Normal, cada entidade, cada órgão, cada repartição, cada empresa pública tem sua característica, tem seu jeito de funcionar ou de apresentar-se. Dentro dessa definição de particularidade, inerente não só à função da entidade, mas também das características até geográficas, cada Base Aérea desse Brasil varonil é uma base diferente das suas congêneres. Portanto, há bases mais administrativas como Brasília com seus aviões executivos: outras guerreiras com Santa Cruz que abriga grupos de caça; e outras mistas que abrigam esquadrões guerreiros e repartições administrativas, como a maioria é constituída.
Assim, a Base Aérea de Canoas era uma base mista com um esquadrão de caça, o 1º/14º Grupo de Aviação, o 5º Esquadrão de Transporte Aéreo e o 3ª ECA, Esquadrão de Controle e Alarme. A BACO, com é chamada, sempre foi uma base imponente e agitada com seus Gloster Meteor (F-8) e Dakotas (C-47) pousando e decolando a toda hora. Os céus de Canoas e as vidraças das casas eram sacudidos a todo momento pelo barulhentos motores Rolls-Royce de compressor centrífugo que equipavam as aeronaves F-8; em terra, a BACO era animada e uma unidade bem interessante de servir na década de sessenta, quando por lá trabalhei.
Lembro que as instalações físicas da Base eram bem distribuídas, com seus hangares situados distantes uns dos outros, mas juntos aos amplos pátios de fácil acesso às pistas de táxi; os prédios administrativos rodeavam o epicentro da Base onde havia uma praça com o indefectível avião obsoleto sobre pedestais – no caso um belo P-40 que havia sido substituído pelo F-8 quando a caça entrou na era do jato. Nessa praça existia um laguinho ornamental com água corrente povoado de peixes. Havia lambaris, carás, mandis, bagres e até alguns peixes menos conhecidos. O lago era xodó do vice-comandante, Tenente Coronel Romildo, o qual, segundo contava-se, havia trazido a maioria daqueles espécimes, de rios da região onde costumava pescar. Pois é, estava eu uma tarde depois do expediente, dando restos de lanche para os peixinhos quando fui flagrado pelo TC Romildo, o qual notando meu interesse nos ditos incumbiu-me, a partir daquele dia, de alimentá-los com iscas de carne que eu estava autorizado a pegar com o cozinheiro no rancho dos Oficiais. De certa forma passei a ser o tratador oficial dos peixes dalí em diante, nada mal, pois isso me permitia uma certa intimidade com o cozinheiro e, às vezes, essa relação acabava proporcionando alguma comida um pouco melhor por baixo do pano e fora dos horários normais de refeições.
Então, com todas suas particularidades a BACO seria apenas mais uma Base Aérea sem maiores distinções de outras tantas bases espalhadas pelo país, se não fosse um detalhe: A BACO possuía uma Patrulha Montada, isso mesmo, o leitor não leu errado, a Base de Canoas tinha uma ativa e solene Esquadrilha de Cavalaria. Não uma esquadrilha em que helicópteros substituem cavalos como a Esquadrilha do Coronel Kilgore (Robert Duvall) do filme “Apocalipse Now” de Copolla, mas uma tropa montada que patrulhava a Base. A PM, como era conhecida, constituía-se de cavalariças, potreiros, instalações para silagem de alfafa, alojamentos para os cavaleiros, serviço veterinário e um plantel de uns vinte e tantos cavalos e éguas das melhores raças. A esquadrilha era virtualmente comandada pelo sargento Brinholis que, embora do quadro de infantaria, saía-se muito bem como cavalariano por ter sido peão de fazenda em sua juventude nas coxilhas gaúchas. Ele se orgulhava de suas habilidades hípicas e não fazia segredo disso. Nominalmente era um oficial que comandava a esquadrilha, mas este, em geral, não tinha intimidade com os equídeos, de forma que delegava toda e qualquer decisão ao sargento Brinholis que adorava o que fazia. Por ocasião dos recrutamentos, dentre os soldados perguntava-se quais gostariam de trabalhar com os cavalos, e os voluntários passavam então a fazer parte da Cavalaria Aérea, se esse nome cabia. Diga-se que não nada difícil encontrar efetivo para a atividade equestre, porquanto muitos soldados eram oriundos dos pampas e afeitos às lides cavalarianas desde o berço, por assim dizer.
