quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sobre atmosfera


Em nenhuma parte, a vulnerabilidade e a interdependência da biosfera total são mais evidentes que no envoltório atmosférico, o qual está sendo invadido, cada vez mais, pelas atividades industriais irresponsáveis do Homo sapiens. É mais ou menos evidente que nunca passou pela mente humana que o próprio “céu”, por assim dizer, poderia ser sensível às nossas ações. Contudo, essa idéia errônea poderá ser repensada se nos voltarmos, por um momento, talvez dez segundos apenas, ao nosso conhecimento das leis da física e da química, das forças naturais e da evolução do Planeta através da eras geológicas. Lembremos o efeito-escudo que a atmosfera exerce sobre a superfície da Terra. Durante muitos milênios, o nível de calor do Planeta manteve-se bastante uniforme mediante um equilíbrio natural. Embora períodos glaciais tenham se sucedido, estes eram (são) parte do ciclo que a própria Terra se submete de tempos em tempos e aos quais a biosfera se adapta ao longo da história geológica do globo. A radiação solar que aqui chega, somada com o calor que a própria Terra emite, praticamente iguala-se à quantidade de radiação que é obstruída pela camada atmosférica, ou que é refletida pelas calotas polares, águas e continentes.

As diferentes partes do Planeta estão, obviamente, sujeitas a diferentes graus de esfriamento e aquecimento e seus intercâmbios – através de oceanos, ventos e correntes marítimas – constituem o clima íntegro totalmente interdependente da Terra. Nos trópicos absorve-se maior quantidade de calor do que nas regiões polares altamente reflexivas. O calor gerado na região tropical tende a elevar-se, sugando o ar que vem dos pólos o qual resfria os trópicos. Contudo, esse movimento aparentemente direto, é imensamente complicado pela rotação da Terra, pelo acúmulo de terra em certas regiões mais que outras, pelo relevo onde cadeias de montanhas agem como paredes que obstruem a livre circulação dos ventos e pela distribuição de matas e desertos. Com tantas variáveis não é de surpreender que os sistemas climáticos locais exibam grandes variações com respeito às normas esperadas. Essa dinâmica climática é de tal complexidade que devemos esperar o clima global sofrer profundas mudanças. É sintomático que os primeiros supercomputadores a se tornarem operacionais foram (e são) utilizados nas montagens de modelos meteorológicos para análise e previsão climáticas.

Sabemos que falando em história natural da Terra, estamos num período entre eras glaciais e que a última era glacial, chamada do Pleistoceno, durou mais de um milhão de anos. Também nos contam as análises feitas através do gelo acumulado nos pólos e na Groenlândia, que existiram cinco ou seis períodos em que a Terra sofreu esse resfriamento terrível.

Claro que o homem nada tem a ver com essas variações climáticas radicais do passado e, em vista da escala de energia envolvida, parece razoável supor que, por mais deletéria que possa ser a atividade do ser humano no Planeta, ele jamais será capaz de realizar tamanha façanha. Parece que o clima é maior que a incúria humana. Será mesmo? Pois é, para entendermos essa equação devemos levar em conta outra faceta da vida sobre o Planeta: a fragilidade do equilíbrio dos sistemas que torna possível a diversidade e perenidade da vida. Com respeito ao clima, as radiações solares, as emissões do solo, a influência global dos oceanos, e o efeito do gelo, sem dúvida, são muito amplos e ficam fora do alcance de qualquer lambança direta do homem. Entretanto, o equilíbrio entre a radiação de chegada e a de saída, a interação das forças que mantém o nível global médio da temperatura parece ser tão delicado, tão sensível, tão preciso, que as mudanças mais leves em quaisquer fatores componentes da equação poderiam transtornar o sistema todo. Mais uma vez, o Efeito Borboleta parece impositivo, não há saída. Lembremos que um lápis equilibrado verticalmente sobre sua extremidade chata está instável, qualquer mínima força exercida sobre ele o derrubará, assim é o equilíbrio da atmosfera. Pode ser necessária apenas uma mínima modificação no equilíbrio instável da energia do Planeta para modificar a temperatura média em 2°C, por exemplo. Se a média descer podemos esperar uma era glacial, se subir, as temperaturas maiores causarão efeitos catastróficos nas colheitas, nos oceanos e nos ventos, será um caos mortal.

Os cientistas estão preocupados em identificar os pontos nos quais as ações humanas, por minúsculas que sejam, podem desencadear pequenas, porém fatais mudanças que alteram o equilíbrio do “lápis na vertical”. Contudo, quaisquer que sejam as ações nocivas humanas, já se sabe que a nossa capa atmosférica apresenta alterações preocupantes, e o aumento das nuvens Cirrus pode ser um importante indício que o equilíbrio está ameaçado. A dificuldade consiste em saber que efeitos tais mudanças podem causar. Se as nuvens reduzirem realmente a passagem de radiação solar, podemos esperar uma redução de temperatura com efeitos deletérios que só podemos inferir. Se as nuvens atuarem como tampão impedindo a radiação refletida de sair da atmosfera, podemos ter o chamado “efeito estufa” e o aumento intolerável de temperatura. Isto é, qualquer que seja a consequência, nós perdemos. Então, caros companheiros viajantes dessa espaçonave chamada Terra, o futuro da humanidade só depende de reconhecermos as burradas que fazemos e, depois disso, corrigirmos nossa rota de colisão com o absurdo. JAIR, Floripa, 15/12/10.


4 comentários:

R. R. Barcellos disse...

- Boa, Jair! E é sabido que temperaturas acima de 0 celsius derretem o gelo com velocidade proporcional à temperatura, enquando temperaturas negativas congelam a água quase imediatamente, independentemente da intensidade do frio, reduzindo a zero a umidade relativa. É no limite das neves eternas - em latitude ou altitude - que os primeiros efeitos se manifestam.
- Parabéns pelo texto. Abraços.

Leonel disse...

Jair, felizmente, o homem domina apenas algumas das variáveis que influenciam no clima. Isto não quer dizer que estamos a salvo, como você explicou usando o equilíbrio do lápis como exemplo. Apenas significa que, se pudessemos influenciar em mais variáveis, talvez já estivessemos extintos!
Pode ser que ainda haja tempo de recuperar alguma coisa se começarmos agora, mas o que não se vê é disposição para as ações!
Alguns chefes de estado, como Hitler, querem que sua morte seja também o fim do mundo! Para ele, depois que morrer, nada vai importar, portanto, dane-se!
Denúncias como a sua nunca serão demais!

José María Souza Costa disse...

Parabens, parabens mesmo pelo texto. Não lhe convido a seguirmos pelos blogues, por que o meu é muito simplório. Mas passei aqui lendo e gostei de verdade. Abraços

J. Muraro disse...

Jair, você é um "pensador", com ou sem aspas. Tuas matérias merecem ser muito mais divulgadas. Elas estimulam os leitores a reflexões sadias a respeito do planetinha azul, como você o chama. Parabéns e continue cutucando o boi que está dormindo, quem sabe algum dia ele acorda.