quinta-feira, 10 de março de 2011

Não existe almoço grátis


Muito bem, durante a crise do petróleo nos anos setenta, crise que assustou o público consumidor do produto e despertou a consciência das nações para o quanto eram dependentes do óleo extraído, em maior parte, de uma região instável politicamente e conflagrada por guerras recorrentes, o mundo ocidental não auto-suficiente se viu compulsado a adotar medidas que permitissem diminuir ou eliminar sua dependência do óleo oriundo do Oriente Médio.

Fora as pirotecnias demagógicas que muitos líderes adotaram como recomendar aos usuários que deixassem seus carros em casa, andassem de bicicleta ou a pé, houve medidas econômicas como aumentar o preço dos combustíveis de modo a tornar proibitivo que os mais pobres usassem seus veículos. A indústria automotiva botou a boca no trombone, ameaçou fechar muitas fábricas, – em alguns casos fechou mesmo – demitir gente e lembrou que isso diminuiria a arrecadação de impostos. Os governos acuados recuaram o mais das vezes, e tomaram medidas para buscar novas jazidas do produto ou fontes alternativas antes desprezadas. No Brasil intensificaram-se os investimentos na prospecção do óleo e, ao mesmo tempo, procurou-se aperfeiçoar tecnologia que permitisse uso do álcool como combustível de automóveis.

Como pioneiro na conversão de motores ao consumo de álcool, o principal problema das autoridades foi estimular os ricos usineiros a destinar partes substanciais de suas colheitas à produção do álcool combustível (etanol). Enquanto o governo promovia estudos econômicos para a produção em grande escala, oferecendo tecnologia e até mesmo subsídios às usinas produtoras de açúcar e álcool, as indústrias automobilísticas instaladas no Brasil na época - Volkswagen, Fiat, Ford e General Motors - adaptavam seus motores para receber o etanol. Daí, surgiriam duas versões no mercado: motor a álcool e a gasolina. Veja bem, DUAS versões de motores, versões diferentes porque álcool e gasolina são quimicamente diferentes e, como tal, NÃO PODEM queimar plenamente e, em consequência, fornecer plenamente seu potencial energético no mesmo motor. A engenharia mecânica, considerando que o álcool tem maior poder calórico e que o equilíbrio estequiométrico da gasolina é diferente do álcool, resolveu a adaptação ao álcool aumentando a taxa de compressão, desenvolvendo uma vela de ignição melhor, substituindo o óleo lubrificando por outro de melhor performance, mudando os materiais empregados na confecção de mangueiras, protegendo todas as partes que entram em contato com o novo combustível de forma que este não causasse corrosão. Algumas dessas adaptações podem ser consideradas perfunctórias e não alteram a queima da gasolina, outras melhoram o desempenho, mas a mais importante e irretorquível foi o aumento da taxa de compressão do motor. O etanol exige um taxa maior, sem a qual sua queima é imperfeita e fornece menos potência. Em contrapartida, a gasolina exige uma taxa menor, sem a qual sua queima é imperfeita e fornece menos potência. Um motor bicombustível é, no mínimo, uma máquina desequilibrada que fornece menos potência por litro de combustível queimado e, na pior das projeções, uma trapizonga construída para atender motivos econômicos-políticos inconfessáveis com disfarce de “bom mocismo” preocupado com o meio ambiente. Para lembrar, esses carros não poluem menos que os demais.

Então, caros proprietários de carros chamados flex, coloquem suas barbas de molho, como a história prova que não existe almoço grátis, é possível que os senhores estejam dirigindo carroças que terão a vida útil do motor diminuída em função desse milagre na forma de máquina que queima dois combustíveis tão diferentes e inconciliáveis. Devo esclarecer que faço essa advertência porque minha formação e prática de quarenta anos em mecânica me permitem dizer que ninguém conseguiu explicar essa maravilha de motor, essa entidade extraordinária que tem o dom da dualidade, que consegue extrair potência de dois comburentes discordantes. Para consolo dos usuários, existe o benefício do uso de um dos combustíveis sempre que o preço do outro não compensar, sempre que a relação de um para outro favoreça um dos dois, mas a problemática mecânica talvez não compense essa vantagem. Para não deixar dúvidas, devo dizer que meu carro é a gasolina, não sou contra carros a álcool e motores movidos a gás são tão bons quanto aos movidos a gasolina, afinal ambos são hidrocarbonetos, mas jamais compraria um carro flex. JAIR, Floripa, 21/02/11.

