segunda-feira, 30 de maio de 2011

Stonewall

Stonewall em toda sua imponência.


Meu filho Augusto, funcionário da Prefeitura de San Diego, para compensar suas muitas horas sentado à frente de um monitor, costuma praticar atividades ao ar livre em suas folgas. Pára-quedismo, corridas de fundos como meias maratonas, mergulho esportivo com aqualung, escaladas, acampamentos selvagens e trilhas são alguns dos hobbies que ele adotou. Existe um livro guia de trilhas de San Diego que lista mais de quatrocentas opções entre trilhas “amadoras” de uma hora de duração, até algumas que lhe tomam o dia todo. Então, não é por falta de trilhas que o caminheiro vai permanecer o fim de semana entediado em casa.
Assim, neste sábado fomos trilhar o caminho que leva ao topo do Stonewall, pico situado dentro do Cuyamaca State Park, a 120 quilômetros de San Diego e bem próximo ao Monte Palomar, onde, por muitos anos, encontrava-se o maior telescópio ótico do mundo até que outros maiores foram construídos. A subida é de gradiente mínimo até atingir o topo a 6512 pés, mas, não se assustem, a elevação é medida a partir do nível do mar, a trilha começa um pouco abaixo de 2500 pés.
Esta excursão é em ziguezague suave através de uma floresta totalmente queimada de pinheiros, carvalhos, plátanos e outras coníferas, entremeada de arbustos novos que crescem teimosos entre as pedras e troncos calcinados. Houve um terrível incêndio em 2003 que acabou praticamente com a flora e a fauna do parque, mas, estima-se que em mais duas ou três décadas a flora estará recuperada, e a fauna já dá sinais de grande atividade. A trilha é uma das mais populares do Cuyamaca State Park. A característica mais marcante de Stonewall é que há pedras para escalar, para atingir o pico! Afinal, o muro de pedra não podia ser diferente não é mesmo? Contudo, não há o que temer, os construtores da trilha se preocuparam em colocar corrimões de canos galvanizados nos trechos mais perigosos ou mais árduos.
A localização geográfica do Cuyamaca, a leste de San Diego, lhe proporciona um clima próprio com um ecossistema único, ele recebe muita chuva oriunda da região costeira e é limítrofe ao deserto, portanto, suas florestas são ricas em variedades tanto do sistema litorâneo de terras altas, quanto de transição para o deserto. A paisagem é rica em pinheiros ponderosa e Jeffrey, abeto e cedro, incenso, bem como alguns exemplares maravilhosos de carvalho preto. Em altitudes mais baixas existem trechos de pastagens amplos em direção ao horizonte.
Então, meu filho, sua mulher, minha mulher e eu, iniciamos a subida as doze horas e chegamos ao cume as treze e quinze. A parte mais alta da montanha é uma área de mais ou menos seis metros quadrados, quase plana onde existe um marco; o vento lá é cruciante. Mas, como em caminhadas, quando a gente chega está apenas na metade do caminho, levamos mais uma hora para descer sob um vento frio cortante vindo do Pacífico. Como curiosidade, vale registrar que minha mulher achou um pingente de ouro em forma de coração durante a subida.
Quando chegamos, ao entrarmos no estacionamento do parque fomos informados sobre sua fauna que inclui pumas, só que durante a caminhada topamos apenas com lagartos, cobras, esquilos e algumas aves, que, aliás, são alvos dos observadores de pássaros que estão por lá com suas roupas camufladas, binóculos e máquinas fotográficas com lentes potentes. Os pumas nos deram calote, não apareceram.
Depois da subida fomos almoçar numa cidadezinha chamada Julian a quinze quilômetros do parque. A cidade, construída – ou preservada, não dá para saber - para se parecer com aquelas que vemos nos filmes de faroeste, tem apenas uma rua e uma “atmosfera” perfeita, tem até uma mina de ouro antiga na periferia. Comemos comida mexicana, coisa quase compulsória, pois aqui já foi México e continua sob grande influência cultural daquele país.
Concluindo, o leitor poderá me perguntar como me senti depois da escalada. Respondo, me senti como um sujeito de 65 anos, semi sedentário, o qual usa óculos multifocais que na subida dão a noção exata de distância, mas que na descida informam algo menos que o local correto de colocar o pé e não escorregar; que subiu o Stonewall a passos forçados e sobreviveu tranquilo e com as pernas um pouco doloridas. JAIR, San Diego, 29/05/11.

sábado, 28 de maio de 2011

Go Padres!


