sexta-feira, 24 de julho de 2009

UM OLHAR SOBRE BARILOCHE


Este texto, escrito na ocasião de uma viagem a Bariloche, eu o encontrei nos meus arquivos e, como não tinha sido publicado, resolvi fazê-lo, pois, a mim, parece que estendi um olhar menos “turístico” sobre uma região notadamente fequentada por pessoas que estão apenas determinadas a se divertir sem olhar ao redor.
BARILOCHE
Penso que a idade, se nos penaliza com a deterioração dos músculos, a flacidez da epiderme e o mau funcionamento dos órgãos, causando-nos males múltiplos, beneficia-nos com a acuidade dos sentidos e a exacerbação da sensibilidade, permitindo-nos desfrutar das pequenas coisas com mais prazer e intensidade. Assim, justifica-se que uma pessoa como eu vá a um lugar quase só freqüentado por “emergentes” e deslumbrados, visto que a idade me confere a capacidade de ver, olhar, perceber, sentir, gozar e curtir pequenas (e grandes) coisas com olhos de quem já viu muito, mas não tudo, e tem consciência que nada sabe. À parte a estação de inverno que nos negou uma nevada, a Patagônia mostrou-se quase outro planeta de tão diferente, fascinante e surpreendente. Fomos de ônibus de Foz do Iguaçu até Buenos Aires numa primeira etapa, e de Buenos Aires a São Carlos de Bariloche em seguida, numa viagem de mais de quarenta horas. Daí já dá para deduzir quanto foi possível observar da região. A cidade de Bariloche situa-se à margem de um lago de água doce com noventa e três quilômetros de comprimento e quatorze de largura na sua parte mais larga. Esse lago, cujo nome é Nahuel Huapi em idioma “patagonês”, que numa tradução livre significa Ilha do Tigre. Já que não existem tigres na região supõe-se que os primeiros exploradores confundiram o puma, desconhecido deles e muito abundante no lugar, com o tigre, e traduziram Nahuel por tigre, coisas da história. Esse lago, como todos da região, foi formado pelo degelo da última glaciação, cerca de dezesseis mil anos atrás, e é alimentado por degelos da primavera e chuvas que caem com grande intensidade durante o inverno. A profundidade média do lago é de duzentos e sessenta metros e sua maior profundidade conhecida é de quatrocentos e setenta e quatro metros. A temperatura média de suas águas situa-se em torno de doze graus, e no verão chega a dezessete, o que permite a muitos turistas audaciosos curtirem uma praia. É muito piscoso e foi repovoado com salmões e trutas européias, no começo dos anos trinta do século passado. A pesca só é permitida entre novembro e março, e assim mesmo só pesca esportiva com dois peixes, de certo tamanho mínimo, por pessoa por dia. Fizemos uma viagem de um dia por esse lago e mais um chamado Lago Frias, quando pudemos observar as paisagens de cartão postal, a flora e a fauna, constituída quase só por aves aquáticas como gaivotas e cormorões. Os lagos menores (dez quilômetros de extensão) como o Frias, costumam congelar no inverno, os maiores não. O passeio mais prazeroso foi a uma floresta chamada “Valdiviana” por ter seu epicentro na cidade de Valdívia no Chile. Por incrível que possa parecer, trata-se de uma “rain forest” em plena zona semi-antártida, é a floresta mais austral do mundo. Acontece que o encontro das massas de ar quente e úmido do continente colidem com a cordilheira fria, condensam e formam umas das maiores precipitações pluviométricas do planeta, cerca de 4000 mm, algo só comparável às monções da Ásia. Por ser uma floresta úmida, sua fauna e flora são muito variadas sendo possível encontrar muitas espécies de coníferas, algumas até produzem pinhões, e uma, em particular, parece uma sequóia com mais e sessenta metros de altura. Vimos uma dessas “sequóias” com mais de mil e quinhentos anos, devidamente comprovados através da contagem de seus anéis de crescimento. Uma variedade de “barba-de-velho” amarelo-ouro, nasce em uma conífera e lhe confere um visual bem destacado entre as demais árvores. É endêmico, como quase todas os vegetais ali encontrados, um nefasto cogumelo chamado “lau lau”, que “ataca” grandes árvores, causando-lhes uma espécie de câncer, chamados “nudos” pelos patagônicos. Esses nudos, depois das ávores mortas, são usados na confecção de artesanatos os mais variados como, cinzeiros, pés de abajures, estatuetas e pequenos objetos de decoração. Abundante e contraditória é a existência de uma espécie de bambu, gramínea que costuma crescer em florestas tropicais e temperadas, no meio das coníferas. Esse bambu, que até passado recente era usado para a confecção de “sticks” de esquis, é completamente amarelo, maciço e muito resistente. Pasmem, existem beija-flores na floresta! Apesar dos menos vinte graus centígrados, que às vezes acontecem no inverno, os beija-flores sobrevivem por que há uma espécie de arbusto que só floresce no outono e inverno. Outros animais ou migram ou hibernam durante o frio intenso. A floresta está situada dentro de um parque nacional criado em 1903, bem cercado de leis e bem protegido por guardas florestais. Foi muito interessante uma visita ao museu de história natural da Patagônia. O museu está impecavelmente montado, didática e cronologicamente. Desde fósseis da era pré cambriana, passando pelos artefatos como canoas, utensílios domésticos, armas, enfeites, instrumentos musicais, vestimentas de couro e objetos variados dos primeiros patagônicos, e indícios da chegada dos espanhóis como, contas de vidro e espelhos usados nas trocas com os nativos, armas de fogo, armaduras, lanças, elmos e vestimentas, até a recente integração, por volta de 1880, da região à Argentina atual. A flora e a fauna também estão muito bem representadas com bichos empalhados, descrições e amostras vegetais. Merece um registro especial a “integração” da Patagônia executada, principalmente, por Francisco Pascasio Moreno, conhecido por Perito Moreno, uma mistura de Barão do Rio Branco com Marechal Rondon, já que além de ser um demarcador de terras, atuava também na área diplomática, conciliando interesses fronteiriços da Argentina e Chile na contestada região. Perito Moreno tem hoje seu nome perpetuado em diversos acidentes topográficos como glaciares, lagos, rios, ilhas etc por sua destacada atuação, em meados do século dezenove, na demarcação dos limites territoriais dos dois países, e na forte influência que exerceu para a criação do primeiro parque nacional da Argentina. Parece que ele era um apaixonado pela natureza, pois expressou a vontade de ser sepultado numa pequenina ilha do lago Nahuel Huapi, que hoje ostenta uma cruz branca bem visível para os barcos que passam, e onde todos apitam três vezes e fazem um minuto de silêncio ao passar. Sente-se uma coisa mística, como se a alma do herói estivesse pairando sobre tudo, e seus atentos e amorosos olhos a todos observassem. Causou-me uma impressão estranha e duradoura. Como estou numa fase, digamos, botânica, aproveitei para trazer algumas mudas e sementes de plantas nativas da região para ver se as reproduzo nas condições floriaonopolitanas e as transformo em bonsais. É uma experiência que me vejo compelido a fazer. Como passeios mais fúteis, mais turísticos e menos comprometidos culturalmente, fomos a uma fábrica de chocolates caseiros ao estilo suíço, um restaurante com cantor de tango e a um cassino, vejam só!. O retorno foi feito por via aérea por que a via terrestre é muito longa. JAIR, Floripa, 15/06/04.

