quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Anhatomirim

Anhatomirim

Moro aqui na margem continental da Baia Norte da Ilha de Santa Catarina onde se situa a cidade de Florianópolis, capital do estado. Pois bem, na entrada dessa baía está situada uma bela ilha de nome Anhatomirim. A ilha que hoje é objeto de visita por parte de empresas que empregam escunas para levar os turistas lá, abriga um forte construído pela paranóia de segurança portuguesa durante o império. Na verdade, além do forte propriamente, as instalações para os militares como alojamentos, rancho e abrigos para armas e pólvora encontram-se em tão bom estado de conservação que poderiam ser utilizados mesmo nos dias de hoje.
Ainda que Anhatomirim seja um local idílico e mostre seu lado atraente e bucólico aos olhos dos visitantes, ela guarda em sua história um dos episódios mais hediondos e vergonhosos da política governista da República.
A capital de Santa Catarina chamava-se Nossa Senhora do Desterro. Com o advento da República e os turbulentos eventos posteriores, as resistências catarinenses que não acatavam o governo do Marechal Floriano por entender que ele havia aplicado um golpe em seu sogro, Marechal Deodoro, resolveram opor-se ao novo mandante e provocaram uma animosidade por parte do governo central. A vitória das forças golpistas comandadas pelo Marechal Floriano Peixoto determinaram em 1894, a mudança do nome da cidade para Florianópolis, em homenagem a este oficial. Ninguém por aqui ficou saltitando de felicidade com isso e o resultado se fez sentir em 30 de novembro de 1979 quando o General Figueiredo, então presidente do país, resolveu homenagear o Marechal golpista, mas, esse assunto abordaremos depois.
Floriano, não contente com a situação oposicionista do estado, resolveu mandar o interventor Moreira César com quinhentos militares para aqui esmagar aqueles que ao seu mandato se opunham. Moreira César não perdeu tempo, aqui chegando prendeu centenas de “revoltosos” e os confinou na ilha de Anhatomirim. Até aí tudo bem, regimes fortes sempre tratam com punho de ferro aqueles que não se vergam a seus atos despóticos. Acontece que em abril de 1894, Moreira César, por mera intriga ou, menos provável, por excesso de zelo, informou ao Marechal que os presos estavam mancomunados com alguns civis em liberdade para tramar um golpe no estado. O presidente não conversou, mandou que Moreira César “se livrasse” dos revoltosos presos. A história oficial não registrou as exatas palavras proferidas pelo Marechal, contudo, o interventor que era uma pessoa inteligente e obedecia a ordens, embarcou seus esbirros rumo à ilha prisão e praticou a maior chacina dessa fase da República. Segundo atestam os historiadores José Jobson de Arruda e Nelson Pileti, 185 prisioneiros foram chacinados por degolamento ou a tiros de fuzil, mas Dante Martorano afirma que foram 300, porque no dia dessa matança indiscriminada os familiares dos presos os estavam visitando e também foram massacrados. De qualquer forma, seja 185 ou 300, esse episódio é um dos atos mais vergonhosos de nossa República, mesmo porque os adversários políticos do raivoso Marechal já estavam presos e não representavam perigo algum para seu governo, muito menos ainda, seus irmãos, filhos e esposas que os visitavam naquele ensolarado domingo negro.
Em 1979 quem comandava o país era o General Figueiredo. Então, em novembro daquele ano, demonstrando uma insensibilidade política no mínimo obtusa, Figueiredo resolve homenagear Floriano justamente aqui onde o nome do Marechal não goza de qualquer prestígio. Poucos são os catarinenses que não lembram o vergonhoso “Massacre de Anhatomirim”, que foi até objeto de livro publicado por Maurício Oliveira. O último lugar do Planeta que se pode homenagear aquele que agiu como um Stálin brasileiro é aqui na Ilha da Magia.
Pois estava o presidente aqui na Praça XV inaugurando uma placa de bronze para lembrar o malfadado mandato daquele militar golpista, quando o povo começou a vaiá-lo em veementes e irados brados. Figueiredo, mais uma vez mal assessorado ou desconhecedor da história, resolveu revidar as vaiais com palavrões impublicáveis num blogue família como este. “Melhor” fez César Cals, Ministro das Minas e Energia de Figueiredo, avançou ousadamente em direção à multidão esbravejando como que para enfrentar “no braço” aqueles que apupavam o inepto presidente. Levou uns bons tabefes bem colocados nas avantajadas orelhas, e só não apanhou mais porque os seguranças intervieram a tempo. O imbróglio foi presenciado por este escriba e imortalizado pela imprensa nem sempre governista daquele tempo. Registre-se que a placa não amanheceu no pedestal no qual fora colocada e jamais se soube que fim inglório levou. A Chacina de Anhatomirim enfim teve seu desfecho justo nos alentados pavilhões auditivos de um Ministro canhestro.
Hoje existe um movimento para mudar o nome da capital para Desterro, Floripa ou Meiembipe, e, ainda que Floripa lembre aquele presidente vingativo, é o nome mais cotado. JAIR, Floripa, 12/09/11.

