Ferrugem, como sabemos, é o nome que se dá à oxidação do ferro e suas ligas, com honrosa exceção do aço inoxidável que, como o nome diz, não oxida, não enferruja. Assim, um dos maiores problemas da civilização é a oxidação, navios, edifícios, pontes, automóveis e a maioria dos artefatos de metal estão sujeitos a essa ação do elemento oxigênio que degrada os elementos com os quais se combina, abreviando a vida útil dos objetos e exigindo grandes investimentos para mantê-los “saudáveis” e funcionais.
Não cabe aqui explicar como o oxigênio age de modo a baixar o nível de energia dos elementos até torná-los novamente iguais ou próximos do minério que lhes deu origem – óxido de ferro, por exemplo. Cabe apenas lembrar que desde que o homem começou a construir objetos de metal, passou a lutar contra a ação do oxigênio, principalmente a degradante ferrugem. Somas enormes de recursos e horas e trabalho são empregadas todos os dias contra essa ação deletéria do O².
Tão importante é a prevenção contra a oxidação que corrói, que ao lançar ao mar um navio ou inaugurar uma ponte de ferro, se faz necessário um plano de prevenção imediatamente após a entrada em serviço de uma obra dessas. Não há caminho fácil para manter nossa civilização nos trilhos (alusão às locomotivas) se queremos continuar construindo à base de metais, em especial com ferro: produtos antioxidação são desenvolvidos e empregados cada vez mais, numa busca tanto insana quanto inútil de conter a ferrugem. De nada adianta: ferrugem não é acidente, é destino.
A ponte Hercílio Luz está localizada na ilha de Santa Catarina onde se encontra a capital do estado, Florianópolis. Foi construída para ligar o continente à ilha no local mais estreito entre uma e outro, local que foi apropriadamente chamado de estreito e acabou dando nome a um bairro continental onde hoje moro.
Essa é uma das grandes pontes pênseis do mundo e a maior do Brasil e é totalmente de aço (liga de ferro). Sua construção iniciou em 1922 e foi inaugurada a 13 de maio de 1926. O comprimento total é pouco mais e oitocentos metros, a estrutura tem o peso aproximado de cinco mil toneladas e o vão central tem 43 metros de altura. Todo o aço utilizado veio dos EUA, assim como a maioria dos técnicos e engenheiros. Lembremos que pontes pênseis chamam-se assim porque têm seu vão central suspenso por tirantes que se apóiam num cabo de amarração ancorado nas cabeceiras terrestres e que passam sobre dois pilares que sustentam todo o peso da estrutura. Há outras soluções de engenharia para pontes pênseis de concreto (vide ponte JK de Brasília), mas a ponte Hercílio Luz é do modelo clássico.
Pois bem, desde o momento que foi projetada, a construção dessa ponte que ainda é o cartão postal de Floripa, teve seus fundamentos eivados de lances obscuros e mal explicados que encheram o bolso daqueles áulicos que cercavam o governador que deu início às obras e acabou dando nome à ponte: Hercílio Luz. Quando se terminou de construir a primeira sapata de concreto o dinheiro acabou. Se os leitores estão acostumados ver denúncias de superfaturamentos na ordem 2, 3, 5 e até 10 vezes o custo inicial, pasmem: O custo inicial foi multiplicado por 700 no fim da obra. Considerando que naquela época não havia inflação, com o dinheiro gasto em UMA ponte daria para construir SETECENTAS pontes, ou uma ponte de 560 quilômetros. Por ter falecido em 1924 esse governador acabou não vendo sua obra acabada, mas, consta que seus herdeiros não se tornaram mais pobres com a construção da ponte.
Considerando uma obra que já nasceu viciada de corrupção e custos fora do orçamento, não é de estranhar que também não houvesse um plano de manutenção. Desde sua inauguração, embora sendo crucial para ligar a parte continental da capital à parte ilhoa, sua “manutenção” se resumia a uma pinturinha ridícula de tempos em tempos, pinturinha que mais escondia a ferrugem do que trazia qualquer benefício. Os custos dessa pinturinha, porém, sempre foram avultados. Pois, ia a Hercílio Luz capengando para levar gente lá da ilha para cá e vice versa, já existindo duas outras ligações de concreto, quando em 1981 descobriu-se que um dos elos do conjunto de amarração estava rachado. Resultado, a ponte foi interditada e entrou num sério regime de manutenção.
Então, por trinta anos, a ponte recebeu tratamento de obra doente e uma empresa ligada a gente do poder aqui em SC fazia esse tratamento. Foram gastos mais de 300 milhões de reais neste período. Agora, em 2011, “descobriu-se” que ela precisa de manutenção, está oxidada, a ferrugem corroeu algumas de suas partes estruturais de forma que se não houver substituição dessas partes ela ruirá. Recapitulemos: foram trinta anos de manutenção ao custo de 300 milhões de reais e agora se descobre que a ponte está podre, que a corrosão comprometeu sua estrutura e ela precisa de uma intervenção séria. TREZENTROS MILHÕES E TRINTA ANOS, dá para acreditar?
Pois é, caros leitores, esse monumento à ferrugem que se chama Hercílio Luz, que já foi cantada em redondilhas, hoje é apenas uma conta para pagar, o orçamento inicial para seu reparo é de 160 milhões de reais, já foram gastos mais de cem e não se pode dizer que alguma coisa foi feita, a não ser uns supostos pilares que devem sustentar o vão central para troca das “correntes” de amarração.