Aos visitantes que lá chegavam durante o inverno, poderia parecer bem estranho aqueles centauros, seres metade cavalo metade humanos, cobertos com uma grande capa que deixava apenas a cabeça do ginete e os pés e cabeça do animal de fora, fazendo ronda no perímetro imerso em neblina da Base. Essa imagem era comum para nós, os militares que lá servíamos, mas inusitada para os viajantes não afeitos às idiossincrasias da BACO que, sob o aspecto do inusual, ganhava de qualquer estranheza que outra base pudesse apresentar.
Entretanto, por volta da época em que os F-8 foram desativados, substituídos por F-33 em 1971, embora a cavalaria aérea se justificasse como instrumento ágil para rondas eficientes na periferia da base, grande parte dos aviadores de caça, afeitos à tecnologia de ponta, não conseguia entender porque usar cavalos, quando jipes fariam a mesma coisa com mais agilidade e menos despesas. Além disso, na opinião deles, a cavalaria era démodé, algo arcaico e pertencente a um passado perfeitamente descartável em nome da modernidade. Parece que as autoridades de Nova Iorque não concordam com essa opinião, pois até agora no século vinte e um, as ruas centrais daquela cidade são patrulhadas por duplas de cavalarianos. Além disso, no Canadá existe a lendária Polícia Montada que desmente qualquer ranço de atavismo que por ventura possa existir a respeito de cavalos. Em consequência, a cavalaria foi desativada nos anos setenta e nem sequer teve a despedida solene que merecia, os cavalos foram doados a quartéis do Exército e as instalações passaram a ser usadas como depósito de suprimentos.
Finalmente parece que, num viés ecológico, a racionalidade voltou à mente dos mandantes atuais da BACO, a Patrulha Montada voltou a funcionar. A partir do início de 2010 está em plena atividade rondando as cercanias da Base. Sem bairrismo, acredito que a cavalaria confere romantismo e um charme especial à Base de Canoas, e creio essa distinção é o que a torna única inter pares. JAIR, Canoas, 23/12/10.
5 comentários:
Jair, obrigado por esta viagem no tempo que você também me proporcionou!
Eu dei meus primeiros passos bem sob o caminho dos Douglas C-47 que faziam a tomada de pista para pousar no Aeroporto Salgado Filho, depois fui morar num lugar mais elevado, de onde via a linha de Glosters F-8 Meteors prateados brilhando ao sol, no estacionamento da base de Canoas. O ruído uivante dos motores Rolls-Royce daquelas máquinas mexia comigo, que sonhava um dia estar em um deles.
Mas, teve um episódio insólito já mais tarde, naqueles tempos da ronda à cavalo na BACO: um sargento, meio inseguro se equilibrando sobre o cavalo durante a ronda, foi engatilhar a pistola Colt .45 e, num momento de imperícia, acabou disparando a arma, que atingiu a cabeça do pobre animal, matando sua própria montaria!
Surpresa, saber que os cavalos voltaram!
Coisa de gaúcho...
- Há lugares cuja topografia exige patrulhas a pé, outros que permitem a ronda por veículos motorizados. Entre esses extremos está a cavalaria clássica - mais rápida que a infantaria, mais ágil que carros armados.
- Mas independentemente dessas considerações práticas, o valor da cavalaria está em suas tradições milenares, no seu romantismo e, principalmente, na integração do ser humano com a natureza - bem simbolizada por você, meu amigo, com o epíteto de CENTAURO aplicado à dupla cavalo/cavaleiro. E como disse Leonel... você também sabe guiar seus amigos em belas excursões pelo tempo. Parabéns.
Oi Jair
Passando para lhe um Feliz Natal, com muita Paz e Harmonia...
Olá Amigo Jair,
Que os olhos da Alma te permitam ver e te proporcionem o encontro com o Menino recém-nascido... todos os dias...!
Desejo-te... a ti e à tua Família... FELIZ NATAL!
Pô Batraquio, adorei, não tinha lido ainda, e fiz uma bela viagem no tempo, lembrando quantas vezes o Dias ( que era da Patrulha)quase me matou de susto ao me acordar na guarita com o 45 no nariz, e isto sem nunca me entregar.
Abração
Fabio
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