quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Estirpe de guerra



No princípio, quando os primeiros povos se organizaram em aldeias e clãs, os homens deram início às guerras que, quase sempre, tinham como objetivo conquistas, sejam territoriais ou de fontes de recursos. Contudo, a história registra que as guerras eram empreendidas por elites masculinas, nunca pela massa amorfa de pessoas comuns ou por mulheres. Guerreiros, cavaleiros, samurais, nobres e outras denominações seriam os que terçariam armas contra os inimigos, aos demais restava apenas “torcer” pelos seus.
Para os não-guerreiros – os camponeses, por exemplo, a guerra podia ser encarada como uma praga mortal igual à peste ou a varíola. Mas, para os guerreiros, ela era a própria essência da vida, de uma vida boa e aventurosa, da qual mulheres e camponeses estavam excluídos naturalmente. Na luta, o guerreiro tinha aventura, companheirismo, emoções violentas, heroísmo, disputas, provas de masculinidade, saques e experiências novas e a possibilidade de conseguir uma morte gloriosa que lhe concederia fama e reconhecimento, ainda que, obviamente, post mortem. Entre uma guerra e outra, o guerreiro mantinha vivos os eventos passados através de disputas esportivas, as chamadas justas, que representavam as batalhas, revivendo-as em duelos e torneios e comemorando-as com desfiles que lembravam vitórias. Rituais que tinham a finalidade de manter aquele elã tão presente nas batalhas. Os guerreiros de elite de outros tempos, certamente concordariam com as palavras de um jovem oficial alemão, escritas logo depois do fim da primeira guerra: “Vieram nos avisar que a guerra tinha acabado. Achamos graça. Nós somos a guerra”.
Ao colocar todos os guerreiros no mesmo saco como uma elite que se destacava da gentalha, estamos incluindo nela grandes diferenças culturais e históricas. Para falar só da tradição européia de guerreiros, lembremos que seus conceitos de guerreiros incluíam tanto os parrudos homens armados da idade média quanto os aristocratas almofadinhas de uma época posterior. Incluímos aquele cavaleiro que lutava num estilo mais ou menos indisciplinado e individualista, e também o oficial de um exército enorme e burocratizado, que nunca deve ter lutado, mas que comandava um grande número de subalternos que, efetivamente, enfrentava o inimigo no campo de batalha. O conceito inclui também os mercenários que lutavam para qualquer príncipe que lhes pagassem um soldo e os idealistas que lutavam por um deus e, posteriormente, por uma pátria ou país. Inclui ainda homens que dificilmente poderiam integrar uma elite: cavaleiros pobres sem terras e cuja única opção para obtê-las seria a guerra.
Se existe um pretexto para generalizar as elites guerreiras, é que elas mesmas fazem essa generalização. O general MacArthur, estereótipo do guerreiro moderno, costumava dizer-se descendente de uma “longa linhagem cinza” que remontava a centenas de anos. Ele dizia preferir terçar armas corpo a corpo com o inimigo no campo, a comandar homens para fazê-lo. No filme Forrest Gump, temos o mais radical exemplo do guerreiro consumado, Tenente Dan Taylor (Gary Sinise). Quando ferido de morte no campo de batalha no Vietnã, recusa-se a ser evacuado para a salvação, evoca todos seus antecedentes que morreram em guerras anteriores. Ele queria morrer em glória, coisa que lhe foi negada, porquanto Forrest o conduz nos ombros e o salva. Taylor é uma versão extremada de MacArthur. Para um guerreiro, a idéia que uma estirpe guerreira se estende por milhares de anos não chega ser uma abstração. O general Patton achava essa idéia bem real: sua família teve várias gerações de militares famosos; quando criança ele acreditava ser uma reencarnação de heróis mortos, tanto confederados como vikings.
Patton certamente é um exemplo exagerado, mas os guerreiros de elite geralmente são estimulados a se incluir numa estirpe guerreira supranacional. O Salão Washington, em West Point, recebe os cadetes com um enorme mural onde se lê: “São mais de dois mil anos de proezas militares em meio a espadas, flechas, mosquetes, máscaras de gás, estratégias de cerco, elefantes; Ciro, na Babilônia; Guilherme, em Hastings; Meade em Gettisburg; Joffre, no Marne”.
É inegável que as tradições guerreiras cumprem seu papel de gestar guerreiros em série de uma mesma família ou clã, contudo, quando não é possível estabelecer essa correlação, costuma-se usar a imaginação. Os prussianos costumavam dizer-se herdeiros das artes bélicas dos espartanos e assírios. O general MacArthur, discursando para cadetes de West Point, citou uma série fantasmagórica de guerreiros americanos para servirem de alter ego aos jovens. Dizia que se os cadetes algum dia deixassem de cumprir seus deveres para com o país, um milhão de fantasmas de uniforme verde, cinza, azul e cáqui, levantariam de seus túmulos e suas vozes ecoariam três palavras: dever, honra e pátria. Mas, em matéria de imaginação, nada se compara a “arianologia” alemã que procurava remontar a linhagem étnica e espiritual da Wehrmacht a milhares de anos, chegando aos bandos de homens armados da pré-história indo-europeia.
Grande parte das castas guerreiras tanto do ocidente como do oriente se manteve durante anos como uma elite contínua de sangue, até chegar à época das armas de fogo. Agora não era o mais bravo, o mais destemido que contava, era o mais bem armado.
A guerra moderna tornou-se evento mortífero “por procuração”, quanto mais letais as armas se tornaram, menos envolvimento do guerreiro, este pode ser um general que simbolicamente aperta um botão a milhares de quilômetros do fronte e mata batalhões de inimigos. O infante não é mais o peão de elite que enfrenta um seu igual olho no olho, ele pode estar a centenas de metros disparando seu fuzil de precisão e apenas vislumbra o inimigo, quando muito. A guerra pode até dissociar-se do sangue, as bombas nucleares volatizam os corpos das pessoas não deixando rastros.
Contudo, mesmo inexistindo o real cheiro de sangue, mesmo que aviadores e comandantes de tanques ultra sofisticados, apenas “joguem videogame” em batalhas virtuais mortíferas, os guerreiros ainda são uma elite que vê na guerra um meio de vida - e de morte também - perfeitamente justificável pelo qual vale a pena dedicar seus melhores anos de juventude e seus melhores e mais profícuos esforços físicos e intelectuais. Patriotismo, ideologias e justificativas morais, são apenas pretextos que os verdadeiros guerreiros usam para explicar porque vão matar gente que não conhecem em um país distante e estranho. No tempo atual, quem mais encarna a fiel definição de uma estirpe guerreira, são os soldados de elite americanos: Seals, Rangers e Ghost Warriors. Mas estes merecem outro texto. JAIR, Floripa, 03/01/11.

