No norte da África, região que abrange Argélia, Líbia, Marrocos, Tunísia e Egito, área ocupada pelo Saara, existem tribos de nômades que não tem pátria, não se consideram pertencentes a nenhum país em particular e não respeitam fronteiras físicas entre nações, são os Tuaregues.
Também chamados berberes por falarem o berber, língua aparentada com o árabe, mas com ricas entonações que lha confere pronúncia menos gutural, e que tem um vocabulário próprio quase intraduzível. Os tuaregues são pastores coletores, criam cabras, ovelhas e camelos e costumam coletar tâmaras e azeitonas. São artesãos e ourives habilidosos. Costumavam comercializar diversos produtos, tais como: objetos de prata, ouro, ferro e cobre, artesanato, temperos, vidro, plumas, pedras preciosas, e, sobretudo, extraem sal das planícies salgadas e o vendem nas cidades onde compram gêneros que necessitam. Confeccionam sofisticadas tapeçarias e tecidos de lã de ovelhas e pêlo de dromedários. Eventualmente, algumas tribos assentam-se por tempo suficiente em algum lugar mais aprazível dos oásis e também plantam hortas e pomares, atividades que não chega a lhes conferir a classificação de agricultores, visto que essa labuta se aplica somente a algumas poucas tribos e durante pouco tempo. O termo Tuaregue é árabe e quer dizer “abandonado pelos deuses”, mas os assim nomeados preferem chamar a si mesmos de Imashaghen ("os Livres"). Como suas vidas são um constante perambular pelas dunas, planícies de areia e oásis do Saara, e como não tem que dar satisfação a nenhuma autoridade a não ser a eles mesmos, parece que Livres é o que eles realmente são. Nada mais próprio.
No século dezenove, quando o norte da África estava colonizado pelos europeus e estes tentavam “europeizar” os países por eles ocupados, surgiu a idéia de mecanizar a produção de sal da região, em especial no Egito onde eram os ingleses que dominavam. Só que a coleta transporte e comércio do sal são e sempre foram atividades econômicas dos Tuaregues, estes viajam, às vezes centenas de quilômetros, até as salinas e trazem o produto para as cidades da região desde tempos imemoriais. Esse comércio é essencial, permite que sobrevivam os que não têm rebanhos, que são menos habilidosos, ou quando suas outras atividades não estão rendendo o suficiente.
Pois bem, quando os ingleses tiveram a brilhante idéia de coletar mecanicamente o sal em região mais próxima aos consumidores por que saía mais barato, muitos nômades estavam justamente numa época de “vacas magras” e necessitavam com grande premência do faturamento desse comércio. Por sorte, algum inglês menos obtuso conseguiu enxergar que por causa da economia de umas poucas libras poderiam decretar a extinção de um povo que há milênios vive ali sem incomodar ninguém. E assim, desistiram do projeto, deixando que os Tuaregues continuassem trazendo o sal das lonjuras e continuassem vivendo. Bom para eles e parabéns para os colonizadores que, num ato de ‘bondade’, ajudaram a preservar a cultura exótica desse milenar povo meio misterioso e rebelde.
Bem, e daí cara pálida? Daí descobri que os árabes que invadiram e dominaram a Península Ibérica de 711 a 1542 eram, na sua maioria, berberes, ou seja, Tuaregues. Descobri também que meu antepassado espanhol mais remoto conhecido, meu bisavô Francisco Lopes, era descendente direto de Tuaregues, filho de pais Tuaregues de quarta ou quinta geração, vivendo na Espanha e “iberizados” culturalmente, bem como convertidos ao cristianismo. Descobri que o Lopes do sobrenome dele (e meu, naturalmente) é uma corruptela do latim lupus (lobo em espanhol) como eram chamados pelos espanhóis os berberes, por serem temerários, audazes e causarem terror aos ibéricos, os quais tinham conquistado. De lupus = lobo, descendem os sobrenomes Lupo, Lupi, Lupe, Lope, Lopes, Lopez, bem como Guadalupe, Lupinacci e outros.
Então, minha gente, como sou fissurado pela história e figuras dos berberes e até já reproduzi algumas em óleo sobre tela, estou propenso a acreditar que sou descendente desses resistentes e bravios nômades do deserto. Acho que alguma partícula atávica e memorial fica escondida em algum recanto do código genético da gente e surge em forma de lembranças algum dia. Se assim é, devo ser um por cento Tuaregue!