10 comentários:

Roberta de Souza disse...

Super interessante a história

bj

Tais Luso de Carvalho disse...

Cada Estado da União com suas histórias de lutas, por vezes gloriosas, outras vergonhosas. Mas a essa altura pensar em mudar o nome? Tão fora de propósito como uns, por aí, falaram em mudar o Hino Nacional Brasileiro, um dos mais lindos que conheço.
O que está consagrado, consagrado está... E não adiantaria nada. Só resta 'digerir' o sapo, por maior que tenha sido. Gostei de ler e de conhecer esta história de Florianópolis e de onde vem seu nome.

Um abraço, Jair!
Tais Luso

R. R. Barcellos disse...

"Dar nome aos bois" é uma arte que deveria ser praticada pelo povão, e não por burocratas e puxa-sacos sem imaginação.Os moradores de uma rua, de um subúrbio, de uma cidade, deveriam ser chamados de vinte em vinte anos para votarem nos nomes de seus logradouros e praças, bairros e municípios. E os Correios que se virassem com as correspondências.
Abraços.

Professor AlexandrE disse...

Ótimo Texto... Muito bem narrado por uma autentica 'testemunha acular da história!' Realmente o episódio da 'reação Florianista' é tão vergonhoso quanto a 'Novembrada'... Parabéns meu nobre colega!

Vida Longa e Próspera!

Camila Paulinelli disse...

Olá.

Parabéns pela história.

Beijos da nora,

J. Muraro disse...

Sabe que eu desconhecia tanto a horrível ocorrência de Anhatomirim quanto esse episódio hilário que envolveu Figueiredo e César Cals? Você costurou muito bem ambos os casos de forma a dar ao texto uma coerência total, parabéns.

Anônimo disse...

aeeeww viva santa catarina õ/
haueaheuahu. Adorei o texto Jair! Parabéns mesmo.
beijos e uma ótima semana...

Leonel disse...

Infelizmente, o professor Alexandre me "roubou a fala" ao te citar como Testemunha Ocular da História, tal e qual o Repórter Esso! Porque é isso mesmo que és!
Eu lembro desta pancadaria inesperada em Floripa, e o lance do Cesar Cals! Mas, não sabia que o principal motivo fora essa mancada da placa!
Mas, a capital catarinense parece mesmo meio azarada com os nomes!
Nossa Senhora do Desterro é nome pra lá de ruim, quase tão ruim como esta homenagem ao carniceiro marechal!
Espero que ganhe Floripa.
Desterro, já basta o causado pelas enchentes!
Mas, por que não FLORIDA?
Sugere uma cidade bonita e alegre e não lembra o malfadado Floriano!
Ótima matéria!
Abraços, Jair!

Luci disse...

Vivendo e aprendendo!...Sempre é
tempo de despertar dos contos de fada e dos vislumbres dos quem narram os fatos históricos pela versão da conveniência...Acorda
Brasil....Luci

Daniela disse...

Outra aula de história, muito boa! Adorei o texto!! É uma pena um lugar tão lindo como Floripa ter seu nome manchado!! Mas a energia boa deste lugar é maior, e sempre vai sobressair!!