sábado, 12 de novembro de 2011

O Lambari




Lambari é a designação popular de várias espécies de peixes de águas temperadas e tropicais do gênero Astyanax, família Characidae, (a mesma família dos acarás) encontráveis em praticamente todos os rios, lagoas, córregos, açudes e represas do Brasil. Há quem afirme que é o peixe mais abundante do país.
O tamanho médio de um espécime adulto varia desde cinco centímetros até mais de quinze e essa variação se deve a - além de fatores genéticos - duas causas que afetam todos os peixes: peixes crescem menos ou mais dependendo da quantidade de alimentos disponíveis; e, ao contrário da maioria dos vertebrados, eles crescem a vida toda, não há uma “maioridade” na qual eles deixem de desenvolver-se, assim, num mesmo local sob as mesmas condições, um peixe maior é quase certamente mais velho que um menor. Como prova desse crescimento ininterrupto, já vi um excepcional exemplar conservado em formol pesando seiscentas gramas, enquanto a maioria dos lambaris “grandões” não passa de cem gramas. O lambari possui corpo prateado, nadadeiras e cauda com cores que variam conforme as espécies, sendo mais comuns os tons amarelados, avermelhados ou tendentes a preto.
O fato de esse peixe ser o mais disseminado e, também, por ser onívoro, isto é, gastrônomo generalista que come qualquer coisa vegetal ou animal, faz com que seja apreciado como objeto de pesca artesanal e amadora. Praticamente todo garoto do interior já teve a oportunidade de, munido com um caniço de bambu, linha, anzol e uma lata de minhocas, pescar nos riachos, açudes, lagoas ou rios disponíveis nas proximidades de sua cidade. Não conheço ninguém de minha geração que não o tenha feito, é um “esporte” nacional muito barato e prazeroso, embora o peixe não possua qualquer valor comercial. Não foram poucas as ocasiões durante minha infância e adolescência que, com maior ou menor sucesso, percorri quilômetros ao longo dos riachos palmeirenses lançando a linha em suas águas corredeiras, frias e piscosas em busca desse prêmio cobiçado.
Pois bem, a pesca amadora do peixinho quase sempre se reveste também do consequente prazer culinário. O lambari em geral é frito em óleo quente até apresentar cor dourada e consistência crocante. Neste caso é apreciado com grande satisfação pelos pescadores como aperitivo, e consumido com cerveja. A única inconveniência para seu consumo deve-se ao trabalho em prepará-lo para a fritura. Descamá-lo, cortar a cauda e nadadeiras e eviscerá-lo é uma tarefa que a muitos pode parecer não valer a pena: muito trabalho para um petisco tão pequeno! A realidade é que o prazer de degustar um acepipe tão saboroso está além da trabalheira de prepará-lo. Só quem já teve oportunidade de fazê-lo sabe a delícia que é.
Além do uso culinário consagrado, o peixe também tem outras utilidades reconhecidas. Para pescadores praticantes de pesca de peixes maiores, o lambari é isca de ótima qualidade. Para usá-lo como engodo eficiente, colocasse-o vivo ou morto num anzol grande para atrair jundiás, traíras e outros peixes carnívoros. Mas, a utilização mais inusitada e curiosa que sei do peixinho, vi num programa de televisão, num “Globo rural”. Uma pequena comunidade no interior do Mato Grosso, pega grande quantidade com uma peneira confeccionada de bambu, e cozinha em água os peixinhos numa panela grande até os corpos se desmancharem restando somente escamas, ossos e uma camada grossa de gordura na superfície da fervura. Essa gordura, depois de separada dos restos, é chamada de manteiga de lambari e é utilizada na culinária em substituição aos óleos de cozinha. Segundo o programa televisivo, essa “manteiga” não tem cheiro e acrescenta um ótimo sabor à comida, além de não ser onerosa para o orçamento familiar de famílias de baixa renda, é claro.
Assim, a pesca do peixinho mais abundante da fauna brasileira, torna-se, além de ótimo passatempo para a gurizada do interior, uma fonte de proteínas para populações de baixa renda e uma alternativa culinária de ótimo resultado e até alguma sofisticação para comunidades onde lambaris existem em quantidades apreciáveis. Por tudo isso, está longe de ser um despropósito eleger o nobre lambari – que já tem uma cidade em Minas batizada com seu nome - como o peixe fluvial mais notável e importante para a população brasileira que não aparece nas colunas sociais e tampouco sabe o que é salmão. JAIR, Floripa, 25/10/11.

9 comentários:

R. R. Barcellos disse...

Caniço de bambu, nylon 24, anzol mosquito, isca de siriluia ou minhoca e estava garantido um belo almoço...
Obrigado pela viagem, e um abraço, amigo!

J. Muraro disse...

Pesquei muito lambari na minha infância e concordo que esse peixinho é muito importante cultural e culinariamente. Ago me deu vontade de pegar uma caniço e sair pelos córregos "lavar minhoca". Cumprimentos pelo texto.

Professor AlexandrE disse...

Adorei o texto Nobre Colega... Quando criança eu fui um (pequeno) 'grande' pescador de lambaris... ^^ (Ou 'piavas' como são conhecidos esses peixinhos aqui onde moro...)
Parabéns pela postagem!

Abraços!

Volúzia disse...

Nunca pesquei lambaris, mas pelo teu texto dá impressão que o peixinho é bem simpático... e útil também. Obrigada por mais essa crônica tão interessante.

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
muito obrigado por matares saudades.
Minha história com lambari, tema de qualquer guri, é curta e desastrada.
Tinha um caniço, com anzol feito de alfinete e linha de carretel ’corrente’ (parece 16) e meu único pescado foi por engano. Puxei o anzol e pequei um peixe antes de ele fisgar a minhoca apanhado pelo olho lateral. Foi o primeiro último deste pescador fracassado.~
Valeu por lembrar-me desta cena no arroio Forromeco talvez há mais de 60 anos.
Com fruição
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
www.professorchassot.pro.br

Luci disse...

Lendo e aprendendo!Meu tio pontagrossense é um pescador nato nos campos gerais.Ganhei várias vezes os lambaris e, que preguiça danada para limpá-los...Se tivesse aprendido antes a extrair o óleo,com certeza o teria feito.Grata pelo aprendizado.Luci.

Maria Rodrigues disse...

Amigo aqui estamos sempre a aprender. Excelente narrativa.
Um bom restinho de domingo e uma excelente semana.
Beijinhos
Maria

Leonel disse...

Jair, o Mestre Chassot me antecipou, pois minha primeira pescaria, em férias na casa de parentes que moravam num recanto tanto bonito quanto isolado, foi justamente com um "anzol" improvisado com um alfinete, na ponta de uma linha de costura e amarrada na ponta de um galho. A "isca" era um pedacinho de sabão, e os lambaris eram sacados d'água mal tocavam nele!
Boas lembranças dos tempos em que a felicidade custava tão barato!
Abraços!

Camila Paulinelli disse...

Ola,

Conheço o peixinho e já o degustei conforme você o descreveu.

Boas lembranças.

Beijos da nora,