Mais uma vez, e daí? Daí é reconfortante a idéia de conhecer nossas origens, sejam elas de degredados criminosos portugueses obrigados a colonizar um novo território; seja de simplórios indígenas maltratados e catequizados pelos colonizadores; seja de negros escravizados e brutalizados por uma política de exploração desumana; ou de imigrantes europeus que fugiram da aviltante miséria de seus países de origem e vieram dar com os costados aqui no acolhedor Patropi. JAIR, Floripa, 25/06/10.
Também chamados berberes por falarem o berber, língua aparentada com o árabe, mas com ricas entonações que lha confere pronúncia menos gutural, e que tem um vocabulário próprio quase intraduzível. Os tuaregues são pastores coletores, criam cabras, ovelhas e camelos e costumam coletar tâmaras e azeitonas. São artesãos e ourives habilidosos. Costumavam comercializar diversos produtos, tais como: objetos de prata, ouro, ferro e cobre, artesanato, temperos, vidro, plumas, pedras preciosas, e, sobretudo, extraem sal das planícies salgadas e o vendem nas cidades onde compram gêneros que necessitam. Confeccionam sofisticadas tapeçarias e tecidos de lã de ovelhas e pêlo de dromedários. Eventualmente, algumas tribos assentam-se por tempo suficiente em algum lugar mais aprazível dos oásis e também plantam hortas e pomares, atividades que não chega a lhes conferir a classificação de agricultores, visto que essa labuta se aplica somente a algumas poucas tribos e durante pouco tempo. O termo Tuaregue é árabe e quer dizer “abandonado pelos deuses”, mas os assim nomeados preferem chamar a si mesmos de Imashaghen ("os Livres"). Como suas vidas são um constante perambular pelas dunas, planícies de areia e oásis do Saara, e como não tem que dar satisfação a nenhuma autoridade a não ser a eles mesmos, parece que Livres é o que eles realmente são. Nada mais próprio.
No século dezenove, quando o norte da África estava colonizado pelos europeus e estes tentavam “europeizar” os países por eles ocupados, surgiu a idéia de mecanizar a produção de sal da região, em especial no Egito onde eram os ingleses que dominavam. Só que a coleta transporte e comércio do sal são e sempre foram atividades econômicas dos Tuaregues, estes viajam, às vezes centenas de quilômetros, até as salinas e trazem o produto para as cidades da região desde tempos imemoriais. Esse comércio é essencial, permite que sobrevivam os que não têm rebanhos, que são menos habilidosos, ou quando suas outras atividades não estão rendendo o suficiente.
Pois bem, quando os ingleses tiveram a brilhante idéia de coletar mecanicamente o sal em região mais próxima aos consumidores por que saía mais barato, muitos nômades estavam justamente numa época de “vacas magras” e necessitavam com grande premência do faturamento desse comércio. Por sorte, algum inglês menos obtuso conseguiu enxergar que por causa da economia de umas poucas libras poderiam decretar a extinção de um povo que há milênios vive ali sem incomodar ninguém. E assim, desistiram do projeto, deixando que os Tuaregues continuassem trazendo o sal das lonjuras e continuassem vivendo. Bom para eles e parabéns para os colonizadores que, num ato de ‘bondade’, ajudaram a preservar a cultura exótica desse milenar povo meio misterioso e rebelde.
Bem, e daí cara pálida? Daí descobri que os árabes que invadiram e dominaram a Península Ibérica de 711 a 1542 eram, na sua maioria, berberes, ou seja, Tuaregues. Descobri também que meu antepassado espanhol mais remoto conhecido, meu bisavô Francisco Lopes, era descendente direto de Tuaregues, filho de pais Tuaregues de quarta ou quinta geração, vivendo na Espanha e “iberizados” culturalmente, bem como convertidos ao cristianismo. Descobri que o Lopes do sobrenome dele (e meu, naturalmente) é uma corruptela do latim lupus (lobo em espanhol) como eram chamados pelos espanhóis os berberes, por serem temerários, audazes e causarem terror aos ibéricos, os quais tinham conquistado. De lupus = lobo, descendem os sobrenomes Lupo, Lupi, Lupe, Lope, Lopes, Lopez, bem como Guadalupe, Lupinacci e outros.
