sábado, 20 de agosto de 2011

Viagens



Parece que viajar, vencer distâncias, conhecer paragens novas, povos diferentes, outros costumes, descobrir coisas inusitadas, curiosas e estimulantes sempre fez parte do currículo do Homo sapiens. Desde as migrações iniciais as quais deram origem a novas povoações que acabaram ocupando a superfície habitável do Planeta, até as grandes navegações que, de certa forma, no sentido inverso, reintegraram aqueles povos que estavam separados por mares e extensões de terra antes intransponíveis, todos esses deslocamentos comprovam e suprem a irrevogável ânsia dos humanos de descobrir o que há além da linha do horizonte.
O formidável desenvolvimento dos meios de transporte e as inumeráveis agências de viagens que atraem o homem moderno em férias são afirmações que essa necessidade de deslocamento não cessou no atual estádio da civilização. O homem tornou-se gregário, mas mantém os olhos curiosos no quintal do vizinho, gasta suas férias instruindo-se com o que há de diferente além do seu jardim.
Contudo, ainda que navegar seja preciso, a verdadeira viagem se faz para dentro de nós mesmos, nossa imaginação nos permite viajar além fronteiras muito remotas, sem qualquer restrição de horário, distância, clima, disponibilidade de meios ou idade. A viagem real, da qual sempre retornamos com saldo positivo, é a que empreendemos para nosso interior, onde não precisamos de bilhetes, não há limitações geográficas nem alfândegas e podemos chegar desde o âmago do átomo até as galáxias mais distantes. Podemos ver e misturar todas as cores, sons e cheiros imagináveis ou não, púrpura, limão, lilás, ouro, laranja, carmim, escarlate, violeta, prata com os pios dos pássaros, marulho do mar, assoviar do vento e o silêncio da noite. Aroma suave da lavanda, cheiro ácido do limão, odor suave de folhas verdes e de terra molhada, e todas as fragrâncias extravagantes de lugares exóticos. Ou passear por lugares que fisicamente não existem, visitar pessoas ou tempos irreais e impalpáveis. Até entrar em lugares imaginários, que talvez não tenham tido oportunidade de existir, mas que são tão reais como nós mesmos quando lá estamos. Também, num viés metafísico e lúdico, encontrar a própria alma e passar por baixo do arco-íris. Viajar com a mente é uma experiência transcendental, não é à toa que indivíduos que fazem uso de substâncias químicas (drogas) para alcançar um estado alterado de consciência costumam dizer que estão “viajando”.
A poderosa mente humana é o melhor instrumento para sair das limitações de nossas, o mais das vezes mesquinhas vidas materiais, transpor a mediocridade do mundo que nos cerca e adentrar o universo mágico onde tudo é possível, não há julgamentos e a liberdade é muito mais que apenas uma palavra no dicionário. Podemos ver o universo, num átimo, ser criado do nada; presenciar, há quatro bilhões de anos, a vida surgindo no Planeta; sofrer quando os magníficos dinossauros se extinguiram depois que a Terra foi atingida por um asteróide; acompanhar a evolução de primatas que, após milhões de anos, acabaram dando origem o Homo sapiens; sobrevoar florestas úmidas, desertos inóspitos, terras perdidas, pântanos insalubres, mares revoltos e geleiras implacáveis; mergulhar no oceano profundo cheio de seres esquivos e misteriosos; poderemos trilhar a rota da seda e interagir com comerciantes de grande parte do oriente e da Europa; conviver com civilizações antigas na África, na Europa, na Ásia e na América; assistir a construção de pirâmides no Egito e a destruição de Herculano e Pompéia na Itália; cidades, como Roma e Cartago sendo erigidas na nossa presença; desembarcar nas praias da Austrália junto com detentores da cultura mais antiga do Planeta; ver religiões sendo criadas na Galiléia, no oriente e no ocidente; descobrir as nascentes do Nilo e do Amazonas, visitar continentes e ilhas distantes e conhecer povos e animais estranhos; tomar conhecimento da História e conviver com homens e mulheres importantes, cujas ideias influirão no rumo dos acontecimentos humanos; inteirar-nos das mazelas e dificuldades da vida de pessoas comuns em todo o Planeta; conversar com Platão, Aristóteles, Demócrito, Schopenhauer, Kant e Sartre; privar com Dante e Camões no ato de suas criações monumentais; temer guerras, massacres, pestes e catástrofes que dizimaram milhões; desembarcar com os soldados na Normandia e assistir estarrecidos a morte de milhares de jovens imbuídos de ideais; acompanhar conquistas da ciência e exultar com descobertas da medicina; aprender a refletir, emocionar-nos, fantasiar e cogitar imagens vivas de coisas que nunca vimos e de lugares que nunca estivemos; conceber utopias, sonhar sonhos impossíveis, construir castelos inverossímeis, imaginar mundos irreais; viajar rumo ao futuro voltar ou passado e deleitar-nos com o presente; abrir mente para ideias novas e conceitos originais; viver com intensidade e desfrutar tudo, dilatando, encolhendo ou até congelando o tempo de modo a aproveitar mais os prazeres e relegar ao ostracismo as misérias e sofrimentos.
Nossos neurônios são os bilhetes de entrada para o mais alucinante e formidável dos mundos, ninguém jamais deixou de sonhar e viver vidas paralelas que facilitam a convivência com esse mundo quase sempre hostil e implacável que nos cerca. O único espaço maior que o universo é o interior de nossa caixa craniana. JAIR, Floripa, 14/08/11.

