Quando escrevi sobre medo me ative a comentário superficial sobre os sintomas físicos que essa emoção pode causar como, sudorese e taquicardia. Mas o medo não é a única nem a mais intensa emoção que os humanos sentem quando sua vida ou saúde está correndo risco, há um sentimento muito mais poderoso, algo que pode causar paralisia catatônica, embotar a percepção e, em casos extremos, levar a morte: o pavor. Assistindo novamente o documentário “102 minutos”, montado a partir de filmagens feitas in loco e em tempo real quando da destruição das torres gêmeas em Nova Iorque, me dei conta que estava presenciando algo muito além do medo no rosto das pessoas, estava presenciando o pavor. É de se inferir que terrorismo causa medo, terrorismo extremo causa medo extremo, ou seja, pavor.
Pois é, o documentário tenta (e consegue) captar, através da colagem de inúmeras filmagens, umas amadoras e outras de jornalistas, o clima que permeava as ruas da cidade durante e momentos depois dos atentados. Há um registro antropológico real das reações de cidadãos que se viram frente ao horror inexplicável; à angustiante sensação de impotência diante da fauce do monstro ceifador de existências. O programa tem duração de 102 minutos, tempo exato desde a primeira colisão numa das torres até o desabamento da última. As faces e expressões dos cidadãos são focados nos momentos de pura catatonia em virtude daquilo que não conseguem compreender; as reações de surpresa, assombro e raiva se mesclam num amálgama que faz a alma das pessoas emergir por suas bocas abertas e extáticas; todos estão tomados de pavor, não conseguem ser indiferentes ou reagir de modo “adequado” como fariam em situação bem definidas; o horror transcende o compreensível, o aceitável, o assimilável.
É de se imaginar que num outro contexto, no último momento dos judeus dentro das câmaras de gás nazistas, no exato instante em que, finalmente, compreenderam, suas expressões fossem como estas que vimos na TV. Parece que nosso organismo e nossa mente estão, de certa forma, “programados” para absorver certa quantidade de perigo e reagir conforme, mas não conseguem assimilar uma overdose de ameaças. Então, quando estas são excessivas, acontece um curto circuito no módulo de auto defesa que cria o medo, o mecanismo se desliga e o próprio organismo atacado de pavor pode se desligar também, pode morrer. O pavor é uma emoção definitiva, terminal.
Está comprovado que casos extremos de pavor causaram a morte de pessoas durante os maciços reides aéreos sobre a Alemanha na segunda guerra mundial. O pavor de não encontrar abrigo para se defender dos bombardeios, ou a “certeza” que seriam atingidos pelas bombas, mesmo em locais presumivelmente seguros, fizeram que muita gente entrasse em choque e morresse. Morreram de pavor. O mais pungente, contudo, é que mesmo antes de as bombas caírem, havia gente, cujo organismo entrava em colapso ao escutar o ronco de centenas, às vezes milhares, de motores dos aviões que se aproximavam. Meu professor de pintura, Bruno Mrosk, nasceu em Berlim em 1933, onde viveu até 1949. Ele, como testemunha ocular e auditiva dos bombardeios, conta que cinco ou seis minutos antes dos bombardeiros sobrevoarem a cidade, ouviam-se seus motores, eram apavorantes minutos de incerteza e expectativa que fizeram muitas pessoas perderem a razão e algumas se matarem ou morrerem de pavor.
Pesquisando não encontrei teoria alguma que explique o pavor, tampouco explicação se essa sensação é considerada um mecanismo de defesa dos animais. Portanto, presumo que não seja uma emoção evolutivamente positiva como o medo, talvez o pavor seja destrutivo em quaisquer circunstâncias. Parece que não estamos “adaptados” a ele, não convivemos de modo pacífico com essa emoção extrema, nosso código genético não contém genes de pavor, a sensação é pessoal e intransferível, por assim dizer. De qualquer forma, é razoável supor que os cidadãos dos EUA, depois daqueles momentos de estupor, tenham reagido de forma a aprovar e até aplaudir as decisões bélicas de Bush. Fazendo uma transposição teórica, se fôssemos nós brasileiros atacados daquela maneira por algum inimigo, é quase compulsório aceitar que teríamos reação semelhante aos americanos e aprovaríamos qualquer retaliação adotada pelo Estado.
O documentário me mostrou uma perspectiva nova, passo a entender que cidadãos comuns, aqueles que não têm opinião formada sobre terrorismo e guerras, aqueles que desejam apenas viver suas vidas descomplicadas, sejam compelidos a eliminar de suas existências o pior pesadelo jamais experimentado. Entendo que apesar de serem pacíficos, queiram sublimar a injúria que seu país foi submetido e, principalmente, atacar aqueles que lhes causaram a pior sensação de suas vidas, o pavor. JAIR, Floripa, 28/07/10.
6 comentários:
É, Jair, me parece que o pavor é o medo descontrolado.
Com relação aos atentados de 11 de setembro de 2001, eu creio que qualquer povo, de qualquer país que sofresse um ataque tão bárbaro na sua concepção, feito deliberadamente para ceifar o maior número possível de vidas de pessoas inocentes, teria a revolta e o desejo de varrer da face da Terra quem lhe causou esta sensação.
Concordo com Leonel. O pavor é o medo descontrolado. É o desespero...
BJ
- Os gregos já diferenciavam o Phobos do Deimos. Talvez a paralização catatônica das reações de um vivente em condições extremas possa ter sido útil para a espécie num passado remoto. Mas hoje é um peso inútil em nossa bagagem genética.
- Quanto aos atentados, concordo plenamente.
Amigo Jair,
Teus textos são muito bons, parabéns. Abraços, CARLOS.
O pavor é o limite final de algo que não tem saída, não há nada que possa ser feito, é a certeza de que não há o que se fazer para escapar ou contornar!
Oi Jair, vim ler seu texto sobre o medo e pavor sugerido em meu blog. Interessante dissertação. Aos poucos vou conhecendo o seu blog e os temas são sempre admiráveis. Um abraço.
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