Já confessei em texto publicado aqui que sou tímido desde criança, expliquei o que é ser tímido e escrevi o que segue: “Se você morre de medo de falar em público, de declarar seu amor a alguém, de entrar num ambiente iluminado em que não conhece ninguém, torce para não ser notado em lugares abertos, não gosta de ficar nu perto dos outros, procura não atender ao telefone ou transpira ao fazê-lo, você é um tímido. Por outro lado, o isolamento do tímido lhe permite ser mais concentrado, mais introspectivo, mais criativo até, de forma que ao pensar mais e falar menos o tímido tende a errar menos também, porquanto seus ditames são fruto de reflexão mais demorada, mais madura”.
Pois então, como criança tímida, sempre me via em ambientes de adultos nos quais não me “enquadrava”, nos quais, sentado num canto sozinho e sem vontade de conversar com alguém, me via imaginando coisas, observando as pessoas e construindo histórias sobre o que elas eram ou poderiam ser.
Assim, inventei um jogo secreto, o qual eu poderia jogar por horas e horas sem sair do lugar, sem palavras e sem qualquer auxílio externo a não ser a observação das pessoas e minha imaginação que acabou se tornando cada vez mais elaborada. Eu ficava observando as pessoas no ambiente e tentava adivinhar, pelas roupas, adereços e comportamento, pelo que falavam ou pelo que comiam naquele momento, onde moravam, o que faziam normalmente, o que tinham acabado de fazer, qual era o destino delas depois que saíssem dali. Era um exercício de lógica dedutiva à Sherlock Holmes, mas sem crime para solucionar. Pela expressão do rosto, eu podia imaginar qual era o pensamento daquela senhora gorda que olhava a toda hora para o relógio no seu pulso e não parava de fumar; ou o que estava pensando aquele rapaz bem vestido que comia seu sanduíche e, às vezes, sorria para si mesmo como se tivesse ouvido uma boa piada. Como seria a pessoa que a mulher parecia esperar? Eu prestava atenção em frases e restos de conversa dos adultos, enquanto, também, desenvolvi habilidade para leitura labial, de forma que tinha uma colcha de retalho de expressões, frases soltas e assuntos com os quais eu podia tecer histórias as mais variadas e chegar a conclusões as mais fantasiosas.
Todos se tornavam minha matéria prima da qual eu montava minhas estórias. Por exemplo, aquela mulher alta e bem vestida, com vestido justo decotado, que estava sentada à mesa com sua amiga loira e magra, prometia bom material para uma estória cheia de nuances. Aquela mulher esperava por seu amado, que marcara encontro com ela e esquecera, e por isso ela estava intranqüila olhando para a porta, bebericando uma bebida fraca que não saboreava e nem sentia o gosto, estava se sentindo abandonada. E, de tempos em tempos, ela ia até o toalete retocar a maquiagem que se desfazia com suas lágrimas que teimavam de descer furtivas de seus olhos tristes.
No outro lado da sala, o garçom levou outra bebida para o sujeito entediado que parecia desiludido. Certamente sua mulher o havia deixado ele se sentia só e afogava as mágoas no fundo do copo. Seus olhos estavam opacos, sem vida, ele era um homem morto por dentro. E eu continuo em frente a tecer as teias intrincadas das vidas alheias. O jovem amante que levou a mulher daquele homem é forte, bronzeado e alto, além de ter dentes bons que lhe dão um sorriso de propaganda de creme dental. Aquele marido não teria nenhuma chance mesmo!
Tornei-me uma espécie de vampiro de histórias pessoais, o tempo e a imaginação me forneceram os instrumentos capazes de elaborar em minúcias os meandros e passagens que cada uma de minhas “vítimas” sofrera ou viria sofrer. Minhas estórias acabaram se transformando em verdadeiras novelas nas quais eu tinha liberdade de juntar dois ou mais personagens e conduzi-los da forma que me parecesse melhor e mais dramática. Também brinquei com a literatura, colocava meus personagens nas estórias de autores conhecidos e dava-lhes chance de viverem novas sensações, amores e aventuras.