11 comentários:

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Um enorme aplauso de pé, para este fantástico texto, um exercicio brilhante das capacidades intelectuais do ser humano. Parabens adorei

Um grande abraço e continue nessa viagem infidável que faz a humanidade avançar.

Leonel disse...

Jair, uma magnífica divagação.
Fiz uma verdadeira viagem, deslizando nesta correnteza de ideias que brotaram da tua mente!
Se o universo cabe na nossa caixa craniana, é porque nossa mente pode conter o infinito! Logo, é infinita!
Por isto, capaz de produzir um post como este!
Abraços, amigo!

Elizabeth Venâncio disse...

Sempre amei viajar e seu texto descreveu perfeitamente o que sinto. A viagem interior é sem dúvida a mais rica de todas, mas também perigosa, pois podemos nos perder e não mais querer voltar. É preciso nesta viagem ter um pé amarrado em uma corda infinita, para que voando possamos lembrar...

um abraço.

Tais Luso de Carvalho disse...

A maior de nossas viagens se dá em nós, de dentro para fora. Tantas são as viagens que podemos fazer, que nos trazem cultura e prazer, que nos levam à várias descobertas e a inúmeras sensações. As tidas como 'tradicionais e muitas delas em excursões rápidas', há de se respeitar – cada um, cada um...
Mas na verdade pouco se vê – não há tempo. A não ser que fôssemos ao Louvre, por ex, e ficássemos muitas e muitas horas. Mas geralmente as pessoas que viajam querem ver o máximo que podem num curto período de tempo. Tudo muito rápido, muito comercial, muita ilusão. Escrevi, também sobre isso, mas numa abordagem diferente. Achei a sua ótima. Não sou contra viajar, sou contra uma certa obsessão... Existem pessoas que viajam para esquecer alguns problemas, outras para desopilar, outras na tentativa de se encontrarem, outras como terapia e outras para conhecerem o mundo! Na volta, tudo continua igual: a grande 'viagem', realmente, não foi ainda feita...

Abraços.

Maria Rodrigues disse...

Amigo excelente texto!
Concordo plenamente que o nosso pensamento não têm limites nem fronteiras para viajar, com ele nos podemos tudo.
Bom fim de semana
Beijinhos
Maria

Anônimo disse...

''a verdadeira viagem se faz para dentro de nós mesmos''.. é esse o espírito! parabéns pelo ótimo blog, e excelentes matérias!
beijos,

J. Muraro disse...

Concordo com o texto, mas que dizer que viajar mesmo é visitar este espaço, aqui a gente sempre encontra assunto interessante e viaja pelo universo. Parabéns.

Graça Pereira disse...

Um blog que pensa...é realmemnte diferente!! Apresenta um texto brilhante, apetecível e diferente!
Embarquei nessa viagem...Parabens! Um bj e bom fds
Graça

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
talvez pudesse dizer que há dois tipos de viagens:
#1)aquelas maravilhosas resultados talvez de nossa melhor maneira de empregar nosso dinheiro;
#2) aquelas que escritores audazes como tu nos conduzem, à maneira deste texto.
Umas outras sabem a emoções. Esta de hoje foi um ágape.
Parabéns e muito obrigado,
attico chassot

Anônimo disse...

JAIR, destaquei seus 2 blogs no meu também! E obrigada mesmo pelo seu apoio, fico muito feliz que voce tenha gostado :)
beijos
Boa semana, e fique com Deus

Evanir disse...

Querido Amigo..
Sai de uma viagem entrei em outra
uma viagem anda pelo mundo a outro um texto de aplaudir por muito tempo.
Um caixinha de surpresa de dentro para fora do nosso cerebro.
Obrigada por não esquecer de mim.
Bjs feliz tarde de Domingo ,,Evanir.