quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Bombas na Austrália



Já publiquei vários textos referentes à energia atômica, seu uso na confecção de armas nucleares, sua exploração para incrementar a guerra fria, e sobre os testes atômicos que as potências nucleares efetuaram nas mais diversas regiões do Planeta, com suas danosas consequências.
Todas as chamadas potências nucleares, nas décadas de cinquenta e sessenta, fizeram testes dessas armas mortais na atmosfera sem qualquer cuidado com o ambiente onde elas ocorriam. Os EUA explodiram dezenas de bombas no atol de Biquíni, pertencente às Ilhas Marshall no oceano Pacífico, a oeste do Havaí, com resultados tão nocivos que até hoje o meio ambiente continua alterado e o povo que lá vivia está impedido de voltar depois de mais de cinquenta anos.
Mas, acho que a pior consequência desses diabólicos testes resultou das experiências engendradas e executadas pela Grã Bretanha no território australiano. Verdadeiro crime ambiental de grandes proporções que inviabilizou a vida normal de tribos inteiras de nativos. Primeiro, é preciso que esclareça que a Austrália é um país democrático, parlamentarista, independente, integrante da Comunidade Britânica e, como tal, pertence à área de influência da Inglaterra. Sendo assim, parece, quando a Albion se viu apta a explodir seus artefatos mortais, escolheu aquele país porque possui vastos territórios desérticos, o assim chamado Outback. Habitados apenas pelos nativos, - conhecidos mundialmente por aborígenes - e por dromedários, cangurus, dingos, cobras, lagartos e emus, seres perfeitamente descartáveis segundo a ótica dos arrogantes ingleses.
Os testes nucleares britânicos ocorreram em Maralinga entre 1955 e 1963, até hoje um lugar interditado à vida no sul da Austrália. Sete grandes testes nucleares foram realizados, com potência aproximada variando de 1 a 27 quilotons equivalentes de TNT. Para comparação, a bomba de Hiroxima tinha 20 Kt. O sítio também foi usado para centenas de experimentos menores, muitos dos quais tinham a intenção de investigar os efeitos de incêndio ou explosões não-nucleares em armas atômicas. Construíram no local simulacros de bases com instalações como hangares, alojamentos, pistas e pátios onde foram colocados aviões sobrantes da guerra como os famosos e românticos P51, por exemplo. Militares “voluntários” foram colocados a uma certa distância das explosões para aquilatar os efeitos da radiação. Não é preciso dizer que a essas pessoas não foi explicado o perigo que corriam.
Além dos testes maiores, um grande número de experimentos menores também foram realizados, de junho de 1955 e prorrogado até maio de 1963. Embora os testes principais fossem realizados com um pouco de publicidade, os testes menores foram feitos em sigilo absoluto. Estes testes menores deixaram um legado perigosíssimo de contaminação radioativa na área de Maralinga. O resultado dessas experiências de baixa potência se assemelha ao que acontece no caso de explosão de uma “bomba suja”. Bomba que usa explosivo convencional para espalhar material radioativo mortal ao redor, constituindo-se num artefato barato, mas de enorme e duradoura letalidade.
As séries de quatro ensaios de menor impacto foram denominadas Cats, Tims, Rats e Vixen. Ao todo, esses “estudos” incluíram 700 testes, envolvendo experimentos com plutônio, urânio e berílio. A operação Cats envolveu 99 ensaios, realizados em duas áreas, Maralinga e Emu Field de 1953 a 1961. Nos testes foram usados “gatilhos” de nêutrons, envolvendo o uso de polônio 210 e urânio, e geraram, segundo foi divulgado depois, "quantidades relativamente grandes de contaminação radioativa." A operação Tims ocorreu em 1955-1963, e envolveu 321 ensaios de urânio e de berílio, bem como estudos de compactação de plutônio. A operação Rats investigou dispersão explosiva de urânio, quando 125 ensaios tiveram lugar entre 1956 e 1960. A operação Vixen, em ensaios entre 1959 e 1961 investigou os efeitos de um incêndio acidental de uma arma nuclear, e envolveu um total de cerca de 1 kg de plutônio. E, para que acha que 1 Kg de plutônio é pouca coisa, é só lembrar que acidente com césio 137 no Brasil foi causado por apenas 0,093 quilogramas daquele elemento, e que o plutônio é milhares de vezes mais radioativo e letal que o césio. Além disso, a meia-vida do césio 137 é 30 anos, enquanto o plutônio só decai para metade de sua radioatividade em 24.100 anos.
O local foi contaminado com material radioativo com tal magnitude que uma limpeza inicial foi tentada em 1967. A Comissão Real McClelland, depois de um exame dos efeitos dos testes, apresentou o seu relatório em 1985, e constatou que o perigo de radiação significativa ainda existia em muitas das áreas de teste Maralinga. Recomendou outra de limpeza, que foi concluída em 2000 a um custo de US$ 108 milhões. Até hoje prossegue o debate sobre a segurança do local e os efeitos a longo prazo sobre a saúde da tribo aborígene proprietária daquela terra. Em 1994, o governo australiano pagou uma indenização no valor de US$ 13,5 milhões para os aborígenes, pessoas que tiveram que mudar-se de lá. Essa indenização visava apenas cobrir os efeitos nocivos sobre o terreno, nada se falou nos efeitos sobre a saúde das pessoas afetadas.
Antes da escolha, o sitio Maralinga era habitado pelos povos aborígenes Pitjantjatjara e Yankunytjatjara, para quem a área tinha um "grande significado espiritual". Muitos foram transferidos para um novo assentamento em Yulata, e foram feitas tentativas de restringir o acesso ao sitio Maralinga.
Na década de 1980 alguns militares australianos e habitantes aborígines da terra estavam sofrendo cegueira, feridas e doenças como o câncer. Eles "começaram a juntar as coisas”, percebendo que suas aflições tinham a ver com a exposição aos testes nucleares. Grupos como a Associação de Veteranos e do Conselho Pitjantjatjara pressionaram o governo, até que em 1985, este concordou em realizar uma comissão real para investigar os danos que foram causados.
O triste dessa história é que a Austrália é um país cujas forças armadas, embora modernas, são apenas simbólicas, não têm armas nucleares e nem se propõem a construir tais artefatos. E os povos nativos, os quais, por lei, não têm obrigação de servirem as forças armadas, são as maiores vítimas dessas mortais incongruências dos britânicos mancomunados com o poder público australiano que, até a década de 1980, nem sequer considerava os aborígenes como seres humanos. JAIR, Floripa, 22/09/11.

