sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Uma tragédia



Nota de esclarecimento. Esta é uma história acontecida na vida real. Os nomes das pessoas foram trocados em respeito a seus descendentes que ainda vivem, e as datas também foram omitidas. Os fatos mais funestos foram amenizados para não ferir a sensibilidade dos leitores.
Era uma vez, muito além das montanhas da Serra do Mar, aquém dos rios Iguaçu e Tibagi, além dos campos ondulados que margeiam o segundo planalto, nos arredores do então pequeno vilarejo de Palmeira. No extremo oeste desta quase aldeia, à sombra de úmida floresta de araucárias vivia o madeireiro Slieski, dono da mata e de tantas árvores de pinheiro que lhe era impossível saber quantas eram. Esse próspero madeireiro tornara-se uma espécie de gigolô da floresta, vivia da extração de madeira de suas terras e nem se dignava ele mesmo em mandar derrubar as árvores, simplesmente cedia os direitos de exploração às serrarias que lhe pagavam por metro cúbico extraído.
Era casado com Petra, mulher jovem, delicada, pequena, com um rosto afável, quase infantil, que parecia sempre meio espantado e surpreso como se tivesse acabado de ouvir uma notícia trágica. A meiga Petra havia parido um lindo casal de filhos, sendo o mais velho um guri de nome Sengor. Slieski, cujo nome de batismo era Janus, herdara as matas e terras de seu pai o qual trabalhara duro durante anos plantando, colhendo e vendendo milho aos criadores da região, o que lhe proporcionara ganhos para comprar aquelas terras com matas “virgens” para onde se mudou já na velhice e onde não chegou a desfrutar a aposentadoria como merecia, pois veio a falecer enquanto dormia poucos meses depois.
Então, ali estava Janus Slieski, bem postado com sua família, vivendo da renda oriunda do sacrifício de seus pinheiros. Não era rico, mas seus ganhos lhe davam uma vida folgada em contraste com a maioria de seus concidadãos, quase todos operários das madeireiras e que só não eram miseráveis porque conseguiam comer todos os dias.
Ele poderia ter sido um ótimo pai, um cristão dedicado e um bom marido se não fosse por dois pequenos defeitos: gostava imensamente de jogar baralho e a bebida era sua companhia de todas as horas. Esses dois vícios o haviam levado a perder a mulher do jogo de cartas algumas vezes. Volta e meia quando perdia todo o dinheiro oferecia a mulher por uma noite e muitas vezes a perdia para algum parceiro. Quer dizer, vez ou outra, ele a havia perdido para aqueles que ganhavam dele no jogo de baralho.
Petra, depois de ter sido obrigada a deitar-se com desconhecidos nem sempre limpos, quase sempre abrutalhados, bêbados e hálito recendendo a cachaça, cansou-se daquela vida, rebelou-se e fugiu de casa. Ela permaneceu talvez por um ano na casa de Igor, filho de um carroceiro que trabalhara para o pai de Slieski por muitos anos. Igor era um rapagão forte e ótima pessoa, destas que todos olham sem malícia e consideram “boa gente” em todos os sentidos. Gostava de mimar Petra e costumava tratá-la como um cristal frágil. Tudo ia muito bem a não ser por um detalhe, o terreno onde se assentava a casa de Igor era lindeiro ao da casa de Janus, e este havia proibido os filhos de falarem com a mãe e esta de se comunicar com os filhos. Os três se viam de longe, mas não podiam se falar, era uma situação que angustiava Petra e levou-a a se refugiar na bebida também. O ex marido também a tinha o tempo todo ao alcance da vista, pois de sua casa enxergava, à distância, a casa de Igor.
Certa vez a pobre mulher, que a essa altura já andava bebendo como um gambá dissoluto, escondeu-se atrás da cerca da casa do ex para esperar sua pequena filhinha Keta que estava para chegar. Quando esta a viu, simplesmente repeliu a mãe, não permitiu que Petra a abraçasse, pois o pai a havia proibido de ter qualquer contato com aquela que a havia trazido ao mundo. A guria, com medo do pai, empurrou e chutou a pobre mãe e gritou por socorro. Um empregado do pai enxotou Petra da frente casa aos gritos de prostituta! vagabunda! e outros impropérios impublicáveis. A mãe saiu chorando aos berros do local, uivando como um animal que acaba de perder seus rebentos num evento trágico, cena lamentável de lacerar corações.
Tornou-se uma alcoólatra incurável, vivia seus dias em crises sucessivas de delirium tremens e, depois de alguns meses, Igor não agüentado mais, solicitou que as autoridades médicas a internassem num manicômio. Sabe-se que no manicômio, letárgica, nunca reagiu a qualquer estímulo e passou a ser tratada como catatônica, vivia segregada e imóvel em um canto sem comer ou se mexer se não a tirassem de lá, morreu sem jamais pronunciar uma palavra sequer.
Janus viveu mais dois ou três anos numa trajetória descendente rumo à destruição física e emocional, bebendo e jogando cada vez com mais afinco e irresponsabilidade, só que agora não tinha mais a mulher para colocar nas apostas. Uma noite depois de haver perdido no baralho a casa e a mata de pinheiros, foi encontrado enforcado em um pé de Cambuí, árvore de galhos fortes que existia no pátio da casa. Não deixou bilhete algum. Seus dois filhos foram criados por um primo seu que residia em Curitiba e, pelo que se sabe, nunca mais retornaram a Palmeira. Igor mudou-se da cidade. JAIR, Floripa, 11/08/11.