Ontem fomos assistir o “Padres”, time de beisebol de San Diego, jogando contra o “Cardinals” de Saint Louis, Missouri. Para começar, Padres como nome de equipe esportiva é um pouco estranho, não é comum ver-se religiosos jogando e, em geral, os nomes de times refletem animais agressivos quando é futebol e nome de pássaros no caso de beisebol, está aí o nome do Cardinals para confirmar. Contudo, lá estava o time local na quadra jogando com competência. Mas como ficam nós os brasileiros assistindo um esporte que no Brasil não figura nem entre os dez mais praticados? Bem, a meu ver, a gente tem que tentar entendê-lo um pouco antes de pagar os setenta dólares do tíquete para ocupar um lugar privilegiado no estádio.
Vamos ver o que aprendi, o beisebol é um jogo entre duas equipes de nove jogadores cada, os quais são orientados por um treinador, jogado num campo em forma de leque, limitado de acordo com regras complicadas, sendo apitado por um ou mais árbitros. O objetivo de cada equipe é o de vencer o jogo marcando mais pontos/corridas que o oponente. Não vou nem tentar falar de todas as regras que regem esta modalidade, mas sim dar umas noções sobre algumas das regras e situações básicas.
Um jogo é constituído por nove entradas ("innings", que para nós seriam tempos). Em cada entrada cada uma das equipes tem a possibilidade de atacar e de defender uma vez. A equipe visitante começa atacando, trocando de posição com a equipe da casa quando três dos seus jogadores forem eliminados, então passa a equipe da casa ao ataque. Quando três elementos de cada equipe forem eliminados acaba esse inning (tempo) iniciando-se de imediato uma nova entrada. A equipe que tiver marcado mais pontos/corridas no fim das nove entradas que dura um jogo, ganha.
Não existem empates como no futebol, pelo que se ao fim das nove entradas as equipes tiverem o mesmo número de pontos deverão realizar outra(s) entrada(s) de modo a que ao fim de um dos innings um dos times tenha mais pontos que o outro.
Num jogo de nove entradas cada equipe poderá ver os seus jogadores a serem eliminados 27 vezes (quando um jogador é eliminado só poderá voltar a atacar/bater quando os restantes oito membros da equipe já tiverem também batido).
Uma equipe quando defende coloca estrategicamente os seus nove jogadores em campo, a que ataca tem apenas um jogador (batedor) em campo. O batedor ocupa a sua posição na caixa de batimento (único jogador da equipe atacante). O lançador (jogador da equipe que defende) deverá lançar a bola para o batedor, o qual decidirá se vai ou não tentar bater essa bola. A bola deve ser lançada num quadrado imaginário que, mais ou menos, enquadra o catcher, que é o jogador do time defensor que apanha as bolas não rebatidas pelo batedor. Diga-se, bater numa bola no ar a mais de noventa quilômetros por hora com um taco roliço é quase um acaso, daí serem raras as boas tacadas que fazem home run, ou seja, bolas rebatidas para fora do estádio ou para o meio da platéia, mas fora do alcance do time adversário.
O objetivo da equipe que ataca é fazer com que o seu batedor se torne num corredor fazendo com que este avance no terreno, passando pelas três bases até chegar à Casa Base sem ser eliminado. Quando isto acontece, a equipe que ataca ganha um ponto. O negócio é esse, só o time que ataca faz ponto, portanto, o time que defende fará tudo para eliminar três atacantes de forma a encerrar a entrada e tornar-se atacante em seguida. Existem trocentas formas de eliminar os atacantes, de modo que não vou me prolongar explicando como isso acontece. Só tenho a dizer que, depois que a gente “pega o jeito” do esporte ele é bem emocionante e gostoso de assistir. Além do jogo em si, existe a tradição de os espectadores irem ao estádio munidos de luvas de beisebol para apanhar bolas lançadas fora do campo. Se alguém, numa decisão nacional, apanhar uma bola, esta poderá valer milhares de dólares para colecionadores e aficcionados. Então pode ser um bom negócio levar a luva e sentar-se numa posição estratégica onde as bolas “espirradas” possam cair. Aliás, neste jogo, de nove bolas espirradas que notei, seis caíram numa área da arquibancada à direita e atrás dos batedores.
Como disse, o “Padres” estava com a macaca, então não foi surpresa ele ter ganho de 3 x 1do “Cardinals”, embora este tenha aberto o placar e lutado com garra até o último inning. Ao contrário do que acontece em nossos estádios do Brasil, aqui as torcidas se misturam e torcem por seus times sem brigas ou confusões, inclusive, no meio o sétimo inning, todos cantam em pé o hino: “Take Me out to the Ball Game”, algo como, “leve-me ao jogo de beisebol”. Parece até desfile de quatro de julho, todos irmanados cantando juntos. Sinceramente? Gostei do jogo, até porque o time não ganhava a cinco jogos, jogou muito e ganhou bonito. Go Padres! JAIR, San Diego, 27/05/11.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A Figueira

Figueira mata-pau depois que a hospedeira morreu

Floripa tem como árvore-símbolo uma figueira que, como um marco botânico imponente, encontra-se na praça XV de novembro no centro da cidade desde 1891, aliás, Figueirense, cujo apelido é figueira é um dos dois times de futebol mais importantes da capital. As figueiras são normalmente árvores, do gênero Ficus, família Moraceae. Também são conhecidas como ficus apenas. Há cerca de 800 espécies de figueiras no mundo, especialmente em regiões de clima tropical e subtropical e onde haja presença abundante de água, embora algumas espécies não cresçam muito e permaneçam como arbustos. Outras são trepadeiras, como o Ficus pumila, hera que cobre muitos muros e paredes por aí. Um dos ficus mais interessantes é o mata-pau ou figueira-vermelha que é uma das que se comportam como estranguladoras. Geralmente germinam sobre outras árvores, e crescem como epífitas até que suas raízes alcancem o solo. Então as raízes engrossam, crescem em volta da árvore hospedeira, até que a figueira a sufoca por cintamento e/ou compete com a planta hospedeira na absorção de água do solo e luz solar, e esta acaba morrendo. Seus frutos são vermelhos, pequenos, mas saborosos, pássaros os veem como iguaria irresistível.

