terça-feira, 10 de novembro de 2009

TIRANDO LEITE DE PEDRA




Um dos mais populares programas de TV dos anos 90 foi “Seinfeld”, conhecido como "o programa sobre nada". A maior parte da comédia é baseada em fatos corriqueiros do dia-a-dia com pontos de vista um tanto excêntricos ou afetados adotados pelos personagens que, no mais, são pessoas comuns que reagem com exagero a coisas cotidianas. Fatos comuns, como problemas com o porteiro do condomínio, a compra de jornal na banca, a ida à lavanderia, a disputa por uma vaga para estacionar o carro ou as conversas sobre os assuntos mais banais, se tornam temas engraçados se explorados com talento. O sucesso do programa se deve a exatamente isso: se nada ocorre, é inusitado, pode ser engraçado, diferente. No fundo, e como seus criadores gostam de ressaltar, “Seinfeld” é “uma série sobre o nada”. Isto é, nada de especial acontece para provocar as situações engraçadas que surgem. O programa rendeu milhões de dólares a seus criadores Jerry Seinfeld e Larry David e dele foram gravados 180 capítulos que são exibidos até hoje, inclusive na televisão brasileira. Pois é, “Seinfeld” é um exemplo midiático de “como tirar leite de pedra” e, com isso, ficar rico. Na Patropi não temos exemplos de gente enriquecendo ao explorar o nada, a exceção de, talvez, o escritor de mega sucesso Paulo Coelho, mas isso são outros quinhentos. Contudo, como vivemos num país meio que surrealista, mesmo não acontecendo nada de novo, de estranho, de anormal, se vários fatores se conjugarem podemos ter um fenômeno mundial. Querem ver?: Usar vestido curto é novidade? Estranho? Ofensivo? Sob qualquer ponto de vista a resposta é NÃO. Até em igrejas se usam vestidos curtos e nada de mais acontece. Pois é, a garota usou um mini vestido para ir às aulas numa universidade e foi vaiada e ofendida por colegas. Logo numa universidade, ambiente que, supostamente, deve imperar certo clima de tolerância; onde cabeças arejadas devem predominar. Contudo, por vergonhoso que seja admitir, a guria fora vítima de um odioso “Bulying”: “O termo bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder. Portanto, os atos repetidos entre iguais (estudantes) e o desequilíbrio de poder são as características essenciais, que tornam possível a intimidação da vítima”. Até aqui, embora a jovem tenha sido constrangida, ainda estava tudo sob controle, se nada mais se fizesse nada aconteceria, não haveria mortos nem feridos. Vai daí que alguém filmou com o celular a humilhação da colega e colocou na internet. Outra vez, o conhecimento público do nada expôs a estudante, só que agora esta exposição lhe concedeu, - como Andy Warhol previu que aconteceria, - quinze minutos de fama. A moça está no lucro e, novamente, se nada mais se fizer, o nada acontecido morre de inanição, nunca mais se fala nisso e, talvez, se a protagonista não for uma baranga juramentada, ela acabe posando para uma revista masculina e ganhando muito dinheiro. Acontece que a imprensa, talvez por falta de assunto, resolveu “tomar as dores” da ofendida, e deu destaque ao nada em manchetes e chamadas nos horários nobres. Era o que faltava para o nada ganhar fôlego. Advogados oportunistas, feministas iradas, analistas comportamentais cheios de empáfia e os mais diversos “especialistas” em psicologia das multidões passaram a dar entrevistas e fazer análises estruturais eruditas a respeito do nada. O nada se viu robustecido e ficou se achando. Autoridades, a UNE, o clero e a própria universidade se viram obrigados a pronunciarem-se sobre o nada. Agora o nada ganhava status internacional, “Times”, “Washington Post”, “The Gardian” davam destaque ao nada. Nada tinha acontecido no Brasil e alguém precisava dar explicações. A universidade foi a primeira a tomar providência: expulsou a estudante. O nada tinha feito sua primeira vítima. Só que, ao contrário do que se esperava, o nada voltou com mais força. Por que expulsar a inocente garota que só queria mostrar as pernas? Abaixo o excesso de autoritarismo! Fora reitor! Exigimos sua (da estudante) volta! O nada estava ativo, vociferante, indignado e exigente, não podia ser calado. Que fazer? A universidade voltou atrás, a moça entrou na justiça, a mídia não se calou e advogados de parte a parte estão faturando. Todos ganham. Notoriedade, venda de jornais, espaço na mídia, clientes, fotos, entrevistas, seminários, encontros e debates, tudo isso veio no rastro da barra do mini vestido da moçoila. Viu? Não somos Jerry Seinfeld, mas quando se trata de “tirar leite de pedra”, somos campeões: Deem-nos um pitadinha de nada e construimos uma pirâmide de fazer inveja a Quéops. JAIR, Floripa, 10/11/09.

7 comentários:

Ruy disse...

Jair:
Referente ao affair UNIBAN, nesse caso da guria insultada pelos colegas, mantida por certo tempo em cárcere privado e expulsa da Universidade por ato (revogado mais tarde) do reitor, tudo por conta de estar trajando uma minissaia, não me parece ser possível equacioná-la por sofismas. Misplico: a reação dela, maximizada pela mídia e apoiada por grande parte da população, não pode se encaixar como sendo um mero ato de constructo sobre NADA. Pois o que se está vendo no desdobrar desse lamentável episódio, é uma tentativa de resgate da cidadania da jovem escorraçada da faculdade, primeiro por uma questão de gênero, pois se não fosse ela mulher; por exemplo, se um rapaz estivesse com um traje nem digo mais ousado, mas diferente do da maioria, certamente ele não receberia aquele tipo de (des)tratamento. E por segundo, por uma questão de reimpor o respeito à pessoa humana, que nesse caso específico foi desrespeitado no quesito diversidade. Enfim, esse tema me envolve com paixão porque me apavora ver pessoas desrespeitadas seja pela sua cor, raça, religião, opção sexual, partido político, time de futebol, ou pela roupa que usa, etc. E aqui, para finalizar minha argumentação, cito um trecho do que vc me escreveu dia desses sobre o passamento do Lévi-Strô: “[…] absolutamente todos os seres do planeta, não só descendem da mesma "semente", como tem o mesmo direito à vida. E aí vem gente querendo dizer que uns são melhores que outros porque são de uma melhor "raça", quanta ignorância!”
Grande abraço,
Ruy.

