domingo, 19 de junho de 2011

O dia perdido




Depois de, somados meus anos de Força Aérea, 15 anos de labuta na aviação civil mais os anos que, ainda adolescente, trabalhei na indústria madeireira e no armazém de secos e molhados de meu pai no Paraná, pude computar quase 50 anos de trabalho e, assim, nada mais justo que agora goze de ócio permanente na forma de aposentadoria. Aposentei-me oficialmente há menos de dois anos e, de lá para cá, considero que todos meus dias são domingos, dia útil, naquela acepção do trabalhador atrelado à rotina desgastante de produzir e pensar no dinheiro do fim do mês, é algo que deixou de existir no meu calendário.
Coerente com meu novo status – aposentado de carteirinha – e, embora seja colecionador de relógios, deixei de lado horários rígidos e compromissos inadiáveis, não presto muita atenção às horas e, tampouco, me preocupo em demasia com o passar dos dias. Contudo, não parei com atividades prazerosas como ler e escrever. Já lancei dois livros e penso publicar outro ainda este ano, e minha cadência de leitura está em torno de setenta livros por ano, algo bem substancioso, considerando que as pessoas que mais leem no Planeta são os finlandeses com média anual de quinze livros. Escrevo no meu blogue e tenho uma coluna no jornal “Folha de Palmeira” da minha cidade natal no Paraná.
Como aqui em casa somos apenas minha mulher e eu, resolvemos que não vale a pena almoçar indoor. Todo o trabalho de preparar refeições e lavar a louça, além de sempre ter à mão os víveres frescos necessários para a confecção de almoço para apenas duas pessoas; e as inevitáveis sobras, nos parece desnecessário e nada prático, considerando que existem dezenas de restaurantes ao redor que oferecem os mais variados cardápios a preços acessíveis, nós almoçamos fora há mais de dez anos. Além disso, evita-se a rotina almoçando cada vez em lugar diferente. Costumamos frequentar mais de uma dúzia de restaurantes aos quais vamos a pé em caminhadas que beneficiam nossa saúde.
Também incorporei à minha vida, as viagens. Com dois filhos morando no exterior não falta pretexto para, pelo menos duas vezes por ano, deslocar-me com minha mulher para a Austrália e EUA, além de viagens pelo Patropi. Agora com uma nora oriunda do Canadá é bem possível que aquela geladeira ligada entre no roteiro dos deslocamentos internacionais.
No decorrer dos dias “comuns” passo muitas horas no interior do universo paralelo chamado internet, não dá para ser diferente, o portal (tela do PC) que se abre para aquele mundo é um convite irresistível que domina a mente do ser inquisitivo e curioso que sou.
Como disse no início, não me preocupo em demasia com o passar dos dias, entretanto, condicionado por quase cinquenta anos de escravidão a horários e calendários, minha mente está fortemente ligada a uma espécie de “timer” que computa dias e horas automaticamente. Ouso deduzir que esse mecanismo é uma variedade especial de vírus neuro-eletrônico o qual impõe ao cérebro um relógio que, mesmo contra a vontade expressa do portador, mostra o passar das horas e dos dias; assim, independente de consultar marcadores, “sinto” o decorrer do tempo e sempre sei com algum grau de precisão que dia é hoje e qual hora decorre.
Em nenhum momento incomoda-me essa ligação permanente com o tempo, entendo que sentir o passar dos dias, mesmo sem compromissos inadiáveis, é saudável e dá uma sensação de pertencimento, sensação de adequação, sem as quais o meu universo poderia tornar-se volátil, sem âncoras que o firmassem à vida real.
Agora, vejamos o que aconteceu esta semana. O mecanismo de registro temporal parecia perfeito no domingo, e, no decorrer de segunda ou terça, pareceu meio vacilante, não informava com precisão à minha mente a marcha dos dias, a informação do decorrer das horas não sofreu qualquer alteração. Lá pela quarta ou quinta (não sei com certeza porque a informação do timer já não mais estava confiável), causou-me certa confusão ter lido no blogue de um amigo, referência ao dia como sendo quinta quando “parecia” ser quarta. De qualquer forma, continuei o andamento de minhas coisas sem me ater muito aos dias e horas, como sempre faço. Só que no “meu” calendário hoje era para acordar sexta feira e amanheceu sábado! O que é isso? Perdeu-se um dia? Minha contagem automática do tempo falhou e me deixou no vácuo? Não sei, mas, com certeza, perdi um dia de minha vida e não sei para onde foi, mas desconfio que ele caiu num buraco negro temporal. E pior, não sei qual dia perdi, minha semana teve apenas seis dias e o dia perdido foi tão completamente apagado que nem o nome dele consigo saber! Esse dia tornou-se o 30 de fevereiro de minha vida! É meio insano, mas pura verdade. JAIR, Floripa, 18/06/11.

9 comentários:

Leonel disse...

Cara, fico feliz de saber que estás levando uma vida razoável, como merece, pelo duro que destes na tua mocidade.
O bom de todo este episódio da perda do dia é que ele não vai fazer falta nenhuma!
Me deixastes feliz neste belo domingo!
Abraços, Jair!

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
teu saboroso texto me trouxe enseja pelo menos dois sentimentos: o primeiro de uma santa inveja. Nunca sei como um pecado pode ser santo. Deixo este assunto para meus queridos amigos teólogos. Para mim, diferente que para ti, até os domingos precisam se tornar dias úteis, pois não dou conte de minha agenda, mesmo que já tenho 50 anos de sala de aula ‘não consegui’ assumir ser bi-aposentado de carteirinha.
A maneira gostoso como viveste um possível dia perdido, criando um 30 de fevereiro;
Parabéns por teres sete domingos por semana.
Invejosamente a admiração do

attico chassot

Brandina disse...

Jair, nós moramos numa ilha maravilhosa onde pessoas de vários lugares do mundo aqui desfrutam férias, somos privilegiados. Nos sentimos em férias permanente nesse paraíso que é Floripa, a ilha da magia. Bjs.

R. R. Barcellos disse...

- Seguramente, uma "receita para uma aposentadoria feliz" começa sempre com a "receita para uma família feliz"; e vocês são "chefs" e "gourmets" - prepararam-na com mestria e a degustam com prazer.
- Quanto ao dia perdido, parece-me que você andou dando a volta ao mundo ao melhor estilo de Fernão de Magalhães... e como ele, esqueceu-se de acertar o calendário no meio do Pacífico...
- Abraços aos dois.

Adri disse...

E para complicar o seu relogio biologico… O horario da Australia e dos EUA, sao diferentes do seu fuso horario… por exemplo… Bem, hoje de manha para mim seria o teu ontem a noite para mim… Um fato Complicado.. ao mesmo tempo que a tua manha seria minha noite do mesmo dia..

Cesar Maluche disse...

Floripa é um Paraíso. Eu vou ser seu vizinho kkkkkkk

Anônimo disse...

Nada mais justo, eu digo! Uma pessoa que vive cada dos seus dias completamente, seguindo a ordem de "carpe diem" tem todo o direito de perder um ou outro dia. É o equivalante ao bloqueio de escritor de grandes escritores.

Gus

Camila Paulinelli disse...

Olá
Adorei a parte do lapso temporal. Acho fantástico. Para mim siginifica você estar vivendo plenamente num ritmo so seu. Esplendido quando ocorre.
Beijos da nora,

Joel disse...

Jair. Merecidíssima essa vida de aposentados que levamos, mas, não nos esqueçamos que para Fernando Henrique Cardoso, (que tem tres aposentadorias) não passamos de um bando de vagabundos.
Grande abraço,
Joel