quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vila dos Confins


Capa do livro.


Revisitando o mundo de Mário Palmério.

Mário Palmério nasceu na cidade de Monte Carmelo, interior de Minas Gerais, em 1916. Formou-se em filosofia pela USP. Depois fundou na cidade de Uberaba o Liceu do Triangulo Mineiro, entidade que visava estimular as letras naquela cidade. Em 1950 elegeu-se deputado Federal, cargo a que foi reeleito em 1954 e 1958, ano que construiu em Uberaba a cidade universitária. Em 1956 no ano em que completa quarenta anos, publica a sua primeira obra Vila dos Confins.

Vila dos Confins representa, talvez, dentro da literatura regionalista brasileira, a melhor obra já publicada. A feliz transposição do falar simplório e expressivo do sertanejo para a palavra escrita, sem cair na vulgaridade ou no lugar comum, marca o cuidado que o autor teve para exprimir seus pensamentos pela boca dos nativos da região do cerrado mineiro. A descrição geográfica dos confins do Judas mineiro, à moda Euclidiana, mas sem as minudências técnicas do autor de “Os Sertões”, leva o leitor a compartilhar o ambiente interiorano junto aos atores tridimensionais e convincentes do romance. A própria paisagem é personagem viva dos acontecimentos. Palmério adentra a alma do homem matuto e se apossa de sua cultura e modus vivendi, incorpora aquele viver simplório e o desnuda nas suas implicações e tramas. Durante o decorrer dos “causos” que adensam o romance, o leitor consegue imaginar o autor, de roupas simples, botina, chapéu de palha, pitando um palheiro e trocando dois dedos de prosa com seu “cumpadi”, sentado no banco de madeira da venda do Turco, tal é clima criado por Palmério.

Consoante a formação política do autor, o romance foca os bastidores da politicagem mesquinha que fermenta nas entranhas da sociedade analfabeta desse brasilzão corrupto e mal formado. O deputado federal Paulo Santos, um político já cansado e meio desiludido com as brigas eleitorais é o personagem principal do romance: uma passagem ilustra bem o estado de espírito do deputado, ele chega a abandonar a reunião do diretório do partido para pescar, pois no rio com sua solidão, ele descansa das lides maçantes da politicagem; ele se encontra e foge da sempre presente máscara de civilidade que deve manter quando no trato das coisas públicas.

Contudo, ainda contra sua vontade, atende pedido de correligionários e trata de articular a candidatura do companheiro João Soares o qual pretende ser prefeito da cidade. Profundo conhecedor das entranhas da sociedade na qual vive e amigo de pessoas influentes no município, tenta convencer gente grada do vilarejo a apoiar João Soares candidatando-se eles próprios a vereança. Nesse processo de política varejista, de família em família, adulando e massageando o ego dos próceres, emerge o verdadeiro espírito que desperta nas pessoas o gosto pelo poder; emerge com força brutal e crua a desmedida ambição que a maioria dos mortais têm pelo poder, pelo mando puro e simples. Quando se trata de poder, todos são culpados, os ingênuos povoam o silêncio dos cemitérios.

A que se notar que os convencidos a apoiar o candidato não tinham qualquer experiência legislativa, se bem que isso é apenas um detalhe sem importância, ensinava o deputado: O que importa é ganhar, pois é isso que impõe o verdadeiro respeito. Aos perdedores o anonimato, aos vencedores a glória do poder e do reconhecimento.

Paulo Santos prossegue, no melhor estilo maquiavélico, ensinando aos futuros candidatos as artes da política, não se furtando a pregar o pragmatismo do “é dando que recebe” tão conhecido de nossos parlamentares desta quadra. Ele prega com todas as letras que não existem adversários permanentes, o inimigo de ontem é o aliado de hoje, só antigamente um adversário morria adversário, hoje o mote de qualquer campanha é a coligação, ninguém vence eleição sem coligação. Parece que estamos assistindo campanhas eleitorais de nossa quadra atual.

A imbricação dessas artimanhas eleitoreiras torna-se patética porquanto eleitores e candidatos são analfabetos sociais e políticos, aliás, não muito diferente do quadro atual de nossa política, se bem que a estória se dá na década de 50. Há candidatos com alguma autocrítica como o fazendeiro Neca Lourenço que diz com todas as letras ser ignorante político e incapaz de produzir qualquer coisa útil como vereador, mas, mesmo assim, acaba convencido a se candidatar.

Vila dos Confins, produto da mente de um mestre, pinta um quadro hiper realista com palavras precisas o mundo político de uma sociedade onde o que importa é a lei de Gérson; onde afloram os mais recônditos instintos de domínio e poder; é um livro que deve ser degustado, e também uma preparação para Chapadão do Bugre, outro romance que Palmério explora com genialidade o riquíssimo mundo interiorano das Minas Gerais. Leiam e saboreiem uma obra insuperável pela crueza da exposição antropológica e pela beleza do uso do vernáculo, vale a pena. JAIR, Floripa, 11/08/10.

7 comentários:

Leonel disse...

Muito bom, Jair, além de resgatar este ótimo autor, seu texto nos mostra também que a falta de princípios na política brasileira é uma constante através dos tempos.

R. R. Barcellos disse...

- Emerge da mente do Jair mais um talento insuspeitado. Além de beletrista, artista da pena e do pincel, colecionador e filósofo peripatético (ou globetroter, como quiserem), ele nos brinda agora com uma crítica literária de alta qualidade. Aproveito para devolver-lhe o honroso "xingamento": Quem é o polímata agora?

JAIRCLOPES disse...

Gente,
Quero confessar que o que me dá maior prazer é falar sobre livros e filmes. Pena que não me ache capaz de fazê-lo com a competência com a qual gostaria. Estou degustando "Os Sertões" de Euclides da Cunha há quase dois anos para poder comentá-lo, depois de o ter lido vinte anos atrás. Espero, ainda este mês, publicar minha impressão neste espaço. Aguardem e obrigado pelos elogios nem tão merecidos. JAIR.

JAIRCLOPES disse...

Barcellos,
Quanto ao polímata, sinto-me um bisonho aprendiz do guru da Vila Itaipu.

Joel disse...

Jair. Vila dos Confins que segundo seu autor nasceu relatório, cresceu crônica e acabou romance, é, como bem disse voce, um livro cujo tema permanece atual até os dias de hoje. Quanto a Os Sertões que me parece ter o seu voto como sendo a principal obra da literatura brasileira, (o meu vai para Grande Sertão: Veredas) é realmente digno de ser comentado, embora vc já tenha feito isso algum tempo atras.

OBS. Também gosto de comentar livros e filmes mas infelizmente não tenho o teu brilhantismo.

Abraços de com força,
Joel.

Daniela disse...

Muito bom colocar em pauta os comentários de uma obra do século passado, que dizem muito sobre a política de hoje, nessa época de reflexão para as eleições!!

Anônimo disse...

Rapaz, bacana demais não apenas a elieção da obra que comentou e o conteúdo geral do blog mas a bela iniciativa de um viciado, em leitura.
Forte abraço,

Giuliano
www.versoscrus.blogspot.com