segunda-feira, 30 de abril de 2012

Florestas


Já tive oportunidade de me referir aqui à minha especial afeição pelas florestas. Seja o nome que for denominado o coletivo de árvores naturais: florestas, matas ou outros, me vejo sempre voltando ao tema. Talvez essa quase mania esteja ligada à minha infância, aos pinheirais e campos que cercavam a cidade de Palmeira onde nasci. Talvez seja também uma “lembrança” atávica relacionada às origens silvícolas de meu avô David, índio caingangue das margens do Iguaçu.
Bem, não importa, o fato é que florestas me parecem uma criação da natureza com claro intuito de reciclagem, ou seja, as matas naturais funcionam como complexos biológicos que devolvem oxigênio à atmosfera depois de absorverem o gás carbônico expelido pelos animais; e ainda arejam e fertilizam a terra com seus resíduos de folhas, galhos e troncos mortos. Isso sem contar que servem de abrigo e fornecem frutas, sementes e folhas como alimento aos animais. Árvores são pequenos laboratórios bioquímicos de extrema importância para os ciclos vitais dos seres do Planeta. Toda a fauna planetária está ligada direta ou indiretamente a flora, e essa é uma relação de mão dupla, os animais também contribuem para a saúde e sobrevivência das plantas na medida em que auxiliam na polimização, e alguns até protegem-nas contra predadores, embora esses predadores também sejam animais.
Daí que o Planeta, desde sua criação, foi desenvolvendo sistemas biológicos relacionados uns com os outros, formando um todo muito complexo que cria condições ideais para cada ser vivo que neles coabitam. Vale dizer, desde a mais ínfima bactéria até a baleia azul, maior mamífero do Planeta, passando pelas formas complexas dos demais vertebrados e dos organismos mais simples dos celenterados, todos estão relacionados. A vida vegetal, a vida animal e o reino mineral são partes do mesmo sistema Planetal. É um pouco forçado dizer que se uma borboleta bater as asas em Bangladesh poderá causar um furacão no Golfo do México, mas é inegável que há relações muito íntimas entre todos os seres, e as florestas funcionam como mediadoras entre muitos deles.
A floresta não é apenas um aglomerado de plantas, não é a reunião casual de árvores, arbustos e outros vegetais; é um sistema tanto complexo como desconhecido que a ciência só agora está prestando atenção. Só quando as florestas deixam de existir por terem sido dizimadas pelos homens é que se torna imperioso observar o quanto elas significam. O exemplo mais cabal e contundente do significado das florestas ficou patente quando se descobriu a história dos rapa nui, povo que viveu na ilha da Páscoa e que, um belo dia, se extinguiu para sempre. Sabe-se que, a despeito dos rapa nui terem construído estátuas de cabeças gigantes com chapéu, (moais) as quais adornam a ilha até hoje e servem como atrativo turístico para o mundo, eles não atentaram para a preservação de suas florestas e tornaram-se vítimas de sua incúria. Há registros fósseis e arqueológicos que o povo rapa nui, numa fúria insana de construir estátuas, cabanas, artefatos e embarcações, acabou com todas as árvores existentes na ilha e isso prenunciou o fim da civilização e da coesão social culminando com a extinção das tribos e das pessoas.
Assim se deram os eventos, segundo estudos recentes: Atestado por provas nas pedreiras lá existentes, sabe-se agora que os moais eram esculpidos aos pés do vulcão Rano Raraku – um dos três da ilha – e depois transportados a altares cerimoniais localizados à beira-mar, a dezenas de quilômetros de distância. Verificou-se que uma técnica bastante óbvia, mas de feito nefasto foi usada. Deitados, com as costas para baixo, os moais eram rolados sobre troncos de uma palmeira endêmica da ilha em um processo que poderia levar vários dias e consumir centenas de árvores. Graças ao furor religioso e à competição entre clãs, mais de mil estátuas foram esculpidas, o que levou à extinção, primeiro da palmeiras, depois das demais árvores. Esse fato aparentemente banal provocou uma reação em cadeia: sem as árvores, as aves migratórias, os mamíferos e até os répteis que se alimentavam dos frutos e que faziam parte da dieta dos ilhéus simplesmente sumiram. Pior, com o fim das florestas, fontes de matéria-prima para a construção de canoas, a pesca em águas ubérrimas, mas infestadas por tubarões também foi interrompida; construções de casas e confecção de artefatos e armas também se tornaram impossíveis. A morte da última árvore demarcou o ponto de inflexão a partir do qual a civilização rapa nui estava condenada à extinção.
Alguém pode fazer objeções quanto à conclusão que sem florestas um povo pode extinguir-se, lembrando que isso ocorreu num sistema fechado: uma ilha. Não é bem assim, ninguém pode afirmar que o fim da floresta amazônica, por exemplo, não trará consequências para os povos vizinhos da floresta de imediato, e em prazo mais logo para toda humanidade. Não devemos ser temerários a ponto de apostar num jogo desse porte, cujo resultado poderá ser extremamente desfavorável para os perdedores. Florestas evoluíram muito antes de o Homo sapiens dar as caras por aqui, de modo que quando surgimos, nos adaptamos a elas e não ao contrário. Desse fato se pode inferir que o desaparecimento da humanidade não acarretará qualquer ônus para as matas, já o contrário... Alguém tem dúvida que, se na ilha da Páscoa todos os humanos desaparecessem, as florestas nem notariam? Aliás, é lícito supor que elas passariam a estar mais saudáveis depois que o bípede predador se fosse. JAIR, Floripa, 20/04/12