Em todos os casos são plantas lenhosas, muitas com caule de forma irregular ou escultural, com raízes adventícias e superficiais, e têm uma particularidade interessante, galhos e raízes podem soldar-se uns nos outros na mesma planta ou até em plantas vizinhas de modo a formar estruturas complexas não encontráveis em outros vegetais. Essa faculdade é explorada com grande proveito pelos criadores de bonsais e por floricultores. No Rio de Janeiro, na rua Miguel Gama, próximo à estação Maria da Graça do metrô, existia uma formação interessante, quatro ficus antigos plantados no canteiro central, fundiram seus galhos maiores formando arcos e aparentado uma só árvore com quatro troncos.

Em qualquer de suas variadas formas essa planta sempre cumpre um belo papel decorativo quando associada ao homem e seus jardins e praças, sua folhagem perene, abundante e fechada permite podas artísticas e de formatos atrativos. Em minha casa térrea eu tinha uma figueira mantida em forma de esfera de um metro e trinta de diâmetro a custa de podas freqüentes e cuidadosas. Além de enfeitar a frente do imóvel era um excelente abrigo para pássaros e insetos, especialmente rolinhas e vespas, estas e aqueles construíam seus ninhos e casas no interior da folhagem.

As flores, normalmente confundidas com frutas, são na maioria dos casos comestíveis, são quase sempre diminutas, unissexuais, reunidas em inflorescências especiais denominadas sicônios, que consistem em um receptáculo fechado, com as flores inseridas no lado de dentro, e um orifício de saída no ápice, ou ostíolo. O figo que comemos e que é apreciado como fruta é um desses sicônios. Esses pseudofrutos são atrativos para certas espécies de vespas que fazem a polinização do vegetal. Os insetos entram no sicônio através do ostíolo com intuito de colocar seus ovos e acabam transportando pólen para outro sicônio. O curioso dessa estratégia de reprodução é que cada espécie de figueira atrai sua própria vespa, ou seja, uma determinada espécie de vespa poliniza apenas uma espécie de ficus e essa espécie só é polinizada por essa espécie específica e nenhuma outra mais.

Mais uma vez no Rio de Janeiro, no Paço Imperial próximo à Praça XV, existem figueiras trazidas da Índia pelos portugueses durante o Império. Pois bem, essas árvores foram ali plantadas, mas não as acompanharam as vespas que poderiam fecundar suas sementes. Durante mais de um século elas continuaram como vieram, produzindo apenas sementes inférteis por falta de vespas que as polinizassem. Por algum motivo que se desconhece, botânicos descobriram na década de setenta do século vinte que existiam algumas mudas nascendo nas proximidades das árvores originais, então surgiu a dúvida de como elas estavam conseguindo se reproduzir. Desconfiam os estudiosos que alguma vespa das que polinizam as figueiras pátrias, se adaptou às árvores indianas e passou a auxiliá-las na reprodução. Mas permanece o mistério, pois não se conhece nenhum caso semelhante na literatura botânica. Pode ser um evento único e explícito de coevolução de curto prazo, árvore e inseto acharam um meio de estabelecerem um consórcio benéfico para ambos. É bom lembrar que um século é tempo desprezível quando se trata de evolução, contudo, enquanto não houver outra explicação, fica valendo que houve um salto evolutivo inusitado entre as figueiras e as vespas no Paço Imperial.

A verdade é que essas plantas são extremamente interessantes sob qualquer ângulo que as examinemos. Trata-se de uma família extensa, variada e adaptada aos mais diversos climas e as mais diversas altitudes e que atrai os humanos desde a mais remota antiguidade. Homens e ficus estão ligados por liames estéticos, alimentares e arquitetônicos durante todo o tempo que dividirem espaços neste querido planetinha azul. JAIR, Floripa, 27/03/11.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Homo sapiens




É um desejo meu antigo produzir um texto com esse título, Homos sapiens, embora muitas das minhas crônicas que enfocam evolução, cultura e civilização tenham trazido no bojo o termo, ou tenham dele se utilizado com certa frequência, em nenhuma delas o objeto central foi essa raça de primatas que somos nós. Então, vou enquadrar minha atenção somente nesse primata bípede, inteligente, egoísta e pretensioso.