12 comentários:

Adri disse...

Bem informativo o texto!! Vou evitar visitar lugares visinhos de Maralinga!

Anônimo disse...

maravilhoso texto.

R. R. Barcellos disse...

Já disse Mendes Fradique há uns cem anos: "A História da Inglaterra sem as suas páginas negras há de ser um volume em branco".
Bem.... não só da Inglaterra...
Abraços.

J. Muraro disse...

Você descola alguns assuntos que a maioria das pessoas nunca ouviu falar e, no entanto, são extremamente relevantes como esse. Quem imaginaria que a Dona Inglaterra fez caca lá Austrália ein! Abraços e continue batendo na moleira desse pessoal.

Luci Joelma disse...

Como se mede a força de um povo?È pela quantidade de armas que ele possui? Acho que Monteiro Lobato fez alusão ao fato.Para se defender é preciso destruir a este ponto? Os ambientalistas sem o poderio bélico, farão soar o clamor do socorro?
Pobre planeta, que pena
conviver com os desatinos da ignorância maléfica,com o pretexto da defesa nacional...Luci

Severa Cabral(escritora) disse...

Boa noite meu querido!
Estou aqui para te agradecer seu comentário no meu cantinho dedicado ao nosso amigo Rodolfo.Gostei muito sua forma de expressar em palavras com tanta maestria ao amigo,valeuuuuuuuuuu
Bjs de boa noite!

Unknown disse...

A ignorância coloca ou deixa homicidas no poder. Foi, é e sempre será assim.

Leonel disse...

Jair, essas coisas são de arrepiar! Eu pouco sabia destes fatos. Só mesmo por imposição os australianos aceitariam deixar estas coisas acontecerem!
Mas, muito ainda tem que ser escrito a respeito de testes nucleres do século passado.
Só os EUA explodiram MILHARES de artefatos nucleares, e expuseram à radiação propositadamente um número impreciso de pessoas, principalmente seus próprios militares!
No início, poucas pessoas sabiam avaliar os efeitos nocivos das radiações e houve muitos casos de superexposição, com as inevitáveis e terríveis consequências!
Em relação à União Soviética, sabe-se menos, mas quando se pensa no pouco valor que era dado à preservação das pessoas nos seus domínios, pode-se imaginar o que devem ter feito!
Acho que ainda não se fez um balanço do que a soma de todas essas explosões causaram na saúde da população mundial!
Parabéns por exumar mais este esqueleto, revelando um crime hediondo contra a humanidade!
Abraços!

Professor AlexandrE disse...

Ótimo texto! Até a presente data eu nunca havia lido nada sobre bombas atomicas na Australia...
Parabéns pela postagem!

Abraços Fraternos...

Voluzia disse...

Parece que os malditos colonialistas não tem um mínimo de consideração com a vida dos outros sere, fico comovida com essa agressão aos pobres aborígenes. Ótimo texto, parabéns.

Tais Luso de Carvalho disse...

Os homens têm medo de irradiações, de mil contaminações e continua tudo igual, cada vez querendo mais e fazendo menos por uma paz duradoura. Acham que nada os atingirá lançando bombas em terrenos alheios. Não dá para entender atitudes de tamanho individualismo e ganância. E loucura acima de tudo. Muitos nascem predispostos à maldade e à destruição, usando qualquer meio para atingir seus objetivos.
Lembrei de Guimarães Rosa: 'tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto'.
Grande parte merecia isso.

Grande abraço
Tais

Augusto Lopes disse...

Olá,

Eh lamentável esse acontecimento,, assim como todos os outros envolvendo uma minoria inescrupulosa no poder prejudicando uns pobres inocentes que nao tem nada a ver com tal ignorância.

Beijos da nora,