quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Sobre gerações


Minha geração, sessentona com filhos já gerando netos, caracteriza-se, entre outras peculiaridades, por ser limítrofe entre os não usuários da informática e os que já a utilizam praticamente desde o momento que nascem. Claro que fomos nós que desenvolvemos as tecnologias as quais as gerações mais novas incorporaram aos seus modus vivendi, apenas somos menos usuários, porque ainda somos do tempo em que o quadro negro e o giz eram os meios mais ordinários de explanação numa sala de aula; Nos escritórios e repartições escrevíamos com máquinas de datilografia e, quando crianças, usamos até canetas tinteiro.

Podemos nos espantar em ver nossos filhos e netos se divertirem com tanta familiaridade com brinquedos eletrônicos, com jogos cheios de desafios, que nós da geração Atari não experimentamos na nossa infância e adolescência. Às vezes, chegamos até a afirmar que as crianças de hoje são mais inteligentes em comparação conosco em nossa infância. Admiramos crianças de 5, 6 anos manuseando computadores, comunicando-se com linguagens outras, desafiando truques eletrônicos que necessitam de raciocínio rápido, absorvendo sem quaisquer dificuldades uma gama incalculável de informações e processando-as facilmente. Como fazem isso se nós nunca o fizemos?

Pode parecer que as crianças de hoje são muito mais “espertas” e inteligentes que as de nossa geração, mas devemos lembrar que nossos pais também se orgulhavam de seus filhos brilhantes e criativos. Éramos tão “espertos” como os filhos atuais, só não tínhamos os mesmos meios e tecnologia. Pode parecer que a geração informatizada deu um salto evolutivo enorme e inexplicável, mas se observarmos com atenção veremos que não é o caso.

O que devemos levar em conta é que, ao lado da evolução natural dos seres vivos, a qual se dá em milhares de anos através do acúmulo de pequenas mutações, existe a evolução não natural que “força” a adaptação a um novo ambiente. Desde o princípio da sociedade humana o homem usou meios de evolução não natural para adaptar animais ao seu cotidiano. Fez isso com aves, mamíferos e até insetos como as abelhas e o bicho da seda. Ele próprio, o homem, sem o saber, também sofreu e sofre forças externas que o obrigam a adaptar-se ao novo, seja esse novo decorrente de condições alteradas de clima, ou seja por obra do próprio homo. Por exemplo, durante as eras glaciais os humanos foram compulsados a pensar em abrigos resistentes ao frio, novas fontes de alimento, roupas e utensílios adaptados ao clima adverso, sob o risco de se extinguirem. Se um homo pré era glacial visse seu equivalente sobrevivendo naquele mundo gelado, certamente pensaria que o potencial esquimó era muito “inteligente” por ter desenvolvido toda aquela “tecnologia” que ele, homem que vivia nu ou quase nu, não teria condições de fazê-lo.

Obviamente, não podemos afirmar de pés juntos que as adaptações evolutivas não naturais alteraram os HDs dos seres a elas submetidos, quando muito seus programas sofreram upgrades que os tornaram mais ágeis e completos. Não há base científica para provarmos que o cão doméstico ou a vaca leiteira são mais inteligentes que seus similares selvagens. Também é veleidade dizer que o homem contemporâneo é mais inteligente do que o homem das gerações de Shakespeare ou de Leonardo Da Vinci, por exemplo, até porque eles são dois exemplos cósmicos de inteligência superior. Não é estultice inferir que uma criança da era vitoriana, submetida aos estímulos certos, seria tão capaz de operar com desenvoltura um computador de última geração como o fazem as nossas do século vinte e um. Num experimento hipotético, se importamos uma criança das selvas de Nova Guiné e a colocarmos em contacto bem precoce com a informática, seu desempenho e interação com a máquina será indiscernível do desempenho de uma criança urbana de qualquer cidade grande do século vinte e um. Assim, tanto espacial quanto temporariamente somos os mesmos, geração após geração.

