedra era exatamente igual àquela que encontrei em Palmeira a qual estava gravada indelével em minha mente! Apalpei, esfreguei, alisei, apertei, cheirei e constatei que a esfera era do mesmo material, aparentava o mesmo tamanho e mesma feitura da pedra de minha infância. E mais, em Tiquipaya, como em Palmeira, não existia basalto natural, as rochas da região eram vulcânicas de outro tipo. A 200 metros do primeiro globo existia outro um pouco maior, só que semi enterrado. O mistério da esfera de pedra continuava, só que agora acrescido de mais dois belos espécimes. E a história poderia acabar aqui mais uma vez.
Dia destes, assistindo ao History Channel um programa sobre mistérios que intrigam a história, me inteirei de que na Costa Rica existem pelo menos 300 esferas de pedra. Elas têm de poucos centímetros até dois metros de diâmetro e são confeccionadas de basalto, calcário e arenito, todas aparentam ser esculpidas por homens ou por meios não naturais. São encontráveis na selva e em praias. Também as há em algumas praias do Peru.
O enigma fica cada vez mais denso e, se eu quisesse dar asas à imaginação como Erich Von Daniken, diria que são confeccionadas por deuses vindos de galáxia distante que aqui vieram plantar seus genes nos nativos e deixaram uma marca de sua passagem. Mas, como assisti “Men in Black”, prefiro acreditar que crianças de 57 metros oriundas de outro planeta usaram a América do Sul para jogar bolinhas de gude e, numa tecada muito potente, espalharam algumas bolinhas que ficaram perdidas por aí. De qualquer forma, o enigma continua. JAIR, Floripa, 23/06/11.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Moa



Alguns leitores mostram alguma indignação, ainda que de baixo impacto, quando, em minhas diatribes, classifico o ser humano como uma espécie irresponsável cuja ação na face deste Planeta azul é deletéria e que, em virtude dessa falta de discernimento, um dia, ainda poderá causar a extinção da vida como a conhecemos. Sei que exagero na condenação que faço do Homo sapiens, contudo, a ênfase visa sensibilizar as mentes que me ouvem, se consigo meu intento não sei, mas continuo a fazê-lo porque quero ter a sensação de que “fiz a minha parte” e, se ainda durante minha existência se confirmar o pior, poderei dormir o sono tranquilo dos que estão isentos de culpa.
A maior carga de minha indignação se volta contra as ações gratuitas que o homem comete em nome da lei de Gérson. Desmatamento, caça contra animais indefesos só pelo prazer de matar, deterioração dos ambientes em troca de lucro discutível – desertificam-se extensões imensas de mata amazônica sob o pretexto de criar gado, mas o que se vê realmente é apenas a venda de madeira, por exemplo. Grande parte do quadro de extinção de animais que existe hoje pode ser debitado na conta do Homo exterminatus, essa facinorosa espécie que se arroga dono do Planeta, quando é apenas péssimo inquilino, contrário ao comportamento dos demais seres os quais respeitam uns aos outros e ao ambiente em que vivem.
Pois bem, na conta com saldo negativo que o homem mantém com a natureza, constam milhares de extermínios de animais que só queriam viver a vida e não atrapalhar ninguém. Aqui mesmo no Patropi o mico leão dourado estava no bico do corvo, só não foi extinto porque organismos internacionais, a custa de esforços piramidais, conseguiram cruzamentos em cativeiro e preservaram alguns espécimes até agora. Mas outros animais não tiveram tanta sorte: O maçarico-esquimó está extinto em território brasileiro desde os anos de 1930, e virtualmente extinto em nível mundial; o mutum-do-nordeste está oficialmente extinto na Natureza desde 2001; a perereca-de-santo-andré, está extinta desde os anos de 1920; o rato-candango foi considerado extinto em 2008; o rato-de-Fernando-de-Noronha não é visto desde o século XVI; e a ararinha azul foi considerada extinta na Natureza em 2002, pelo IBAMA. Além dessa lista, correm risco de extinção a Onça pintada pantaneira, o Puma ou onça parda, várias espécies de peixes fluviais e muitas aves como o tico-tico. Aliás, alguém tem visto algum tico-tico por aí? Pelo que lembro, eles eram abundantes na minha infância. Só tinham o temerário hábito de nidificar em arbustos bem rasteiros, o que deixava seus ovos e filhotes a mercê de predadores como cobras e ratos, além de facilitar a ação de humanos malvados que danificavam seus ninhos.
