domingo, 18 de março de 2012

Sandices botânicas



As leguminosas estendem suas ansiosas gavinhas espiraladas lateralmente com a visível intenção de alcançar incautos vizinhos. Que haveriam de pensar tais plantas com esse gesto? Resposta rápida e tosca: NADA. Plantas não pensam, aliás, nem cérebro tem. Talvez aí resida a origem de suas atitudes estranhas: pelo fato de não possuírem cérebros, não lhes é possível entender que não podem agir com consciência. Então agem, talvez programadas geneticamente para assim procederem, não em decorrência de “decisão” consciente.
No campo mais amplo das florestas, lojisticamentre (de loja, não de logística) falando, a preocupação é mais vis-à-vis, isto é, árvores de porte não estão nem aí para leguminosas e suas gavinhas, elas não querem é ser abatidas para o comércio de suas carnes, as quais os lenhadores e afins costumam chamar de madeira. Pelo fato de lhes faltarem pernas para se distanciarem do machado que as machuca – embora o sândalo, num ato inexplicável, perfume esse instrumento de morte – elas são vítimas contumazes do Homo ignorantus que se autodenomina sapiens, o qual ceifa as maiores, mais robustas e de tronco mais retilíneo para uso em suas construções e malfeitorias madeirais.
Árvores e outros vegetais não têm crenças, não se guiam por supostos saberes religiosos que estabelecem vida depois da morte, mas intuem que existem infernos como o Saara e o Atacama e céu como Amazônia. Sabem por instinto que grandes civilizações botânicas floresceram onde hoje se encontra esses enormes desertos, sabem que densas florestas adornaram regiões que hoje só se vê areia, pedras e camelos. Sonham que algum dia o verdejar de suas folhas ressurjam nos recônditos áridos do Planeta. Sonham que um dia poderão viver em pleno consórcio com animais e minerais sem interferência de homens, que estes certamente já estarão servindo de insumo para suas raízes, pois assim é a ordem estabelecida pela natureza: mortos servem de alimento aos vivos.
Mirtáceas, nonáceas e monocotiledôneas e um amplo espectro de vegetais se unem num só frêmito incontido no intuito de fazerem-se notar na orquestra não fônica do mundo verde. Tais ações estão em completo acordo com o instinto de sobrevivência que é o sentimento comum de todos os seres carboníferos, vale dizer, replicadores e que nascem, crescem e morrem. Nenhuma sandice se os denominarmos de seres vivos. Da sequóia majestática ao humilde alface verde pálido, passando por miríades de árvores, arbustos, gramíneas e cactos o universo vegetativo traduz o que há de mais passivo e vilipendiado nos reinos da natureza. Vegetais sofrem a ação dos animais. Vegetais não lhes podem causar danos por ação direta, mas têm suas armas, se não secretas, pelo menos nem sempre ostensivas, como seus espinhos que são mais incômodos que fatais.
Os venenos produzidos por certas plantas são as armas com menor ou maior potencial de letalidade que elas possuem. Assim, curare e cicuta são duas das mais conhecidas de potentes peçonhas fabricadas pelas plantas, mas existem muito outras mais. Talvez o homem não se dê conta, mas cafeína, substância de baixo potencial peçonhístico, é um dos venenos mais usados pelo Homo desde muito tempo. THC (tetra-hidro-canabinol) veneno contido nas folhas, talos, flores e sementes da Cannabis sativa está associado ao uso de gente que deseja um estado alterado de consciência, mas também cura dores crônicas e tracoma, a chamada maconha é um santo remédio.
À parte essa faceta, digamos pernóstica dos vegetais, existe o lado sem o qual a vida animal no Planeta seria inviável. Plantas nutrem-se dos elementos químicos que retiram do solo, da água e do ar, transformam esses elementos em substâncias mais complexas que servem para nutrir os animais, ou seja, vegetais atuam como laboratórios de transformação cujos produtos finais são o alimento que permitem os animais viverem. Então, dentro da cadeia alimentar os vegetais “intermediam” insumos entre a natureza bruta e o aparelho digestivo requintado dos demais seres. Plantas são repassadoras de energia, em outras palavras. Mas, o que ganham as plantas ao cederem alimentos aos animais? Simples, quando os animais morrem suas substâncias complexas voltam ao estado primitivo através da degradação (putrefação) e os elementos resultantes servem de alimento (adubo) para os vegetais, o ciclo se fecha finalmente.
Ainda existe outro fascinante exemplo de utilidade para as plantas. Chama-se dendrocronologia que é o nome da ciência que se vale do crescimento irregular das árvores para determinar a idade de coisas e eventos. Por exemplo, podemos usar um relógio de anéis de árvores para datar um pedaço de madeira que foi usado na construção de uma casa pioneira, nos primeiros povoamentos efetuados pelos colonizadores portugueses, com precisão de poucos anos. Assim como a existência dos anéis indica crescimento anual, também existem anos piores e melhores, pois as manifestações climáticas variam de ano para ano. O El - ninho, erupções vulcânicas de monta como a do Pinatubo em 1991, invernos rigorosos ou verões muito quentes, fazem com que o crescimento retarde ou acelere. Anos bons, do ponto de vista da árvore, produzem anéis mais robustos que anos ruins. É o padrão de anéis largos e estreitos em uma dada região, causado por uma sequência específica de bons e maus anos, que se tornam uma marca registrada, - uma espécie de impressão digital que rotula os anos exatos que os anéis se formaram. Assim, esses “relógios arbóreos” contribuem para datação da história do sobre a terra e são instrumento extremamente útil e preciso até onze mil anos atrás.
Pois é, tirante a passividade vegetativa do mundo botânico que não permite que ele se defenda dos seus predadores, às plantas nada falta se lhes estiverem disponíveis solos úberes de elementos nutritivos, água de boa qualidade, luz abundante e atmosfera não muito poluída. Os vegetais, via de regra são pouco exigentes e conseguem viver e se reproduzir quase em quaisquer climas, altitudes e meio ambiente deste Planeta, exceção a desertos muito quentes e calotas polares. Se um dia o bicho homem, na sua infinita sabedoria conseguir destruir-se e à maioria dos seres existentes no Planeta, provavelmente sobrará apenas tiririca, digna representante do reino botânico. JAIR, Floripa, 25/01/12.

