quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O círculo se fecha



Quando da explosão do primeiro artefato atômico num local conhecido por Alamogordo no deserto do Novo México nos EUA, os militares americanos cunharam a expressão Ground Zero para denominar o ponto exato no terreno onde a explosão projetou seu maior impacto. Logo em seguida, a expressão foi útil nos bombardeios nucleares das cidades japonesas de Hiroshima e Nakazaki. Ou seja, a partir do Ground Zero pôde-se traçar uma linha vertical até o centro da explosão, pouco mais de quinhentos metros acima. Nas cidades bombardeadas esses pontos receberam atenção especial dos cientistas por se tratarem de referências onde era possível calcular com grande precisão os efeitos da bomba e, a partir dali, extrapolar cálculos e julgar seu poder de letalidade por círculos concêntricos de raios cada vez maiores. A expressão entrou para o glossário americano e serviu, por diversas vezes, para determinar parâmetros em ocasiões que os cientistas testaram suas bombas no atol de Bikini.

Depois de onze de setembro de 2001, em Nova Iorque, o local onde existiram as torres gêmeas do WTC, ou seja, o Ground Zero do desmoronamento, era conhecido por Hell’s Ktchen desde há muito tempo. Durante algumas semanas, os cientistas passaram a trabalhar em conjunto com os bombeiros para determinar se havia indícios de uso de uma “bomba suja” pelos terroristas. Como sabemos, “bomba suja” é o nome que se dá a um suposto artefato que usa explosivos químicos convencionais para espalhar material radioativo – normalmente césio - contaminante ao redor, com o intuito de causar o máximo de danos. Munidos de contadores Geiger bem sensíveis fornecidos pelo governo federal, os cientistas ficaram muito surpresos ao constatar que existia uma radiação de fundo - inofensiva é bem verdade – bem acentuada no Hell’s Kitchen. Pelas características de intensidade e difusão das radiações não se tratava de uma “bomba suja”, nem era recente.

A explicação para o fato começou em 1942, quando uma equipe chefiada por Enrico Fermi, conseguiu a primeira reação nuclear controlada numa “pilha” atômica na universidade de Chicago. Roosevelt liberou dois bilhões de dólares para criação do projeto Manhatan que construiria as primeiras bombas. Agora faltava a matéria prima para a fabricação dos artefatos. Um coronel americano, de codinome Hen, fora mandado entrar em contato com Edgar Sengier, em Manhatan. O belga Sengier era comerciante de minerais no Congo Belga, país onde se encontravam as maiores reservas de pechblenda, mineral de urânio, e tinha escritório em Nova Iorque. O coronel Hen, depois que identificou-se, cheio de dedos explicou que o governo queria comprar urânio para uso, o qual ele não podia revelar, mas que se tratava de algo crucial para a causa dos aliados. O comerciante perguntou então ao coronel para quando precisava do produto. Ao que o militar responde: “Para ontem”, mas, é claro, diante das dificuldades de obtê-lo, aceitamos que seja para daqui alguns meses. Aí o militar se espantou com o que ouviu. O belga, sorridente, informou que tinha mil toneladas do minério ali mesmo em Manhatan.

Acontece que em 1939, no Congo Belga, um amigo antinazista de Niels Bohr e Enrico Fermi, havia procurado Sengier informando que os nazistas estavam fazendo experiências de fissão de urânio com fito de construir uma bomba atômica. O comerciante vendo possibilidade de bons negócios e temeroso que os alemães ocupassem o Congo se pôs a comprar cada grama de pechblenda disponível no país. Carregou um navio com o mineral e levou para Nova Iorque, onde, num barracão sujo e mal cuidado localizado no Hell’s Kitchen, armazenou o produto em barris para futuro negócio.

O governo americano se apressou a comprar o minério e, graças a essa feliz coincidência, pode fabricar as três primeiras bombas com aquele material, não houve necessidade alguma de importação de urânio durante a guerra.