Primeiro, deve-se ter em conta que as variações físicas que vemos hoje entre as pessoas de diferentes partes do mundo são variações dentro da mesma raça de primatas, não há diferentes raças de Homo sapiens. Inclusive já comparei nossa variação de feições, tamanhos, cores e jeitos, com um terreiro de galinhas caipiras onde vemos as mais diferentes aves, mas são todas galinhas, e todas da mesma raça, sendo as diferenças computadas como variedades normais dentro da mesma raça. Todo ser humano é sapiens, as diferenças que vemos aconteceram em virtude da separação geográfica e da adaptação a condições locais particulares. Por exemplo, os povos Inuit, antes conhecidos como esquimós, são atarracados, tipo físico mais adaptado à conservação do calor, Comparemos com os altos e esguios Maasai, os quais vivem no deserto do Calahari, cujos corpos, como os indivíduos de muitas tribos de países tropicais, são bem adaptados à perda de calor. A pigmentação da pele é outro exemplo: o grau de pigmentação aumenta à medida que nos aproximamos do equador; como a função do pigmento – a melanina – é de proteger a pele contra radiação ultravioleta, essa mudança é biologicamente correta e necessária.

A necessidade de proteger a pele por meio de pigmentação surgiu, é claro, quando os primeiros hominídeos perderam sua espessa camada de pelos. Nós ainda temos tantos pelos quantos nossos primos antropóides, mas nossos pelos são finos e curtos e, portanto, deixam a pele exposta. Desmond Morris nos chamava de “Macacos nus” com certa razão. Deve ter existido alguma vantagem evolutiva no nosso “despir”, e uma forte possibilidade é que isso nos permitiu elaborar um sistema muito eficiente de arrefecimento, graças aos mais de 5 milhões de diminutos poros – aberturas das glândulas sudoríparas – espalhadas por toda extensão de nossa pele. Pela evaporação da umidade através desses poros, podemos perder calor num grau nunca igualado por qualquer outro animal – grande vantagem para realização de intensa atividade sob o sol tropical. É só lembrarmos que os cães realizam sua transpiração pela língua, cuja área é mínima em relação ao corpo, daí não serem “trabalhadores” eficientes no calor. Esse benefício traz consigo uma ligeira desvantagem causada pelo aumento da dependência da água: a umidade perdida pela transpiração tem que sem compensada pela ingestão frequente de líquidos. É quase compulsório admitirmos que essa necessidade forçou os humanos a viverem desde o início nas proximidades de rios e lagos.

A perda da pelagem espessa aconteceu, provavelmente, num estágio precoce da evolução do Homo erectus, enquanto nossos ancestrais ainda viviam na África. Neste caso, então, deve ter surgido um aumento da pigmentação. Mas quando os indivíduos mudaram-se para climas mais frios, a pigmentação teria se tornado uma desvantagem, porque impediria que o pouco de sol que lá existe, catalisasse uma reação química essencial da pele, a qual produz a vitamina “D”. Como alguns de nossos ancestrais migraram para o hemisfério norte, mais frio, suas peles se tornaram cada vez mais claras, graças a seleção genética. As populações que permaneceram na África, e algumas outras que migraram para regiões tropicais, como os aborígenes australianos, permaneceram com as peles escuras.

Portanto, não deveria ser incompreensível para ninguém de inteligência mediana neste Planeta, a existência de variedades humanas nos diversos rincões que o Homo ocupou e ocupa. Decorrente dessa imposição natural que gerou as diferenças que vemos, é inadmissível que muitos humanos classifiquem outros de “raças inferiores”. Não existem raças e não existem inferiores, somos tão diferentes ou tão iguais uns aos outros como o são as galinhas caipiras de um terreiro doméstico. Quis a natureza que não fôssemos todos iguais porque do contrário não haveria diversificação que atrai, que excita, que cria curiosidade, que acaba unindo desiguais e aumentando a diversidade genética, que nos torna vencedores. Depois da descoberta do DNA, verificou-se que, com exceção dos gêmeos idênticos, somos todos seres diferentes, apesar de sermos mais de seis bilhões de pessoas nesse planetinha azul. Ainda mais, uma comparação genética feita por cientistas americanos, provou que somos tão iguais ou tão diversos de nosso vizinho ao lado – qualquer que seja ele – como somos tão iguais ou diversos de um indivíduo qualquer da Mongólia, por exemplo.

Então, racistas de toda ordem, não há razão científica alguma para os senhores classificarem pessoas diferentes como “inferiores”, elas são apenas diferentes, como seus pais são diferentes dos senhores. A quantidade de diferença de um filho para um pai é a mesma entre um sueco e um aborígene ou um pigmeu e um eslavo, então inexiste base para racismo neste Planeta. JAIR, Floripa, 23/04/11.

domingo, 22 de maio de 2011

Sobre Vegas


Quem já esteve em Nova Iorque sabe por que ela é conhecida como “Umbigo do Mundo”, é que por lá passam todas as tendências culturais, desde moda, até teatro e cinema, passando por livros, restaurantes e grandes espetáculos. Lá se encontra a amálgama de todas as etnias e todas as cores dos povos de todos os países do Planeta, com suas idiossincrasias e costumes. Há quem diga que se um morador da cidade quiser comer todos os dias em um restaurante diferente pode viver sessenta anos sem jamais repetir um sequer. Há quem diga que se pode viver em Nova Iorque sem saber uma única palavra de inglês, e, ainda assim, não ter qualquer dificuldade no dia-a-dia. A Grande Maçã é a cosmópolis por excelência, todas as esquinas do mundo lá se encontram.

