quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sobre sociedade



Nos textos que escrevo e, em grande parte nos que leio, quando se trata de considerar o Homo sapiens nas suas relações com os semelhantes e nas atividades que culminaram na construção do que costumamos chamar de civilização, sempre aparece o termo sociedade. Mas o que é sociedade, realmente? Na verdade, essa palavra é usada com ampla gama de conotações dentro de qualquer texto que a ela se refira e não há uma resposta definitiva, direta, simples que a defina. Sem complicar muito, podemos dizer que sociedade engloba os conjuntos de pessoas agrupadas em situações comuns de existência, isto é, comunidades. Exemplos mais comuns de sociedades, famílias, vizinhanças, trabalho, escola, bairros, cidades, etc. Os indivíduos, menores unidades das sociedades, têm comportamento influenciado por cada categoria dessas células as quais pertença. Assim, um indivíduo que é casado, com filhos na escola, torcedor de certo time de futebol, que vive em tal cidade e tal bairro e é militar, por exemplo, se comportará de acordo com o quantum que cada uma dessas categorias sociais o influencie nos seus relacionamentos, vale dizer, a vida social da pessoa é o somatório de suas atividades, trabalho, família e opções que fez. Qualquer indivíduo pertencerá a várias categorias sociais ao mesmo tempo, ninguém é só torcedor do Flamengo, ou só engenheiro, por exemplo. A melhor maneira de explicar a complexidade das relações sociais é através da teoria dos conjuntos, a qual explora as superposições e interações dos vários segmentos de um universo considerado.

Os sociólogos costumam atrelar à sociedade, seja no sentido amplo de uma nação ou país, seja no sentido restrito de células menores que se inserem no conjunto maior, os rótulos da cultura que lhes são implícitas. Assim, as sociedades se regem pela cultura, por um modus vivendi comum partilhado pelos membros que a compõe. Alguns sociólogos se socorrem de uma metáfora: A sociedade é um esqueleto, que preenchido com músculos e nervos (cultura) se torna um ser completo. Costumo ver os homens como tijolos virtuais que se unirão para formar uma construção (sociedade), o cimento que os une é a cultura.

As ditas sociedades primitivas, em geral são chamadas de igualitárias, porque os sujeitos que as compõe não são separados economicamente, ninguém é mais rico ou mais pobre, se há diferenças, estas estão relacionadas às divisões naturais como família, idade e sexo. Em geral, nas sociedades igualitárias não há domínio de uns sobre outros, o máximo que há é ascendência, ou seja, os mais velhos têm ascendência sobre os mais novos, nada mais. Ou, nas sociedades machistas, os homens têm ascendência sobre as mulheres e, numa sociedade matriarcal, naturalmente, seria ao contrário. Não há dominância como patrões e empregados ou senhores e escravos como em sociedades mais complexas.

O problema é que sociedades igualitárias são meras utopias, a esmagadora maioria das sociedades são desigualitárias, isto é, existem níveis sociais que são determinados pelo poder econômico e este gera poder político, o que, de modo geral, significa dominância de certas classes sobre outras. Fácil de entender o porquê dessa hierarquia: grana gera poder e este gera leis. Não se pode esperar que aqueles que fazem leis sejam desprendidos a ponto de fazê-las contra si próprios, tolhedoras de suas iniciativas e ações. A burrice não é um dos predicados das classes dominantes, se as letras das leis a todos contemplam, sua aplicação depende da interpretação de quem tem o poder, daí querer que ricos e pobres sejam iguais é outra utopia, para não dizer estultice.

O poeta inglês, John Donne, disse: “Nenhum homem é uma ilha”, e o homem na sua evolução social, não deixa de dar razão ao poeta, em qualquer circunstância agrega-se, junta-se a outros, forma grupos. Pessoas são ímãs com polaridades invertidas, sempre se atraem. Foi essa tendência agregacionista dos homens que lhes permitiu unir suas forças, seus intelectos e suas habilidades que resultou na construção de sociedades que, entre outras benesses, lhes trouxeram qualidade de vida, e o ócio necessário às lucubrações construtivas. Em sendo ilhas, os homens não teriam sobrevivido, as sociedades não existiriam e a humanidade estaria extinta para sempre. Por mais deletérias que algumas relações sociais sejam, as sociedades ainda são a única maneira do homo se perpetuar na face do Planeta. JAIR, Floripa, 23/09/10.

3 comentários:

Leonel disse...

Jair, oportuna sua abordagem! Que as classes dominantes moldam as leis e costumes de acordo com seus interesses mais particulares é um fato.
Mas, por que alguns estão nesta classe e não na dos mais pobres? Além dos que já nasceram filhos de ricos, há os que ascenderam econômica e socialmente pela sua capacidade de ganhar dinheiro, seja por meios lícitos ou ilícitos. E esta capacidade, somada a alguns fatores aleatórios ou pseudo-aleatórios é que diferencia os homens numa sociedade de economia aberta e torna utópicos os sistemas baseados na "igualdade". As pessoas, embora tendo os mesmos direitos e deveres, (supondo que isto acontecesse sem as distorções que nós conhecemos) acabam se diferenciando nas suas escolhas, e isto tem efeito determinante no seu sucesso, seja em que ramo for. Os sistemas que pretendem ser "justos", nivelando a todos, na verdade são injustos com os mais capazes, que são impedidos de se valerem de suas habilidades para progredir economicamente.
Por isto, sistemas assim tiram o incentivo ao desenvolvimento das capacidades do indivíduo, premiando a mediocridade.

R. R. Barcellos disse...

- Excelente matéria, Jair! Belíssima análise, Leonel!
- É fato que o dinheiro e o poder caminham de mãos dadas... e isso faz parte da natureza humana, feliz ou infelizmente.
- Tenho para mim que é necessária uma certa tensão social, ou desigualdade, para promover o progresso - não só material, mas até mesmo espiritual da humanidade.
- Mas como frisou o Leonel, a mobilidade vertical é importante, para que haja uma distribuição menos injusta de oportunidades.
- O que vemos hoje é a exacerbação dessas desigualdades, por conta da ambição desmedida do binômio poder e riqueza.
- Se alguma instituição resolver levantar a "pirâmide de renda" de nossas sociedades, vai deparar-se, certamente, com a imagem de um alto minarete instável, apoiado sobre uma plataforma imensa e baixa, equilibrando-se precariamente a golpes de mendacidades legais.
- Abraços.

- P.S: incluí seu prefácio na segunda edição de Os Sete Ramos de Oliveira. Há também informações novas no apêndice 4, sobre o local, que talvez interesse aos amigos.

Camila Paulinelli disse...

Olá,
Me lembro nas primeiras aulas de Introdução ao Direito, quando tratamos do assunto Direito e indivíduo, como este e aquele iam se difundindo obrigatoriamente na formação de uma sociedade. O homem não é uma ilha mas talvez algum possa ser chamado de península por fazer uma pequena ligação com o próximo e por conseguinte, com a sociedade. Seres que preferem ou que não têm outra alternativa a não ser desviarem o rumo padrão em que a sociedade toma não querendo ou não podendo fazer parte dela: "à margem da sociedade". Num futuro próximo, quando formos metade máquina e metade humano, pode ser que a sociedade se molde diferentemente diante de um curto circuito entre neurônios e energia. Fora isso, acredito que nossa sociedade será a mesma!
Beijos da nora,