Contudo, às vezes, a imprevisível serpente chamada história volta sobre si mesma e morde o próprio rabo. Assim, os americanos bombardearam o Japão com armas nucleares feitas graças ao projeto Manhatan; os aliados ganharam a guerra com ajuda maciça dos EUA e sua indústria; o país saiu fortalecido do conflito, confirmou-se como a maior potência bélica e econômica do Planeta e, dono do mundo, passou a espalhar “democracia” onde houvesse interesse econômico. Bom para a América, pior para o mundo, as interferências dos americanos lhes angariaram antipatias e inimizades onde quer que tenham desembarcado seus “marines”. Mesmo depois do término da guerra fria, quando o inimigo preferencial, a União Soviética, já havia recolhido seus ursos cinzentos para dentro de suas fronteiras, a águia calva continuou dando as cartas num monte de lugares. Chechênia, Iraque e Afeganistão são exemplos dessas intervenções. Só que muçulmanos radicais resolveram exportar sua distorcida visão de mundo e esbarraram, no entendimento deles, nas doutrina e economia americanas, daí para compará-los a demônios, não demorou nada. Estava criado o maior antagonismo político religioso da história da humanidade.

Amparados por xeiques nadando em dinheiro proveniente do petróleo que jorra no oriente médio, os grupos radicais muçulmanos prometeram acossar o demônio americano onde quer que se encontrasse. Atentados a bombas em embaixadas na África e atentado contra tropas no Líbano, atestam a determinação desses movimentos. Não demorou muito e o WTC sofreu um ataque em fevereiro de 1993, os radicais prometeram e estavam tentando ferir o demônio na sua própria casa. Finalmente em 11 de setembro de 2001, as torres gêmeas são implodidas por aviões de carreira americanos, levados até elas por aqueles terroristas cegos e surdos para enxergar e ouvir a razão. O círculo se fechou, no mesmo lugar, Hell’s Kitchen, de onde saíram os minérios que foram usados nas bombas que marcaram com fogo a hegemonia dos EUA no mundo, caíram os destroços daqueles que foram os maiores ícones da suprema predominância econômica americana. O Ground Zero, inaugurado pela bomba, agora se situa no coração da metrópole mais importante do país que a construiu. JAIR, Floripa, 30/09/10.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A vida secreta de Dakota Fanning




Às vezes nos deparamos com filmes que parecem ser feitos sob medida para este ou aquele ator, por exemplo, quem assistiu “A promessa” com Jack Nicholson, sabe do que estou falando. O filme lhe é ajustado como uma luva, é ocioso imaginar outro ator delirando com tanta convicção nos momentos finais daquele drama policial familiar.

Para espectador mais atento pode parecer que o autor da história, ao adaptá-la para o cinema, teve em mente determinado ator ou atriz; ou o diretor ao ler o roteiro “viu” exatamente quem deveria fazer aquele papel. Se assim não for, alguma outra coisa nos passa essa impressão.

Assistindo o excelente “A vida secreta das abelhas” com a emergente atriz Dakota Fanning, ocorreu-me isso: Filme e atriz foram feitos um para o outro, ou melhor, como a atriz veio primeiro o filme foi feito para ela, não há como fugir dessa idéia. É impossível imaginar outra atriz no papel principal. Dakota, nascida em 1994, é atriz desde o berço, por assim dizer, estreou em 2000 na série para tevê ER e não mais parou de crescer e transformar-se desde então.

Já no filme “Guerra dos mundos” (2005), onde fazia a filha Rachel de Tom Cruise, praticamente roubava a cena toda vez que aparecia. De lá para cá, seus personagens “lhe caem bem” e ela detona todas as vezes, contudo, é no “A vida secreta das abelhas” que a atriz mirim, finalmente se torna a encarnação de Jodie Foster (quem não lembra de “Taxi driver”?), ou seja, mostra o potencial que define a diferença entre “apenas um rostinho bonito” e uma grande atriz com personalidade e presença dominante, que certamente será.

Como disse no início, filme que parece ser feito para este ou aquele autor é, exatamente, o que a “A vida secreta...” lembra; foi feito para Dakota, é o número que ela calça. Uma personagem politicamente correta em meio a uma sociedade racista nos anos sessenta, a atriz adolescente sente-se num à vontade que pode surpreender o espectador desavisado. Quando Lily Owens (Dakota Fanning) beija Zachary Taylor (Tristan Wilds) a atriz mostra a que veio, ela consegue transpor a frágil ponte que une – e as vezes separa - pessoas de cores diferentes com uma tranquilidade e segurança que aumentam sua estatura de atriz, é o ponto alto de um desabrochar de quem será uma estrela destinada a dar muita satisfação a seus fãs. Sem macular a intenção do autor, poderíamos chamar a obra de uma revelação de “A vida secreta de Dakota Fanning”, considerando que Dakota, como uma crisálida saída do casulo, transformou-se finalmente numa incrível e fulgurante borboleta. JAIR, Floripa, 28/09/10.

