terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Civilização



Um mundo no qual quase dois terços da população passam fome, enquanto o restante nada de braçadas na abastança material e procura ter sempre mais, é sem dúvida carente de um grau essencial de sensibilidade e justiças sociais. Os países pobres sofrem duplamente nas mãos de seus vizinhos ricos: no intercâmbio comercial, os termos das transações impedem que os produtores de matérias primas e alimentos primários – com pouco ou nenhum valor agregado – consigam alcançar seus parceiros comerciais, e é da conveniência dos compradores que isso nunca venha acontecer. Com frequência, os produtores de alimentos – soja é um bom exemplo – preferem vender seus produtos agrícolas para a Europa ou EUA, onde serão utilizados para engordar rebanhos, ao invés de destiná-los a alimentação da população mais pobre de seus próprios países. É interessante lembrar que o suculento “T bone” que o obeso cidadão do primeiro mundo acabou de degustar no almoço pode ser, em parte, produto de uma espoliação de gêneros alimentícios, desviados das bocas das pessoas subnutridas daqueles sofredores quase dois terços da população mundial. Como, pensando nisso, pode o saudável indivíduo justificar essa situação?
Os países altamente tecnológicos têm que abandonar a idéia de que possuem todas as respostas, e que o que é bom para eles é bom para os demais. Isso não é necessariamente verdadeiro. De fato, o mais provável é que a estratégia econômica e social que trouxe riquezas para países hoje considerados de primeiro mundo se torne, a longo prazo, a receita infalível para o desastre global, o caminho mais curto para a derrocada da humanidade. O alto grau de afluência material alcançado pela Europa e pelos EUA é completamente inviável para ser desfrutado em escala planetal. Imaginemos que todos os países alcançassem o mesmo nível de consumo, o Planeta não suportaria tal demanda. O esgotamento dos recursos do Planeta e a consequente destruição do meio ambiente estão a ponto de atingir dimensões tais que impossibilitam sustentar uma população de sete bilhões como a atual, quanto menos dez ou doze bilhões nas próximas décadas. E é inconcebível para uma mente sã que as diferenças entre pobres e ricos façam parte de uma estratégia, o nazismo e o comunismo felizmente não dão mais as cartas no atual jogo da civilização. Se essas diferenças persistirem as tensões mundiais se farão sentir de maneira dramática, para não dizer catastrófica, em muito pouco tempo.
Um aspecto que liga a questão dos recursos materiais a dos padrões de vida é o planejamento global da energia. Podemos estar certos de que, de acordo com a taxa atual de utilização, as reservas mundiais estarão esgotadas ainda neste século. Sabemos, também, que há carvão para suprir nossas necessidades por muitos séculos. Mas pode acontecer também que para sobreviver tenhamos que deixar esse carvão enterrado, sem ser queimado. O problema é que, como acontece com outros combustíveis fósseis, o carvão, quando queimado é um poluente atmosférico terrível, libera o tóxico dióxido de carbono. A longo prazo, uma grande quantidade de CO2 na atmosfera está alterando o clima do Planeta suficiente para romper o modelo atual de agricultura. Mais do que isso, a produção agrícola dos países do primeiro mundo e da China está tão equilibrada com a demanda, particularmente de cereais, que até mesmo uma ligeira variação, causada pelo El ninho, por exemplo, causará e tem causado transtornos formidáveis. As consequências de uma elevação de apenas 2,5°C são quase inimagináveis.
Se pretendermos que essa perspectiva seja afastada, importantes decisões políticas devem ser tomadas de imediato, não há escapatória. E essas decisões serão inúteis a menos que encontrem concordância geral, não é mesmo Tio Sam e dona China? Faz pouco sentido, por exemplo, se a Rússia continuar explorando suas imensas reservas de carvão enquanto o resto do mundo deixar de fazê-lo por decisão da maioria. Sem dúvida alguma, a questão das futuras fontes de energia está prestes a abalar o equilíbrio das decisões internacionais. Não há qualquer dúvida que se forem tomadas decisões erradas nesta década, a vida humana no Planeta poderá tomar o curso descendente de um espiral rumo à extinção.
Em geral, os sociólogos influentes não querem nem ouvir falar disso, mas a questão do tamanho da população está intimamente relacionada com questão da energia. Uma equação trivial mostra que com recursos limitados a explorar, o período de vida da civilização moderna está em ordem inversa ao número de indivíduos dessa sociedade. Ou seja, quanto mais gente houver, mais depressa serão consumidos os recursos. Com poucas exceções como a luz solar, a energia geotérmica e os ventos, não há recurso que não seja limitado. É verdade que novas tecnologias no futuro sem dúvida explorarão matérias de forma que nem sonhamos neste momento. A informática com todas suas ramificações na sociedade é uma marca presente que há seis ou sete décadas era impensável. É possível que novas tecnologias e descobertas possam guiar a humanidade através de novas sociedades, com perfis de consumo diferentes dos nossos, por insuspeitados milhares de anos ainda. Mas a chave para a exploração bem sucedida de novos recursos materiais não é segredo: devemos estabelecer que os recursos devem ser aproveitados ao máximo, deve-se exaurir todo o potencial de qualquer fonte de energia. Não é inteligente continuar desperdiçando meios como se faz na atualidade.
A pressão da enorme expansão populacional deverá estimular, sem dúvida, muitas inovações destinadas a superar o problema dos bilhões de bocas a serem alimentadas. Podemos imaginar que na ausência desse estímulo as inovações podem não acontecer, as grandes realizações humanas sempre foram antecedidas por pressões formidáveis, é só lembrarmo-nos das tecnologias desenvolvidas em consequência das guerras. Mas, quem pode afirmar com segurança que o ritmo das inovações e descobertas acompanhará a inflação populacional? Nesta época o abismo já é grande e continua se alargando.
Então, conclui-se, a solução para o descompasso entre tamanho da população e de recursos é não aumentar mais a população. É razoável pensar que, ao invés dos sete bilhões atuais, se tivéssemos quatro bilhões com os mesmos recursos, estaríamos em melhor situação, não é mesmo? Infelizmente esse é uma equação que não encontra convergência de objetivos entre as várias nações. Os países mais pobres são os que têm os maiores índices de crescimento populacional, e não há nada que indique uma guinada nesse rumo de colisão com a catástrofe anunciada. Se a tendência continuar, nossos descendentes viverão num mundo em decomposição que poderá levar a extinção da civilização. JAIR, Floripa, 05/08/11.

