A era atômica começou com uma frase: "Somos uns filhos das putas". Foram estas as palavras pronunciadas no sentido chulo no dia 16 de Julho de 1945, às 5 horas, 29 minutos e 45 segundos, pelo doutor Kenneth Bainbridge. Acabara de ser testemunha da primeira explosão nuclear no local designado Alamogordo, no deserto do Novo México, exatamente no lugar que tinha o nome que, traduzido da lingua nativa, significa a adequada expressão, "Jornada do Morto". Ali, e naquele momento, a humanidade entrou na denominada "era atômica". Com aquela explosão chegava ao pico o Projeto Manhattan, a maior operação militar secreta de todos os tempos. Sem dúvida, grande parte do mérito daquele feito devia ser creditado ao doutor Julius Robert Oppenheimer, que tinha conseguido levar a bom termo a empresa de que fora encarregado em 1942: fabricar a bomba atômica, “arma que poria fim a todas as guerras”. Apenas um mês depois deste teste, cerca de duzentas mil pessoas pereceriam queimadas, politraumatizadas ou volatizadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasáki. Foram elas as vítimas transformadas em mártires de uma "causa nobre" para encurtar a guerra, e que passaram oficialmente à história como as primeiras vítimas do armamento nuclear. No entanto, os primeiros seres humanos que sofreram na carne os efeitos da radiação de uma bomba atômica foram na realidade norte-americanos. Não havia precedentes, assim teve de se improvisar, o que fez com que em Alamogordo se cometessem os primeiros, embora nem por isso menos graves, erros nos ensaios nucleares. Por exemplo, a estrada nacional 380, que passava apenas a quinze quilômetros do local da explosão, foi atingida por uma considerável dose de radiação sem que se interditasse a passagem de pessoas por lá. Uma dose semelhante de radiação abateu-se sobre as propriedades de duas famílias na cidade vizinha de Bingham, as quais não foram nem alertadas nem evacuadas pelas autoridades militares. Também em locais mais distantes se puderam perceber efeitos da detonação sobre o gado de alguns ranchos dos arredores, já que muitos destes animais apresentavam graves queimaduras produzidas pela radiação beta. Sabe-se que a segurança não foi o aspecto mais brilhante do Projeto Manhattan, em que pese a manutenção do segredo até de sua existência para quem não fosse integrante do projeto. Em 1945, Klaus Fuchs, cientista britânico que participava no projeto, reuniu-se em duas ocasiões com um agente soviético cujo nome de código era Raymond, fornecendo-lhe importantes informações técnicas sobre a explosão experimental de Alamogordo e lançando a semente do programa nuclear soviético. A prisão de Fuchs e sua posterior confissão seriam o tiro de partida da caçada anticomunista do senador Joseph McCarthy. Apesar de terem acontecido essas lambanças, em 1975, o lugar mereceu a designação de monumento histórico nacional, e uma equipe de trabalhadores (os quais receberam uma gratificação extraordinária por trabalharem ali) ergueram um obelisco comemorativo no local exato onde se deu a explosão. Não se tinha passado um ano desde Hiroshima e Nagasáki quando a marinha de guerra norte-americana começou a perguntar-se até que ponto a nova arma também lhes poderia ser útil. Para dar resposta a essa indagação, planejou-se a chamada Operação Crossroads. A data marcada para este novo teste foi o dia 1 de Julho de 1946. Talvez porque os horrores de Hiroshima e Nagasáki ainda eram recentes e mal digeridos, o planeta encontrava-se em plena idade da inocência nuclear. A Operação Crossroads consistia basicamente em comprovar os efeitos que teria uma detonação nuclear sobre uma frota naval, navios e ocupantes. O lugar escolhido para a quarta explosão nuclear da História foi o atol de Bikini, no arquipélago das ilhas Marshall, cenário de uma das mais sangrentas batalhas da guerra do Pacífico. O atol de Bikini ficou tão famoso que deu nome ao maiô, de duas peças bem reduzidas, lançado naquela época. Em Fevereiro de 1946, o Comodoro Ben H. Wyatt, governador militar das ilhas, comunicou oficialmente aos seus habitantes que deveriam abandonar temporariamente as suas casas, já que o Governo dos Estados Unidos tinha previsto efetuar ali uma prova nuclear. O seu sacrifício contaria com a gratidão de toda a humanidade, já que esta prova seria uma peça fundamental no futuro desenvolvimento tecnológico e no fim definitivo de todas as guerras. Assim, em Março de 1946, começou o penoso êxodo dos 167 habitantes de Bikini, com o seu rei à frente, que foram deportados para outro atol a 200 quilômetros de distância, Rongerik, um lugar muito pequeno, com escassez de recursos hídricos e alimentares. Para cúmulo das humilhações e contraridade dos habitantes de Bikini, Rongerik era tradicionalmente considerado como um lugar maldito, local que nem sequer eles visitavam. Tudo isto contribuiu para que os nativos se arrependessem de ter acatado tão docilmente a decisão dos americanos, decisão esta que era mais uma expulsão, não admitia contestação. O certo é que Bikini era o lugar perfeito para aquele objetivo; isolado, deserto (uma vez deportada a população aborígine, claro) e afastado das rotas marítimas habituais. Durante dias espalhou-se pela área circundante uma sinistra frota de barcos fantasmas, formada por embarcações de todos os tipos e tamanhos, - a maior parte capturadas aos inimigos japoneses, - que se encontravam prestes a serem desmanteladas