sábado, 25 de setembro de 2010

A paranóia



Previsivelmente, em 1949, a União soviética explodiu sua primeira bomba atômica, iniciava-se assim a era da paranóia do ocidente, e, em particular dos EUA, que via no evento indícios claros de vazamentos de seus esforços no Projeto Manhattan, cujo trabalho, que envolveu os maiores cientistas nucleares do Planeta, culminara na confecção dos artefatos que haviam destruído Hiroxima e Nagazaki. Para aplacar a justa ira da sociedade que antevia bombas explodindo sobre suas cabeças em cidades americanas, a justiça condena Julius e Ethel Rosemberg à cadeira elétrica por espionagem.

Para gente antenada nos novos tempos, a história da civilização havia sofrido uma ruptura definitiva, deixara de ser linear, obtusa em direção ao futuro, havia sofrido uma guinada, tropeçara num divisor de águas. O futuro imediato agora representava a aterrorizante possibilidade de autodestruição da espécie humana. A humanidade jamais estivera sob tal ameaça. Até o pai da bomba, Robert Oppenheimer, num mea culpa tardio como soem ser todos os arrependimentos, se pronunciou: “A única defesa contra essa arma maldita é sua eliminação”.

O século vinte havia inaugurado um aprofundamento do iluminismo, as conquistas sociais, políticas e principalmente científicas, haviam levado a civilização a um patamar de satisfação, longevidade e conforto inimaginável um século antes. Sob estes aspectos o século vinte era o “Século das Luzes” até então. Só que a mesma ciência que nos havia brindado com tantas conquistas na área da medicina, da física e química, mostrava-se um monstro que escancarava as fauces e prometia nos engolir para sempre, parecia sim, o “Século das Trevas” o que se pronunciava.

O terror do final dos tempos, sem dúvida, permeava o cotidiano das pessoas comuns que se perguntavam: Por que deve ser assim? Qual o futuro disso tudo que vemos? Haverá um amanhã? Parece que o perigo esconso e imediato torna as pessoas meio filosóficas. Seria até risível se não fosse trágico.

Mas o medo maiúsculo, medonho e aterrorizante surgiu com a chamada “Crise dos Mísseis em Cuba” em 1962. A União Soviética, inteirada de sua desvantagem flagrante no campo nuclear frente aos Estados Unidos, resolveu instalar quarenta plataformas de lançamento de mísseis em Cuba, o que, segundo estimativas posteriores, aumentaria em 70% sua capacidade ofensiva, tendo em vista a proximidade dos alvos. A inteligência americana, baseada em fotos tiradas pelo avião espião U2, descobre a tramóia russa e o governo reage decretando o bloqueio da ilha e exigindo a retirada imediata dos mísseis.

Durante treze dias, o Planeta suspendeu a respiração diante da possibilidade de uma guerra nuclear entre as duas superpotências. É até incompreensível que história oficial dedique tão pouco espaço para esse que foi o momento mais paranóico que nossa geração viveu. Hoje sabemos que nunca estivemos tão próximos do Armagedon, a guerra total e definitiva. Se nossos esfíncteres lassearam e chegamos a borrar as cuecas não lembro, mas que o desconforto foi angustiante, isso foi.

Tanto Kennedy quanto Kruschev, estimulados por suas máquinas de guerra, se viram forçados a se encararem olhos nos olhos para ver quem piscava primeiro. Felizmente, para alívio da humanidade, Kruschev, ciente de sua inferioridade técnica e estratégica, botou o galho dentro. Mandou retirar os mísseis, e a adrenalina do Planeta baixou para níveis compatíveis com a vida normal do dia-a-dia. A paranóia, se não abandonou o andamento normal da sociedade, pelo menos não subiu a ponto de causar taquicardia e noites em claro a partir de então. JAIR, Floripa, 25/09/10.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sobre sociedade