10 comentários:

Leonel disse...

Muito interessante esta história do povo Rapa Nui, uma verdade que desmonta o mito de que os povos não civilizados não causam danos à natureza.
Num ambiente isolado como a ilha de Páscoa, o efeito daninho da falta de consciência dos humanos quebrou o equilíbrio ecológico, causando a própria decadência e extinção dos nativos.
No continente sulamericano, a baixa densidade demográfica, o gigantismo das florestas e a ausência de práticas sistemáticas como a dos monumentos Rapa Nui impediu uma destruição maior.
Abraços, Jair!

J. Carlos disse...

Até quando essa humanidade vai continuar ignorando (e ignorante) que faz parte de um conjunto maior chamado Planeta? Será que, como os Rapa Nui, o homem só vai perceber a burrada que fez depois que não houver mais jeito? Espero não viver para ver isso. Parabéns pela postagem.

Unknown disse...

Caro amigo,belo texto! Quanto à sua referência aos danos que a humanidade causa(no tocante ao texto, em especial, às florestas)dê uma olhada nesse diálogo de Matrix

http://www.youtube.com/watch?v=WxbeL6Ao-Lw

Muita paz!

R. R. Barcellos disse...

Amigo, reitero o apelo que eu e outros já lhe fizeram: desabilite essa maldita verificação de palavras.
Abraços silvícolas...

Professor AlexandrE disse...

Muito interessante sua postagem... Ela levanta a questão filosófica do 'que é ser civilizado'... Veio em boa hora, pois com toda essa polemica do novo código florestal, ja não sei mais definir o que é civilização na essencia do termo!

Abraços meu Amigo!

Tais Luso de Carvalho disse...

Muito interessante sobre essa civilização 'Rapa Nui' e como tudo se passou na Ilha da Páscoa, com aquelas enormes esculturas e sua história. Mas que método infeliz... conseguiram acabar com tudo em nome de oferendas e disputas.
E é claro que a única espécie existente que acaba com as outras somos nós. Se fôssemos excluídos do sistema, florestas e animais agradeceriam. Somos a escória do planeta. Estamos acabando com tudo e na base da crueldade, da burrice e da ânsia por enriquecer.

E vamu-qui-vamu... um dia a gente consegue acabar com tudo!
Abraços
Tais

JAIRCLOPES disse...

A maldita verificação de palavras foi desabilitada finalmente!

Luci disse...

Bom final do dia do trabalhador ,Jair!
Este texto,como muitos outros, mexem com os neurônios... Fiquei pensando em alguns adágios populares,como" Nada acontece por acaso".Pois então: o homem tem mania de se achar o todo poderoso em suas façanhas,tanto é ,que ali,edificaram cabeças enormes.Quem sabe,isso não está hoje servindo de alerta e lição para os que se sentem mandatários do podere, analisem mais sabiamente os fatos...Sim, pois não são apenas árvores que são derrubadas.No afã materialístico,as minas ,jazidas,animais... passam lentamente pelas mentes e mãos exploradoras dos insanos.Luci.

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
mais uma vez aprendi muito com esta postagem.
Desconhecia os detalhes dos Rapa Nui.
Aqui é blogue que Pensa e que ensina,
attico chassot

Daniela disse...

Excelente texto! Infelizmente, o homem se acha o dono do mundo e de forma egoísta, pensando em se beneficiar não importa o quanto tenha que tirar dele, e visando sempre o lucro financeiro. Esquece que o lucro que a natureza oferece (qualidade de vida, ar puro, alimentos, e a harmonia do planeta) não tem preço!!! O que aconteceu com os pinheiros da sua infância também mostra todo o desequilíbrio que trouxe à sua cidade (tanto social quanto economicamente, assim como ao ambiente), e que a relação de troca e de gratidão com a natureza não existe... me pergunto o que acontecerá se o mesmo ocorrer com as florestas! Como vamos respirar? Teremos que andar com aqueles galões de oxigênio nas costas? Sem as florestas, nada teremos e nada seremos!!