7 comentários:

Luci disse...

Será que fui a premiada para o primeiro comentário do texto? Depois de ler " O borsalino",farei alusão a cabeça do homem.Esta adornada exteriormente com chapéus de grife, não evidencia as intenções ocultas do cérebro...A vaidade, o orgulho parece que prevalecem na masculinidade, seja para serem heróis de guerra ou pertencerem a determinada tribo,etc.,etc._Parece que isso é inquestionável pois, continuam matando para que drogas circulem no habitat e outros motivos torpes ás vezes, sejam políticos ,ideológicos,religiosos,econômicos ,filosóficos.Parece que matar e morrer são os dois pratos da balança .E os tolos? assistem de camarote as notícias veiculadas!!! Ser ou não ser,eis a questão? E a vida, o que é meu irmão?... já dizia a música...Luci

R. R. Barcellos disse...

Jair, meu amigo, você exagerou tanto nos contrastes que até os tons de cinza tornaram-se preto-e-branco. Abraços.

JoeFather disse...

Creio que eu, amigo, se fosse me enquadrar nesse clima de guerra, provavelmente eu seria, em alguns momentos um camponês, em vários outros um soldado da linha de frente e quem sabe até um general.
Mas a única guerra que eu de fato gosto de fazer parte é daquela que combate a guerra com a bandeira branca da paz levantada.
Entendo a necessidade extremada da luta em outras épocas, para que a loucura não prevalecesse sobre a vida, e acredito que todas elas tiveram seu estopim acesso por pessoas traiçoeiras que visavam unicamente os seus próprios interesses ou ainda estavam revestidos de ideologias insanas.
Se fosse possível reescrever a história do mundo, os capítulos que versassem sobre guerras eu deixaria para um livro a parte, ou se fosse para agir de forma mais inteligente, bastaria que eu fosse eliminando os trechos onde a corrupção começava a se instalar e aí nem guerras, nem muitos sofrimentos, nem desigualdades descomunais fariam parte do enredo.
Grato pela interação meu amigo, que, como sempre lhe digo, só pode existir num blog que nos faz pensar!

Felicidades junto aos seus familiares, que em 2012 o amigo continue dividindo conosco toda essa sabedoria que transborda em seu ser!

Abraços renovados no conhecimento!

Mery disse...

Paz e amor no seu coração;
todos somos guerreiros*!
Viver no Rio de Janeiro e no local onde moro é uma prova real do que falo, fujo dos tiroteios no dia a dia, tenho que ir ao trabalho sem saber se vou voltar > e então...
"que vida magnífica é essa!"
Exagerei(?) Não...é a verdade!
Abraço afetuoso da Mery*; bom Natal!
Feliz Ano Novo! Muita saúde e paz!

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
quebro um paradigma. Não comento o texto.
Neste 24 de dezembro, crentes e não crentes, nos imanamos. Assim, adito – lembrando que este verbo também significa fazer feliz – meus votos de alegrias pelas festas.
Com estima

attico chassot

R. R. Barcellos disse...

FELIZ NATAL!
Abraços, amigão!

Professor AlexandrE disse...

Segundo Sun Tzu: "A vantagem estratégica desenvolvida por bons guerreiros é como o movimento de uma pedra redonda, rolando por uma montanha de 300 metros de altura. A força necessária é insignificante; o resultado, espetacular."
Ótima Postagem!