5 comentários:

Beth Cerquinho Artesanando a Vida!! disse...

È verdade Jair e olha que nem tinha reparado nisso..rssss
Brigadão pela visita e volte sempre.
Abraço

angela disse...

Boa observação Jair, fui vendo a região enquanto lia.
Conseguiu fazer os bonsais?
Beijo

* Edméia * disse...

*Jair, tô aqui conhecendo o teu

blog e apreciando muito !!!

*Parabéns !!!

*Jair, aproveito para TE

AGRADECER pelo teu comentário no

*Caderninho !!! (*Apareça sempre

que quiseres dar um pouco de

risada, aliviar a tensão a qual

todos nós estamos expostos neste

desenfreado dia-a-dia !!! ).

*Jair, também adoro

ouvir "Bolero de Ravel" !!! *É

simplesmente BELÍSSIMOOOOOOOOO !!!

*Ótimo final de semana !!!

*Fiques com Deus.

*Um abraço.

Eu disse...

Oi Jair !

Cheguei aqui através do blog Amor aos animias, da Regina.
Moro na Holanda há 6 anos e sou definitivamente protetora dos animais.
Criei um blog com esse fim, mas, exporadicamente poderei publicar textos ou fotos sobre minha vida aqui. O objetivo mesmo é o bicharedo !
Gostaria de tomar a liberdade de linkar seu blog nos meus favoritos.
Fica convidado a me visitar.
Abs,

Susana

Jorge disse...

Nunca estive em Bariloche, mas, depois deste texto fiquei com vontade ir lá.