A verdade é que o “evento” guerra representa, no decurso da história do Homo sapiens, algo inseparável de sua evolução social rumo à civilização, e também o leitmotiv da maioria de suas conquistas, territoriais, sociais e científicas. O que intriga os antropólogos, sociólogos e historiadores modernos é o porquê da guerra, onde está a origem dessa aparente anomalia de comportamento social a qual contraria o próprio curso natural das coisas: A preservação da vida.
De acordo com os conhecimentos convencionais das origens do homem, tudo que diz respeito à violência humana – aqui entendida como qualquer tipo de violência, não só as guerras – é explicado como uma consequência da longa fase pré-histórica em que homens foram caçadores de animais, e muitas vezes caçados por estes. Foi a vontade de comer carne e a necessidade de matar para consegui-la que supostamente nos diferenciaram de outros primatas, fazendo com que sejamos ao mesmo tempo inteligentes e cruéis, sociáveis e dominadores, desejosos de matar e capazes de repartir a caça. Ou seja, somos uma espécie de predadores – “assassinos por natureza” – que mantivemos o costume de lutar até quando nos tornamos agricultores-pastores.
Com a revolução neolítica – período no qual inventamos armas e utensílios de pedra e dominamos animais que nos facilitaram a vida – a caça de mamíferos selvagens já não era prioridade, tornou-se eventual e complementar aos alimentos obtidos através do pastoreio e agricultura. Contudo, um sentido de “propriedade” substituiu o nomadismo errático e fez com que tribos se estabelecessem em regiões que podiam ser contestadas como áreas de caça de outras tribos, gerando conflitos. À procura de animais abatíveis, tribos “invadiam” esses territórios para caçar e esse ato, não raramente, gerava antagonismos armados com mortos e feridos, que hoje podemos chamar de guerras. Assim, nasceu o culto da guerra, esta se tornou, de certa forma, algo acima da simples disputa, algo sagrado que, em última análise, dizia respeito à sobrevivência própria e ao extermínio de outrem, se necessário fosse. Algo como: para eu viver é necessário que outros morram, então devo matá-los, porque não há sentido em que eu morra.
Há consenso que, grande parte da “natureza humana” foi estabelecida nos cerca de dois milhões e quinhentos mil anos em que o Homo viveu em pequenos bandos e tribos, alimentando-se de animais e plantas. Acredita-se que nossa relação peculiar e contraditória com a violência tem origem na experiência primordial que mantivemos como espécie inteligente que tinha que se manter viva a custa de sacrifícios de outras vidas. Como disse anteriormente, essa experiência não era só de caçar para sobreviver, era de ser caçado e prover sobrevivência a outros, que no início eram só animais selvagens, depois evoluiu para “caçar” e se “caçado” por outros homens. Acredita-se que o surgimento da guerra e sua incorporação como fato cultural não foram bolados e projetados de propósito por um predador arrogante que se via acima de outros viventes. Foi, antes, uma consequência direta e natural da duríssima luta de um ser fraco mas inteligente, pela sobrevivência. Por paradoxal que pareça, a violência, ao invés de ameaçar a existência do homem, permitiu que este sobrevivesse e dominasse o Planeta, mesmo a custa da morte de seus oponentes pela guerra. Guerra e civilização têm tudo a ver, a humanidade deve a seus atos violentos e à guerra, sua atual posição privilegiada na fauna do Planeta. Isso não quer dizer que todos os atos modernos de guerra sejam justificáveis, apenas explica como nasceu a arte e a técnica de matar a granel e com justificativa, o quê, em última análise é a guerra.
Na verdade, como e porque a guerra foi incorporada ao modus vivendi do homem, não importa. O fato é que ela se espalha, propaga-se através do tempo e do espaço com mesma aterradora firmeza de um animal que abocanha a presa. A guerra se espalha e se perpetua numa dinâmica própria que, às vezes, parece virtualmente dissociada da vontade humana. Ou, como costumamos dizer de coisa que não entendemos direito, a guerra tem “vida própria”. Ainda que vivamos num dia-a-dia sob guerras constantes espalhadas pelo Planeta, a análise das guerras modernas requer uma vida inteira para elaborá-la, e não sou eu quem vai fazer isso, me faltam fôlego e conhecimentos. JAIR, Floripa, 18/11/10.
6 comentários:
Alô, amigo Jair, outro show de análise! Mais uma vez você coloca a humanidade no divã e extrai o seu ID!
O fato é que os tais agricultores-pastores na verdade nunca deixaram de ser caçadores, mesmo que tivessem outras fontes de alimentos. O homem ainda não conseguiu se libertar do fascínio das caçadas, mesmo tendo as prateleiras do supermercado à sua disposição, com toda a carne do mundo!
E a guerra sempre arranja uma desculpa para começar. Os americanos costumavam dizer que a violência é tão americana como a torta de maçã. Poderiamos dizer que a guerra é tão inerente ao ser humano como respirar, comer ou amar.
Infelizmente!
Quando superarmos estes monstros interiores, talvez estejamos mais um degrau acima, na nossa evolução. Textos como o seu podem nos ajudar a despertar!
Abraços!
Grande pensador JJ
Interessante essa abordagem sobre a guerra. A sobrevivencia preenche muitos requisitos para ser vista como a grande desencadeadora dos conflitos. Observo que em nosso planeta a necessidade de sobreviver gera conflitos e aliancas que tem como objetivo final a sobrevivencia das especies. Nascemos lutando, vivemos lutando e morremos lutando, nossa ultima batalha, normalmente quando ja estamos debilitados, salvo algum acidente que venha apressar o fim.
O homem, como acabou sendo o ser dominante, povoou o mundo e, acrescentando a intelectualidade, potencializou os conflitos nas proporcoes que conhecemos por guerra.
Abraco.
VRO.
Olá,
Na minha opinião, enquanto seres vivos existirem, a guerra estará ativa. Em qualquer espécie há rivalidade, portanto, guerra. Numa análise utópica, se fôssemos capazes de anular o botão "start" da ira, talvez teríamos um mundo pacífico. Me lembrei do filme "Laranja Mecânica", no qual submeteram o infrator a uma experiência, onde ele não tinha mais a capacidade de brigar. Seria perfeito se funcionasse na nossa realidade repleta de corrupção.
Beijos da Nora,
- Como você afirmou, Jair, o tema é por demais abstruso para uma análise breve - mas mesmo assim, você cobriu os aspectos principais com a mestria de sempre. Permita-me citar o comércio como outro grande agente da civilização - às vezes tão feroz e rapace como sua irmã gêmea - a guerra - a qual muitas vezes é deflagrada por interesses mercantilistas. E é curioso observar como a guerra, uma vez terminada, leva amiúde ao estabelecimento de relações comerciais entre os ex-beligerantes - relações que podem ser realmente profícuas para ambos os lados. Estão aí as nações do Eixo para exemplo. Abraços.
Queiramos ou não a guerra está presente no nosso mundo, será que a racionalidade do homem, um dia, porá fim a essa irracionalidade?
São várias as definições de guerra. Ela existe antes do homo. Se é para matar para sobreviver, então os animais também travam uma guerra (de sobrevivência) entre eles. De qualquer forma: guerra é guerra. Nao é mesmo?
Simples?????????????
Abçs
STZ
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