quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Equilíbrio do terror



Sempre houve enorme polêmica em torno do armamentismo nuclear empreendido pelas duas mega potências, EUA e Rússia, desde o início da Guerra Fria nos anos cinquenta e até mesmo agora, decorridas seis décadas e depois da queda dos regimes comunistas. A chamada Guerra Fria baseava-se no que se convencionou chamar de equilíbrio do terror. A premissa aceita pela maioria apregoava que o armamento atômico era tão super dimensionado que, uma vez iniciada uma guerra, não haveria vencedores, e essa certeza de extinção mútua garantiria a inviabilidade de guerra com esse tipo de armamento. Como sabemos, depois da segunda grande guerra houve inúmeros conflitos, em nenhum deles se empregou armas nucleares, o que parece corroborar a asserção de um equilíbrio baseado no pavor.
Contudo, os pacifistas veem a simples existência de quaisquer tipos de armas ligadas a possibilidade de guerras, e a julgar pelo quadro atual de conflitos eles não estão errados. Contrariando os pacifistas, alguns historiadores e antropólogos sociais dizem que o desarmamento não afeta a frequência das guerras, porque os homens lutarão com unhas e dentes se não dispuserem de armamentos.
O escritor americano Samuel Langhorne Clemens, pacifista extremado, conhecido mundialmente como Mark Twain, conta que, como testemunha de um duelo na França, foi convidado a sugerir as armas a serem empregadas. Sua primeira sugestão foi a utilização de machados. A testemunha do oponente achou que eles provocariam derramamento de sangue, que era proibido pelo código francês. Twain então sugeriu, sucessivamente, canhão, fuzil, espingarda e revólver. Todos foram rejeitados. Ele propôs pedras a serem atiradas de 50 metros pelos duelistas. A proposição foi rejeitada pelos riscos que causaria aos transeuntes. Por fim, concordaram com uso de pistolas relativamente pequenas, de pouco alcance e pontaria deficiente, a uma distância relativamente grande. O duelo então teve prosseguimento, com satisfação recíproca por parte dos adversários que sequer causaram danos um no outro. Essa história sugere que a natureza das armas pode afetar não só a ocorrência do conflito como também seu resultado. Se as armas são de tal modo que ambos os contendores julguem que podem se destruir mutuamente, há menos probabilidade de que ocorra a guerra do que se elas forem de natureza a que ambos se julguem capazes de derrotar o adversário e incapazes de serem derrotados. Menos pode causar mais danos, neste caso.
Por essa razão, armas nucleares criaram um tipo de paz em que há terror recíproco, um tipo de paz em que o medo é o componente mais importante para gerar respeito. Os machados e canhões sugeridos por Mark Twain seriam os armamentos nucleares que impediriam o duelo, por mais belicista que essa conclusão possa parecer. Se não houvesse as pistolas pouco eficientes os duelistas teriam abdicado da disputa, não se arriscariam a uma morte certa ou a danos irreversíveis.
Todos os seres vivos têm como objetivo primeiro preservar a própria vida, suicídio e ações extremas que a ameacem são exceções que contradizem a orientação primeira da evolução, porquanto ações contra a própria vida inviabilizariam que autodestruidores deixem descendentes, quando a evolução determina que as espécies devem se perpetuar. Kamikazes e homens-bombas representam mentes obnubiladas por “ismos” niilistas que perderam totalmente a noção da finalidade da vida, não contam nem para fins estatísticos.
Desde que a civilização criou a entidade Estado, este se auto proclamou representante de seus cidadãos na relação com outros Estados, inclusive para a declaração de ações que põem a vida das pessoas em risco: a guerra. Pode parecer contraditório, seres humanos que têm a vida como bem maior, colocá-la em risco em nome de ideologias ou de algum “ismo” meio indefinido criado por outros homens. Acontece que quem declara guerra não são pessoas físicas, é o Estado através de seus políticos, administradores e diplomatas que, regra pétrea, não põem em risco suas vidas em armas, apenas definem quem deve arriscá-la e contra quem.
O soldado ao pegar em armas e entrar no campo de batalha sabe que vai morrer gente, mas, como ser pensante, tem certeza que sobreviverá, a morte é alguma coisa que pode acontecer com os outros. Então não há contradição entre a ferrenha disposição em preservar a própria vida e exercer uma atividade que poderá colocá-la em perigo, o soldado, além de contar com a certeza de que não vai morrer, sabe que se matar o adversário que quer vê-lo morto estará se defendendo.
As nações, apesar de colocarem pessoas para matarem umas às outras, sabem que dependendo do tipo de arma que o inimigo empregue, elas próprias poderão não sobreviver. Então, embora pareça politicamente incorreto afirmar, não há duvida que armas atômicas são um inquestionável fator dissuasor de guerras, a história recente nos compulsa assim concluir, correto? Errado. Houve mais guerras no século vinte do que em qualquer século anterior, não há relação alguma entre a existência de armas nucleares e a ameaça que elas representam, com inibição do elã guerreiro das nações. Se houver decréscimo nas atividades bélicas em algum momento de nossa história futura, seremos obrigados a creditar essa bênção a outra causa que não o equilíbrio do terror. JAIR, Floripa, 30/03/11.

