domingo, 15 de agosto de 2010

Vinhas da ira




Revisitando o mundo de John Steinbeck

Uma mistureba de catástrofes naturais e lambanças humanas as quais resultem em crises mundiais que tragam prejuízo ao tecido social e malefícios aos indivíduos, não são, naturalmente, os ingredientes que se espera para inspirar a consecução de uma obra de arte. A não ser que no momento da convergência desses fatores exista um escritor sensível e antenado que capte a essência dos eventos e coloque em letras sua visão pessoal dos fatos. A não ser que um artista das palavras, inspiradíssimo, seja observador atento das desgraças e eternize as mazelas sentidas pela sociedade num romance épico que lhe trará fama e que fará emergir uma realidade cruel no país mais desenvolvido do Planeta. Foi assim que nasceu “As vinhas da ira” a obra prima de John Steinbeck.

O ano de 1929 ficou registrado na história como o ano da quebra da Bolsa de Nova Iorque, foi quando teve início o período que se convencionou chamar a Grande Depressão. Mais uma vez a incúria humana aliada à ganância, envoltas nas malhas do capitalismo selvagem, criaram um monstro voraz que devorou fortunas dos mais ricos e tornou miseráveis os mais pobres. A falta de peias na ciranda financeira visando o ganho fácil, e a vista grossa de um Estado que deveria fiscalizar o mais sagrado deus do capitalismo, o lucro, envolveu o mundo ocidental numa bancarrota histórica e provou, de modo cabal e definitivo, que no capitalismo não existe almoço grátis. Como castelos de cartas os sistemas financeiros do ocidente ruíram um a um e trouxeram crises terríveis para o crédito de um sistema que era o esteio de economias prósperas até então. Todos perderam, mas os EUA muito mais. Pela primeira vez na história daquela nação, o Estado se via compelido, sob o risco de criar uma classe de miseráveis, a assumir encargos e obras que, em condições normais, seriam deixadas à iniciativa privada. O país só começou a se recuperar por volta de 1936 com o resultado das ações do presidente Herbert Hoover que havia implantado uma economia de guerra (New Deal) a partir de 1931, construindo centenas de obras públicas, entre as quais a represa Hoover no rio Colorado entre Nevada e Arizona.

Não bastasse esse cataclismo causado pelos humanos, a natureza veio implacável apresentar uma das mais catastróficas formas de degradar a vida na face do Planeta, uma grande seca. A partir de 1930, parece que fazendo parte do ciclo natural do clima, a região cento oeste americana, englobando Oklahoma, Kansas, New Mexico, Arizona e parte de outros estados, se viu envolta em poeira oriunda das terras ressecadas onde por meses não houve precipitação de uma gota sequer, e onde um vento horrendo soprava inclemente. A agricultura dessa região, baseada em pequenas propriedades ou grandes fazendas divididas entre o dono e os trabalhadores rurais pobres pelo sistema meeiro, geralmente agravadas de hipotecas, se viu falida sem meios de recuperação. Não havia como plantar, os pequenos proprietários vendiam suas terras a preço de banana ou as entregavam ao banco pelo valor da hipoteca; os latifundiários despediam seus meeiros e negociavam suas terras com os bancos também, não havia saída, a seca matou milhares de fome.

Esse clima apocalíptico, onde os mais pobres eram os mais atingidos, e os mais ricos se defendiam retraindo-se em aplicar ou investir, era um cenário não muito diferente do que acontecia no Brasil durante a seca de 1932. Só que lá no Irmão do Norte um quadro desses nunca fora imaginado, era inconcebível que uma economia daquele porte se visse acuada pelo clima e pelas rebarbas de bolsas de valores quebradas por escroques travestidos de vendedores de sonhos. O sonho americano de prosperidade através do trabalho estava acabado e não se tinha um substituto, restava apenas torcer por um mundo melhor.

