
A história da intolerância religiosa é farta em documentar e divulgar os horrores cometidos pela igreja católica durante a inquisição que vitimou mais de cem mil mulheres acusadas de bruxaria. Os historiadores geralmente se referem apenas à inquisição católica e nada falam sobre as atrocidades que ocorreram nos países protestantes. Ao contrário do que os círculos eruditos dizem, mas, especialmente a crença popular afirma, Lutero nunca foi exatamente um liberal, nunca teve como objetivo deixar que correntes religiosas outras fluíssem com liberdade para praticar o proselitismo, por exemplo. A atual doutrina luterana prega para seus fiéis que o protestantismo sempre foi liberal, sempre permitiu a livre expressão de vontade daqueles que seguiam outras religiões. Lutero, e sua Reforma, para todos os efeitos, é ainda considerado como tendo, em princípio, defendido a clemência; como tendo sido um defensor da liberdade religiosa de todos, quaisquer que tenham sido suas inclinações. Historicamente, contudo, nada é mais incorreto, a Reforma não foi um movimento em favor da liberdade intelectual. A verdade é exatamente o contrário. O núcleo duro do protestantismo reivindica para si a luta pela liberdade de consciência, entretanto, a história nos prova que onde eles eram predominantes, a liberdade religiosa era a primeira vítima, em seguida vinham as vítimas humanas propriamente. Conceder liberdade aos outros nunca lhes ocorreu enquanto eles eram o lado mais forte. A extinção completa da Igreja Católica e seus seguidores foi considerada pelos reformadores como algo totalmente natural e desejável. É quase uma regra considerar que apenas a inquisição católica praticou tortura. Contudo, a inquisição protestante diferia da católica apenas pela ausência de legislação que definisse as formas de se efetuar as perseguições, torturas e assassinatos; não havia um órgão central no comando, faltava, por assim dizer, “profissionalismo”; tudo parecia obra de amadores exaltados, parecia uma orquestra sem maestro onde cada um tocava seu instrumento ao seu talante. Nem por isso ela, a inquisição, foi menos tenebrosa e cruel; nem por isso foi menos perniciosa e desumana. Nem por isso foi menos abrangente no tempo e no espaço. Nem por isso ceifou menos vidas que a inquisição católica. Nas vilas e cidades conquistadas pelos fanáticos, os católicos eram normalmente afugentados, instados a abandonar todos seus pertences ou então deviam converter-se à nova fé, sob o risco de serem condenados a morte. Na Europa central, em especial na Alemanha, a perseguição a católicos e religiosos de outras denominações foi a marca registrada de uma religião tolerante na teoria, mas extremamente obtusa e radical na prática. As páginas que narram a ascensão da religião protestante foram escritas com sangue de seus êmulos. Por séculos, “caridosos” luteranos impuseram seus dogmas a outras pessoas, ou as empurraram ao patíbulo como segunda opção. Até no Brasil o fanatismo e a crueldade desses celerados deram as caras, aqui chegaram a bordo dos navios de Nassau. Calvinistas faziam parte das tripulações dos navios holandeses que chegaram para a invasão, e tudo indica que não se tratavam apenas catequistas piedosos e bem intencionados. Há relatos de massacres de sacerdotes e fiéis no norte do País em 1645, praticados pelos calvinistas radicais holandeses. Diante da história das Cruzadas e das Inquisições, torna-se quase compulsório inferir com toda propriedade que, na história da humanidade, em nome de Deus, já se matou mais gente que sob o nome de seu oposto. JAIR, Floripa, 27/01/10.