10 comentários:

Professor AlexandrE disse...

Em teoria a guerra fria terminou com a queda do muro de Berlin, porém na prática, seus desdobramentos são sentidos até hoje...

Ótimo texto nobre colega...
Parabéns!

Vida Longa e Próspera...

Camila Paulinelli disse...

Olá,
Muito bom o texto!
Gostei da parte falando sobre a escolha das armas. Nao adianta desenvolver a arma mais potente se ela pode provocar a auto destruicao.
Beijos da nora,

Zilda Santiago disse...

Excelente texto e para lamentar o fato de sabermos que só o ser que se diz humano se matam uns aos outros por nada...Os irracionais quando matam estão defendendo a sobrevivência!!Bjs na alma.

R. R. Barcellos disse...

Uma vez que tenha deixado prole suficiente para a perpetuação da espécie, não é ilógico que o indivíduo sacrifique a vida em nome dessa mesma perpetuação. Isso é válido para a espécie? Para a tribo? Ponto a discutir.
Abraços.

Anônimo disse...

Parabéns, texto interessante. essa coisa de guerra fria, só em falar já me dar um arrepio, um medo grande, ainda bem que isso nunca aconteceu, pois existiu um equilibriu entre a União Sovietica e os Estados Unidos,pois se tivesse acontecido nem estavamos aqui contando a histório.

Leonel disse...

Jair, apreciei bastante a sua análise, que abrangeu os diversos aspectos da questão!
Mas, para mim, apesar de na época achar absurda a teoria do equilíbrio do terror (muito defendida pela facção dos "falcões" da política americana), pode ser que, afinal, a guerra nuclear não tenha acontecido por causa dela.
E, quando esteve a pique de acontecer, quase sempre foi por iniciativa dos caubóis ligeiros no gatilho, pois a estratégia comunista sempre foi de evitar o confronto nuclear a todo o custo!
Não é novidade que a U.R.S.S. tinha muito mais dificuldade de defender seu território do que os EUA. Pela situação geográfica, havia mais armas postadas capazes de atingir o império soviético em menos tempo do que dos russos em relação aos americanos. Por isto, os russos eram muito mais dedicados à radares de aviso e armas defensivas, enquanto os americanos sempre me pareciam mais predispostos a atacar.
Mas felizmente, apesar da infinidade de guerras convencionais do século passado, fomos poupados da estupidez nuclear!
Por enquanto...
Abraços!

Tais Luso de Carvalho disse...

Gostei muito de ler este seu texto. Lembro o quanto isso tudo foi e continua sendo aterrorizante. Mas estes são os seres pensantes que se dizem acima do bem e do mal. Matam-se por nada ou por muito pouco. E assim continuarão, não acredito em melhoras da espécie, aliás, bem o contrário. Quanto mais descobertas, quanto mais aperfeiçoamentos, maior o perigo. Os loucos não mudam, pioram e multiplicam-se. E descobrirão sempre novas armas, novos métodos de extermínio.
O que salva um pouco a humanidade é o equilíbrio das forças.

bjs
Tais Luso

JoeFather disse...

Brilhante visão meu amigo!

Grato pela recomendação!

Abraços!

Anônimo disse...

Embora tenha muitas palavras complexas as quais só entendi com um dicionário do lado, seu texto é MARAVILHOSO!
Mas da próxima, por favor sem linguagem muito coloquial. Não é só os professores que leem seu blog.
Obrigada!

Anônimo disse...

Professor gostei muito do seu texto, porem em questiono uma parte, de quando vc fala sobre possuir o poder atomico nao faz com que voce pense duas vezes em comecar uma guerra, pois quando a bomba atomica foi criada pelos EUA fez com que a guerra tivesse fim.