terça-feira, 15 de junho de 2010

Sobre Futebol



Clima de copa do mundo, todos respirando futebol, nada mais próprio do que lembrar João Saldanha (1917 – 1990), gaúcho de Alegrete, mas de vida familiar e profissional no Rio de Janeiro desde os 14 anos. Falar de futebol sem citar Saldanha é o mesmo que degustar a sobremesa sem comer o prato principal. Seu pai, amigo de Getúlio Vargas, foi contemplado com um cartório na zona sul do Rio, razão pela qual Saldanha pertencia a classe média alta. Comentarista polêmico, botafoguense, ex-jogador profissional, jornalista, escritor, erudito, formado em direito e filiado ao PCB sem ter sido militante. Nas eliminatórias de 1970 era técnico da seleção brasileira e classificou o Brasil invicto com um time conhecido como “as feras de Saldanha”, diz a história que o Presidente Médici mandou defenestrá-lo porque não ficava bem ao Brasil ser campeão tendo como técnico um comunista. Vejamos o que o Saldanha declarou a respeito: “Eu sabia que a Seleção estava desmoralizada. O Maracanã não enchia nem contra a Seleção da FIFA, nem contra a Argentina. O povo não acreditava mais. Eu achava que devia promover o nosso futebol. Provocar, chamar a atenção pra cima da gente, pra cima de mim se fosse preciso. Fui por aí, enfrentando as paradas. De repente surgiu uma crise. Se me perguntarem hoje porque fui demitido, palavra de honra, juro pela Teresa e pelas crianças que não sei. Porque não me deram nenhuma explicação, tentaram fazer com que eu pedisse demissão. Disseram que a Comissão Técnica estava dissolvida”.
Pois bem, havia quem não gostasse dele, havia quem o achasse pedante, havia quem o acusasse de comunista, havia os que viam nele um bon vivant rico que apenas curtia a vida, outros diziam ser um play boy bem sucedido meio falastrão e irresponsável, contudo, uma coisa ninguém pode negar, o cara era profundo conhecedor da história dos esportes, com justiça muitas vezes chamado de enciclopédia do futebol.
Escrevia crônicas sobre história do futebol e esportes em geral recheadas de informações interessantes e curiosas. Uma dessas crônicas, “Tirem o Bedel!”, quero comentar aqui. Pois bem, existem perguntas pertinentes que os apreciadores do futebol às vezes fazem e não encontram respostas como: Por que onze jogadores? Por que dois tempos de 45 minutos cada? Na crônica, João Saldanha, contando a história recente do esporte bretão, dava uma bela pincelada nos fatos que originaram onze jogadores e 45 minutos por tempo num jogo.
Conta ele que, no início, na Inglaterra, no ano de 1848, numa conferência em Cambridge, estabeleceu-se um único código de regras para o futebol. No ano de 1871 foi criada a figura do guarda-redes (goleiro) que seria o único que poderia colocar as mãos na bola e deveria ficar próximo ao gol para evitar a entrada da bola. Em 1875, foi criada a regra do tempo de 90 minutos. O tempo duração do jogo assim ficou estabelecido porque o jogo era praticado, como esporte obrigatório, pelas escolas das elites inglesas onde o tempo de duração das aulas era cinquenta minutos. Quarenta e cinco minutos de jogo e cinco para preparação, com dois tempos para dar revanche ou desempatar. Como as turmas eram formadas por vinte alunos, dez de cada lado. E o goleiro? Bem, lembram da figura do bedel? Aquele carinha chato que era uma espécie de inspetor responsável pela disciplina de cada turma? Pois é, durante o inverno, quando o esporte tinha também a finalidade aquecer os meninos ricos ingleses, era impraticável colocar um deles paradão entre as traves, congelando, então colocaram o bedel. O bedel era, afinal, apenas um empregado, podia ficar com frio e tornou-se o décimo primeiro homem em campo.
Assim, turmas de 20 alunos definiram a quantidade de jogadores e duração de 50 minutos de aula estabeleceram o tempo de cada metade do jogo, nada misterioso ou cabalístico como alguns podem pensar. Nada a ver com o tamanho do campo, pois este variava muito na época até que, finalmente, foi regulamentado pela FIFA em terreno de 90 a 120 metros de comprimento e de 45 a 90 metros de largura, mas para partidas internacionais a entidade recomenda as seguintes medidas: entre 100 e 110 metros de comprimento, e entre 64 e 75 metros de largura.
O que vale é que o João Saldanha era uma autoridade em futebol, senão como jogador ou técnico, pelo menos como historiador e estudioso. Esta é uma homenagem a esse gaúcho carioca que respirava o esporte mais popular do Planeta e a ele dedicou sua vida, e que morreu como queria, depois de comentar a copa faleceu em Roma em 12 de julho de 1990. JAIR, Floripa, 15/06/10.

