quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sobre suicído





Escrevi a respeito da morte: “A morte é o único evento absolutamente inevitável e que alcança a totalidade dos seres vivos, mas nós, ocidentais de cultura judaico-cristã, não temos familiaridade com ela; não consta no curso do dia-a-dia de nossas vidas quaisquer práticas, cultos ou ritos que visem enquadrá-la num entendimento racional. Temos pavor dela e tentamos ignorá-la como se não existisse, como se fôssemos viver para sempre”. Mas, apesar da inevitabilidade e pavor que ela nos causa, há pessoas que a procuram, os suicidas. Muito se tem escrito e falado sobre o suicídio, uma vez que este tipo de prática é bastante comum dentro de todas as culturas, em todo o Planeta. Quase sempre as dores morais, as dificuldades financeiras, a depressão e a ausência de equilíbrio emocional, contribuem amplamente para que este tipo de atitude aconteça no Ocidente. No Oriente existe o suicídio cultural ritualístico, vinculado, geralmente, à vergonha. Depois de ver malogrado seu esforço no sentido de alcançar uma meta, o varão se suicida de vergonha, e o ato redime seus pecados.

Minha intenção não é condenar os suicidas e tampouco fazer apologia da morte; não pretendo, também, analisar as implicações psicossociais e existenciais que levam uma pessoa ao ato extremo, a deflagrar o ato definitivo que vai contra o instinto de todos os seres vivos. Meu intento é apenas refletir sobre o infeliz evento que extermina o bem mais sagrado, a vida.

Assisti a um programa, “A Ponte” que tratava sobre suicídios na ponte Golden Gate de San Francisco. A Golden é local de muitos suicídios, - em torno de doze por ano - a ponto de existirem guardas em tempo integral com única finalidade de desestimular aqueles que pretendem atentar contra a própria vida atirando-se de lá. O programa conseguiu filmar alguns suicidas saltando para a morte, para isso manteve por meses câmaras com teleobjetivas potentes apontadas para certos trechos da ponte. As câmaras flagraram pelo menos cinco tentativas, quatro delas resultaram em mortes, e um dos suicidas foi salvo por um desportista que navegava debaixo da ponte.

O programa entrevistou parentes de suicidas e suicidas malogrados. As entrevistas foram “abertas”, isto é, não havia perguntas diretas a respeito das razões que levaram ao ato, deixaram os entrevistados falarem livremente sobre sentimentos, fatos e eventos que precederam a decisão; deixaram os sobreviventes relatarem seus problemas antes e depois da tentativa. É um quadro emocionante que faz um retrato em preto e branco de algumas pessoas de comportamento limítrofe, que merece uma reflexão.

Contrário ao assassinato, o suicídio não apresenta justificativas “compreensíveis” tipo, vingança, crime passional, latrocínio, auto defesa, guerra e maldade pura e simples; o suicídio é beco sem saída que não se auto explica. Suicidas que deixam bilhetes não conseguem justificar-se frente aos vivos. Suicidas que não conseguiram seu intento deixam a desejar quando tentam expor o porquê da decisão fatal. Tão extraordinária é a característica dessa anomalia, que os Códigos Penais da maioria dos países não penaliza o suicida que sobrevive, considera que, mesmo tendo atentado contra uma vida, o suicida já está suficientemente punido pelo próprio ato.

Pois é, existem algumas estatísticas (ou mitos) que apontam para um maior número de suicídios per capta em países com problemas sociais menores; sociedades sem muito estresse relacionado à expectativa de enfrentar o futuro; sociedades cujas estruturas já estão “prontas” e em funcionamento de forma a tranqüilizar o cidadão quanto aos estudos, trabalho e aposentadoria. Se, realmente, ao ter superados os obstáculos que se interpõem entre ele e o seu objetivo, o homem tende ao tédio, tende a se tornar depressivo e desmotivado e a desistir da vida, está explicado porque muitos se matam. Mas, obviamente, esta não é a razão para grande parte dos casos de autodestruição, se assim fosse, seriam mínimos os índices de suicídios nos países terceiro mundistas onde a maioria dos cidadãos está sob constante estresse existencial e socioeconômico.

Na verdade, teorias psicológicas à parte, o suicida é um doente terminal cuja doença é desconhecida até por ele mesmo, e cuja cura está além dos manuais de medicina. O suicídio representa a negação da vida, e isso é incompatível com os valores da sociedade, qualquer que seja ela. As sociedades, na sua maioria, repudiam o suicida a ponto de algumas não permitirem nem seu sepultamento em áreas comuns com os demais mortos, o suicida na sua derradeira decisão torna-se um pária e, mesmo morto, não é perdoado pelo que perpetrou. Enquanto aquele que é morto por uma causa, na guerra por exemplo, é, em geral, considerado herói, o suicida é o anti herói, o perdedor, sempre. Mesmo quando o terrorista imola-se em benefício de uma causa: colidindo o avião com um edifício ou detonando explosivo em seu corpo no meio da multidão, é um perdedor. Não há brilho, heroísmo, virilidade ou ética naquele que se autodestrói, quando muito, alguns a ele atribuem uma incompreensível coragem sobre humana. JAIR, Floripa, 03/08/10.


6 comentários:

Roberta de Souza disse...

Muito bom seu texto!!!
Querido, gosta de música? Quer ganhar um CD?
passa no MIX: http://www.mixculturainformacaoearte.com/2010/08/live-and-dangerous-thin-lizzy-coluna-de.html

Leonel disse...

Um assunto bem desagradável este, né?
Mas, no caso dos pilotos japoneses das missões kamikaze da II Guerra, pelo que eu pude apurar, inclusive pelo relato de sobreviventes, eles iam para a morte como se fossem predestinados a um destino glorioso. Da mesma forma, os homens-bomba islâmicos também parecem contar com uma recompensa em um outro plano.
Parece que fizeram bem a cabeça deles...

R. R. Barcellos disse...

- Acabo de postar algo sobre os kamikazes e venho descobrir que o Leonel tem poderes telepáticos...
- Os kamikazes são um caso à parte, pois visavam alvos exclusivamente militares. E os suicídios rituais dos comandantes japoneses por harakiri, quando a derrota era inevitável, tiveram motivações bem diferentes das de Hitler - cujo suicídio foi simplesmente uma fuga.
- Quanto ao suicídio do cidadão comum, acho que nunca vou entender...

Carlos disse...

Atitude incompreensível e de mão única, quando executada não tem volta. Será que o suicídio é uma anomalia psíquica? ou é um desajuste social?

Daniela disse...

Difícil julgar o que se passa na cabeça de um suicida! Só acho que é preciso ter muita coragem e covardia ao mesmo tempo!!! Coragem para cometer o ato conscientemente... e covardia por fugir da realidade, sendo egoísta com os que o cercam! Muito complexo!

Anônimo disse...

Carlos e Daniela.

Minha teoria, sem base científica, atesta que suicídio não tem nada de coragem; é, com certeza, uma anomalia psíquica.

Dizem os estudiosos, que essa anomalia não só se manifesta em quem intenta o suicídio, mas, em maior intensidade, em quem exterioriza sua vontade/ameaça de fazê-lo.

Quantas mulheres, em conflitos conjugais não tentam ou ameaçam tirar suas próprias vidas ? Inúmeras !

Todas essas, verificando-se a carga genética, aflora a irracionalidade; fator preponderante que evendencia outros casos familiares de suicídios "bem sucedidos".

Manoel