8 comentários:

Unknown disse...

Nos tempos de escola, lembro-me bem, a maior das preocupaões era a teoria malthusiana.

Não sabíamos do cabedal de coisas que ainda nos apavorariam no futuro!

Muita paz,enciclopédico amigo!

Anônimo disse...

Adorei o texto Jair, você está me fazendo ler mais sobre política, algo que eu nao gosto muito rs.

Aprendi muita coisa com o texto hoje, que eu desconhecia.

Beijos, Duda.

J. Muraro disse...

Muito boa análise dos desníveis sociais. Acho que o caminho da revolução que vai abalar as estruturas dessa sociedade quase podre, será a fome e a miséria. Se eles, os ricos não mudarem suas atitudes a vaca irá para o brejo. Parabéns pelo post.

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
realmente nossos blogues na data que se faz ocaso de janeiro coincidem. Se nos dermos conta que só com sobras e desperdícios poderíamos resolver a fome no Planeta é de reconhecermos a ausência de bom senso dos mais ricos.
Com solidariedade

attico chassot

R. R. Barcellos disse...

O descontrole populacional, o desperdício consumista, o desequilíbrio econômico e o descaso político são os quatro "des" que entoam o coro do Apocalipse.
Abraços.

Luci disse...

è de se preocupar,com este futuro
planetário.Uma cidadã atônita e incapaz...Ouvimos notícias televisivas sobre o descompasso de preços de manufaturados entre a China e o Brasil...as importações impedem que os produtos brasileiros
circulem no país de origem,pois são mais caros que aqueles.Se coisas óbvias não são percebidas, quem modificará isto? O povo? a classe produtora? os políticos?
Que consequências virão no porvir?A cabeça esquenta e o corpo padece.Pobres cidadãos do mundo.Luci.

Leonel disse...

É, amigo, se nós simplesmente cruzarmos os braços e não fizermos nada para deter o crescimento descontrolado da população, receio que os mecanismos autorreguladores de Gaia entrarão em ação para corrigir esta falha!
E talvez isto não seja tão agradável para os humanos...
Quem sabe um asteroide, daqueles pequenos, hein?...
Muito pertinente o seu alerta!
Abraços!

Professor AlexandrE disse...

Interessante, Informativo, Dinâmico e até 'necessário' ... assim defino esse seu ótimo post!

Parabéns pela alta qualidade de seus escritos!