sábado, 4 de abril de 2009

NED KELLY


A principal fonte alimentação dos Incas era a batata, a qual era desconhecida no resto do mundo. Em 1536 os espanhóis levaram a batata do Peru para a Espanha onde ela se difundiu para a Europa, tornando-se, a partir do século XVIII, o alimento básico de praticamente todos os países europeus, algo equivalente ao arroz na Ásia e ao feijão-com-arroz nosso de cada dia. Especialmente na Irlanda a batata, já batizada de batata inglesa, era usada em grande quantidade e em todas as formas, principalmente na alimentação das classes mais pobres de camponeses e artesãos. No início da década de 1840, as terras da Irlanda, então possessão da Grã-Bretanha, foram acometidas por um terrível fungo que atacou as plantações de tubérculos. Tratou-se da tristemente célebre praga da batata que provocou um dos maiores surtos de fome da Europa moderna. Um fungo mortífero liquidara com quase todas as plantações, matando pela inanição e doenças, segundo estimativa, quase dois milhões de irlandeses, número significativo para uma nação com apenas oito milhões de habitantes. Os que podiam e tinham dinheiro trataram de migrar para o exterior, entre eles o bisavô do futuro presidente John F. Kennedy, que embarcou para os Estados Unidos. Muitos pobres, agora tornados miseráveis e famélicos, voltaram-se para o roubo e o saque a fim de sobreviverem. Para os agricultores atingidos, a praga da batata assumiu caráter de maldição divina, de séria e obscura transgressão teológica. Supersticiosos, os camponeses pobres e analfabetos, suspeitavam que havia alguma mácula, algum pecado que estariam expiando por terem nascidos gaélicos e católicos ao lado de um nação protestante saxônica, cujos poderes econômicos e políticos lhes eram impostos goelas abaixo. Para aumentar-lhes o infortúnio, as punições não vieram somente do Céu, pois os grandes proprietários, alegando inadimplência dos arrendatários e da arraia miúda de lavradores, os expulsaram das habitações (só em 1845 foram despejados das terras quase oitenta mil camponeses). Nesta época, o Império Britânico vivia sua maior opulência, poder e expansão, era "O Império onde o sol nunca se põe”. Desde 1837 governado pela Rainha Vitória, a qual ficaria no poder por sessenta e quatro anos, tendo nesse tempo elevado a Inglaterra ao posto de maior império do mundo, inaugurou a Era Vitoriana, época na qual o Império consolidou suas colônias ao custo de guerras sangrentas na Índia, Criméa e Afica do Sul. O seu governo era sinônimo de pontualidade, sofisticação e intolerância religiosa, graças ao fato de a soberana ser geniosa, obstinada e ter imposto um estilo de vida e comportamento aos súditos, em todos os cantos do Império. Com colônias nos cinco continentes habitados, a coroa inglesa não tinha pejo em adotar uma política desumana de degredo, cujo objetivo não confessado era povoar a qualquer custo terras longínquas e inóspitas como Austrália, Nova Zelândia, África do Sul etc, para onde a maioria dos cidadãos comuns não iria de vontade própria. As alegadas razões para degredo de cidadãos podiam ser as mais fúteis como o simples roubo de uma galinha, por exemplo. Assim, desde a década de 1770, a Austrália possuía colônias penais na baía de Sidney e na então chamada Colônia de Vitória, para as quais a Inglaterra enviava seus condenados. Foi assim que, John Red Kelly, irlandês de Tipperary, pobre, rústico e católico, - tudo que os ingleses não aturavam - atingido pela fome proveniente da praga da batata, foi condenado a sete anos de prisão por roubar dois porcos de um vizinho e deportado para uma prisão da colônia de Vitória na Austrália. Em Port Phillip District, quando sua sentença expirou em 1848, conheceu a também irlandesa Ellen Quinn de 18 anos, com quem se casou em 18 de novembro de 1850. Edward Ned Kelly, nascido em 1854, era fruto desse casamento. Garoto saudável e ativo, embora semi analfabeto como seus pais, tios e avós, aos doze anos foi condecorado pelo prefeito de Beveridge, por ato de bravura por ter salvo um garoto um pouco mais velho de se afogar num lago das proximidades. Foi agraciado com um cinto cerimonial verde e dourado, o qual passou