10 comentários:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
neste domingo temos sintonia em nossos blogues: plantas.
Tu me fizeste recordar um dos livros mais fascinantes que li, que neste domingo quero buscar e breve trazer uma resenha: TOMPKINS, P. & BIRD, C. A maravilhosa vida das plantas. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1985.
Não me tome como tonto, mas desde que o li há pelo menos 30 anos, quando vou podar uma planta ou retirar do solo algo que para uns é inço, mas para mim pode ser uma flor, explico para a planta que estou fazendo.
Um florido domingo, para despedir o verão 2011/12

attico chassot

Tais Luso de Carvalho disse...

Excelente esse seu texto; e, acho ótimo: continuaremos a ser úteis depois de mortos! Serviremos para alguma coisa... Quem não respeitou a natureza, um dia vai ser vingado... Gostei por onde você abordou o assunto, além da aula, como sempre.

Gostei disso:
'Pelo fato de lhes faltarem pernas para se distanciarem do machado que as machuca – embora o sândalo, num ato inexplicável, perfume esse instrumento de morte – elas são vítimas contumazes do Homo ignorantus...' 

Sobre o curare, sei que era usado, no século passado, em cirurgias. Hoje não sei se continuam. Mas deixava o doente completamente paralisado, impedindo de se mexer ou dar um sinal de que estava sentindo alguma dor. Potente relaxante.

Parabéns pela postagem.
Abraços, amigo.
Tais luso

Luci Joelma disse...

Jair!
O texto leva a extrapolações,principalmente quando se refere aos anéis que indicam o tempo de existência da espécie.Há fatos surpreendente e inexplicáveis,que talvez no sobrenatural encontremos o fundamento de certos fenômenos naturais...Digo isto, baseada no fato, de ter contemplado no museu de Santos Dumont,em Petrópolis,onde este residia,o corte de uma fatia do tronco, de uma árvore do seu quintal, um pinheiro, onde se vislumbrava a figura da cabeça com o famoso chapéu,uma sombra negra com este formato,de Santos Dumont. Acho que a troca de energias entre os seres viventes vai muito além do imaginário.Excelente postagem.Luci.

Paulo disse...

Muito interessante.

Obrigado

Paulo

PS: ABRAÇO!!!

R. R. Barcellos disse...

Texto ao mesmo tempo antroposófico e fito-universalista, que o lendário Barbárvore - de JRR Tolkien - assinaria. Parabéns.

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Boa tarde.

Adoro plantas.

Tenho muitas aqui.
Costumo dar bom dia pra elas, quando vou jogar água.
Antes eu colhia algumas para colocar na jarra, mas pedia desculpas ao fazer isso.

Mas existe semelhança das plantas com o ser humano.

Algumas enfeitam o nosso jardim, pedindo apenas um pouco de água. Outras precisam de muita atenção, e só florescem uma vez no ano.

Seu blog é muito bom!

Um grande abraço.
Maria Auxiliadora (Amapola)

Professor AlexandrE disse...

Quando criança meu maior sonho era ser 'inventor'... depois 'cientista' e depois 'botânico'... Acabei meu tornando um historiador ... que tem uma paixão e um interesse incomensuráveis pela botânica e pela ciência ... por isso, adorei ler esse texto, me instruí e diverti, muito!

Parabéns meu Nobre Colega!
Abraços...

Unknown disse...

Ótimo texto, enciclopédico amigo!

Sergio A. Tozzo disse...

Belo texto...
Nossa existência está intimamente ligada a existência das plantas, não pelo obvio papel de nos nutrir, e sim por que fomos "esculpidos", "desenhados" por elas ao longo do processo evolutivo que levou ao homo sapiens, nossas mãos, por exemplo, capazes de agarrar e segurar coisas, jamais teriam evoluído sem as arvores, pois as mãos primeiramente surgiram para manter os primatas primitivos seguros nas copas das arvores, longe do grandes predadores. Quando as arvores tornaram-se escassas e fomos forçados a descer, um outro grupo de plantas nos fez caminhar ereto, as gramíneas. Paradoxalmente a mesma mão desenhada pelas árvores, segura o machado ou a serra...

Leonel disse...

As tuas origens explicam o teu amor incondicional pelas plantas!
Tens um coração verde!
Abraços, amigo!