John Steinbeck, escritor que recebeu o prêmio Pulitzer em 1940 e o Nobel de Literatura em 1962, nasceu em Salinas, Califórnia, em 1902. Era um escritor sensível e antenado que tinha nítidas preocupações sociais. Em 1939 publica a obra máxima de sua carreira, “As vinhas da ira” que, além de lhe render o Nobel, foi transformada em filme com direção do lendário John Ford. Steinbeck criou sua magnífica obra baseado nas migrações em massa de agricultores falidos de Oklahoma, que se deslocavam para o Oeste em busca de trabalho nem que fosse para apenas não morrer de fome. Milhares de famílias juntavam seus cacarecos em carroças e velhos caminhões e se dirigiam para a Califórnia, onde se dizia que haveria trabalho para todos. Era uma balela que levou muitos ao suicídio.

Pois é, a história se baseia na saga de uma família de espoliados pela seca e pelo sistema que confiscou suas terras, a qual empreende um deslocamento até o Vale Salinas, na Califórnia, onde parece haver emprego temporário de colhedores nas plantações de uvas e pêssegos. A luta que todos os membros da família sustentam na sua exaustiva jornada contra os elementos e os homens e, até, contra o próprio meio de transporte, um velho caminhão caindo aos pedaços; a coragem de que dão provas, a generosidade de alma que afirmam; a capacidade de, apesar de tudo, confraternizarem entre eles e com os seus semelhantes, criam uma atmosfera de solidariedade dificilmente vista em quaisquer livros de romances épicos. Quando os pobres e famintos não têm mais opção e estão dispostos a aceitar qualquer proposta, surge a figura dos empresários aproveitadores, dos intermediários sórdidos e da lei mancomunada com o capital, os pobres perdem novamente, se tornam miseráveis e escravos. A paisagem de fundo é a tendência social da estória. A piedade pelo sofrimento alheio, o protesto e a revolta perante as injustiças do mundo que assinalam o romance, conferem-lhe grandeza. Steinbeck criou um clássico.

Como viria acontecer com outras obras de Steinbeck, “As vinhas da ira” foi adaptada ao cinema e filmada por John Ford, o diretor de faroeste que consagrou o canastrão John Wayne. O filme é tão bom quanto o livro e tem Henry Fonda, num papel antológico, interpretando Tom Joad, ex detento e membro da família Joad que empreende a saga rumo ao Oeste. Quem não leu o livro ou assistiu ao filme que o faça, sairá no lucro sem dúvida. JAIR, Floripa, 15/08/10.

2 comentários:

Leonel disse...

Me alegra saber que neste caso, o filme é tão bom quanto o livro, já que eu não li o livro mas vi o filme.
Também vi outro filme baseado em obra deste autor: "Vidas Amargas" (East of Eden), filme que revelou o fugaz ícone James Dean.
John Steinback, a julgar por estas obras, se esmerava em retratar o comportamento do ser humano em face de situações adversas.
Mas, falando da depressão americana, eu creio que, para o povo americano, o que o salvou definitivamente foi também o que lhe trouxe muitas tragédias familiares: a II Guerra Mundial. Subitamente, havia mais empregos do que candidatos, e as mulheres tiveram que sair da cozinha e ir para as linhas de montagem das fábricas, ocupando as vagas dos homens que foram para as frentes de guerra. Apesar das duras baixas do conflito, os centros de produção e comércio ficaram ilesos, assim como as residências.
Mas, foi interessante recordar que até nosso poderoso irmão do norte sofreu as consequências da irresponsabilidade lucrativa.

R. R. Barcellos disse...

- Ao contrário do Leonel, não vi o filme, mas li o livro. Embora já soubesse dos desastrosos efeitos da grande Depressão, impressionou-me a forma como ela atingiu os mais humildes e, principalmente, a coragem destes em comparação com os inúmeros casos de desespero entre os mais afortunados. Bem diz o ditado: maior a altura, mais dói o tombo...