segunda-feira, 12 de abril de 2010

VIKTOR NAVORSKI, O PAGADOR DE PROMESSAS


Viktor Navorski é um cidadão da Europa Oriental que viaja a Nova York para cumprir promessa que havia feito a seu pai, - já falecido e grande apreciador de jazz, - de conseguir autógrafo de jazzista americano. Zé do Burro é um pobre camponês do interior da Bahia que tem seu jumento atingido por um raio e acaba indo a um terreiro de candomblé, onde faz uma promessa a Santa Bárbara para salvar o animal. Estes são os argumentos de “O terminal” e “O pagador de promessas”, dois filmes que não poderiam estar mais distantes um do outro, no tempo e no espaço. O “Pagador” filme brasileiro de 1962 dirigido por Anselmo Duarte, baseado em livro de Dias Gomes; o “Terminal” película americana de 2004 com direção de Steven Spielberg, estrelado por Tom Hanks no papel de Viktor Navorski.

Pois bem, por que essas duas referências cinéfilas encontram-se no mesmo texto? Por que estórias de dois mundos tão díspares ocupam o mesmo espaço? Para tais perguntas a resposta pode ser uma só. Desde muito tempo venho prestando atenção nas estórias veiculadas em livros, revistas, cinema e televisão e percebo que não existe estória nova, nada se inventa, nada existe de original, existe apenas reciclagem do que já foi escrito antes. Assim, a mocinha pobre casa com o sujeito rico e boa gente, reciclando a gata borralheira; o sujeito pobre, mas bem intencionado, se dá bem no fim das contas, é o sapo/príncipe; O bem faz contraponto com o mal e sempre o vence; Há justiça no fim do túnel, justiça divina existe e sempre prevalece.

Assim, Navorski e Zé do Burro, embora protagonistas anos-luz distantes um do outro, compartilham a ingenuidade de acreditar na nobreza da alma e na justiça dos céus, suas promessas estão de acordo com essas premissas. O que une seus papeis é a determinação de cumprir promessas mesmo com sacrifício acima do razoável; com ônus que lhes trazem aborrecimentos porque as sociedades nas quais se inserem não conseguem entender essa obstinação com coisa tão sem sentido, tão banal. Carregar uma cruz por quilômetros porque o burro foi salvo? Viajar a Nova Iorque para encontrar um cantor de Jazz que pode até estar morto? Onde está a lógica disso? Cadê a razoabilidade? Não. A sociedade se sente desconfortável com motivações tão pouco sensatas. Contrariando essa ortodoxia exigida pela sociedade, os personagens seguem em frente de acordo com seus desejos ditados por convicções íntimas, não se enquadrando no status quo vigente. Podemos dizer que tanto Viktor do Burro, quanto Zé Navorski encarnam o homem-ideal, o bom selvagem ingênuo de Rousseau, aquele para o qual o mundo é feito de fé e logicidade a qual traz em seu bojo, probidade e ética.

A boa fé e, guardadas as diferenças, a crença “religiosa” de ambos os personagens contrasta com o mundo hostil e cético que os cerca; contrasta com o senso comum o qual assume que não se viaja de um continente a outro para pegar um autógrafo; que não se carrega uma cruz nas costas de uma cidade a outra por causa de um burro. O burro do Zé e a esperança de cura, juntamente com o cantor de Jazz e o autógrafo esperado por Navorski, são os motes que determinam suas buscas obstinadas carregadas de uma simplicidade difícil de entender para o homem médio, na sociedade média na qual vivemos. Contudo, é precisamente aí que se encontra o mais profundo significado da fé do homem... no homem: O mundo é linear e cartesiano, não há embustes ou meandros obscuros que confundem a mente; uma vida minimalista e pura onde tudo é simples determina a conduta do homem-ideal, o bom selvagem sem malícia, cujos sonhos e aspirações são possíveis. E ambos os personagens se fundem formando a essência da criação divina perfeita que irá redimir a humanidade. JAIR, Floripa, 12/04/10.

3 comentários:

Leonel disse...

"Nada se creia, tudo se copeia, já dizia um velho deitado."
Problemas de fé à parte (gostei do debate de bom nível provocado pela sua última matéria), eu gostaria de ver um artigo que falasse dessas reedições de idéias em livros e principalmente em filmes. Muitos filmes que aparecem em cartaz são refilmagens de outros antigos, às vezes pela terceira ou quarta vez, e a nova geração nem desconfia.

R. R. Barcellos disse...

Tirante os adeptos de rinhas e touradas, e os pobres de espírito, nós humanos nos ressentimos do mundo vicioso que nós próprios criamos. Por isso, nos tornasmos dependentes de doses cada vez maiores de fantasia, onde o bem sempre vence o mal e a luz sobrepuja as trevas. Pouquíssimos são os que conseguem transformar o sonho em realidade.

Anônimo disse...

Gostei bastante desta analogia entre os dois filmes.
Talvez a falta de uma nova narrativa 100% original seja porque o homem em si eh um ser limitado por seus defeitos e qualidades. A busca do prazer e a fuga da dor, bem ou mal, explica tudo o que fazemos na vida, nao eh nao?

Ass. Californiano