Diferentemente de Nova Iorque, Las Vegas não quer ser referência cultural ou étnica nem mesmo dos cidadãos do país, não quer ser um pólo de atração das tendências mundiais, quer somente oferecer lazer sem preconceitos e sem restrições a qualquer cidadão que esteja disposto a gastar algum dinheiro. Fazendo uma analogia, se Nova Iorque com relação à cultura representa uma biblioteca, Las Vegas com relação ao dinheiro representa um banco. Ninguém sai de Nova Iorque com menos cultura, ninguém sai de Las Vegas com mais dinheiro.

Para o crítico pode parecer que Vegas, como os iniciados a chamam, é apenas um lugar de vício e desregramentos, uma espécie de Sodoma onde as pessoas transgridem seus valores, se perdem em libertinagens e gastam fortunas em jogos viciantes. Para registrar minha impressão pessoal sobre a cidade repito aqui um trecho do que escrevi sobre este povo do norte: “Os cidadãos dos EUA acreditam que são ricos porque são um povo decente que trabalha duro (o mais das vezes isso é verdade)...”. Assim, um povo, o mais das vezes decente e que trabalha muito, se vê com direito a ter um lugar de lazer onde o “normal” é ser diferente, onde ele possa “soltar os bichos” sem culpa. Esse lugar é Vegas. É a única cidade daqui onde a prostituição é legalizada com direito a outdoor e caminhões de propaganda circulando pelas ruas com fotos e chamadas em letras grandes; é a única cidade na qual se pode beber em público nas praças e ruas.

Para obter o clima, tanto metafórico quanto real, dessa cidade construída em pleno deserto, os arquitetos não economizaram em imaginação, criatividade e custos. “The strip”, que é o núcleo onde se encontram os cassinos-hotéis, ou hotéis-cassinos, é pródigo em reproduzir com eficiência e convicção, monumentos, ambientes e cenas de outras partes do mundo. Tudo climatizado. Aqui a gente pode almoçar na torre Eiffel idêntica à de Paris, só que com metade da altura; atravessar sob Arco do Triunfo em escala um por um; é possível passear de gôndola dentro do hotel Venetian, com direito a gondoleiro veneziano autêntico que canta La Traviata e apreciar o teto da capela sistina em todo seu esplendor, nos mínimos detalhes, assim como lançar moedas numa Fontana di Trevi em todo seu esplendor; aqui há uma abundância de cascatas, tão convincentes quanto as vistas nos filmes, aliás,a sensação constante é que estamos dentro de uma cenografia de Hollywood de um bom filme sem qualquer demérito; dá para visitar o coliseu e o senado romanos; há como passar embaixo do arco do Triunfo, atravessar a ponte do Brooklin ou andar pelas ruas do “east end” em Nova Iorque. Num espaço fechado como um shopping,chamado Miracle Mile é possível andar (pela extensão de uma milha naturalmente) e fazer compras em lojas modernas e caras num “bairro” de uma cidade do oriente médio, com arquitetura mourisca medieval, sob um céu azul perfeito com poucas nuvens, ou num trecho em que nuvens carregadas debulham uma chuva intensa com raios e trovões de hora em hora. A réplica beira a perfeição, tem-se a nítida impressão que se está numa rua de verdade e que os trovões e relâmpagos são, não só verdadeiros como perigosos, pessoas desavisadas se abrigam com certa rapidez, mesmo porque a chuva molha de verdade. Parece que a “bolha” que encerra o mundo do personagem de Jim Carrey, no filme “O Show de Truman” é uma reprodução bem próxima do que vemos em Vegas.

Ainda em “The strip” há um imenso lago com milhões de litros de águas límpidas que proporciona ao público, a cada hora cheia, um espetáculo de “dança da águas” onde surgem, no ritmo de música geralmente clássica, chafarizes colossais em intrincadas coreografias que fascinam o imenso público que se reúne nas margens para apreciá-lo. Vi em um programa de tevê, Discovery Channel eu acho, a engenharia complexa que foi necessária para montar a formidável parafernália que coordena os programas de computador feitos a partir da música, com os mecanismos intrincados que fazem jorrar água, através de bombas poderosas e reservatórios de ar comprimido de alta pressão, a altura de até 60 metros. Curiosamente, todo esse caríssimo espetáculo é proporcionado pela iniciativa privada, nada de poder público se metendo em eventos comerciais onde empresários que faturam milhões se veem obrigados a oferecer àquele público que os mantém, algo de grandioso e fascinante. Gostei imensamente da dança das águas, se não foi o maior espetáculo que já assisti, chegou bem perto disso.