Só que hoje quero falar do moa, a maior e mais pesada ave que já cruzou à frente do homem moderno que se diz civilizado. O moa cujo nome científico é Dinornis novaezelandiae, atingia cerca de 3,7 m de altura com o pescoção estendido, e pesava cerca de 230 kg, era uma das onze espécies da ordem Struthioniformes que compreende espécies sem asas funcionais como o kiwi da Nova Zelândia também, a ema do Brasil, o avestruz da África e o emu da Austrália, além da nossa conhecida perdiz, uma das poucas que voa. A reconstituição de dezenas de esqueletos permitiu avaliar o que se sabe sobre a constituição física dessa imensa ave.
O moa vivia muito bem nas duas grandes ilhas neozelandesas só tendo como inimigo a águia haast, ave imensa que era predadora de seus ovos, filhotes e de adultos velhos ou feridos, até que, por volta de 1300 dC, o povo maori chegou e todos os gêneros moa logo foram levados ao risco de extinção pela caça e, em menor medida, pelo desmatamento. Por volta do ano 1400 quase todos os moa são considerados ​ extintos, juntamente com a águia haast que tinha confiado neles como alimento. Pesquisas recentes usando datação por carbono 14 sugerem fortemente que o moa levou menos de uma centena de anos para extinguir-se, em vez de um período de várias centenas de anos como se acreditava anteriormente.
Contudo, alguns relatos confiáveis têm confirmado que alguns espécimes continuaram persistindo nos cantos mais remotos da Nova Zelândia até os séculos 18 e mesmo 19, quando foram sistematicamente caçados pelos colonizadores brancos. O aparecimento do europeu “civilizado” deu fim a esses poucos indivíduos, e o último espécime, uma fêmea, foi morta por um fazendeiro irado que ainda esmagou com os pés os ovos do ninho que o mãe zelosa cuidava. Foi um fim ignominioso para tão formidável animal.
O moa, como o tilacino - (Thylacinus cynocephalus), comumente conhecido como lobo-da-tasmânia ou tigre-da-tasmânia, foi o maior marsupial carnívoro dos tempos modernos – e o pássaro dodô das Ilhas Maurício, é mais uma das vítimas inocentes da predação humana. Tudo que se fale contra o homem num caso como esse é pouco, o Homo sapiens é inqualificável quando se trata de transgredir as regras do ambiente ecológico em “seu favor”. A lei de Gérson aplicada na sua pior forma é quase uma segunda natureza desse energúmeno bípede. Não desejo viver o suficiente para ver como acabará esse desmando. Abraços, JAIR, Floripa, 19/06/11.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A inteligência



Pode parecer uma pergunta um tanto estranha de se fazer, mas, se quisermos entender nossa história evolutiva, temos que perguntar por que somos inteligentes? Por que somos tão criativos e bem sucedidos no mundo prático?
A resposta pode parecer tão óbvia quanto enigmática: porque isso faz de nós um animal tecnologicamente bem-sucedido. É claro, nosso domínio da tecnologia nos torna um animal destacado dos demais, nos coloca num patamar acima dos outros seres do Planeta. Mas esse é um argumento oblíquo, não responde o porquê de nossa inteligência superior. Também é igualmente fácil argumentar que somos tecnologicamente bem sucedidos porque somos inteligentes. A questão crucial que temos de responder em termos evolutivos é a seguinte: foi a vantagem indiscutível da sofisticada tecnologia a força propulsora primordial que criou o inteligente cérebro humano? Ou nós somos as potências tecnológicas de nosso Planeta devido a uma consequência fortuita da necessidade de sermos inteligentes por outras razões menos conhecidas? Em outras palavras, desejamos saber se os dons intelectuais que capacitam o homem moderno a lançar uma trapizonga espacial para fora do sistema solar, ou a escrever uma sinfonia para cantar esse fato, eram necessários, mesmo que apenas de forma embrionária, no dia-a-dia dos nossos antepassados caçadores-coletores? São indagações quase filosóficas que nos remetem ao dilema do ovo e a galinha e quem nasceu primeiro.