É claro que minhas indiscrições envolviam certo risco, se a pessoa que eu observava notava meus olhares inquisitivos, eu sorria com a cara mais inocente do mundo e desviava o olhar. Não era minha intenção constranger ninguém. Na verdade tinha autêntico pavor de ser pego em flagrante nas minhas espiadelas indiscretas e minhas vítimas, ao perceberem, virem tirar satisfação. Mas de qualquer modo, necessito espiar apenas por poucos segundos meus alvos. Meio minuto é suficiente para apanhar aquele instantâneo que me fornecerá material para minhas estórias. Sou um paparazzo de almas, obtenho fotos de alta resolução das quais construo vidas muito mais sofisticadas e interessantes que as existências o mais das vezes medíocres e insípidas daqueles que clico. Se o leitor notou, a narrativa que se fazia com o verbo no passado, no último parágrafo passou para o presente. É que eu não era tímido, eu sou tímido, de modo que o jogo ainda existe, embora, hoje eu jogue muito menos, minhas estórias estão melhores elaboradas mais intrincadas e convincentes que antes, e cheias de detalhes. O jogo continua! JAIR, Floripa, 25/09/11
Pois então, como criança tímida, sempre me via em ambientes de adultos nos quais não me “enquadrava”, nos quais, sentado num canto sozinho e sem vontade de conversar com alguém, me via imaginando coisas, observando as pessoas e construindo histórias sobre o que elas eram ou poderiam ser.
Assim, inventei um jogo secreto, o qual eu poderia jogar por horas e horas sem sair do lugar, sem palavras e sem qualquer auxílio externo a não ser a observação das pessoas e minha imaginação que acabou se tornando cada vez mais elaborada. Eu ficava observando as pessoas no ambiente e tentava adivinhar, pelas roupas, adereços e comportamento, pelo que falavam ou pelo que comiam naquele momento, onde moravam, o que faziam normalmente, o que tinham acabado de fazer, qual era o destino delas depois que saíssem dali. Era um exercício de lógica dedutiva à Sherlock Holmes, mas sem crime para solucionar. Pela expressão do rosto, eu podia imaginar qual era o pensamento daquela senhora gorda que olhava a toda hora para o relógio no seu pulso e não parava de fumar; ou o que estava pensando aquele rapaz bem vestido que comia seu sanduíche e, às vezes, sorria para si mesmo como se tivesse ouvido uma boa piada. Como seria a pessoa que a mulher parecia esperar? Eu prestava atenção em frases e restos de conversa dos adultos, enquanto, também, desenvolvi habilidade para leitura labial, de forma que tinha uma colcha de retalho de expressões, frases soltas e assuntos com os quais eu podia tecer histórias as mais variadas e chegar a conclusões as mais fantasiosas.
Todos se tornavam minha matéria prima da qual eu montava minhas estórias. Por exemplo, aquela mulher alta e bem vestida, com vestido justo decotado, que estava sentada à mesa com sua amiga loira e magra, prometia bom material para uma estória cheia de nuances. Aquela mulher esperava por seu amado, que marcara encontro com ela e esquecera, e por isso ela estava intranqüila olhando para a porta, bebericando uma bebida fraca que não saboreava e nem sentia o gosto, estava se sentindo abandonada. E, de tempos em tempos, ela ia até o toalete retocar a maquiagem que se desfazia com suas lágrimas que teimavam de descer furtivas de seus olhos tristes.
No outro lado da sala, o garçom levou outra bebida para o sujeito entediado que parecia desiludido. Certamente sua mulher o havia deixado ele se sentia só e afogava as mágoas no fundo do copo. Seus olhos estavam opacos, sem vida, ele era um homem morto por dentro. E eu continuo em frente a tecer as teias intrincadas das vidas alheias. O jovem amante que levou a mulher daquele homem é forte, bronzeado e alto, além de ter dentes bons que lhe dão um sorriso de propaganda de creme dental. Aquele marido não teria nenhuma chance mesmo!
Tornei-me uma espécie de vampiro de histórias pessoais, o tempo e a imaginação me forneceram os instrumentos capazes de elaborar em minúcias os meandros e passagens que cada uma de minhas “vítimas” sofrera ou viria sofrer. Minhas estórias acabaram se transformando em verdadeiras novelas nas quais eu tinha liberdade de juntar dois ou mais personagens e conduzi-los da forma que me parecesse melhor e mais dramática. Também brinquei com a literatura, colocava meus personagens nas estórias de autores conhecidos e dava-lhes chance de viverem novas sensações, amores e aventuras.