A finalidade de estarmos em Vegas, minha mulher, nossos dois filhos, sendo que um veio da Austrália para aqui diretamente, e eu, foi comemorar os sessenta anos dela. Para isso, nos hospedamos no MGM (Metro Goldwyn Mayer) Hotel Casino o qual, de acordo com sua propaganda, é o segundo maior do mundo, com seis mil quartos. Além disso, possui quatro cassinos, dezessete restaurantes, cinco piscinas e mais um “rio” onde se pode boiar levado pelas águas correntes num circuito fechado de oitocentos metros. Existem dezenas de lojas de luxo todas com suas portas voltadas para os cassinos ou nas proximidades deles, parece que a idéia é “pegar” o ganhador eventual que, provavelmente, não deixará de comprar um rolex ou uma jóia cara para sua mulher se tiver alguns milhares de dólares a mais no bolso. Relembrando, ninguém sai daqui com mais dinheiro que entrou.

Como eu disse, tudo é rigorosamente climatizado, não há como dar conforto a seus hóspedes no meio do deserto com altas temperaturas – às vezes muito baixas também – e graus de umidade baixíssimos, – ontem estava a menos de seis por cento – de modo que gastam-se milhões de dólares para manter temperatura e umidade do ar agradáveis em todos os ambientes. À noite o espetáculo fica por conta das luzes, não é a toa que fotos noturnas do Planeta mostrem que Vegas é o ponto de luz mais destacado, até mais que Nova Iorque ou Los Angeles. Além disso, existe um adágio muito conveniente que reza: “O que acontece em Vegas, permanece em Vegas”, de modo que o liberou geral daqueles WASP (White Anglo-Saxon Protestant) hipócritas e ultra conservadores que soltaram a franga por aqui não será comentado jamais depois que o avião decola.

Outro trecho do texto “Sobre os EUA” que escrevi: “Os americanos do norte são os melhores comerciantes do Planeta, até porque sua economia é baseada no consumismo desenfreado”, Vegas, nada mais é que o mais perfeito exemplo de cidade que se comporta dentro do espírito mercantilista desse povo cujo lema de vida é: compre! Tudo aqui está à venda, inclusive, casamento. Sim, como nos filmes, aqui é possível casar-se em questão de minutos, sem sair do hotel, para isso existe uma instalação adequada, uma espécie de capela, e um Celebrant, pessoa autorizada a celebrar casamentos, tão válidos como qualquer outro. Existem dezenas de capelas e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano, assim, é comum, tanto cidadãos virem aqui para casar de forma rápida e indolor, quando pessoas se conhecerem na mesa de Black Jack e resolverem se casar, por período curto as vezes, em alguns casos até acabar a ressaca. Britney Spears é o caso mais famoso, casou-se aqui no MGM e divorciou-se uma semana depois.

De qualquer forma, vale à pena vir a Vegas, eles a construíram e a mantém para a diversão do mundo, e estão conseguindo graças à competência com que encaram o trabalho cansativo que é proporcionar lazer! JAIR, Vegas, 20/05/11.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sobre filatelia