Exatamente como o conceito de que o homem ocupa o centro do universo permaneceu incontestável durante séculos – até que Copérnico e depois Darwin apareceram e afastaram essa visão antropocêntrica da criação - assim também nossa superior inteligência tem sido aceita como tão evidentemente elevada na evolução humana que poucas pessoas se importam seriamente em perguntar: por quê? A resposta afinal pode não ser tão declaradamente óbvia como poderia parecer: pode ser que durante nossa evolução tenhamos sido obrigados a aguçar nossa astúcia, não tanto a fim de superar desafios tecnológicos encontrados no mundo prático, mas de preferência para manejar as complexidades de uma vida social particularmente intrincada, relacionar-se com seus semelhantes era e ainda é muito mais complicado que desenvolver tecnologias ou resolver problemas matemáticos. A opção (ou necessidade) de viver em aglomerados humanos cada vez maiores pode ter exercido pressão para nosso cérebro se desenvolver em tamanho relativo, formato e ligações múltiplas entre neurônios. Portanto, o domínio da tecnologia pode ter sido resultante desse cérebro desenvolvido à custa de pressão social.
Basicamente, temos cérebros em nossa cabeça, quer sejamos humanos, macacos, ratos ou lagartos, para podermos criar nossa versão de “mundo real”, ou seja, aquele mundo que nos interessa. É razoável supor que no “mundo real” de um rato não exista a quinta sinfonia de Beethoven, por exemplo, ratos não estão preocupados com música por certo. Os animais, nas diferentes partes do espectro evolutivo, têm estilos de vida que são menos ou mais complicados. Se sua vida é muito simples como a de um sapo, por exemplo, então é possível prosseguir, dia-a-dia, com um mínimo de informações sobre o mundo exterior. Observando que o “mundo exterior” de uns pode não ser o mesmo de outros. Entretanto, caso se trate de um cão selvagem africano, o mundo que se pode criar dentro de sua cabeça deve ser muito mais rico (ter mais informações, em outras palavras) do aquele da cabeça de um sapo: isso ocorre devido a um apurado sentido de visão, audição e olfato e uma noção de comunidade em que deve cooperar com a matilha para a sobrevivência de todos; o que parece longe da atividade solitária de ficar sentado a beira de uma poça d’água atacando com a língua comprida os insetos que passam! Logo, não causa espanto que um cão selvagem tenha na sua cabeça uma quantidade maior de neurônios e uma complexidade maior de sinapses do que de um sapo; é compulsório que assim seja, caso contrário ele não seria um cão.
Então senhores, nossa complexidade cerebral com seus milhares de ligações entre os bilhões de neurônios; e sua relação entre tamanho e massa corporal, que nos distingue dos demais seres, é a marca registrada que nos faz Homo sapiens, e desenvolveu-se a partir de nossas interrelações sociais que pressionaram o cérebro no sentido de evoluir para além de um cérebro de primata. Sem essas pressões sociais seríamos apenas ratos, quem sabe? Ou seja, nosso “mundo real” (nossas interações sociais) é tão mais complexo e tão mais exigente, (assim como o do cão selvagem o é em relação ao do sapo) que não tínhamos opção a não ser nos tornarmos inteligentes ou desaparecermos para sempre. Infere-se que somos inteligentes porque necessitamos sê-lo e, em consequência, isto nos tornou o que somos: homens, mais precisamente, Homo sapiens. JAIR, Floripa, 13/06/11.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

David Rodrigues Cordeiro

A placa


Tudo que sei sobre meu avô veio de relatos e “causos” sobre ele que minha mãe e meus tios contaram, porquanto que não tive a ventura de tê-lo conhecido. Meu avô nasceu, por volta de 1880, nas matas Lapeanas, no seio de uma tribo dos orgulhosos índios Kaingangs, os quais, desde tempos pré-colombianos, viviam às margens do Rio Iguaçu, num local de corredeiras piscosas hoje conhecido como Caiacanga, onde existe, nos dias atuais, sub-explorada jazida de diamantes, a qual já foi objeto de texto “Pescarias e diamantes” que publiquei aqui.
O que se sabe com certeza é que em 1890, devido a inconseqüente ocupação, por parte de madeireiros, agricultores e caçadores, das terras onde viviam os Kaingangs, ocorreu um grave surto de gripe que atingiu as populações ribeirinhas, particularmente os índios, sendo que estes - cujos organismos ainda não tocados por bio-invasores alienígenas apresentavam baixa resistência ao vírus - quase foram dizimados. A morte assolou a taba com tal intensidade que os poucos adultos saudáveis se tornaram coveiros diuturnos, quase não lhes restando tempo para proporcionar aos falecidos os tradicionais rituais fúnebres inerentes a seus costumes atávicos.