e que serviam de "alvo", levando a bordo uma tripulação formada por 5400 porcos, ratos, cabras e ovelhas que substituiriam os marinheiros e permitiriam estudar os efeitos da radiação sobre os organismos afetados pela detonação. O principal resultado daquela experiência foi que os habitantes de Bikini jamais regressaram à sua ilha, convertendo-se no primeiro povo da História a ter sofrido um êxodo nuclear. Hoje em dia, levam uma vida errante, dependendo da hospitalidade de outros povos e sonhando em regressar um dia a um paraíso que já não existe.O ano de 1951 foi quando os Estados Unidos conceberam um arsenal nuclear tal como o entendemos na atualidade, o qual foi testado ao longo de uma série de ensaios coletivamente conhecidos como Buster/Jangle e que decorreram num campo de testes instalado no deserto de Nevada para tal efeito. Yucca Flat, um antigo território de garimpeiros situado a menos de cem quilômetros a norte de Las Vegas, foi o local escolhido para as detonações nucleares que foram executadas enquanto durou o projeto. Nessa altura, cientistas e militares tinham interesses diferentes e os testes tiveram de ser planejados para satisfazer as expectativas de ambos. Aos cientistas interessava afinar os aspectos tecnológicos, como o aperfeiçoamento de dispositivos de detonação (espoletas) mais confiáveis, ou encontrar formas de obter uma energia maior com a mesma quantidade de material físsil. Pelo seu lado, os generais precisavam de desenvolver a tática da guerra nuclear, um estilo de combate inédito que necessitaria de procedimentos próprios, além de, é claro, demonstrar ao inimigo o potencial que dispunham no caso de uma guerra. Para desenvolver estas táticas, efetuaram-se uma série de manobras militares que coincidiam com os testes e em que milhares de soldados foram expostos à radiação das explosões nucleares. A primeira destas desafortunadas cobaias foi o 354th Engineer Combat Group, que foi a encarregada de preparar o campo para as primeiras manobras atômicas da História. Se verificarmos as circunstâncias históricas não é de estranhar tanta pressa. No Outono de 1950, a guerra da Coreia encontrava-se no seu apogeu e os Estados Unidos tinham perdido o monopólio nuclear ao ter sido detonado com êxito o primeiro artefato atômico soviético. A guerra fria era um fato e o fantasma de um apocalipse radioativo abatia-se sobre o mundo. A única maneira viável para que o arsenal termonuclear não fosse uma ameaça inútil era conseguir que a sua utilização não fosse um sinônimo do fim do mundo, quebrando a doutrina da suposta "destruição mútua assegurada" que mantinha o precário equilíbrio entre as superpotências. Tratava-se de desenvolver armas menores que fossem suscetíveis de ser utilizadas de modo "seguro" numa batalha real. No entanto, os cientistas não se encontravam ali para testar uma arma, mas sim uma teoria. Concretamente estavam muito mais interessados nos efeitos da radiação sobre os organismos vivos, algo que já tinha começado a ser estudado no atol de Bikini. Desta vez, a novidade era que as centenas de animais que deram as suas vidas pelo progresso atômico foram piedosamente anestesiados, antes de serem expostos aos efeitos da explosão e mais tarde dissecados. Contudo, se na verdade queriam conhecer os efeitos da radiação sobre o corpo humano, podiam ter recorrido aos 75 mil doentes de câncer da tiróide devido, segundo o Instituto Nacional do Câncer, às provas nucleares de Nevada ou às vítimas do aumento de 40% dos casos de leucemia infantil que aconteceram no vizinho Estado de Utah entre 1951 e 1958. O fato concreto é que a era atômica, inaugurada em 1945, estendeu seus testes até 1992. Os americanos admitem oficialmente terem explodido 1054 artefatos nesse período. Fica para outro post os testes concretizados pelas outras potências. JAIR, Floripa, 01/06/09.
segunda-feira, 1 de junho de 2009
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5 comentários:
1 - A Bomba
2 - Fabricando a Bomba
3 - A Era Atômica
Jair, até agora com bons e completos relatos formaste uma Trilogia, porém com a inconstância e prepotência transloucada do ditador norte-coreano esta provavelmente será quebrada...acrescentando outros capítulos...pelos quais torçamos que sejam equilibrados e pacíficos.
1 - A Bomba
2 - Fabricando a Bomba
3 - A Era Atômica
Jair, até agora com bons e completos relatos formaste uma Trilogia, porém com a inconstância e prepotência transloucada do ditador norte-coreano esta provavelmente será quebrada...acrescentando outros capítulos...pelos quais torçamos que sejam equilibrados e pacíficos.
Saulo
Jair, muito boa a abordagem sobre estes testes atômicos iniciais. O que chama a atenção é o despreparo quase total e a falta de precauções contra as radiações das primeiras explosões nucleares.
Uma consideração intrigante: por que não explodiram a bomba no tal atol "maldito", ao invés de Bikini? Poupariam um bocado de aborrecimentos aos pobres nativos, que foram tirados de lá "na marra".
Jair
Bombas e Guerras...tantas foram neste blog comentadas..que como resultado até a foto principal que encabeça o blog teve suas cores alteradas...kkk
Saulo
Sou a favor da pena de morte para quem larga uma bomba atomica e mata milhares de milhares de pessoas e estraga a vida a uns milhoes,sou a favor da pena de morte para quem inicia guerras dolorosas...
e mais nada tenho a dizer
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