Como sabemos, filatelia ou filatelismo é o estudo, a pesquisa e a arte do colecionismo de selos usados pelos Correios em correspondências de todos os países do mundo, e emitidos pelo poder público desses países. Antes da utilização de selos de papel, as cartas eram apenas carimbadas a mão com a data e o local do envio. Essas marcas foram introduzidas no Correio da Inglaterra pelo Bispo Henry em 1661 e passaram a ser chamadas de “marcas do Bispo”, por motivos óbvios. O primeiro selo postal foi emitido em 1840 e começou a circular no dia 06 de maio na Grã-Bretanha. Era chamado de Penny Black e tinha estampado o perfil da cabeça da rainha Vitória, o qual permaneceu em todos os selos britânicos pelos próximos sessenta anos. O criador do Penny Black foi Rowland Hill, e hoje não precisa dizer, esse primeiro selo vale até muitos milhares de dólares para os colecionadores, dependendo de seu estado de conservação e data que foi emitido.
No Brasil os primeiros três selos postais foram lançados em no dia 1º de agosto de 1843. Eram selos sem picotagem, impressos em preto sobre papel branco, e ficaram conhecidos como “Olho-de-boi” nos valores de 30, 60 e 90 réis, que circularam ente 1843 e 1844. Interessante é que o Imperador Pedro II não quis que os selos saíssem com sua efígie, pois lhe era impensável admitir que alguém ousasse carimbar em sua face. O Brasil passou a ser o primeiro país das Américas e o terceiro do mundo a adotar o selo postal. O Olho de boi é um dos mais cobiçados pelos filatelistas brasileiros, mas, por mais estranho que pareça, não é o mais cobiçado.
O troféu do selo mais cobiçado pertence à estampa que marcou a presença do Cardeal Pacelli no Brasil em 1934. O cardeal Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, que viria suceder o Papa Pio XI em 1939, era um religioso que havia exercido a nunciatura apostólica na Baviera até 1929 e assistiu com grande entusiasmo a ascensão do nazismo na Alemanha. Falava alemão com desenvoltura, congregava com os ideais do nacional socialismo, era cultor de anti-semitismo enrustido e tinha uma admiração por Hitler, de modo que depois que foi eleito Papa e assumiu o nome de Pio XII passou a ser conhecido como Papa de Hitler. Como representante do papa, havia feito um “pacto”, em 20 de julho de 1933, com o ditador para este não fechar os igrejas católicas alemãs em troca de o Vaticano fazer vistas grossas com o que acontecia aos judeus. Quando os nazistas começaram a deportar para os campos de extermínio os judeus que viviam num gueto romano ao lado da Santa Sé, Pio XII literalmente fechou as janelas de seu gabinete para não ver o que acontecia, ele estava cumprindo seu compromisso com o pacto maldito. Aliás, é sintomático que o monsenhor Alois Hudal, alocado no Vaticano, tenha sido o fornecedor de passaportes e dinheiro para os oficiais nazistas, criminosos de guerra, que fugiram principalmente para a América do Sul, como fez o famigerado Franz Stangl que veio parar no Brasil onde foi preso na década de sessenta.
O Cardeal era um homem extremamente mordômico, gostava imensamente de pompa e circunstância. Em outubro de 1934, realizou-se em Buenos Aires, na Argentina, O XXXII Congresso Eucarístico Internacional. O Papa Pio XI enviou como seu representante e Legado Pontifício o Cardeal Eugênio Pacelli, Secretário de Estado do Vaticano. Pacelli, ao custo de milhões de liras oriundas dos cofres do Vaticano, mandou reformar o navio SS Conte Grande que pertencia à empresa Lloyd Sabaudo Line, transformando-o em um palácio flutuante com suítes faraônicas com detalhes em ouro nos banheiros para ele e acomodações principescas para seus áulicos. Sua viagem revestia-se de ambição pessoal, ele estava em plena campanha eleitoral, porquanto via-se como sucessor natural e indubitável de Pio XI quando este fosse prestar contas de seus feitos para seu superior. Sua campanha junto aos cardeais do mundo católico surtiu o efeito desejado, ele foi eleito Papa em 1939. Em sua viagem de volta a Roma, Pacelli visitou o Rio de Janeiro. O Cardeal desfilou em carro aberto pela cidade, em companhia do Presidente Getúlio Vargas, sendo aclamado pelo povo à sua passagem, com destino ao Palácio do Catete, onde ficou hospedado.
A igreja católica sabendo antecipadamente dessa passagem pelo Brasil havia solicitado aos Correios a emissão de um selo comemorativo à visita anunciada. O selo foi emitido naquele ano e não se tornaria nada especial se não fosse por dois fatores: O cardeal Pacelli veio a se tornar Papa; e as máquinas de impressão brasileiras eram subdimensionadas para o papel que se usou.
Explico, as impressoras usadas comportavam folhas de papel cujo comprimento era a metade do papel que se usou pra imprimir os selos “do Cardeal Pacelli” como ficaram conhecidos, os quais traziam a imagem do Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Assim, os impressores imprimiam a metade da folha, depois introduziam a outra metade na máquina, de modo que os selos centrais ficavam na posição conhecida como cabeça com cabeça. Essa posição inusitada conferia aos selos centrais uma excentricidade tal que passaram a ser cotados em dezenas de contos de réis a partir de sua descoberta pelos filatelistas, embora custassem 600 e 700 réis apenas. Além disso, houve três impressões distintas dos selos, e suas tiragens não foram muito grandes, de forma a torná-los preciosos também pela relativa escassez.
Tenho um conhecido, - na verdade um filatelista há muitos anos, primo de minha mulher – que possui três fileiras inteiras, uma de cada edição, dos selos cabeça com cabeça do Cardeal Pacelli. Não quero arriscar o valor atual de tais preciosidades, mas muitos colecionadores vêm de outros países apenas para apreciar os tais selos, apenas para ter o prazer de dizer para outros filatelistas menos felizes: “Eu vi os raros selos do Cardeal”. Apenas isso, até porque eles não estão à venda e, pelo que me disse o dono das raridades, jamais estarão.
Então, apesar de Pio XII ter sido um Papa de posição política altamente questionável, seu papado serviu pelo menos para resultar num item colecionável de raridade excepcional, para gáudio dos filatelistas. JAIR, Floripa, 12/05/11.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Morte de um idioma


Um amigo meu, colecionador de antiguidades, mostrou-me um documento original datado de 1499 escrito em português da época. Tratava-se de uma espécie de escritura de imóvel na qual uma autoridade certificava que determinada gleba era propriedade legítima de certo cidadão que a havia comprado de outro cidadão ali nomeado. Escrito a tinta sobre pergaminho (pele de cabra tratada), apesar do estilo gongórico, chamou-me atenção porque era perfeitamente entendível, o idioma era o português, não como o conhecemos, mas, ainda assim, qualquer indivíduo alfabetizado poderia compreendê-lo. Naquele momento veio-me à mente a maravilha que é a última flor do Lácio: apesar de longeva, permanece íntegra e consegue comunicar-se através dos séculos.