5 comentários:

Leonel disse...

A história da demissão de Saldanha em 1970 foi mais uma dessas coisas provocadas pelas fofocas daquela parte da imprensa brasileira que se dedica a criar notícias, ao invés de apenas publica-las. Acabamos de ver como tentaram criar uma crise de um incidente banal ocorrido num treinamento da seleção, coisa que quem frequenta estádios está acostumado a ver.
Aconteceu que, como de praxe em época de Copa do Mundo, foram entrevistar o presidente Médici sobre a seleção brasileira. E ele, despreparado para a malícia dos repórteres, caiu na asneira de comentar que gostaria de ver um jogador mais rompedor no ataque e citou Dario, atacante e artilheiro em vários clubes brasileiros. Foi o que bastou! O repórter saiu dali e foi direto atrás do Saldanha, conhecido pelo seu temperamento esquentado (chegou a correr a tiros o goleiro Manga, do Botafogo) e por detestar o governo militar, pois era comunista declarado. Daí, o provocaram, dizendo que o presidente achava que ele devia convocar Dario. Só não disseram é que eles é que haviam puxado esse assunto. Saldanha foi logo falando que o presidente devia se preocupar em governar o país, pois na seleção quem mandava era ele! Essa declaração do Saldanha saiu em destaque nos jornais do dia seguinte. Embora não se tenha registro de nenhuma ação do governo, a direção da CBD achou por bem demiti-lo, para evitar problemas políticos. Acho que, se houvesse interferência do governo na seleção, Saldanha nem teria sido efetivado como técnico, pois sua tendências políticas eram bem conhecidas de todos. Apesar de tudo, ele dirigiu a seleção durante toda a fase das eliminatórias para a copa de 70.

JAIRCLOPES disse...

Leonel,
Eu procurei registrar o sentimento que ficou no público diante da demissão do Saldanha, assim como o que ele disse a respeito, mas concordo com o que você escreveu, está muito mais coerente com a personalidade dele. Outra coisa, neste Patropi a versão costuma ser mais importante que o fato, de modo que a versão que descrevi pode ter peso maior do que a verdade dos fatos, infelizmente.

R. R. Barcellos disse...

- Por algum motivo que só o Imponderável de Oliveira conhece, seu post me aparece na fonte "webdings"... bem ao estilo do Saldanha. Tive que exibir o html original para decifrá-lo.
- Valeu o registro. Os Arquibaldos e Geraldinos (e os Macários) não se esquecerão tão cedo de quem merecia ter o nome imortalizado num estádio dos grandes.
- Abraços.

Leonel disse...

A conclusão da história da copa de 70 foi a seguinte: Zagallo substituiu Saldanha. Na convocação final, Dario foi convocado, mas nunca escalado (e olhe que era o único legítimo centroavante de ofício no plantel), e os jogadores da seleção, capitaneados por Wilson Piazza, assinaram o chamado "Manifesto de Guadalajara", onde estabeleceram que não mais dariam entrevistas à imprensa. Por isto, um bom número de jornalistas passou a torcer contra.
Final: o Brasil de Zagallo foi campeão de forma brilhante e "eles tiveram que engolir" nas palavras do velho mestre. Este episódio foi apagado das páginas da copa de 70 pela mesma imprensa, que hoje só endeusa aquele grupo de jogadores. Como em 1984, de George Orwell...

Anônimo disse...

Cabo velho, tudo bom?
Obviamente eu não gostava e não gosto do Saldanha, por motivos para nós obvios,mas....adorei o teu texto, e aprendi coisas que eu nunca tinha pensado a respeito, e que agora eu achei legal saber. Abração
Fabio