Amélia Ribeiro disse...

Olá Jair!

Em primeiro lugar peço desculpa pela ausência, mas o meu tempo tem sido muito curto.
Prometo visitá-lo com mais assiduidade.
Quanto a esse assunto..., nem sei que dizer-lhe...
pela parte dos estudantes é vergonhosa a atitude, quando deveriam ser eles a dar exemplo de tolerância..., eu vi o vídeo e fiquei chocada..., ser necessária a intervenção da polícia para retirar a moça da universidade!
Quanto ao oportunismo das outras partes nem vou dizer nada...

Um beijo.

Anônimo disse...

Caro Pamplona,
Gostei muito do teu texto,esta como dis a dubladora dos filmes do canal 50 da Sky, supimpa?. Ja temos muitos ecoshiitas no patropi, agora temos os chamados eco-coxistas, como tu falastes, estamos discutindo na midia toda um caso sem a menor importância, ou seja duma mina, que achou, talvez orientada, que esta era a maneira mais fácil de conseguir os "15 minutos de fama". Lembra a "pobre professorinha" do atoladinho, é pois é ele agora é bailarina. Acho que éla armou e se deu bem. Se não fosse assim, em 10 minutos em qualquer universidade, tu podes filmar uma centena de "cofrinhos" e coxas.
Fabio

Augusto Ouriques Lopes disse...

Pai,

O ponto chave aqui é o uso da internet para divulgar algo e este algo se tornar assunto para horas de debate na tv e nas ruas. Aqui nos EUA a propagação exagerada de NADAS internáuticos pela web recebe o nome de Viral(sejam eles gatinhos bobos, bebês risonhos ou esquilos que olham para a câmera). Como os vírus num corpo humano, estes assuntos virais na internet são meio sem explicação, lógica ou razão. E no final assim como viroses sempre acabam prejudicando o sistema.

Viu o bafafa porque o Obama se curvou para a realeza Japonesa?

Gustavo Martins disse...

Sensacional.

E não fosse o blecaute, estaríamos ouvindo muito mais sobre esse NADA.

Ler palavras sensatas é revigorante.

Leonel disse...

Caro Jair:
Permita-me ver de um modo diferente!
Eu não considero como um “nada” o que acontenceu na UNIBAN!
Aquilo poderia ser considerado normal se estivéssemos num Afeganistão dominado pelos fundamentalistas talibãs!
Afinal, para eles, uma mulher vestindo algo que cubra menos que uma burka deve ser umas cena muito agressiva!
Mas, num país democrático ocidental, em pleno séc. 21, e partindo de pessoas jovens, estudantes de nível universitário, eu acho inaceitável!
Afinal, aonde estes jovens foram buscar essa moral victoriana?
Será que na sua vida cotidiana eles observam princípios e padrões tão rígidos?
Eu duvido, mesmo que fossem oriundos de um seminário!
A minha teoria é de que os que iniciaram aqueles acontecimentos foram pessoas inseguras, hipócritas e invejosas, para quem a “ousadia” da jovem em usar um vestido curto atingiu em cheio sua própria insegurança!
Acho que, em algum lugar, deveria piscar uma luz vermelha, como um aviso de perigo contra a intolerância!
Não é por acaso que por aquelas plagas também surgiu um tal movimento “skinhead caboclo”, onde sujeitinhos que possivelmente nem sabem bem que foram os seus pais ficam bradando refrões pseudonazistas contra supostas “minorias”, como negros, gays, nordestinos, punks, e outros menos votados!
E a universidade, por seu turno, também deu uma patética demonstração de insegurança, primeiro expulsando e depois, “desexpulsando” a vítima da idiotice coletiva, com receio da repercussão negativa, que só para eles não foi previsível!
Caberia muito bem um puxão de orelhas coletivo, como aviso para prevenir futuras palhaçadas como aquela. E aí, eu acho que a imprensa fez o seu papel, pois todos ficaram sabendo!
Pouco me importa o que a garota vá fazer com a fama que ganhou graças ao evento!
Se ela teve seus 15 minutos de fama, foi não por algo que fez, que afinal, não foi nada de mais, mas pela demonstração de imbecilidade repressora e hipócrita dos seus colegas!
Eu acho que fatos como este devem, sim, ser colocados em destaque pela imprensa para que os autores saibam que coisas assim é que não são toleráveis !

Jair disse...

Leonel,
Com respeito ao teu comentário no texto "Tirando leite de pedra" quero esclarecer que o NADA a que me refiro é o fato de a moça ter usado vestido curto. Na minha opinião isso é um NADA que não devia ter criado qualquer tipo de celeuma como aconteceu, ou seja, a moça tem todo o direito de andar com o vestido curto e pronto. Tudo que aconteceu na sequência foi o leite que se tirou da pedra. Os fascistas da Universidade deram andamento a um comportamento altamente condenável que virou aquela pirâmide a que me refiro no fim. No mais, se houve alguma má compreensão do texto debite à minha falta de intimidade com as palavras aliada a minha pretensão de escrever achando que me faço entender. Abraços, JAIR.