a usar em todas as ocasiões até sua morte. Estudou só até 1866, ocasião em que seu pai faleceu e ele assumiu o arrimo da mãe, irmãs e irmão. Há que se notar que Ned nasceu e vivia num local de pequenas propriedades rurais onde todos eram irlandeses pobres, local considerado covil de ladrões pelas autoridades inglesas. Nessa Austrália do século XIX, a polícia da colônia de Vitória já sabia quem procurar quando precisava de um culpado para qualquer delito: irlandeses ou descendentes, pobres e sem instrução, nascidos na zona rural. Se a suspeita não se confirmava, o sangue quente dos buliçosos irlandeses, inimigos figadais dos ingleses, que mandavam no governo, se encarregava de torná-la realidade. No ano de 1871, Ned foi preso por assalto e roubo de um cavalo. Tudo indica que ele fosse inocente: mais uma vítima da implicância policial. Segundo carta de Jerilderie, documento de 1879 em que o bandoleiro narra sua versão dos fatos, os primeiros crimes foram cometidos só depois, quando a perseguição não permitia que sua família vivesse em paz. Ned começou roubando cavalos e destilando bebidas alcoólicas caseiras e só ficaria mais ousado a partir de 1878, após a prisão de sua mãe. Ele e seus amigos realizaram assaltos espetaculares a bancos em Euroa e Jerilderie em 1878 e 1879 e, como Robin Hood, distribuíram dinheiro aos familiares dos colonos perseguidos e presos por suposta conivência com os crimes de sua quadrilha. Passou a ser acossado pela polícia inglesa que chegou a “importar” o policial Sr Reardon da África do sul depois que Ned, seu irmão Dan e dois amigos, num dos confrontos com a lei, mataram três policiais durante uma fuga. Foram oferecidas 100 libras para quem o capturasse ou matasse. Nos anos seguintes, o valor atingiu 2.000 libras, o equivalente hoje a aproximadamente 500.000 reais, só para comparar, a polícia do Rio de Janeiro recentemente ofereceu 50.000 reais pela captura do traficante Elias Maluco. Mas Ned não se intimidou e respondeu na mesma moeda: passou a oferecer prêmios pelas cabeças dos chefes da polícia local. O último confronto do bando com seus perseguidores aconteceu em Glenrowan, em 28 de junho de 1880. Entrincherados em um hotel, Ned, seu irmão Dan, Joe Byrne e Steve Hart , demonstrando rara e insuspeitada habilidade metalúrgica, improvisaram eficientes armaduras de ferro que lhes cobriam o peito e a cabeça, mas que deixavam a pernas vulneráveis. O tiroteio durou 12 horas e só acabou com a morte de todos os membros do bando, menos um: Ned Kelly, preso depois de levar 28 tiros nas pernas e enfrentar sozinho cerca de 50 agentes da polícia. Ned foi enforcado em Melbourne em 11 de novembro daquele ano, apesar dos apelos de sua mãe e das 32.000 assinaturas contrárias à sua execução. Cortaram-lhe a cabeça e enterraram seu corpo no pátio da prisão. Até hoje ninguém sabe do paradeiro desses restos mortais, o que aumenta ainda mais o fascínio da lenda de Ned Kelly. Cultuado como herói dos desvalidos, os quais viam nele o paladino defensor dos oprimidos contra os tiranos ingleses, em várias cidades do interior foram erguidas estátuas gigantes em sua homenagem, como esta da foto acima, a qual tive oportunidade de conhecer quando lá estive. Já foram feitos seis filmes contando a saga desse Robin Hood australiano, o mais famoso tendo Mick Jagger e o mais recente Heat Ledger como Ned. JAIR, Floripa, 04/04/09.

5 comentários:

anareis disse...

Estou fazendo uma campanha de doações para criar uma minibiblioteca comunitaria na minha comunidade carente aqui no Rio de Janeiro,preciso da ajuda de todos.Doações no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 Que DEUS abençõe todos nos.Meu e-mail asilvareis10@gmail.com

Daniel Caron disse...

ótimo texto seu jair, como sempre alías. grande abraço!

Augusto Ouriques Lopes disse...

Gostei do texto que nasce como um texto sobre a batata e cresce para se tornar a historia de Ned.

Adri disse...

Bom texto sobre um dos personagens que inspirou muitos aqui neste pais...

Unknown disse...

Ótimo texto, caro Jair! Uma históri assaz interessante a de Ned Kelly.A couraça de metal é digna de um filme futurista tal como Mad max!

Muita Paz!