Nos textos que escrevo e, em grande parte nos que leio, quando se trata de considerar o Homo sapiens nas suas relações com os semelhantes e nas atividades que culminaram na construção do que costumamos chamar de civilização, sempre aparece o termo sociedade. Mas o que é sociedade, realmente? Na verdade, essa palavra é usada com ampla gama de conotações dentro de qualquer texto que a ela se refira e não há uma resposta definitiva, direta, simples que a defina. Sem complicar muito, podemos dizer que sociedade engloba os conjuntos de pessoas agrupadas em situações comuns de existência, isto é, comunidades. Exemplos mais comuns de sociedades, famílias, vizinhanças, trabalho, escola, bairros, cidades, etc. Os indivíduos, menores unidades das sociedades, têm comportamento influenciado por cada categoria dessas células as quais pertença. Assim, um indivíduo que é casado, com filhos na escola, torcedor de certo time de futebol, que vive em tal cidade e tal bairro e é militar, por exemplo, se comportará de acordo com o quantum que cada uma dessas categorias sociais o influencie nos seus relacionamentos, vale dizer, a vida social da pessoa é o somatório de suas atividades, trabalho, família e opções que fez. Qualquer indivíduo pertencerá a várias categorias sociais ao mesmo tempo, ninguém é só torcedor do Flamengo, ou só engenheiro, por exemplo. A melhor maneira de explicar a complexidade das relações sociais é através da teoria dos conjuntos, a qual explora as superposições e interações dos vários segmentos de um universo considerado.

Os sociólogos costumam atrelar à sociedade, seja no sentido amplo de uma nação ou país, seja no sentido restrito de células menores que se inserem no conjunto maior, os rótulos da cultura que lhes são implícitas. Assim, as sociedades se regem pela cultura, por um modus vivendi comum partilhado pelos membros que a compõe. Alguns sociólogos se socorrem de uma metáfora: A sociedade é um esqueleto, que preenchido com músculos e nervos (cultura) se torna um ser completo. Costumo ver os homens como tijolos virtuais que se unirão para formar uma construção (sociedade), o cimento que os une é a cultura.

As ditas sociedades primitivas, em geral são chamadas de igualitárias, porque os sujeitos que as compõe não são separados economicamente, ninguém é mais rico ou mais pobre, se há diferenças, estas estão relacionadas às divisões naturais como família, idade e sexo. Em geral, nas sociedades igualitárias não há domínio de uns sobre outros, o máximo que há é ascendência, ou seja, os mais velhos têm ascendência sobre os mais novos, nada mais. Ou, nas sociedades machistas, os homens têm ascendência sobre as mulheres e, numa sociedade matriarcal, naturalmente, seria ao contrário. Não há dominância como patrões e empregados ou senhores e escravos como em sociedades mais complexas.

O problema é que sociedades igualitárias são meras utopias, a esmagadora maioria das sociedades são desigualitárias, isto é, existem níveis sociais que são determinados pelo poder econômico e este gera poder político, o que, de modo geral, significa dominância de certas classes sobre outras. Fácil de entender o porquê dessa hierarquia: grana gera poder e este gera leis. Não se pode esperar que aqueles que fazem leis sejam desprendidos a ponto de fazê-las contra si próprios, tolhedoras de suas iniciativas e ações. A burrice não é um dos predicados das classes dominantes, se as letras das leis a todos contemplam, sua aplicação depende da interpretação de quem tem o poder, daí querer que ricos e pobres sejam iguais é outra utopia, para não dizer estultice.

O poeta inglês, John Donne, disse: “Nenhum homem é uma ilha”, e o homem na sua evolução social, não deixa de dar razão ao poeta, em qualquer circunstância agrega-se, junta-se a outros, forma grupos. Pessoas são ímãs com polaridades invertidas, sempre se atraem. Foi essa tendência agregacionista dos homens que lhes permitiu unir suas forças, seus intelectos e suas habilidades que resultou na construção de sociedades que, entre outras benesses, lhes trouxeram qualidade de vida, e o ócio necessário às lucubrações construtivas. Em sendo ilhas, os homens não teriam sobrevivido, as sociedades não existiriam e a humanidade estaria extinta para sempre. Por mais deletérias que algumas relações sociais sejam, as sociedades ainda são a única maneira do homo se perpetuar na face do Planeta. JAIR, Floripa, 23/09/10.