Então como se explica esse abismo colossal entre gerações pré e pós informática? Ou qualquer outro “salto” evolutivo entre quaisquer outras gerações? Simples, nossa capacidade cerebral é desconhecida, só sabemos que sempre temos uma reserva técnica no nosso HD, e que essa reserva pode ser usada sem limites durante nossa fase mais fecunda de aprendizado, dos zero aos seis anos de idade. Veja bem, não me refiro a gente com QI acima da média, falo de pessoas normais, pessoas como eu e você, as quais têm capacidade cerebral não utilizada, e que, com algum esforço, podem superar qualquer obstáculo intelectual que se apresente. A diferença entre um adulto e uma criança é que o intelecto do adulto, como uma casa cheia de móveis e trastes inaproveitáveis, tem mais dificuldade em encontrar o espaço em branco onde armazenar novos dados, mas que esse espaço existe não há dúvidas. Já, a criança, ainda não atulhou suas salas de bagulhos de modo que seus espaços brancos estão bem “visíveis”, bem acessíveis.

Isso me faz lembrar de minha professora de português no ginasial, dona Maria Jamur. Ela era famosa pela ortodoxia como tratava a língua pátria e pelo rigor disciplinar que aplicava a seus discípulos. Não foram poucos os alunos que saíram traumatizados de suas classes, e até hoje a tem como castradora e despótica. Eu não a vejo assim, pelo contrário, foi graças a suas exigências que hoje sei escrever razoavelmente bem e jogo xadrez que aprendi com ela. Bem, não era esse o assunto, minha intenção é apenas situar nossa capacidade de aprendizado. Pois é, dona Maria Jamur, além de professora rigorosa, gostava de citar frases, nada original, é claro, mas bem de acordo com suas idiossincrasias. Por exemplo: “Se você não tem educação, pelo menos finja que tem”, e outra, “O saber não ocupa lugar”. É isso aí! Dona Maria sabia o que estava dizendo, nosso cérebro nunca estará ocupado demais, sempre teremos espaço para aproveitá-lo, o saber, na prática, jamais esgota a capacidade de nosso HD, apenas somos preguiçosos demais para explorá-lo, ou não vemos necessidade de fazê-lo, mas somos tão capazes quanto quaisquer gerações que consideremos, da pré-história, da era medieval, de hoje, de amanhã, da Europa, da Ásia, da África ou de Congonhas do Campo. JAIR, Floripa, 15/09/10.

4 comentários:

Entrevidas disse...

Se voce não tem educação pelo menos finja que tens. E se não aprendemos de criança façamos agora. Meu abraço sincero. Amelia

R. R. Barcellos disse...

- Dizem os entendidos que a memória humana funciona como a de um computador (ou será o contrário?). Temos a RAM, volátil e de curto prazo, da qual pinçamos somente as lembranças que nos interessam, copiando-as para o HD do cérebro, onde elas permanecerão por tempo indeterminado, podendo mesmo terminar na lixeira por falta de uso.
- Por isso (acho eu), a facilidade com que nossos netos se adaptam a esse mundo maravilhoso e repleto de informações úteis e inúteis. Que não se esqueçam de esvaziar a lixeira de vez em quando...

Anônimo disse...

Fazendo um adendo, lembro que educação, cultura, raciocínio e respeito, são completamente distintas.

Cabe aos leitores e escritor, fazerem uma auto-análise para observar quais requisitos preenchem e quais deveriam ser aperfeiçoados.

Abraço, Manoel

Leonel disse...

Jair, o "HD" do ser humano tem uma qualidade única que é ter uma capacidade indeterminada. Às vezes, parece ser de natureza elástica, pois quanto mais dadoscolocamos nele, mais dados parecem caber!
Concordo inteiramente com você, pois acho que é tudo questão de estímulo para surgirem novas capacidades no cérebro.
Acredito que a criança nascida na era vitoriana, mas criada no ambiente atual, exposta aos estímulos das tecnologias vigentes, desenvolveria seu processamento cerebral da mesma forma que as crianças da nossa época.