Na minha infância, livros didáticos de geografia ao tratarem de povos, etnias, nações e países, costumavam classificar a humanidade em quatro raças: branca, amarela, vermelha e negra. Num viés absurdamente preconceituoso os brancos vinham sempre em primeiro lugar e os negros por último. Além disso, para cada cor de pele listava-se uma série de “características” que a definiam, características essas que apenas reforçavam as diferenças entre as raças, já que a existência destas não se discutia, era patente pela cor da pele. Ficava implícito que a cor era o definidor de outras particularidades como qualidades e defeitos, sempre insinuando que o índio (vermelho) era indolente, o amarelo era fraco e o negro desonesto, deixando as melhores qualidades e comportamentos para os brancos.
Não sei o que outras crianças dessa época pensavam ou como essa bobajada influiu nas suas relações com o mundo no futuro, mas, quanto a mim, sempre achei que alguma coisa estava errada. Como podiam existir essas tais “raças” se tudo o que eu via a minha volta eram pessoas de iguais anseios e sonhos e de aptidões diferentes que nada tinham a ver com a cor da pele? Ainda mais, nos documentos da maioria constava cor branca independente das tonalidades mais variadas de suas peles. Perguntava-me, o tom marrom de minha pele define qual raça? Sou negro? Sou branco? Sou cafuzo? Em caso de ser uma mistureba de “raças”, qual predomina?
Claro que essas dúvidas existências nunca me tiraram o sono, mas existiam de fato.
Na verdade, essa idiotice de considerar os humanos como de raças diferentes sempre foi coisa indiscutível entre os inocentes, leigos e mal-intencionados. Quando das grandes navegações e descobrimentos, o contato dos europeus com outros povos de diferentes feições, criou esse conceito de raça. O navegador ao se deparar com gente com mais melanina na pele, imediatamente definiu que se defrontava com seres inferiores, de raça primitiva, o mais das vezes selvagens infiéis, bárbaros. A igreja assinava embaixo. Daí a atribuir os piores defeitos a esses povos, foi um pulinho. Decorrência dessa interpretação foi que a escravidão de negros e índios nem um pouco doeu na consciência dos brancos, tratava-se de seres sem alma, sem Deus.
Ao invés de decrescer essa estultice, no decorrer das fundações dos países com seus habitantes de tais e tais características, o preconceito só fez aumentar. O século vinte foi o marco maior no que diz respeito a grandes massacres em virtude de preconceitos. Os turcos massacraram os armênios em 1915; os alemães dizimaram os judeus na década de quarenta; os russos mantiveram deportações e mortes de etnias diferentes enquanto durou a ditadura de Stálin; Idi Amin Dada exterminou mais de um milhão de ugandeses de tribos diferentes da dele; os Hutus mataram oitocentos mil Tutsis em Ruanda na década de noventa; na ex Iugoslávia os sérvios massacram os bósnios, e assim vai.
O fato é que o preconceito por causa da cor da pele diminuiu de modo considerável, na mesma medida em que apareceu o preconceito científico. Hoje, os neo-racistas querem incutir que existe base científica que define as raças humanas geneticamente diferentes. É uma das mais monumentais idiotices já concebidas. A antropologia comportamental já provou que cor da pele não determina diferença entre pessoas, e a ciência não encontrou nenhuma diferença genética que prove a existência de raças humanas. Agora vamos aos números.