Mas, parece que agora as coisas não mais serão assim, porque o Ministério da Cultura (MEC) decretou a morte do idioma português. Desde sempre, ouvi dizer que o Brasil tinha duas características notáveis: continuidade territorial e unicidade de idioma, ou seja, não tínhamos regiões dissidentes ou separatistas e a língua falada no país era única de uma ponta a outra. Ainda que o território se mantenha íntegro, parece que a última flor do Lácio é um cadáver insepulto.

Um livro didático distribuído pelo MEC a 4.236 escolas do país estipula que a língua não tem regras, não há o certo e o errado, qualquer que seja a maneira que o indivíduo fala está correta, por exemplo: “todas as escola do Brasil não precisa mais ensiná o portugueis, pois podemo falá de quarquer manera que tá certo”. Sabemos que a língua é dinâmica, que vive de incorporações, novos vocábulos e conotações novas para termos antigos, mas daí a ensinar na escola que não existe uma maneira consagrada de escrever o idioma e podemos transgredi-lo à vontade, é uma diferença cavalar. Para podermos transgredi-lo, como fazia Guimarães Rosa, devemos pelo menos conhecer as regras, devemos pelo menos dominar um mínimo de gramática como nos ensinavam na escola. Mas, como “não há regras” não há também qualquer transgressão a elas, portanto, poderão existir tantos idiomas quantos habitantes do país. Cada um poderá adotar sua forma particular de escrever e falar, vestibulares, provas de seleção e testes quaisquer que sejam, não mais poderão ter provas de português, o MEC diz que esse idioma não existe, o que existe é a maneira que cada um fala ou escreve: uma tal de “variedade linguística popular”.

Vejamos o que um trecho do livro diz: "Você pode estar se perguntando: 'Mas eu posso falar os livro?'. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico". Veja bem, além do liberou geral que o livro apregoa, ainda alerta para um possível patrulhamento gramatical na forma de preconceito linguístico que poderá existir contra o indivíduo que acabou de dizer: “Nóis falemo assim porque nóis gosta e o tar de MEC diz que ta certo”! Pasquale Cipro Neto, além de ter perdido o emprego ainda corre o risco de ser enquadrado como perigoso discricionário linguístico. Que país é esse, Domingos Paschoal Cegalla?

Vejamos esta jóia: “A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma 'certa' de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala", afirma o texto dos PCNs. Veja bem, MITOS, o MEC afirma que é mito uma forma correta de escrever e falar, e que escrever e falar são formas distintas de expressão, uma não é espelho da outra! Então, me corrijo, não haverá tantos idiomas quantos habitantes do país, haverá o dobro. Cada um de nós poderá ter um idioma para falar e outro para escrever, daí teremos atingido a perfeição!

E o livro do MEC continua: "Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos". Mutilação cultural, cara pálida? Vejamos o que diz o Huaiss sobre cultura: conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social. Talvez o MEC não tenha percebido, mas os conhecimentos ministrados pela escola também são cultura, e não apenas as crenças e costumes que o aluno trouxe de sua comunidade. Então, ensinar uma forma consagrada e formal de escrever e falar não é mutilação cultural nem aqui nem na China, caros jumentos! Pode-se dizer, sem medo de cometer uma estultice, que é contribuição cultural, seus quadrúpedes parvos! Além disso, considerar dialetos os regionalismos, as expressões idiomáticas, as conotações vulgares, as gírias e os neologismos, é forçar a barra num sentido obscuro que não justifica o que se quer impor. Dialetos no Brasil são aquelas variações dos idiomas indígenas, nada a ver com o português que é único e perfeitamente compreensível em todas as regiões do país. O que existe são maneiras regionais de expressão, sonoridades diferentes e termos assimilados pelas diversas regiões, nada mais.

O linguista Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, critica os PCNs: "Há uma confusão entre o que se espera da pesquisa de um cientista e a tarefa de um professor. Se o professor diz que o aluno pode continuar falando 'nós vai' porque isso não está errado, então esse é o pior tipo de pedagogia, a da mesmice cultural", diz com elegância. Eu, deselegante, completo: “Professores de português, rasguem seus diplomas! A última flor do Lácio está morta! Vão se especializar em educação física, agora a estultice é obrigatória e sancionada pelo MEC no Patropi!”

Sempre reclamei que os internautas estavam matando o idioma, mas agora o crime está sendo cometido por um órgão que, explicitamente, tem a finalidade de cuidar dele, então não há escapatória, atingimos o fundo poço. Minha professora, Maria Jamur, a qual me ensinou os rudimentos da gramática deve estar se virando no túmulo, para minha tristeza e pesar. JAIR, Floripa, 14/05/11.