A história oral conta que meu avô saiu do seu local de nascença e tornou-se nômade indo parar na Lapa. A cidade da Lapa foi fundada em 1731 pelos tropeiros que faziam o caminho do Rio Grande do Sul para Piracicaba onde iam vender seu gado. Os fundadores da cidade haviam participado da Revolução Farroupilha e da Guerra do Paraguai, daí, talvez, o espírito belicoso dos habitantes da Lapa. Consta que David, ao chegar à cidade, foi adotado por certo coronel Pôncio que lhe atribui um nome “cristão”: David Rodrigues Cordeiro, e que foi alfabetizado e tornou-se um membro integrado na família do coronel.
No meu conto biográfico “O pacote” vem o trecho descrevendo o que se convencionou chamar “Cerco da Lapa”, episódio da Revolução federalista que ocorreu no sul do Brasil logo após a Proclamação da República, e teve como causa a instabilidade política gerada pelos federalistas, que pretendiam "libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio Prates de Castilhos", então presidente do Estado. A luta armada atingiu as regiões compreendidas entre o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Veio o ano de 1894 e, com ele, as tropas federalistas comandadas pelo sanguinário Gumercindo Saraiva e seus “castilhanos” que, num ímpeto napoleônico, arrasavam tudo por onde passavam, tendo já derrotado o Coronel Adriano Pimentel em Tijucas do Sul. Havia, no ar, um cheiro de morte e aniquilação, porquanto os boatos davam conta que as tropas invasoras - mais de três mil homens - aos inimigos legalistas não costumavam dar trégua, assim como não a pediam também. Gurmercindo era famoso por degolar os prisioneiros que caíssem em suas mãos.
Meu avô, juntamente com o próprio coronel Pôncio e seus filhos, foi incorporado a tropa defensora do perímetro da cidade, ainda que, por sua pouca idade, não lhe tenha sido fornecido arma, ele passou a ser ajudante de cozinha.
Muitos anos depois, contava ela à minha avó, que tinha lutado deveras, havia empunhado uma manlincher e defendido, juntamente com outros soldados, uma posição crucial no centro da cidade onde a luta era ferrenha. Pois bem, minha avó desdenhava dessa atitude heróica, achava que era fanfarronice dele, e nós acabamos convencidos que a suposta luta armada só existia na imaginação do nosso avô. Estávamos errados.
Há pouco tempo, lendo o depoimento do major Custódio Clemente Pereira, do 17º Batalhão de Infantaria da Lapa, que havia lutado durante o “Cerco”, deparei-me com este trecho bastante interessante do texto dele: “No dia 7 [fevereiro de 1894], logo ao romper da aurora, atacaram-nos por todos os flancos com grande veemência, em número aproximado de três mil homens, entrando pelos quintais das casas da Rua Boa Vista, a qual estava em nosso poder, entrincheirando-se nas casas, fuzilavam nossas tropas a dez metros de distância, o combate tornou-se medonho em todas as frentes, chegando a estabelecer-se a arma branca. Tornou-se terrível principalmente na Rua Boa Vista, onde inimigos em número superior a 60 haviam penetrado na casa de Francisco de Paula, unida a uma trincheira onde se achava um Krupp (canhão de 75 milímetros de fabricação alemã) sob o comando do tenente Gustavo Lebon Régis. Neste momento, saídos das instalações de intendência que se encontravam a trinta metros do canhão, surgiram seis soldados, liderados pelo ajudante de furriel David Cordeiro, armados com manlinchers e, determinados, enfrentaram os invasores com tal ferocidade que estes recuaram com muitas baixas. Dos seis soldados, dois saíram feridos sem muita gravidade. O Krupp e sua guarnição haviam sido salvos pela coragem daqueles seis soldados”
Então ficou esclarecido, avô David realmente “pegou em armas”, e não só isso, a participação dele e de seus companheiros foi fundamental para salvar a vida dos operadores do canhão que estavam em perigo de morte frente aos inimigos. O Exército, reconhecido, deu a meu avô a promoção a sargento, conforme atesta placa com seu nome no Panteão dos Herois da Lapa. Descobri in loco numa planta que existe no monumento aos heróis, que da forma que o canhão estava colocado, sua guarnição ficara de costas para os atacantes na hora que meu avô os salvou. Ainda que a participação de David tenha se resumido àquela investida, sua atuação foi heróica, sem dúvida. Este relato visa resgatar a esquecida figura de David Rodrigues Cordeiro que foi um ser humano admirável, que viveu além e acima de sua época, aliás, de qualquer época. David Lapeano, ainda que não tenha vivido em dias atuais, onde lhe seria aplicado com a maior justiça título de herói da pátria, o foi sem qualquer dúvida. JAIR, Floripa, 01/07/11.