Hoje somos seis bilhões e meio de pessoas na Terra, há dois mil anos éramos cerca de 150 milhões, com margem de alguns milhões de erro. Ora, como sabemos, cada um de nós tem dois pais, quatro avós, oito bisavós, dezesseis trisavós e assim por diante. Isto significa que há 250 anos, ou seja, há dez gerações, cada um de nós teve exatamente 1024 antepassados. Vamos continuar as contas. Cerca de 500 anos atrás, cada um de nós teve algo em torno de um milhão de antepassados, e cerca de mil anos atrás um bilhão de antepassados, certo? Como é possível isso? A resposta é que não é possível, ou seja, trata-se de ancestrais virtuais e não de pessoas diferentes. Os casamentos entre consangüíneos reduzem o número de antepassados; quando dois primos se casam, seus filhos terão seis e não oito bisavôs. Para que a genealogia da humanidade possa caber nos limites da população primitiva, é compulsório admitir que a maioria dos casamentos de onde acabamos derivando foram casamentos consanguíneos. É de se inferir que os casadoiros consanguíneos não deviam estar cientes do fato de serem parentes, mas nem por isso deixavam de sê-lo. Mas o fato que cada um de nós tem um número despropositado de antepassados teóricos, quer dizer muitos, muitos mesmo, de meus antepassados foram antepassados de quem está lendo este texto. Não há saída, cara pálida. Recentemente, Douglas Rohde, do Massachusetts Institute of Technology, calculou que quaisquer duas pessoas de nosso tempo têm antepassado comum que viveu há pouco mais de três mil anos. Qualquer desconhecido é nosso parente mais ou menos chegado, até o Bin Laden e a Pamela Anderson.
Reproduzo trecho de outro texto meu: “Num interessante experimento que cientistas americanos fizeram, reuniram-se oito representantes de etnias diferentes e comparou-se o DNA mitocondrial deles. Eram pessoas que vivem nos EUA, mas de origens díspares como uma chinesa, um árabe, um índio sioux, uma sueca, um maori da Nova Zelândia, um fueguino do sul da Argentina, um negro do Zaire e uma tailandesa. Para surpresa dos pesquisadores o grupo apresentava tanta diferença genética quanto um grupo de pessoas da mesma aldeia pode apresentar. As semelhanças eram tão grandes que a sueca, branca de olhos azuis, tinha “parentesco” evolutivo com o sioux, a ponto de serem “primos” distantes, descendentes da mesma Eva primordial africana.
Assim, caros parentes, vamos abominar todo esse besteirol de diferenças raciais entre nós, olhemos o mendigo e o papa com os mesmos olhos, ambos são nossos primos, embora não saibam. JAIR, Floripa, 20/08/10.
4 comentários:
- Seu dedo, meu amigo, escorregou duas teclas para a direita ao digitar seis bilhões e o resultado foi seis milhões; mas isto não interfere na exatidão científica e na correção ética de sua matéria. O racismo só existe porque existem imbecis - infelizmente, integrantes da raça única da qual eu e você fazemos parte...
É, Jair, a não ser que admitamos que discos voadores vindos de quatro galáxias diferentes, com seres cujas únicas diferenças eram ínfimas partes do seu DNA , vieram e deixaram cada um seus reprodutores na Terra, teremos que admitir que em determinado momento, todos os nossos antepassados conviveram na mesma aldeia, perigosamente perto de sua extinção!
As diferenças na aparência parecem ter sido óbvias adaptações às partes do planeta onde habitaram por mais tempo. Para que os suecos querem melanina, se na terra deles o sol é uma dádiva? Para que os africanos vão ter os olhos apertadinhos, se não tem que encarar a brancura da neve o tempo todo, como os esquimós?
Mesmo sem entrar no esmagador argumento do DNA, é bem mais fácil aceitar isto do que quatro raças evoluindo em paralelo, no mesmo ritmo e começando no mesmo tempo!
Foi bem lembrado que a igreja deu cobertura à escravidão, chegando a insinuar que negros e índios, por não serem “convertidos” não possuiam alma, portanto podiam sofrer escravidão ou extermínio sem problemas.
Quanto à xenofobia, parece ser mesmo parte da natureza humana. Alguém pode diferenciar um tutsi de um hutu, ou um sérvio de um croata? Os palestinos e árabes são descendentes de quem, mesmo?
Infelizmente, os seres humanos vivem se agrupando em blocos, nações, regiões, etnias, crenças, ideologias, gangues, facções, enfim, qualquer coisa em que possam se basear para acreditar que são melhores do que o bloco rival.
Muito, muito, muito bom texto!!! Até hoje tbm não consigo entender!! Somos todos farinha do mesmo saco, mas a sociedade insiste em separar e rotular... impressionante!!!
Jair,
vim visitá-lo para parabenizar você, pela publicação do seu A Fonte e as Galinhas.
Se existe amor verdadeiro, meu querido, aí não há divisão nenhuma!!!
Um grande abraço!
Forte, essa sua reflexão.
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