quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

AO MESTRE MINHA HOMENAGEM


Creio que todos nós ao longo da vida escolar, profissional ou mesmo familiar temos nossos ídolos, nossos heróis, nossos gurus ou nossos mestres. Pessoas de nossas relações que pela inteligência, perspicácia, saber ou por algum outro atributo, nos conquistam, agregam algum valor a nossa vida, ou nos causam impressão duradoura. Na verdade, sem percebermos, de maneira implícita, nós procuramos nosso alter ego. É, talvez, parte da condição humana, projetar no outro aquilo que gostaria de ser. Lembro que meu primeiro mestre inesquecível foi o professor de geografia do ginasial, Arthur Orlando Klas, cujo, além de ótimo professor, conhecedor ilustrado da matéria, tinha uma inteligência aguda e uma visão futurística admirável, via o mundo cinquenta anos à frente com grande acuidade e sensatez. Fora ele, alguns outros amigos ou colegas assinalaram suas passagens em minha juventude e na faculdade à maneira de heróis e ídolos também. Mas, quero aqui homenagear o mais extraordinário mestre e guru, aquele que mais marcou minha vida profissional: um colega de trabalho, Rodolfo Rodrigues Barcellos, mente brilhante, inteligência ágil, interesses variados e conhecimentos enciclopédicos; dominava com segurança uma gama de assuntos, matérias e temas com a simplicidade que só os dotados de QI superior o fazem. Barcelos é um exemplo raro de pessoa, por causa da combinação de grande argúcia técnica com sua capacidade de resolução simples para problemas complicados. Tive a felicidade de compartilhar o mesmo ambiente de trabalho com ele durante uns bons oito ou nove anos, ocasião em que pude observá-lo como profissional e conviver como amigo com interesses comuns. O Barcellos era, assim como eu, um profissional de aviação, tínhamos a mesma formação, havíamos estudado nas mesmas escolas, mas, anos-luz separavam meus limitados conhecimentos acadêmicos de matérias e sistemas inerentes a aeronaves, das vastas e quase filosóficas informações que ele detinha sobre quase tudo. Além de ser respeitado no setor, era desenhista habilidoso, jogava xadrez com maestria, conhecia informática numa época que esta ainda era incipiente no país e possuía excelente ouvido para música; tocava vários instrumentos de cordas; e até cantava um pouco, além de ser um ótimo caráter. Possuía, além disso, um humor refinado e era autodidata no idioma inglês. Conversar com o Barcellos, qualquer que fosse o assunto, era enriquecer o acervo, era deliciar-se com a intimidade que ele abordava o tema e se fazia entender com simplicidade. Muitas vezes eu “puxava” um assunto qualquer só para instigá-lo, nunca me decepcionei, ele, como autêntico mestre que era, explanava com didatismo o tema e o aprofundava até onde meu interesse ou meu conhecimento permitiam-me acompanhá-lo. Fui seu discípulo, se não aplicado, pelo menos atento. Claro que suas habilidades e ideias nem sempre eram reconhecidas, ou recebiam a atenção que mereciam. Infelizmente, num ambiente de trabalho onde “ser” é mais importante que “saber”, o intelecto tem menos valia do que dragonas e postos. Muitas vezes acontecia que, o apedeuta chefe, do alto de seu majestático posto, determinava que assim fosse “por que estou mandando”, e lá se ia uma boa e proveitosa ideia para a lata de lixo das soluções não adotadas por emanarem de subordinados. Felizmente, portador de um estoicismo ingente, mestre Barcellos nunca se deixou abalar por estultices ecumênicas, tão comuns naquele ambiente no qual trabalhávamos. Para finalizar, quero compartilhar caso que ocorreu numa viagem a trabalho que fizemos juntos a Recife, um pouco antes de minha passagem da ativa para meus confortáveis chinelos caseiros. Devo dizer que aprendi jogar xadrez aos doze anos e que fui um jogador juvenil razoável, apenas isso, razoável. Nunca mais depois dos vinte e quatro anos de idade enfrentei qualquer adversário nas sessenta e quatro quadrículas, isso me rebaixou para o nível de capivara, de acordo com o jargão dos enxadristas. Já Barcellos, como disse no início, era um jogador criativo e um adversário imponente para qualquer um que o enfrentasse. Na referida viagem a Recife, estava o Barcellos sentado à mesa onde se encontrava um tabuleiro de xadrez já com a peças em posição, quando entrei no local. Convidado a enfrentá-lo em uma partida, num momento de pura idiotice aceitei. Ele costumava jogar com o computador e evoluía até o nível seis antes de perder, eu nunca passei do nível um. Iniciamos o jogo e, por sorte de principiante, lá pelo décimo oitavo movimento, para surpresa de ambos, venci com um xeque-mate improvável. Vejam bem, o discípulo infiel e meio bisonho deu uma rasteira no mestre que admirava. Que fazer? Barcellos colocou as peças em posição novamente, com toda razão querendo sair para uma nova partida, uma merecida revanche. NÃO, meu amigo! Nunca mais jogo contigo. Quero e preciso contar para os amigos comuns que ganhei de você, pode existir maior mérito? Nunca mais joguei com ele. Espero que ele tenha compreendido que eu necessitava de meu momento de glória. JAIR, Floripa, 05/12/09.

6 comentários:

Adri disse...

Concordo contigo...

Davidson disse...

TUDO O QUE VOCE DISSE DO BARCELLOS EU JA SABIA E CONCORDO EM GÊNERO NÚMERO E GRAU. EU TENHO UM GRANDE RESPEITO POR VOCÊ, JAIR... ACHO-O UMA INTELIGÊNCIA BRILHANTE E SE ANTES NÃO DISSE ISTO FOI PROVAVELMENTE PORQUE CONVIVÍAMOS COM O BARCELLÃO... DIANTE DO SOL NÓS NÃO PASSÁVAMOS DO UMA LÂMPADA FORTE... ABRAÇO...

Leonel disse...

Jair, como você sabe, eu também convivi ainda mais tempo com o Barcellos e sou testemunha da genialidade desse nosso amigo e mestre.
Na sua discreção e aparente desinteresse, ele é realmente um gênio!
Infelizmente, muitas de suas ideias geniais e viáveis foram desperdiçadas, como você bem falou, pela pouca visão dos apedeutas que tinhamos como gestores!
Me surpreende que o tenha vencido no xadrez, pois o nível dele naquela época já era bem acima do comum!

JAIRCLOPES disse...

Leonel,
Por mais surpreso que você tenha ficado, imagine eu! Foi tanta a surpresa que "guardei" essa vitória para sempre, nunca mais joguei com ele, seria derrota certa.

Anônimo disse...

Ele deve ter compreendido, Jair. Aliás, sei o que você sentiu. Não importa como nem por quê, mas você conseguiu e isso te deixou feliz. Também não sou muito bom de xadrez, jogo bastante no computador mas sempre perco ou desisto antes da partida acabar.

Barcellos disse...

Caro Jair, boas festas! Recebi suas mensagens e a crônica na qual você me transforma num mestre do xadrez... Em breve, espero poder retribuir a gentileza, enviando-lhe um ou dois pequenos contos meus. Felicidades para todos os seus. Barcellos.