É claro que minhas indiscrições envolviam certo risco, se a pessoa que eu observava notava meus olhares inquisitivos, eu sorria com a cara mais inocente do mundo e desviava o olhar. Não era minha intenção constranger ninguém. Na verdade tinha autêntico pavor de ser pego em flagrante nas minhas espiadelas indiscretas e minhas vítimas, ao perceberem, virem tirar satisfação. Mas de qualquer modo, necessito espiar apenas por poucos segundos meus alvos. Meio minuto é suficiente para apanhar aquele instantâneo que me fornecerá material para minhas estórias. Sou um paparazzo de almas, obtenho fotos de alta resolução das quais construo vidas muito mais sofisticadas e interessantes que as existências o mais das vezes medíocres e insípidas daqueles que clico. Se o leitor notou, a narrativa que se fazia com o verbo no passado, no último parágrafo passou para o presente. É que eu não era tímido, eu sou tímido, de modo que o jogo ainda existe, embora, hoje eu jogue muito menos, minhas estórias estão melhores elaboradas mais intrincadas e convincentes que antes, e cheias de detalhes. O jogo continua! JAIR, Floripa, 25/09/11
11 comentários:
Mas bá tchê! Que guri esperto, nada tímido... A Globo que se cuide, surge ai, pleno, um noveleiro!!! Gostei, Jair!...Sua vizinha paranaense.Feliz Ano Novo!
Parece-me meio arriscado ficar sob suas vistas... a vizinha que se cuide!
Feliz 2012!
Isso é arriscado; e por que nunca me visitas, mandas recado?
É esse teu jeito tímido de agir?
Cuidado, pois podemos fazer o mesmo contigo...*brincadeirinha (risos)... também sou tímida, ando me isolando, esperando "coisas boas acontecerem, será que virão com o Ano novo(?) Aguardo...
Feliz 2012!
Paz! Saúde!
Jair, eu sou também muito tímido, só que não tenho é esta tua inspiração e criatividade para tecer tramas e histórias com base apenas na observação superficial das pessoas...
Te invejo um pouco!
Abraços, e desejo um feliz ano novo para você e sua bela família!
Meu caro guru,
adorei. Ganhaste um adepto. Algo mais pra colocar em ação no meu lapkopf (computador que tenho na cabeça com ‘save’ não muito seguro).
Um bom 2012 para ti e para os sempre tão brilhantes comentaristas deste blogue que realmente pensa.
attico chassot
No mínimo CRIATIVO... tanto o jogo quanto o post!
Como tenho o hábito de inventar jogos tbm, adorei seu texto...
Abraços e Feliz 2012!
Olha, o que acho é que tem mais de criatividade e observação por aí.
Conheço muita gente tímida sem nenhuma criatividade, que ficam recolhidas e assustadas.
A criatividade requer cautela, observação, imaginação, determinação... rss
Muito bom texto, tem todos estes ingredientes!
Abraços!
Tais
Abra o novo livro de sua vida.
Suas páginas estão em branco.
O livro chama-se Oportunidade e seu primeiro capítulo é o Dia de ano novo."
Que você possa ter Paz, alegria, amor ,
para colocar nas novas páginas que o Senhor está nos dando !
Que a paz e a luz chegue a todos os corações do Mundo.
Que todos os governantes antes de ver suas mesas fartas
olhem para a miseria que esta no Mundo.
Deus abençoe seu Ano Novo.
Paz ,saude ,fé ,amor e sernidade para suportar tudo
aquilo que não poderemos mudar.
Um Feliz 2012.
Beijos no coração .
Conto com sua amizade e carinho
conto contigo para seguir minha viagem.
Eu espero estar sempre contigo.
FELIZ ANO NOVO.
Beijos carinhos ..Evanir
Enciclopédico amigo,que suas estórias sejam mais e mais bem elaboradas e belas. Seus haicais continuem primorosos.
Admiro demais sua perspicácia e inteligência!
Muita Paz!
Caro jair,
Fiquei decepcionada pois você decobriu meu jogo pessoal. (risos).
Admiro muito seus textos, parabéns.
Quanto ao jogo, desenvolveu minha esperteza e criatividade. Até hoje sou assim, sempre que me encontro sozinha em locais públicos, jogo.
Feliz ano novo,
abraços.
Sr. Vampiro de suas próprias observações,
De mente imaginativa e com vocação literária, tirou o melhor proveito do seu voyeurismo-julgador, em que avalia, pré-julga mas não condena, ao contrário, reinventa. Portanto, um reinventor?
Se tivesse nas mãos, desde pequeno, uma câmera fotográfica (ou um destes celulares poderosos de hoje), seria sem dúvida um excelente fotógrafo, com álbuns e exposições magníficas!
Ser tímido é mesmo tudo isto que você descreve. A surpresa, talvez, esteja na constatação de quantos sejam assim! (A maioria, porém, ou se reabilitam e aprendem a se socializarem, ou são desperdiçados e não se aproveitam de seu talento, qual seja).
Mas junte 10 destes tímidos,
e terá um "Time DEZ"! (rsrs)
Acho que também sou um destes, mas a timidez às vezes me inibe de reconhecer isto...
Belo texto!
Postar um comentário