sábado, 24 de outubro de 2009

IMORTALIDADE


Não é estultice afirmar que o homem faz absolutamente tudo a seu alcance para chegar à imortalidade. Parece que todas as grandes indagações filosóficas, imposições religiosas com suas promessas de vida após a morte e as conquistas científicas se fazem em função apenas de conhecer até onde é possível manter a chama da existência viva. São quatro os caminhos que o homem segue para tornar-se imortal: marcando o Planeta e o curso da história através de construções como projetos arquitetônicos de monta, de obras de arte como composições musicais, livros, peças teatrais, pinturas e esculturas que tornem permanente o êthos do autor; pela observância dos ritos da religião que salvará sua alma para sempre; investindo fortemente na ciência pois acredita que de suas descobertas poderão surgir meios de conservar a matéria do qual é feito; e, de forma quase compulsória, transferindo sua herança genética para a geração seguinte, confiando que a perpetuação da espécie se traduz na sua própria imortalidade. Pelo caminho religioso as pessoas se acham confortadas por crerem que suas almas estarão salvas em algum shangrilá alhures, para onde elas migrarão depois de desencarnarem, se as regras estabelecidas tiverem sido seguidas. O conceito da vida eterna está resumido no pensamento: "Só existe uma única idéia suprema sobre a terra: o conceito da imortalidade da alma humana; todas as outras idéias profundas pelas quais os homens vivem não passam de extensão dela”. Contudo, como a matéria da qual é feito o nosso corpo é perecível, se decompõe, o homem tem esperança que viver para sempre deve ser possível, mas por outros meios. Que meios seriam esses? A criogenia parece ser a resposta para os cienticifistas juramentados, os quais acreditam que a ciência, no passo que evolui atualmente, terá todas as respostas para as mortes dentro de alguns anos. Não importa quantos anos, congelam seus corpos a temperaturas de – 190ºC na esperança de serem “ressuscitados” quando a ciência tiver encontrado a cura para as doenças que os matou. A criogenia é isso, uma espécie de aposta na loteria da imortalidade, cujo prêmio seria uma nova vida. E os demais, pessoas normais, aqueles que não acreditam e não apostam na criogenia, o que fazem? A pergunta pode parecer retórica, mas tem fundamento, porque desde que o homem surgiu no Planeta tem a mesma preocupação que o homem atual, o qual se tiver muito dinheiro, pode dispor da opção criogênica. Pois é, segundo Richard Dawkins, os genes, aquelas unidades fundamentais da hereditariedade, contém mensagens pétreas, isto é, que não podem ser apagadas, que estabelecem métodos e meios para se perpetuarem, são os “genes egoístas”. Nossos genes egoístas, numa espécie de “imperativo categórico kantiano”, nos obrigam a transmiti-los e, por tabela, nos perenizarmos através de nossos descendentes. O impulso de ter filhos está relacionado à esperança de imortalidade, ainda que vicária. A reprodução é um dos absolutos da existência humana e, com certeza, de todos os seres vivos. Deixar de reproduzir-se de maneira voluntária é contrariar o imperativo gravado a fogo nos genes, é nadar contra a corrente da imortalidade que move a evolução rumo ao “vir a ser” num futuro muito além do ciclo vital que nos envolve. A evolução é o veículo da vida que viaja através da morte até a imortalidade. JAIR, Floripa, 24/10/09.

4 comentários:

Graça Lacerda disse...

Jair,
que esclarecedor tratado sobre a continuidade, a perpetuação do homem, a imortalidade...
Obrigada, vir até aqui foi ótimo, valeu muito a pena.
Aprendi um bocado com você, hoje!
Meu afeto.

Carlos Ricardo Soares disse...

É com redobrada surpresa e satisfação que leio os seus textos esmerados de rigor, vivacidade, informação e criatividade, sempre pré-ordenados a sentimentos fortes de humanismo e justiça.
Bem haja!
Um abraço.

J. Muraro disse...

Como sempre, texto instigante, erudito e escrito com elegância. O leitor foi brindado com um assunto abordado com competência e audácia, parabéns.

Luci Joelma disse...

Jair! Que profundidade...confesso que viajei no tempo até Parmênides, ao vir-a-ser de Heráclito...nas aulas de Filosofia,com a professora Nelsina da UEPG/PR. lá pelos idos da década de 70;Dai para a religião com a expressão:"Tú és pó e em pó hás de tornar..." Sinceramente,com a Física Quântica e suas descobertas em relação às minúsculas partículas que envolvem um princípio vital,não é de duvidar que nos tornaremos, brevemente,em poeira cósmica numa nebulosa qualquer, Orion, por exemplo; de onde, reiniciar-se-á um novo ciclo de probabilidades eternas, que só o Sábio Criador, delegará a uma nova criatura, à sua imagem e semelhança... Fé na criogenia? Ah!a natureza...a sabedoria...os mistérios da existência...