Falconídeos, como são classificados os gaviões e as águias, são aves chamadas injustamente, de rapina. Já que rapina é, segundo registram os dicionários: roubo feito com violência, extorsão, a classificação, mais uma vez, é uma forma covarde de atribuir aos animais falha exclusivamente dos homens, o que não é novidade, pois o homo sapiens humaniza os outros seres quando os quer transgressores, feios, desleais, néscios, perversos ou deformados. Mas, não é esse o escopo do texto, vamos falar sobre o carancho mesmo. Carancho é como se denomina no sul os gaviões de um modo geral e, em especial, um tipo chamado “Carancho-caramujeiro”, porque se alimenta de caramujos, os quais costuma levar nas garras até certa altura donde os solta sobre pedras para que quebrem e exponham suas carnes, que são um verdadeiro pitéu para seu paladar especializado. Existe uma variedade falconídea no norte da África e nas margens do Mediterrâneo que é chamada de Águia egípcia e se comporta de modo similar ao Carancho-caramujeiro de nossas paragens. Essa águia, que pelo porte está mais para gavião, também leva as presas nas garras e as solta das alturas para que quebrem ao cair. Pois é, além de caramujos, a Águia egípcia alimenta-se de tartarugas terrestres, quelônios abundantes nas ilhas e margens do Mediterrâneo. A história registra que Ésquilo, o primeiro grande autor trágico, nasceu em Elêusis, Grécia no ano de 525 a.C., autor de Os Persas, Os sete contra Tebas, As Suplicantes e Prometeu Acorrentado, ficou extremamente melindrado quando um conterrâneo seu, general Sófocles, foi premiado no festival de Dionísios por uma peça de grande apelo junto ao povo grego. Tão chateado ficou o autor trágico que resolveu se auto-exilar na Sicília, então província grega. Pois estava Ésquilo a deambular pelas planícies da ilha numa bela manhã ensolarada de 456 a.C., talvez, peripateticamente bolando uma nova tragédia teatral que lhe devolvesse a atenção da mídia que Sófocles lhe havia roubado, quando uma Águia egípcia, totalmente alheia ao que passava na mente do dramaturgo, soltou de grande altura a tartaruga que trazia nas garras, com intuito de quebrá-la contra as rochas que afloram naquelas campinas, e o quelônio precipitou-se sobre a cabeça do grego matando-o. Pelo que se sabe este é o único acidente desse tipo já registrado na história da humanidade. Um infeliz encontro entre um carancho, um jabuti e a cabeça de um grego inteligente e criativo privou a humanidade de um dos maiores autores da antiguidade. Enquanto isso, Sófocles, criador de mais de cem peças, entre elas as obras-primas escritas depois da morte de Ésquilo, Antígona, Édipo Rei e Elektra é o dramaturgo grego mais representado no planeta até hoje. Sófocles era uma espécie de, senão discípulo pelos menos seguidor de Ésquilo, e alunos costumam ficar à sombra dos mestres enquanto estes vivem, então vale uma ilação: Teria Sófocles entrado para a história do teatro como o maior autor de todos os tempos se aquela águia tivesse soltado o quelônio um metro distante de Ésquilo? JAIR, Floripa, 16/03/09.
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4 comentários:
Eu não sabia deste fortuito acontecimento ocorrido com o ilustre cidadão helênico. Mas, vale aquele velho ditado que diz que "urubu, quando está de azar, o de baixo defeca no de cima"! Eu não sei se os urubus usam o "toilete" em voo, mas as correntes ascendentes podem levar o produto para cima. Resumindo: vai ser azarado assim lá na Grécia!
Jair:
Tenho lido o seu blog com assiduidade e tomado conhecimento de todos os seus (belos) textos.
Azar mesmo!!!! como disse o Leonel! Interessante!!
Jair, só agora lembrei dum lance que rolava quando era criança, ainda no saudoso Pinheiral. Costumavam sobrevoar a nossa pequena comunidade, caranchos, possivelmente em busca de alguma presa, tipo algum galináceo desavisado. Pois bem, era só o carancho aparecer no céu a voltejar e as mães gritavam pros filhos correrem pra dentro de casa. O motivo era — segundo os mais velhos diziam, enfatizando o dizer com um olhar arregalado e crédulo —, que os caranchos costumavam pegar as crianças pela cabeça, com suas garras potentes, e levá-los em voo para alimentar os filhotes. E concluiam contando que num (in)certo lugar, muito distante, as crianças todas usavam um tipo de capacete na cabeça, feito de uma espécie de cabaça vegetal, que os protegia das garras caranchais, pois que o carancho ao tentar agarrar uma criança pela cabeça, apenas levava aos ares o capacete protetor. E a gente acreditava nisso, e corria pra dentro de casa gritando “lá vem o carancho!”
Abraço,
Ruy.
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