Aquela ferrugem, que definimos no início como a oxidação do elemento ferro e suas ligas, venceu novamente. Uma das estacas colocadas no mar para sustentar a ponte durante a fase de restauração sumiu. Técnicos do consórcio responsável pela obra investigam as causas do incidente. A estrutura estava cravada a 30 metros de profundidade, sete deles dentro de uma rocha. A estaca que cedeu faz parte de um conjunto que terá 16 pilares. As quatro bases que deverão sustentar as torres metálicas, nas quais a ponte ficará apoiada para troca de sequências de olhais condenados. Olhais que compõem 300 barras flexíveis, como elos de uma corrente de moto, que forma a corrente de amarração da estrutura. O pior é que ninguém sabe o que pode ter acontecido com ela a estaca, talvez uma marola mais irada a tenha quebrado e afundado. Como não devemos ter esperança que algum dia venhamos a cruzar aquele trecho de mar sobre a ponte pênsil, não há o que reclamar. Viva a ferrugem! JAIR, Floripa, 12/01/12.
14 comentários:
É vergonhoso como o sistema mirabola meios de suprir(e muito)não às necessidades da sociedade, mas sim do próprio sistema. Jair, fico imaginando o quanto se desviou e ainda estar por desviar do dinheiro voltado para obras das olímpíadas que aconterecerão aqui em meu estado.O processo de demora proposital é vexatório, pois assim dispensa-se o ato licitatório, alegando emergência.
Os entes políticos e a estrutura corrupta que o preenche e circunda me dão ânsia de vômito.
Hoje, pela manhã, li que o senado está recebendo um grupo de combate à zoonoses, por conta de um contigente expressivo de ratos.
Será que com a eliminção dessa peste o plenário não ficará vazio a ponto de nada acontecer por falta de quórum?
Muita Paz!
Aqui aprende-se! Razão mais do que bastante para voltar sempre.
Abraço
Paulo
Simplesmente vergonhoso. Sem palavras. Parabéns mais uma vez pelo conteúdo. Abraço.
Meu caro Jair,
mais uma excelente história daquela que há um tempo era ícone de Floripa. Aditas a isto bem posta explicação da corrosão, tida como o câncer do mundo inorgânico. O oxigênio, tão importante na vida dos animais é um 'vilão' para os produtos inorgânicos. Corroem impiedosamente o ferro e ligas (o professor de Química recomenda não dizer compostos de ferro, pois neste ele está combinado) onde o ferro participa.
Com admiração,
um abraço desde Santiago, olhando a imponente cordilheira,
attico chassot
Parece-me que as raízes latinas "corruptio" e "corrosio" vêm de uma origem comum. Qual seria o custo para se erradicar a "corruptio" no patropi?
Abraços.
alo Jair
que teu ardor e força
para bradar
como fazes
se espalhe
Parabenizo a atitude de comunicar mais um fato nefasto, diante de tantos outros, em que a falta de consciência impera nos governantes,dirigentes,mancomunados e outros derivativos para a corja que envergonham e humilham os eleitores idiotas e palhaços tolerantes deste espetáculo vil... Quem sabe em 2012,em que se preconizam transformações na ética,moral...essa ponte seja um marco nesta travessia para a honestidade.Luci.
Legal ! seus blogs sempre são,além de mais nada, verdadeiras aulas de cultura. Aproveitei para relembrar um pouco sobre corrosões. Sobre vc só me lembro de coisas ótimas, por isso, é uma honra ter sua amizade. Fiquem com Deus.
Jair, feliz de pessoas como seus filhos que tiveram a sorte de terem pais visionários que já há trinta anos os prepararam para viver fora deste país onde impera a hipocrisia e os calhordas. Mas o importante é que temos carnaval, praias, e um povo honesto e trabalhador, né? rss. Que inveja de eu não ter sido uma alma digna de merecimento e não ter nascido em um país sério. Parabéns. Marcos Tulio
É vergonhoso... e triste, muito triste...
Parabéns pela postagem!
Abraços!
Jair:
Um lindo Estado, conheço bem Santa Catarina e Floripa ! Mas você não está falando nada mais do que a corrupção que anda solta neste país e o descaso com as coisas públicas.
Bela e triste a história desta ponte, que fiquei sabendo, agora, em detalhes. Que absurdo isso.
Abraços
Tais Luso
Olá Jair
Indiquei seu blog para fazer parte de uma brincadeira que estou propondo em meu blog... fique livre para aceitar ou não... mas acho que seria muito legal... Abraços... e um ótimo ano para você...
Karine
http://educarcom-karine.blogspot.com/
Jair... Por coincidência ou não... hoje cruzei da ilha para o continente, ao lado desse magnífico monumento, retornando das minhas maravilhosas férias aí em Floripa... Mostrei para meu filho antes de irmos, esta linda ponte pela internet, toda iluminada (foto noturna), deslumbrante!E que decepção a sua, quando chegando a ilha, não passamos sobre ela... E sim ao lado dela. Eu estava para pesquisar sobre os porquês, quando você me presenteia com este instrutivo e "triste texto"... é uma pena não é Jair... ver como aplicam o nosso dinheiro...
Boa semana amigo...
Karine
Meu caro Buscarino
Um baita texto, adorei, mas fiquei surumbatico quando comecei a me lembrar das nossas passagens por esta linda ponte com destino a coqueiros e bom abrigo, velhos tempos.
Fabio
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