5 comentários:

R. R. Barcellos disse...

- É... sem contar as constantes variações na percentagem de etanol anidro, misturado à gasolina, a título de antidetonante... onde os critérios técnicos eram - e continuam sendo - os menos respeitados.
- Bela análise, Jair... um abraço.

Leonel disse...

O meu carro é um Palio motor 1.4 flex. Segundo o fabricante, o computador é capaz de identificar o combustível ou mistura levada até o motor e fazer certos ajustes na ignição. Mas, o que importa é que o motor é capaz até de suportar os malefícios do álcool. Usa taxa de compressão 10,35:1, ou seja, maior que a normal para gasolina e menor do que a ideal para o álcool.
O resultado visível disto é: você deve lembrar que, nos antigos carros a álcool, eles tinham visivelmente mais força do que os de mesma cilindrada a gasolina. Já neste carro, o desempenho com etanol não apresenta melhora sensível, pois consta que a potência aumenta apenas 1 cv (80 => 81).
Na realidade, eu só usei álcool na primeira vez em que o dirigi, pois não valia a pena ficar ferrando o motor do carro com álcool, diminuindo a autonomia sem ganho de potência nem economia no custo!
Meu carro é de dez/2005 (mod 2006) e o motor vai bem, obrigado! Parece um relógio! Nem saberia quando está ligado, se não tivesse o contagiros!
Completei agora 22.300 km rodados!
Talvez eu o troque por um com câmbio automático, pois dirigir aqui no Rio dá cãibras no pé esquerdo!
Mas, acredito que usando álcool a vida de qualquer motor seja menor! Nos antigos, era principalmente pela taxa de compressão bem mais alta!
O problema principal aqui é saber o que estão botando no seu tanque, porque tem de tudo...
Boa abordagem, Jair!
O título eu até já usei no meio de uma postagem minha, citando que você é, senão o autor, o usuário mais comum da frase!
Abraços!

J. Muraro disse...

Também acho que não existe milagre, a existência desses carros franskeinstein são obra de polpiticos macomunados com usineiros, mas que não resolvem problema de poluição nem de combustíveis alternativis. Tudo uma m...

Maria Emilia Xavier disse...

Foi bem bom eu vir até aqui, pois estou querendo trocar o carro do meu filho e estava bem tentada com o tal do total FLEX, mas meu filho estava meio desconfiado pois o "Canário", nosso mecânico desaconselhava. Agora já sei que ele, o mecânico, tem razão o melhor é ficar na gasolina. Obrigada pelo Post maravilha.

Anônimo disse...

Pois é. Primeiro foi incentivo para a compra de carro à alcool. Atualmente veio o flex, para poder optar entre etanol e gasolina. Ai chega-se à conclusão de que o melhor é a gasolina. Agora existe um problema sério. Os usineiros estão preferindo produzir o açucar ao invés de etanol, daí a alta do preço. O governo ameaçou sobre taxar o açucar para exportação, os usineiros responderam prontamente. Deixaremos de produzir açucar e etanol para produzir soja. Porém o governo quer que o povo utilize o etanol, pensando até em aumentar as taxas do carro à gasolina. Afinal, onde vamos parar? Que governo é esse? Os empresários estão cada vez mais ricos, e ditam as regras do jogo. Isso não é governar para o povo. Toda essa discussão é gerada por governantes que não impõe uma diretriz para as coisas. Assim é com tudo, e no final quem arca com as consequêncis é o consumidor.