sexta-feira, 15 de junho de 2012

Inferno


Vez ou outra as mídias abrem espaço para mostrar a Coreia do Norte e suas excentricidades, incúrias e aberrações, seja porque os militares norte-coreanos bombardearam uma pequena ilha da Coreia do Sul matando civis, ou porque torpedearam um navio no mar Amarelo matando todos os tripulantes e passageiros. No dia 17 de dezembro de 2011 ocorreu a morte do líder norte-coreano Kim Jong-il, o qual herdara a liderança do país de seu pai, Kim Il-sung, estabelecendo uma estranha dinastia que se diz “militar-partidária-comunista”, nessa ordem. Agora quem comanda a máquina de opressão àquele povo é o filho mais novo de Jong-il, Kim Jong-un, o qual, dizem, estudou ma Universidade de Princeton, mas é tão ou mais cruel e elitista que seu pai.
Pois é, embora o estranho regime desse país seja um dos mais fechados e despóticos do mundo, graças as suas fronteiras, ao norte com a China e ao sul com a outra Coréia, algumas informações têm saído para o exterior através dos desertores que conseguem vazar para esses vizinhos. A partir da década de noventa do século passado houve uma terrível crise de fome em consequência da centralização absoluta da agricultura que não conseguiu superar a falta de fertilizantes depois que a Rússia deixou de fornecê-los. Daí, meio que para contornar a fome que matava centenas de pessoas por dia, o regime começou a fazer vistas grossas quando milhares de desempregados, sem quaisquer perspectivas, cruzavam a fronteira rumo à China numa região que é, desde o término da guerra em 1953, habitada por coreanos deslocados. Embora as regiões agrícolas da China sejam paupérrimas em contraste com as cidades grandes como Beijing, por exemplo, para os coreanos é muito melhor trabalhar como escravos para aqueles agricultores em troca de comida, do que morrer de fome na Coreia do Norte.
Desde 1990, a Coreia do Norte tem sido incapaz de cultivar ou distribuir alimentos em quantidade suficiente para suprir as necessidades de sua população. Em meados da década de 1990 a fome matou mais de um milhão de norte-coreanos. Esse desastre só foi aliviado quando o fechado governo concordou em aceitar auxílio internacional. Num estranho contorcionismo ideológico, os EUA continuaram a ser o “demônio” que quer o fim de todos os norte-coreanos, ao mesmo tempo que se tornaram o maior doador de alimentos, equipamentos agrícolas, fertilizantes, combustíveis (o país não produz petróleo) e remédios. Por outro lado, mesmo que tecnicamente a guerra com a Coreia do Sul não tenha terminado ainda, pois o que há entre os dois países é apenas um cessar fogo, esta se tornou o grande esteio sobre o qual se apóia a Coreia do Norte para não naufragar de vez na fome total, aquele país, desde a década de noventa, envia centenas de milhares de toneladas de alimento aos famintos norte-coreanos.
A Coreia do Norte precisa produzir mais de cinco milhões de toneladas de cereais por ano para alimentar seus mais de 23 milhões de habitantes, mas, todos os anos tem déficit em torno de dois milhões de toneladas. Durante o regime comunista na URRS, o déficit produtivo da Coreia era compensado pelas maciças importações a preços subsidiados, depois que a cortina de ferro se rompeu, os subsídios cessaram e a economia centralizada do país desmoronou.
Em 2008, quando uma nova liderança em Seul cortou a ajuda que fazia à Coreia do Norte, em forma de fertilizantes gratuitos, o regime tentou fazer em regime nacional o que vinha fazendo a décadas nos campos de trabalhos forçados. Os cidadãos foram instruídos a fabricar toibee, um fertilizante a base de cinzas misturadas com excremento humano, ou seja, merda e cinza passou a ser a redenção nacional. Nos últimos anos, merda foi recolhida de banheiros públicos em cidade e vilas de todo o país. Fábricas, empresas públicas e bairros inteiros receberam ordens de recolher os dejetos e produzir duas toneladas de toibee por mês, segundo uma organização filantrópica budista que tem informantes clandestinos no país. Mas esses fertilizantes não atendiam e não atendem nem em quantidade nem em qualidade as necessidades da agricultura, de forma que a fome continua e até se agrava em certas regiões.
Na primavera de 2010, quando a escassez de comida voltou a se tornar mais severa ainda, o governo tentou convencer os citadinos a voltar ao campo e se dedicar a agricultura. Claro que, cidadãos não afeitos as lidas do campo não estavam habilitados a promover uma “revolução verde” como queria o regime, o plano tem sido um fracasso total e a fome se agrava.
No momento, 2012, dezenas de milhares de norte-coreanos se dirigem a fronteira da China onde pretendem trabalhar até conseguir algum dinheiro para migrar para a Coreia do Sul onde, segundo uma lei aprovada em 1953, receberão certificados de cidadãos e terão todos os direitos dos nativos. Não esquecendo que a economia da Coreia do Sul é 32 vezes maior que de sua congênere que professa um regime “militar-partidário-comunista”, que gasta mais de 5% de seu PIB em despesas militares, se empenha em possuir armas nucleares, mas tem um dos índices de desenvolvimento mais baixos do Planeta, sem contar que é um povo triste e depressivo que só ri ou chora sob comando do regime.
Além do mais, o regime faz lavagem cerebral nos cidadãos convencendo-os que vivem no melhor país do mundo, uma espécie de paraíso na Terra. Paraíso que mantém campos de prisioneiros há mais de cinquenta anos, onde os supostos inimigos do ditador de plantão são internados por toda a vida sem qualquer chance de um dia sair, onde os filhos dos prisioneiros nascidos nos campos são automaticamente inimigos da aristocracia que manda no país e também jamais saem detrás de suas cercas eletrificadas. JAIR, Floripa, 14/06/12.

4 comentários:

Leonel disse...

Uma boa mostra do que uma ideologia utópica pode fazer, quando usada por pessoas com sede de poder e sem nenhuma consideração pelo seu próprio povo!
E, ao seu lado, a Coréia do Sul, um país com o mesmo povo, que, depois que se libertou dos corruptos governos-fantoches subsidiados pelos EUA, alcançou o desenvolvimento através de uma chave chamada EDUCAÇÃO!
Tem gente querendo seguir o primeiro exemplo!
Excelente e esclarecedora matéria, que deveria aparecer em alguns órgãos de imprensa, para informação do povinho!
Abraços, Jair!

J. Muraro disse...

Se podemos chamar assim, a "cortina de bambu" esconde um dos crimes mais hediondos do mundo: Crime contra a humanidade. Bom texto, parabéns.

Attico CHASSOT disse...

Jair.
um paradoxo:
:exército imenso e armado e povo faminto, no século 21
achassot

Professor AlexandrE disse...

A Coréia do Norte é uma das poucas nações que ainda perpetua a herança autoritária da ex U.R.S.S., com a possivel queda dessa ditadura num futuro próximo, o processo de ocidentalização o lado de trás da cortina de ferro estará completo...
Texto de alta qualidade!

Parabéns;
Abraços...