9 comentários:

Professor AlexandrE disse...

Gostei da história, não pelo ocorrido, é obvio, mas pela maneira habilidosa com que foi narrada!
Parabéns meu amigo...

Elvira Carvalho disse...

Uma história trágica, muito bem contada. Não raras vezes o vinho e o jogo provocam grandes tragédias.
Infelizmente tive um tio que quando perdia no jogo dava grandes tareias na mulher e roubava-lhe o dinheirito que ela ganhava a trabalhar a dias, e escondia para comprar comida. Pois ele para jogar, batia-lhe e roubava-a. Um dia ela fugiu com os filhos para casa de um irmão e entre a família ajudaram-na a conseguir o divórcio.
Um abraço

R. R. Barcellos disse...

A vida está cheia dessas tragédias, que às vezes ocorrem nas nossas vizinhanças sem que delas nos demos conta. É difícil abordar um tema desses, e você o fez com maestria. Parabéns.

J. Muraro disse...

Meu amigo, isso é quase uma tragédia grega. Abraços.

Anônimo disse...

tragédia grega [2]
Realmente é bem dificil falar sobre esse tipo de tema. Parabéns, eu adoro o seu jeito de escrever!

Obrigada pelo apoio que voce sempre dá ao meu blog, eu fico muito contente com seus comentários.
Beijos
Boa semana

Leonel disse...

Uma história trágica e revoltante, daquelas que a gente já viu em outros lugares e épocas.
Eu não gosto muito de saber coisas ruins que a gente não pode mudar!
Mas, o que me ocorre é que esse f.d.p. bem que poderia ter se enforcado uns vinte anos antes, né?
Eu ajudaria, chutando o banquinho...
Abraços, amigo!

Tais Luso de Carvalho disse...

Que história triste, Jair; o vício leva à todas estas loucuras, e o mundo está cheio delas, lamentável. E no final das coisas, uns pagam pelos outros, e justamente sobra o pior para os mais inocentes.

Abraços
Tais luso

Luci disse...

Havia acabado de assistir um vídeo narrando a experiência vivida por um sobrevivente de acidente aéreo em que aponta os reais valores que atualmente tem significado em sua vida...De repente "tragédia" , a mídia tem divulgado casos semelhantes.Pergunto: quem deve se
responsabilizar pelos valores da convivência humana?
A família?escola?igrejas?...Luci

Unknown disse...

Uma tragédia muito bem narrada.
Um vício estraga uma família inteira.
Beijos.