segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Faz de conta


Que este Patropi é o país da justiça sumária para os amaldiçoados pela letra “P” – pobres, putas e pretos - e da injustiça institucional para os que detém poder ou conta bancária de certo vulto todo mundo sabe, embora a maioria, por conveniência, oportunismo ou por preguiça não costume computar tal assertiva. Enquanto nos presídios faltam vagas para as levas de marginais, bandidos genéricos e meliantes comuns que vagam pelas ruas, os engravatados – especialmente em Brasília – continuam flanando por aí e dando gargalhadas ao tempo que gastam o dinheiro roubado de nossos bolsos.
Daí, por uma conjunção de fatores fortuitos completamente fora dos costumes desta república, aconteceu que alguns políticos e civis bem colocados na sociedade, fazendo uso do expediente “normal” de desviar dinheiro público para seus bolsos, contas bancárias e até cuecas, foram pegos com as mãos na massa e denunciados pelo Ministério Público. Por outra fatuidade mais rara ainda, o processo mandado para o STF – órgão encarregado de “inocentar” figuras públicas de todos os matizes (vide Collor) – caiu no colo do incorruptível e rigoroso ministro Joaquim Barbosa, que foi designado relator do processo.
Parece que essa estranha coincidência que nunca antes havia acontecido, e que provavelmente jamais acontecerá de novo, pegou todos de surpresa: as mídias, os poderes da república, os corruptos e corruptores e o público em geral. Mais que surpresa esse evento transformou-se numa batata quente nas mãos dos ministros do STF, os quais estavam certos que nada iria acontecer como todos os processos anteriores. Até que o ministro Enrique Ricardo Lewandowski indicado para o cargo pelo presidente Lula, fez das tripas coração para arquivar, desmembrar, protelar ou extinguir o processo de modo a fazer o que sempre se fez: livrar a cara de corruptos e corruptores “por falta de provas” ou qualquer outra expressão jurídica vazia capaz de “inocentar” quem não foi amaldiçoado pela nefasta letra ”P”.
Tudo bem até aqui, mas como e porque essas proeminentes figuras foram pegas? Quem os pegou, já que se gritar pega ladrão no Congresso lotado, este fica vazio? Pois é, aqui também houve coincidência de dois fatores que acabaram por determinar esse desfecho que resultou no julgamento dos “mensaleiros”. Primeiro: a direita nunca temeu a eleição de Lula para presidente, sempre julgou que este por ser “analfabeto”, não representaria ameaça alguma ao status quo vigente, o qual, como sabemos, é favorável à corrupção seguida pela indissociável impunidade para os engravatados que delinqüem. Mas, para pavor dos oposicionistas conservadores, no pacote Lula presidente, havia o formidável, articulado, inteligente, mas pouco carismático José Dirceu. Este sim representaria um perigo iminente para a direita num futuro próximo. O cargo de Chefe da Casa Civil do governo Lula, habilitava quase automaticamente José Dirceu como forte candidato a sucessão de Lula. As bases oposicionistas tremiam, pois sabiam que Dirceu era o adversário, sabiam que Dirceu era e é melhor que todos eles juntos. Urgia que se fizesse alguma coisa para tolher a ascensão de Dirceu. Para gaudio da direitona corrupta aconteceu que, como todos os detentores do poder antes, os homens do PT delinqüiram. Vieram da oposição onde agiam como vestais, venderam uma imagem que os colocava fora da banda pobre da república e seduziram o eleitorado com promessas de gestão transparente e incorruptível. A subida ao poder causou-lhe duas feridas que, se não eram mortais, pelo menos deveriam ser cuidadas para que não os aleijassem. Primeiro, foram arrogantes ao se venderem como homens puros, isso não existe, mas o fato de se arrogarem tal predicado aumentou em intensidade sua rejeição, em número seus adversários e a vigilância sobre seus atos. Segundo, uma vez no poder começaram a se comportar exatamente como os outros sempre se comportaram, ou seja, meteram a mão na cumbuca. Só que por ingenuidade ou amadorismo o fizeram sem o cuidado que os ladrões notórios o fazem. É só notar que Maluf, Sarney, Collor, Calheiros e uma grande leva de outros parlamentares continuam impunes e mandando no país mais que urubu em Manaus.
O resultado dessa mistura de amadorismo e injunção quase inverossímil no STF foi a pseudoprisão de alguns mensaleiros, digo pseudoprisão porque não devemos ter dúvida, daqui a alguns dias quando a poeira baixar, os ministros cooptados, sem alarde algum, vão encontrando desvãos legais pelos quais os ladrões de casaca vão saindo devagarzinho para os chamados regimes abertos e que tais. E todos serão heróis, pois, como disse Genoino, eles se consideram presos políticos. Aliás, de acordo com a Lei da Anistia, como presos políticos certamente terão direito a polpudas indenizações depois da prisão. Longa vida a todos os presos políticos deste país: Marcola, Pézão, Gê da Rocinha, Fernandinho Beira Mar, Orelha, Vanildo Magrão etc.
Que fique claro, o PT não inventou a corrupção, não roubou mais que o PSDB, por exemplo, e os mensaleiros não são piores ou melhores que os milhares de ladrões que continuam na vida pública roubando e se locupletando, apenas foram menos habiliodosos ao meter a mão na coisa pública e não foram bafejados pela sorte que geralmente não vê os desmandos e roubos. Então, quando alguém diz que a justiça finalmente foi feita, no mínimo está sendo parcial, porque enquanto Malufs e Sarneys estivem aquém das grades isso tudo é perfumaria, isso tudo é um faz de conta que, infelizmente, representa perfeitamente quanto este é o país do carnaval, do futebol e da impunidade. Lembremos também que dos milhões roubados nada retornou aos cofre públicos. Definitivamente, o crime compensa neste país do faz de conta. Faz de conta que os julgamos, faz de conta que vocês foram presos, faz de conta que a justiça tardou mas não falhou.  Como dizia o saudoso Stanislau Ponte Preta: “Restaure-se a moralidade, ou locupletemos todos”. JAIR, Floripa, 17/11/13.