Então, minha gente, como sou fissurado pela história e figuras dos berberes e até já reproduzi algumas em óleo sobre tela, estou propenso a acreditar que sou descendente desses resistentes e bravios nômades do deserto. Acho que alguma partícula atávica e memorial fica escondida em algum recanto do código genético da gente e surge em forma de lembranças algum dia. Se assim é, devo ser um por cento Tuaregue!
Mais uma vez, e daí? Daí é reconfortante a idéia de conhecer nossas origens, sejam elas de degredados criminosos portugueses obrigados a colonizar um novo território; seja de simplórios indígenas maltratados e catequizados pelos colonizadores; seja de negros escravizados e brutalizados por uma política de exploração desumana; ou de imigrantes europeus que fugiram da aviltante miséria de seus países de origem e vieram dar com os costados aqui no acolhedor Patropi. JAIR, Floripa, 25/06/10.
7 comentários:
Pô, Jair, quer dizer que és, ao mesmo tempo, lobo e cordeiro!
Muito interessante esta matéria sobre esses "pré- anarquistas" que recusaram ter uma bandeira.
Mas, de tudo, o que achei mais insólito foi o fato dos inglêses terem desistido da prospecção mecanizada do sal para não acabar com o sustento dos tuaregs.
Eu nunca imaginei que os nossos amigos britânicos tivessem esses arroubos humanitários!
Jair, o amigo Léo fez uma ótima colocação.
Se você é uma mistura de Cordeiro com Lobo, fala a verdade, qual a descedência que predomina ?
Grande abraço,
Carlos
Caro Carlos,
Para falar a verdade sou noventa por cento cordeiro. ser lobo não faz meu gênero, sou da paz e amor.
- O Jair, apesar do nome, não é lobo nem cordeiro, e muito menos lobo em pele de cordeiro... a julgar pelas matérias publicadas, ele é, sabe que é e gosta de ser um vira-latas - e até se orgulha disso. Quase todos nós - eu também - estamos na mesma canoa, mas poucos assumem suas múltiplas raizes, como ele. E viva a miscigenação!
Muito oportuna tua postagem “tuaregue”, pois além de ser um texto escorreito, bastante informativo e agradável de ser lido, veio em muito boa hora aproveitando o *zeitgeist da Copa que prega a união, o NÃO racismo e o congraçamento entre todos os povos. Contudo, os nossos irmãos e hermanos ibéricos, parece que desconhecendo esse clima e esquecidos das suas raízes que os miscigenaram, aderiram em seus países a uma política chauvinista que discrimina, principalmente, os imigrantes do Norte africano e os que vêm dos países abaixo da linha do Equador, nós brasileiros, inclusive.
Aqui no Brasil, segundo estudiosos como Gilberto Freyre, e outros, somos um povo miscigenado — embora hoje haja discordância entre autores, quanto a sermos tbm “um povo cordial”, ainda de acordo com Freyre —, pois cinco séculos de ocupação do território pelos invasores europeus com seu regime escravagista que utilizava o africano, foi tempo mais do que suficiente para tornar e dotar o povo brasileiro das características das três etnias que hoje possuímos.
E que dizer então dos dois principais povos da Península Ibérica — portuguêses e espanhóis —, que vivendo sob a ocupação moura por mais de sete séculos, trazendo hoje no seu biotipo traços inconfundíveis — também — de pelo menos três etnias, portarem-se como se só eles tivessem o direito de viver num país que explorou a África e as três Américas
Olá,
Realmente muito interessante o texto. Como um dia serei mãe de um descendente Lopes, adorei ler e saber um pouco mais de sua origem. Esse blog tem que ser imortalizado para que um dia os pequeninos que virão possam ler e desfrutar de uma leitura agradável como esta. Parabéns,
Beijos da nora.
Olá! Adorei o texto, sou professora da disciplina de geografia, e peço tua permissão para usar nas minhas aulas, pois estou trabalhando a África em sala,com turmas do 3ª do ensino médio, será de extrema utilidade. obrigada. sandra
Postar um comentário